INVENTÁRIO
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
BENS COMUNS DO CASAL
CONTA SOLIDÁRIA
DEPÓSITO BANCÁRIO
SEPARAÇÃO DE FACTO
CÔNJUGE
PROPOSITURA DA AÇÃO
DIVÓRCIO
EFEITOS DO DIVÓRCIO
DATA
ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DOS CÔNJUGES
Sumário


I - Integram o património comum do (ex)casal, com vista à partilha subsequente ao divórcio, não apenas os bens existentes à data da propositura da acção, mas também aqueles bens que ao património comum devem ser conferidos por um dos ex-cônjuges, como se extrai do art. 1689º, nº1, do CCivil.
II - Uma coisa é o momento a partir do qual se produzem os efeitos do divórcio (propositura da acção), e ao qual a partilha uma vez realizada poderá retroagir, outra bem diferente é a natureza do património comum que só termina com a partilha dos bens comuns.
III - Em obediência a tal princípio, deve ser relacionado como bem comum a quantia depositada em duas contas solidárias que um dos ex-cônjuges levantou em proveito próprio, no mês anterior à propositura da acção.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, na sequência da decisão proferida no processo de inventario para separação de meações que corre seus termos entre autor e ré (que se encontra suspenso) contra BB, peticionando que, na procedência da acção, e em consequência dela:

a) Seja declarado e reconhecido que as verbas em dinheiro descritas e relacionadas no artigo 11º da Petição Inicial (verbas n.ºs 1, 2, 3 e 4 da relação de bens) são bens próprios do Autor e devem continuar assim relacionadas, apenas e tão só para efeitos da sua futura adjudicação no Inventário nº 1120/17, do Cartório Notarial de ....

b) Seja declarado que as verbas descritas e relacionadas no artigo 19º da Petição Inicial (verbas n.ºs 31, 32, 33, 34 e 35 da relação de bens) são bens próprios do Autor;

c) Seja declarado e reconhecido que as verbas descritas e relacionadas no artigo 19º da Petição Inicial (verbas n.ºs 5, 51 e 72 da relação de bens) são bens comuns do dissolvido casal e como tal continuar relacionadas no processo de inventário.

d) Seja declarado que a verba relacionada como dívida activa no inventário, melhor referida e identificada nos artigos 20º, 21º, 22º, 24º, 25º e 26º da Petição Inicial, seja mantida, apesar de reformulada a sua identificação como: «direito de crédito do património comum respeitante à benfeitoria designada como prédio urbano sito no lugar de ..., freguesia de ..., composta por casa de habitação, anexos constantes de piscina, armazém, estufas, garagem, sala de jogos, lavandaria, churrasqueira, salão de festas, salão de cabeleireiro construído a expensas de ambos os conjugues». devendo ser relacionada como direito de crédito comum do dissolvido casal, por integralmente realizadas nos prédios correspondentes aos artigos 209º urbano e 1522º rústico, da freguesia de ....

Alegou para tanto e em síntese, que os bens que identificou devem ser qualificados comos bens próprios e os que devem ser identificados como bens comuns.

Alegou ainda o direito de crédito por benfeitorias que defende terem sido executadas nos dois imóveis que identifica: artigos 209º (urbano) e 1522º (rústico).

Em relação às quantias monetárias mencionadas nas verbas 1 a 4º defende que resultam de rendimentos próprios e não da ré e não integram o património comum, ao contrário do que sucede com a quantia de 10.000,00 Euros, incluída na verba nº5 que é um bem comum e não um bem próprio da ré, o que também sucede com as verbas 51º e 72º que considera serem bens comuns.

Citada, a Ré contestou por impugnação e deduziu reconvenção pedindo:

a) Seja declarado que as verbas levantadas pelo autor de contas comuns do casal poucos dias antes da instauração do procedimento Cautelar de Arrolamento e da acção de divorcio no valor total de 293.700,00 euros, sejam reconhecidos como bens comuns do casal a partilhar;

b) A condenação do autor ao pagamento de metade da totalidade dos juros sobre as quantias levantadas das contas comuns à taxa legal em vigor e até ao definitivo reconhecimento de tais verbas como bens comuns, juros estes a contabilizar a final.

Foi proferida sentença que decidiu:

A) Julgar improcedente o pedido formulado pelo autor na alínea a) e considerar as verbas com os n.ºs 1 a 4 da relação de bens como bens comuns;

B) Julgar parcialmente procedente o pedido formulado na alínea b) e determinar que sejam considerados como bens próprios do autor duas telas com imagens africanas e que estão na posse da autora e relacionar como bem comum, paletes de meias canas de gesso. Todas os restantes móveis identificados nas verbas 31º a 34º devem ser eliminadas;

C) Em relação ao pedido formulado na alínea c) decide-se manter como bem comum a verba identificada sob o n.º 51 (veículo automóvel) e reduzir a verba n.º 5, como bem comum, para a quantia de € 961,63 (novecentos e sessenta e um euros e sessenta e três cêntimos).

