Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
MULTA
TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Sumário
1. Entre as diversas penas de substituição, o tribunal deve escolher em função do critério legal da adequação e suficiência, de acordo com as necessidades de prevenção especial positiva presentes em cada caso, sem esquecer que, em conformidade com o princípio da proporcionalidade previsto no art. 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, a suficiência significará que se deve optar pela pena de substituição menos grave. 2. No caso de haver mais de uma pena de substituição adequada e suficiente a realizar as finalidades de prevenção, atuarão exclusivamente considerações de prevenção especial, devendo o tribunal aplicar a que melhor satisfizer a finalidade de reintegração do agente na sociedade.
Texto Integral
Acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO
No Processo Comum Singular nº 24/22.... do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo Local Criminal de Bragança, consta da parte decisória da sentença, datada de 21.05.2024, o seguinte: “Em face do exposto, decide-se: a) Julgar provada a prática pela arguida AA em autoria material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna e azar, previsto e punido pelo artigo 108.º, nºs 1 e 2 do DL 422/89, de 2 de dezembro, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, substituída por 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), e na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (oito euros). b) Atento o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março condenar a arguida AA na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo um total de € 720 (setecentos e vinte euros). c) Julgar não provada a prática pela arguida AA em autoria material e na forma consumada, de um crime de material de jogo, previsto e punível pelo artigo 115.º, por referência aos artigos 1.º, 3.º e 4.º, todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, e em consequência absolvê-la do mesmo, pelo qual vinha acusada. d) Declarar perdidos a favor do Estado a máquina de jogo apreendida nos autos e determinar a sua ulterior destruição pela entidade apreensora. e) Declarar perdida a favor do Estado a quantia apreendida nos autos e determinar a sua ulterior reversão a favor do Fundo de Turismo”.
Inconformada com a decisão condenatória, veio a arguida AA interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
“a) Por decisão proferida pelo Tribunal a quo, com a qual não se concorda, foi a arguida condenado pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 108º, n.ºs 1 e 2 do DL 499/89, de 2 de dezembro, na pena de quatro meses de prisão, substituída por 100 dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros) e na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), b) Traduzindo-se numa pena única de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), perfazendo a quantia global de 720,00€ (setecentos e vinte euros). c) Antes de mais, a sentença supra referida padece de lapsos que devem, salvo melhor entendimento, ser corrigidos por não importarem uma modificação essencial da mesma de acordo com o disposto no artigo 380º do CPP. d) Nomeadamente: na referida sentença que “No que toca às exigências de prevenção geral as mesmas revestem-se de especial acuidade no contexto da profunda crise económica que afeta transversalmente a sociedade, a recriminar com especial veemência a criação de condições para a intensificação de comportamentos aditivos que contribuem para a degradação das condições de vida dos cidadãos. Por outro lado, a frequência crescente com que este crime vem sendo cometido nesta e noutras comarcas, reclamam a reafirmação perante da validade na norma penal desatendida” (o sublinhado é nosso). e) Ora, só por mero lapso pode o Tribunal a quo referir-se naquele excerto a comportamentos aditivos, uma vez que nos presentes autos não estão em causa quaisquer comportamentos aditivos da arguida. f) Acresce que, como já foi referido nas motivações, quanto à impugnação da matéria de facto, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos: – em média o rendimento mensal da arguida, proveniente da sua atividade profissional no estabelecimento comercial, ronda os 500€/600€; – quanto às despesas da sua habitação, a arguida suporta despesas no valor de 100€/mês de luz e gás, 20€/30€ mensais de água e 200€/300€ mensais com alimentação e, ainda, 140€ mensais com uma senhora que toma conta da filha mais nova e da avó do cônjuge que com eles convivem; - A arguida tem um crédito automóvel no valor mensal de 160€; - A arguida explora o estabelecimento em causa desde 2019. g) Relativamente à medida da pena e considerando as circunstâncias concretas em que se verificaram os factos, a pena aplicada ao arguido é claramente excessiva violando, desde logo, o disposto no artigo 40º, n.º 2 do CP bem como um dos princípios fundamentais consagrado no artigo 18º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa: o princípio da proporcionalidade. h) Uma pena de quatro meses de prisão aplicada à arguida dentro de uma moldura penal de um mês a 16 meses de prisão, dadas as circunstâncias concretas verificadas, ultrapassa, salvo melhor entendimento, o limite da culpa. i) Desde logo, porque a arguida não tem antecedentes criminais sendo este um ato isolado na vida de uma rapariga/mãe de 27 anos de idade que se mostrou, como foi várias vezes referido sinceramente arrependida. j) Acrescem as circunstâncias contemporâneas à prática dos factos, nomeadamente as dificuldades económicas. k) Tudo quanto foi supra referido não passou de um ato pouco refletido que não pode, salvo melhor entendimento, ser punido de forma tão acentuada dadas as circunstâncias do caso concreto. l) O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três vertentes, nomeadamente a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. m) Assim, será adequada a aplicação de não mais um mês de prisão e 10 dias de multa a título de pena principal. n) Não se concordando com a interpretação que o Tribunal faz do artigo 43º, n.º 1 do CP. o) O Tribunal a quo interpreta tal dispositivo legal no sentido de o mesmo apontar para uma preferência no sentido da substituição da pena de prisão pela pena de multa, em detrimento das outras penas de substituição, p) Contudo, no entendimento da arguida tal norma deve ser interpretada de acordo com as exigências e circunstâncias do caso concreto, a saber a personalidade da arguida, as condições de vida ditas normais, a ausência de antecedentes criminais, a inexistência da prática de qualquer crime posteriormente aos factos dos autos. q) Assim, por se verificarem as circunstâncias que devem conduzir à suspensão da pena na sua execução plasmadas no artigo 50º, n.º 1 do CP, deve o Tribunal proceder à substituição da pena de prisão com a suspensão da execução da pena