D) Em relação ao pedido formulado na alínea c), decide-se ainda qualificar como bem próprio da ré a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) relacionada na verba 5, excluindo tal valor que passará a ter o saldo identificado na alínea anterior. Qualificar o imóvel identificado na verba 72 como bem próprio da ré;

E) Julgar parcialmente procedente o pedido formulado na alínea d) e determinar que seja relacionado como direito de crédito a título de benfeitorias as obras identificadas nos pontos 28º e 29º dos factos provados e pelo valor aí indicado, obras realizadas no prédio urbano correspondente ao artigo 209º;

F) Julgar procedente a reconvenção e determinar que seja relacionada como bem comum a quantia de € 293.700,00 (duzentos e noventa e três mil e setecentos euros) que o autor levantou das contas identificadas nos pontos 38º e 39º dos factos provados, acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal de 4 % desde a data dos seus levantamentos até à data da instauração da acção de divórcio.

O Autor apelou da sentença, mas sem sucesso, pois que a Relação confirmou inteiramente o julgado.

Continuando inconformado, o Autor interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no art. 672º, nº1, alíneas a) e c), do CPC, 1, tendo formulado as seguintes conclusões:

1ª. O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou a decisão da primeira instância pela qual julgo improcedente a acção intentada pelo autor e procedente a reconvenção deduzida pela recorrida no sentido de incluir na relação de bens comuns valores levantados pelo autor e recorrente antes da propositura da acção de divórcio.

2ª. O pedido efectuado pelo Recorrente nos presentes autos é, entre outros relativos a benfeitorias, o reconhecimento de que os valores constantes nos saldos bancários arrolados e melhor identificados por ele na relação de bens apresentada no processo de inventário são bens próprios.

3ª. Acresce que em sede de reconvenção à referida acção, a recorrida veio peticionar que fosse declarado que os levantamentos feitos pelo recorrente no mês anterior à entrada da acção de divórcio sejam relacionados como bens comuns

4ª. O aresto em causa funda-se na questão do momento em que se produzem os efeitos do divórcio, designadamente os patrimoniais entre os cônjuges, para saber depois o que poderá ou não ser considerado bem comum.

5ª. Essa mesma questão de direito foi já objecto de apreciação por vários arestos da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça também.

6. Designadamente, e para o que ao recorrente interessa nestes autos, pronunciou-se sobre a mesma questão fundamental de direito, o STJ, em Acórdão datado de 26/11/2014, com decisão transitada em julgado, e que constitui Acórdão- Fundamento nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 672º do CPC.

7ª. No Acórdão- fundamento vem, além do mais, referido, na respectiva fundamentação, que

“O objecto do recurso coloca, desde logo, como uma das questões fulcrais a solucionar, saber qual o alcance dos efeitos patrimoniais da dissolução do casamento já que, segundo o art 1789º, n1 do CCivil, “os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito da sentença em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da propositura da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges”.

Não vem comprovada a data da separação de facto do casal ou cessação da coabitação dos cônjuges e, daí que não seja de observar, no caso dos autos, o estatuído no n2 do citado art. 1789º.

Como bem se observa no Acórdão deste Supremo invocado pelo recorrente, citando os Profs. Pires de Lima e A. Varela, in C. Civil anotado, IV, 2º edição, p. 561, “com a ressalva de que os efeitos do divórcio, nas relações patrimoniais entre os cônjuges, se retroagem à da propositura da acção, a lei pretende evitar que um dos cônjuges seja prejudicado pelos actos de insensatez, de prodigalidade ou de pura vingança que o outro venha a praticar, desde a proposição da acção sobre os valores do património comum.”

8ª. Para concluir que, “sendo assim a operação de transferência bancária, ainda que feita sem autorização da requerente, enquadra-se no exercício de um acto de gestão feito na constância do casamento, não impugnado pela requerente e antes da propositura da acção de divórcio, não tem que ser relacionada (cfr. também neste sentido o Ac STJ de 2.5.2012 acessível via www.dgsi.pt cuja cópia se encontra junta a fls. 300 a 317.)”

9ª. Portanto, tal acórdão abraça a tese de que apenas podem ser partilhado como património comum os bens e direitos existentes à data da propositura da acção.

10ª . Em clara contradição com o acórdão proferido nestes autos, mediante o qual devem ser partilhados, não só os bens existentes à data da propositura da acção, bem assim como os existentes em momento anterior a esse que tenham de ser conferidos por um dos cônjuges ao património comum.

11ª. Em ambos os arestos, estão em causa levantamentos efectuados de contas bancárias tituladas por ambos os cônjuges, em momento anterior à propositura da acção de divórcio, assim como em ambas as decisões não foi fixada data de separação de facto.

12ª.Estamos, pois, perante um evidente caso de contradição de julgados que, de per si, fundamenta a presente revista excepcional, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 672º do CPC.

13ª. Mas, a situação dos autos, dada a sua relevância social e importância do ponto de vista jurídico desta matéria, assume-se também como pressuposto para o preenchimento da alínea a) do mesmo normativo legal (672º, n.º 1 do CPC).

14ª. Na verdade, está em causa a interpretação do disposto no artigo 1789º do CC no que toca ao momento em que se produzem os efeitos do divórcio ao nível patrimonial.

15ª. Questão que assume relevância extrema em termos de partilha para separação de meações.

16ª. Deve, por isso, também e ainda por esta via, ser admitida a presente revista de carácter excepcional, por se acharem cumpridos ainda os pressupostos da alínea a) do n.º 1 do referido artigo 672º do CPC.

17ª.Atendo-nos agora nos fundamentos da revista, sempre se dirá que a questão essencial gira em torno de saber em que momento se operam os efeitos do divórcio em termos patrimoniais.

18ª.O que tem influência directa na qualificação a atribuir aos bens, que podem ser de natureza própria ou comum.

19ª. No caso concreto dos autos, a presente ação foi proposta, encontrando-se pendente a partilha de bens em processo de inventário.

20ª. A mesma visa qualificar determinados bens e direitos como sendo de natureza própria e assim ficarem excluídos do acervo comum a partilhar.

21ª.Note-se que a acção foi julgada improcedente e julgada procedente, outrossim, a reconvenção deduzida pela recorrida e ré.

22ª. Nesse articulado, a mesma peticionava que se declarassem determinados valores levantados de contas bancárias tituladas por ambos, pelo recorrente como sendo bens comuns.

23ª.A sentença de primeira instância veio a julgar tal pedido procedente.

24ª.Sucede que, em sede de recurso de apelação, de onde resultou proferido o presente acórdão em crise, foi julgada parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, apenas para retirar da matéria dada como provada o ponto 41º, o qual aliás entrava em clara contradição com o artigo 79º da matéria dada como não provada, pois que na realidade não ficou provada qualquer data de separação nos autos

25ª.Não tendo sucedido tal prova, têm-se por reportados os efeitos do divórcio no que respeita à questão patrimonial, à data da entrada do divórcio – cfr 1789º do CC.

26ª. Ora, tais levantamentos, identificados nos artigos 38º e 39º da matéria provada, ocorreram antes dessa data – 09/06/2015.

27ª.Independentemente de ter sido um ano, um mês ou um dia antes, só pode considerar-se que tais levantamentos ocorreram em plena vigência do casamento.

28ª. Pelo que constituem um acto de gestão do recorrente.

29ª. Isto em consideração, tais valores porque não existentes nas contas bancárias do ex casal à data de 09/06/2015, não podem se relacionados como bens comuns.

30ª. O que não quer dizer que não possa vir a ter lugar uma eventual responsabilização do recorrente nessa matéria em sede de ação de indemnização por perdas e danos que a recorrida viesse a intentar nos termos do artigo 1681º do CC.

31ª. Em tal ação é que se poderia e deveria discutir a natureza de tais actos, a sua intencionalidade e se efectivamente daí decorreu ou não um dano para a recorrida.

32ª. Não basta cegamente incluir tais levantamentos sem mais no acervo comum quando nenhuma prova se fez da intencionalidade que permitisse aferir se houve ou não dolo como decorre, smo, mal, do acórdão recorrido.

33ª.O simples facto de tais levantamentos terem sido próximos da data de entrada da acção de divórcio não indiciam de per si, em nosso modesto entender, que tenha ocorrido dolo.

34ª. Outrossim teria ocorrido se os levantamentos tivessem ocorrido depois da entrada da acção, ou eventualmente da data da separação, se esta tivesse sido fixada, que não foi.

35ª. Dúvidas não restam que tais levantamentos ocorreram na vigência do casamento entre autor e ré, para lá das suas relações serem boas ou más.

36ª. E, como tal, é inevitável que tais valores não devam fazer parte dos bens a relacionar como comuns no inventário para separação de meações.

37º. É neste sentido que vai o Acórdão Fundamento e grande parte da jurisprudência.

38ª .Termos em que, e nos melhores de direito, em face do exposto, deve o presente recurso de revista ser admitido, e consequentemente, julgado procedente, considerando-se que os valores identificados nos artigos 38º) e 39º) da matéria provada não devem ser relacionados como bens comuns, por não existirem à data da entrada do divórcio por aplicação do disposto no artigo 1789º do Código Civil, assim se fazendo a tão acostumada Justiça.

Contra alegou a Recorrida pugnando pela improcedência da Revista.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


///


Fundamentação.

A matéria de facto apurada é a seguinte:

1º Autor e Ré contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial em 27/Agosto/1994, tendo o mesmo sido dissolvido por sentença de divórcio decretada pelo Tribunal de Família e Menores de ... Processo nº 356/15.0..., de 16/Janeiro/2017, Acção de Divórcio sem Consentimento que deu entrada em Juízo em 09/Junho/2015 e sido transformado em Divórcio por Mútuo Consentimento nessa data (documentos de fls. 123-124, 129-132

2º Na pendência do casamento o Autor exercia, como exerce hoje, a actividade profissional de industrial de construção civil, compra e venda e construções de propriedades e é emigrante em ..., na mesma área de indústria/comércio e exercício profissional de ... e suas actividades conexas.

3º Com data de 24/Fevereiro/2017 foi requerido pela ora Ré, no Cartório Notarial da Drª CC, em ..., um Processo de Inventário/Divórcio ao qual coube o nº ... e no qual o ora Autor foi nomeado Cabeça de Casal. (fls. 171 a 204)

4º Agindo nessa qualidade, apresentou o autor e cabeça de casal a relação de bens (verbas em dinheiro, móveis, imóveis, móveis, dívidas activas e passivas); (fls. 171 a 189).

5º Notificada da mesma, a ré apresentou reclamação à reação de bens; (fls. 190 a 198) 6º Sobre a qual o cabeça de casal respondeu;

7º Por despacho proferido no dia 9 de Janeiro de 2019 a Sr. Notária designou a realização de uma audiência prévia com tentativa de conciliação, diligência na qual não foi obtido acordo quanto à patilha dos bens; (fls. 199 e 201)

8º Por despacho proferido no dia 16/03/2019 a Sra. Notária determinou a suspensão do processo de inventario e relegou as partes para os meios comuns, nos termos previstos pelo artigo 36º, n.º 1 do RJPI, em vigor à data, com os fundamentos que parcialmente (e com interesse) se transcrevem:« 1-(…) veio a interessada BB apresentar uma reclamação contra a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, na qual, resumidamente, diz:

Que as contas bancárias relacionadas sobre s verbas 1 a 4 são comuns;

Que parte da verba 5 é bem próprio da reclamante;

Que as verbas 32 a 34 devem ser eliminadas; Admite relacionar alguns bens móveis;

Que as verbas 51º e 72º são bens próprios da reclamante;

Que a verba 1, das Dividas (benfeitorias), deverá ser eliminada pois é um problema estranho ao presente processo.

Que não aceita relacionar nenhuma das dividas passivas;

Falta relacionar um imóvel comprado em ... (fls. 200 a 204)

9.º Mais consta:

No presente incidente encontra-se em litígio, nomeadamente a questão de várias verbas relacionadas serem bens comuns do casal ou bens próprios de um dos cônjuges.

Também a questão das benfeitorias e a sua delimitação, por ser de grande especificidade técnica, implica a produção de prova que o processo de inventário não comporta.

Quanto à questão da realização ou não da escritura definitiva do imóvel sito em ..., objecto do contrato promessa, também a mesma implica a produção de prova não consentânea com o processo de inventário.

Assim, atenta a complexidade da matéria de facto, que torna inconveniente a decisão incidental desta questão, por implicar redução das garantias das partes, remetem-se os interessados (..) para os meios comuns nos termos do artigo 36º nº1 do RJPI, sem produção de prova.

Sendo os bens em questão de importância fundamental para a definição da massa dos bens do património comum do ex- casal, determino a suspensão da tramitação do processo de inventário (fls. 200 a 204)

10º Na relação de bens que o autor, cabeça de casal, apresentou no processo de inventário, relacionou como verbas com os n.ºs 1 a 4 diversas quantias monetárias que identificou como sendo bens próprios, em concreto, as seguintes:

Verba 1 A quantia de 4.528,57 USD, existente no Banco Santander Totta, conta nº ..............69.

Verba 2 A quantia de 15,95 existente no Banco Santander Totta, conta ..............20.

Verba 3. a quantia de 152.532,17 existente na Caixa Geral de Depósitos conta ...........00

Verba 4 a quantia de 0,77 existente na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Anadia, conta nº .........49.

11º As verbas identificadas sob os n.ºs 1 a 3 resultam de rendimentos relacionados com a actividade profissional do autor, quantias depositadas essencialmente em moeda estrangeira (USD dólares americanos) provenientes de ..., onde o autor era e é emigrante há vários anos e fruto do seu trabalho, depósitos efectuados por si e também pela ré, em concreto os depósitos efectuados nas contas existentes na Caixa Geral de Depósitos e na Caixa de Crédito Agrícola Mutuo;

12º A conta n.º .........49 da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ..., identificada na verba 4º, é uma conta de depósitos à ordem co-titulada pelo autor e pela ré, provisionada com dinheiro do casal, onde a ré procedia a pagamentos da via diária do agregado;

13. Em Portugal a ré assegurava o pagamento das despesas da economia comum;

14. As contas movimentadas em moeda estrangeira, nomeadamente as existentes na Caixa Geral de Depósitos e identificadas na relação de bens, eram utilizadas pelo casal para gerar poupanças;

15. A conta nº ..............20 identificada na verba 2º do Banco Santander corresponde a uma conta solidária co-titulada pelo autor e pelo seu irmão, DD. Entre Maio de 2014 a 8 de Julho de 2015 não se verificaram movimentos em moeda estrangeira. (fls. 435 a 437 verso)

16. A conta nº ..............69 do Banco Santander, identificada na verba 1º corresponde a uma conta Depósitos a prazo aberta em 7-5-2014 e encerrada em 27-06-2017. Entre Maio de 2014 a 8 de Julho de 2015 verificou-se uma transferência em moeda estrangeira. (fls. 435 a 437 verso)

17. Na Caixa Geral de Depósitos S. A., autor e ré foram co-titulares em regime de solidariedade da conta de depósitos à ordem com o n.º ..........57, aberta em 11-05-2007 e cancelada em 15-08-2016, movimentada em moeda USD e uma outra conta de depósitos a prazo com o n.º ...........71, movimentada em moeda USD, aberta em 1-6-2009 e cancelada em 7-11-2015, contas conexas com a conta identificada na verba 3 (fls. 148 e 434)

18. Como verba 5, o autor relacionou a quantia de 10.961,63 resultante da liquidação da Poupança pela ré em 2/6/2015, conta, que qualificou como bem comum (fls. 171 a 189)

19. A ré deslocava-se várias vezes a ... e trazia dólares consigo que depositava nas contas do casal, movimenta e dava ordens de transferências, assim como efectuou a grande maioria dos depósitos nas contas tituladas pelo casal em Portugal e as geria;

20. Na relação de bens o autor e cabeça de casal relacionou como verba n.º 51 e qualificou como bem comum o seguinte: -um automóvel marca Mercedes com matricula ..-..-RD, no valor de 1000,00 euros

21. Como verba n.º 72 o autor identificou como bem comum o seguinte imóvel: ... sito em ..., a confrontar no norte com estrada, sul com vala, nascente com EE e FF e poente com GG, HH e II, inscrito na freguesia de ... com o artigo matricial rústico ...75, tendo dado origem ao artigo matricial rústico ...88 da União de Freguesias de ... e descrita na Conservatória do registo predial de ... sob o n ..42/.......09, com valor patrimonial de 154,76 ( fls. 171 a 189)

22. O imóvel identificado na verba n.º 72, é um bem próprio da ré, tendo-lhe sido doado pelos progenitores;

23. Como verbas com os n.ºs 31, 32, 33, 34 e 35, que qualificou como bens próprios, o autor relacionou os seguintes móveis:

31. Coleção de quadros de imagens africanas no valor de 10,00

32. Álbuns pessoais no valor de 5,00

33. Prémios de ciclismo (vários trofeus, barco, etc.) no valor de 5,00

34. Capas, livros CD.s, 2 discos rígidos de 1000G e 500G, câmara de filmar, referente à sua actividade de engenharia tido no valor de 50,00

35 Documentos de dívida ao seu pai, documentos da tropa, vários passaportes, várias cadernetas e cartões do Banco de Portugal e de ..., chave do carro Opel Vivaro, palete de meias canas de gesso, chave do cofre onde se encontram documentos, pratas, ouro, 40000usd e 18.000,00 euros, pessoais, capas com todos os projectos e documentos referentes a dois prédios de ....»

24º Relacionou também o autor e cabeça de casal, identificando como divida activa:« benfeitorias constituídas por piscina, armazém, estufas, garagens, sala de jogos, lavandaria, ginásio, churrasqueira, salão de festas, escritório e salão de cabeleireiro, efectuadas no prédio rústico inscrito sob o artigo ...22º, da freguesia de ... (fls. 174 a 189).

25. Encontra-se inscrita na matriz predial urbana sob o n.º 209º, freguesia de ..., concelho de ..., um imóvel identificado como sendo composto por casa de habitação de r/c com 4 divisões e 3 vãos, inscrito no ano de 1937, imóvel descrito na CR Predial sob o n.º 3361 (fls. 36 e fls. 396-396 verso);

26. Por escritura de doação outorgada no dia 17 de Setembro de 2002, JJ e marido KK, na qualidade de primeiros outorgantes, declararam, com relevo para o caso em apreço, doar aos seus netos solteiros, menores, com eles residentes, filhos do seu filho AA, LL e MM, um prédio urbano composto de casa de habitação e aido, dependência de pátio, sito no lugar da azenha, freguesia de ..., descrito na CR Predial de ... sob o n.º ..61, onde também se encontra inscrito em favor dos doadores pela inscrição G-um, inscrito na matriz sob o artigo .09 (..)(fls 40 a 42).

27. O imóvel identificado no artigo anterior foi a casa de morada de família constituído pelo autor e ré e dois filhos;

28. Ao longo dos anos foram realizadas pelo casal constituído pelo autor e ré diversas obras, nomeadamente as obras mencionadas no artigo 25º da PI, nomeadamente: a casa de habitação, casa velha, foi totalmente remodelada e ampliada com: aquecimento central, ar condicionado, pisos flutuantes em toda a habitação, pinturas, isolamentos, alteração de janelas e fachadas, portas, muros exteriores, iluminação, mobílias várias de cozinha, jantar, roupeiros, após a obtenção do licenciamento camarário na Câmara Municipal de ... Proc. nº ..95 de 21/Março/1995 em nome da mãe do Autor;

29. Assim como a construção de uma piscina, de um armazém, de estufas, de garagens, de salas de jogos, de lavandaria, de ginásio, de um salão de festas, de um escritório, de um salão de cabeleireiro, cujo valor, incluindo o valor das obras referidas no ponto anterior e neste, correspondente a pelo menos 268.456,20 (duzentos e sessenta e oito mil, quatrocentos e cinquenta e seis euros e vinte cêntimos);

30. As obras foram realizadas no imóvel correspondente ao artigo .09º identificado no ponto 22º;

31. É nessa casa que a ré reside com os filhos do dissolvido casamento, sita na Rua ..., ...;

32. Como preliminar da acção de divórcio a ré instaurou um procedimento cautelar de arrolamento que correu seus termos pelo Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro, da Comarca de Aveiro, processo n.º 356/15.T...-A (fls. 84 a 90)

33. Por sentença proferida no procedimento cautelar em 8-7-2015 foi determinado o arrolamento de diversos bens imóveis, bens móveis e saldos de contas bancárias, melhor identificados na decisão junta aos autos de fls. 90 verso a 95 e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;

34. No âmbito desse procedimento realizou-se no dia 9 de Novembro de 2015 um auto de Recebimento, constante de fls. 96, mediante o qual a ré procedeu à entrega ao autor de diversos bens móveis bens pessoais do autor - melhor identificados no auto de fls. 96 cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;

35. O autor quando saiu de casa de morada de família levou consigo pastas com documentos onde estavam documentos e extractos bancários e plantas e documentos relacionados com as obras realizadas na casa de morada de família;

36º Em relação á quantia de 10.000,00 Euros que integra parte da verba relacionada pelo autor como verba n.º 5, depositada na conta conjunta existente na Caixa de Crédito Agrícola, trata-se de uma verba doada pelo pai da ré a esta, como prenda, quantia que a ré depositou nessa conta e aplicou no mesmo dia num produto de aforro e que mais tarde levantou, no dia 2 de Junho de 2015;

37º. Para além dos bens identificados no auto de recebimento de fls. 96, a ré tem na sua posse duas telas de quadros com imagens africanas, que pertencem ao autor e paletes de meias canas de gesso. Não estão na sua posse os restantes bens identificados pelo autor nas verbas relacionadas no processo de inventário sob os n.ºs 31º a 35º.

38º. No dia 25-05-2015 o autor retirou, através de transferência bancária, a quantia de €50.000,00 da conta solidária do ex -casal existente na Caixa de Crédito Agrícola;

39º.º Na conta da Caixa Geral de Depósitos o autor fez os seguintes movimentos:

a) Em 7-5- 2015 levantou a quantia de €50.000,00

b) Em 19-05-2015 o autor levantou a quantia de €25.000,00

c) Em 21-05- 2015 o autor levantou a quantia de €50.000,00

d) Em 25-05-2015 o autor levantou a quantia de 22.300,00;

e) Em 29-05- 2015 o autor levantou a quantia de 50.000,00

f) Em 2-6-2015 o autor levantou a quantia de 46.400,00, tudo num total de 293.700,00 (duzentos e noventa e três mil e setecentos euros);

40. Na sequência da providência de arrolamento o saldo da conta da Caixa Geral de depósitos ficou com um saldo de 52.523,17, valor indicado pelo autor na relação de bens como verba n.º 3;

41. Quando os levantamentos referidos em 38º e 39º foram efectuados autor e ré já não viviam juntos.

Fundamentação de direito.

A presente acção foi instaurada na sequência de inventário para partilha de bens comuns subsequente a divórcio, com a finalidade de determinar os bens que integram o património comum, dada a divergência dos ex-cônjuges, Autor e Ré, sobre os bens a partilhar.

Na revista está apenas em causa o segmento do acórdão recorrido, confirmatório da sentença de 1ª instância, que decidiu dever ser relacionada como bem comum a quantia de €293.700,00, que o Autor levantou de duas contas bancárias à ordem tituladas pelos dois ex-cônjuges, no mês anterior à propositura da acção de divórcio, conforme a Ré/ recorrida peticionou em reconvenção.

O acórdão recorrido justificou a sua decisão nos seguintes termos:

“(…) resulta que no caso dos autos estamos perante contas bancárias colectivas solidárias (cada titular tem legitimidade para as movimentar de forma autónoma), sendo que os valores depositados são bens comuns porque pertencem a ambos os cônjuges.

Nos termos do artigo 1689 nº1 e 3 do CCivil a partilha do casal não se limita à partilha do património comum, devendo proceder-se á entrega dos bens próprios; liquidação da comunhão, na qual se inclui o apuramento e o pagamento das dívidas; avaliação e cálculo das compensações e, por fim, a partilha dos bens comuns.

Na fase da liquidação da comunhão cada um dos cônjuges deve conferir ao património comum tudo o que lhe deve, sob pena de ocorrer um enriquecimento sem causa de um dos cônjuges á custa do património comum. O cônjuge devedor deverá compensar nesse momento o património comum pelo enriquecimento obtido no seu património próprio à custa do património comum (artigos 1682 nº4 do CCivil e 1687 nº2 do CCivil).

Assim, neste caso aderimos á fundamentação da sentença, sendo que ocorreram levantamentos de valores comuns pelo cônjuge administrador de contas solidárias, e deve incluir-se na relação de bens comuns esses valores por forma a existir essa compensação.”

A discordância do Recorrente com esta decisão assenta basicamente na seguinte linha argumentativa: os levantamentos foram feitos na vigência do casamento, antes de ser proposta a acção de divórcio, pelo que o dinheiro em causa não pode considerar-se bem comum à luz do disposto no art. 1789º do CCivil; uma eventual responsabilização do Recorrente apenas pode ser decretada em eventual acção de indemnização que a Recorrida venha a instaurar nos termos do disposto no art. 1681º do CCivil.

Outro é, naturalmente, o entendimento da Recorrida que pugna pela confirmação do julgado.

Vejamos.

A dissolução do casamento por divórcio determina a cessação das relações patrimoniais entre os (ex) cônjuges, cessação que, por seu turno, desencadeia a partilha de bens (artigo 1689º, nº1, do Cód. Civil).

Cada cônjuge receberá na partilha os seu bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que dever a este património (cfr. art. 1697º, nº2). É o que dispõe o art. 1689º, nº1, do CCivil.

O relacionamento de bens comuns inclui os bens e os direitos qualificados como comuns pela regras do regime de bens que vigorou durante o casamento.

Diz o Recorrente que por os levantamentos terem sido efectuados na vigência do casamento, antes de ser proposta a acção de divórcio, não têm de ser relacionados, por não poderem considerar-se bem comum à luz do disposto no nº1 do art. 1789º do CCivil.

Será assim?

Estatui o art. 1789º do Código Civil:

1. Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da propositura da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.

2. Se a separação de facto entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha ocorrido.

3. (…)

Escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, CCivil anotado, IV, 2ª edição, pag. 561, que “foi manifesta intenção do legislador evitar que um dos cônjuges seja prejudicado pelos actos de insensatez, de prodigalidade ou de pura vingança, que o outro venha a praticar, desde a propositura da acção sobre valores do património comum.”

No entanto, a partir dessa data ( a que se retrotraem os efeitos patrimoniais do divórcio) os bens não passam a ser detidos pelos ex-cônjuges em regime de compropriedade, pois só com a partilha é que fica definida a propriedade dos bens, subsistindo a comunhão dos bens, apesar de os mesmos terem deixado de estar afectos à sociedade conjugal (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.03.2013, CJ, tomo 2. pag. 173).

A partilha é um acto jurídico complexo que abrange várias operações económicas, eventualmente a compensação de patrimónios, não se limitando simplesmente a uma divisão dos bens identificados no património comum do casal, ao tempo da propositura da acção. Uma coisa é o momento a partir do qual se produzem os efeitos do divórcio (propositura da acção), e ao qual a partilha uma vez realizada poderá retroagir, outra bem diferente é a natureza do património comum que só termina com a partilha dos bens comuns.

No caso, Autor e Ré contraíram casamento católico, em 27.08.1994, sem convenção antenupcial, pelo que o casamento se considera celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos, o regime de bens supletivo (art. 1717º do CCivil).

De acordo com o disposto no art. 1724º, fazem parte da comunhão a) o produto do trabalho dos cônjuges e b) os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei.

Autor e Ré eram titulares da conta de depósitos à ordem nº .........49 da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ..., provisionada com dinheiro do casal (facto 12), e também co-titulares em regime de solidariedade da conta de depósitos à ordem com o n.º ..........57, da Caixa Geral de Depósitos aberta em 11-05-2007 e cancelada em 07.11.2015.

Foi destes contas que o Autor no mês anterior à propositura da acção de divórcio, retirou, por sucessivos levantamentos, um total de €293.700,00.

Ao saldo das contas bancárias aplica-se o disposto no art. 516º, do CCivil, e daí que nas relações internas entre os vários contitulares presume-se que todos têm uma pretensão a idêntica percentagem do saldo, quer este seja positivo, quer seja negativo. (Margarida Lima Rego, in Código Civil Anotado, I, Almedina, 2017, p. 680, e na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do STJ de 22.11.2011, P. 1561/07 e de 24.05.2022, P. 4482/21).

Assim também dispõe o art. 166º, nº4, alínea d) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL nº298/92 de 31.12., “na ausência de disposição legal em contrário, presumem-se pertencerem em partes iguais aos titulares os saldos das contas colectivas, conjuntas ou solidárias.”

No caso vertente, não tendo o Autor ilidido esta presunção, impõe-se concluir que metade do dinheiro depositado nas referidas contas pertencia à Reconvinte, o que significa que Autor se apropriou de dinheiro que em parte não lhe pertencia, não podendo tais levantamentos ser qualificados como actos de gestão, como pretende o Recorrente.

Com efeito,

No que respeita administração de bens casal rege o artigo 1678º do Cód. Civil que prevê no nº3 duas regras essenciais: 1ª a da legitimidade de cada um dos cônjuges para a prática dos actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns; 2ª a necessidade de consentimento de ambos os cônjuges para “os restantes actos de administração”, designados pela doutrina como actos de administração extraordinária.

Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pag. 289, comentam o normativo citado, como traduzindo “o novo princípio da (co-direcção) a que passou a estar subordinada a gestão dos bens comuns” desdobrado em duas regras distintas, mas complementares: a 1ª, da administração concorrente, refere-se aos actos de administração ordinária, em que qualquer dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal; a 2ª, da administração conjunta, abrange os actos de administração extraordinária.

Explicitando e concretizando os conceitos enunciados, escrevem os citados autores:

“A doutrina tende a considerar como actos de administração ordinária os que se destinam a prover à conservação dos bens (pintar a casa, reparar o muro caído, consertar a viatura, etc), ou promover a sua frutificação normal (apanha da azeitona, monda da seara, poda árvores, etc). Como actos de administração extraordinária são catalogados os que visam a realização de benfeitorias ou melhoramentos nas coisas ou a frutificação anormal dos bens.”

Á luz deste critério, a que aderimos, o levantamento pelo Autor das quantias depositadas nas contas de depósito à ordem supra identificadas, não constituem actos de administração, ordinária ou extraordinária, não sendo, pois, aqui aplicável o regime estatuído no nº1 do no art. 1681º do Cód. Civil, norma que prevê a responsabilidade civil do “cônjuge administrador” pelos danos resultantes da sua actuação sobre os bens comuns ou próprios do outro quando tenha agido intencionalmente.

Não pode, com efeito, qualificar-se de administração o acto de apropriação de dinheiro depositado em contas solidárias, não podendo o Autor/recorrente ignorar que metade não lhe pertencia.

A invocação de que os levantamentos foram um acto de gestão do Recorrente, e que uma eventual responsabilização sua teria de ser apurada em sede de acção de indemnização por perdas e danos que a Recorrida viesse a intentar nos termos do artigo 1681º do CC, não pode ser acolhida.

Como se afirmou no acórdão do Tribunal da Relação do Porro de 16.04.2013, P. 133/08 “(…) sujeitar o outro cônjuge a ir responsabilizar civilmente o respectivo agente, seu ex-cônjuge, por tal actuação claramente censurável, numa acção autónoma, é uma solução que a ordem jurídica não deve admitir. E não o deve admitir por duas ordens de razões: a primeira, porque assim estaria a acolher, pelo menos no imediato, como irrelevante uma conduta claramente culposa, isto é, passível de censura segundo o juízo da consciência ético-jurídica da comunidade, onerando a vítima dessa conduta com o ónus de intentar uma outra acção para ali ter de invocar e demonstrar novamente o seu direito; a segunda, por razões de economia processual: não deve remeter-se para a decisão de outra acção, a decorrer entre as mesmas partes, um litígio cujos elementos, após adequada discussão, estão todos presentes numa causa onde, por definição, deve ser dirimido. Com efeito, o presente processo de inventário é o lugar adequado para a identificação dos bens a partilhar e para a sua repartição entre os dois interessados.”

Neste sentido se pronuncia, Rita Lobo Xavier, in Limites à autonomia privada na disciplina das relações patrimoniais entre os cônjuges, pag. 396-398 “deve entender-se que o património empobrecido tem direito a uma compensação no momento da dissolução do regime, em qualquer situação que se verifique o enriquecimento de uma das massas patrimoniais à custa da outra, mesmo que não exista uma norma legal específica a ressalvar expressamente a correspondente compensação.

A não ser assim, verificar-se-ia um enriquecimento injusto da comunhão à custa do património de cada um dos cônjuges ou de um destes à custa daquela.”

Neste sentido decidiram os acórdãos deste STJ de 14.07.2022, P. 4106/20, e de 20.09.2023, P. 947/17, em cujo sumários se lê:

P. 4106/20:

I - O regime definido no art. 1689º do CC, ao determinar como se apura o património comum e a meação de cada cônjuge (“conferindo o que cada um deles dever a este património”), consagra um princípio geral que obriga às compensações entre os cônjuges, e entre estes e o património comum, sempre que um deles, no final do regime, se encontre enriquecido em detrimento do outro.

II - Devem, assim ser relacionados no processo de inventário, para integrar os bens objecto de partilha, a quantia depositada em conta bancária e levantada exclusivamente pelo cônjuge administrador em proveito próprio, antes da propositura da acção de divórcio.”

P. 947/17:

I – Do art. 1689º do CCivil extrai-se um princípio geral que obriga às compensações entre patrimónios próprios dos cônjuges, e entre estes e o património comum, sempre que um deles, no final do regime, se encontre enriquecido em detrimento do outro, repondo-se, assim, o equilíbrio contratual.

II – Fazem parte do património comum do (ex)casal, com vista à partilha subsequente ao divórcio, não apenas os bens existentes à data da propositura da acção, mas também aqueles bens que ao património comum devem ser conferidos por um dos ex-cônjuges.

Também assim entendemos.

Em conclusão: o bem em litígio – dinheiro levantado pelo Autor de contas solidárias tituladas pelos ex-cônjuges no mês anterior à propositura da acção de divórcio – deve ser relacionado e objecto de partilha, executando-se a regra da metade, sem enriquecimento do património próprio de nenhum dos cônjuges à custa do património comum.

Com o que improcedem na totalidade as conclusões do Recorrente.

Decisão.

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 29.10.2024

Ferreira Lopes (relator)

Oliveira Abreu

Fátima Gomes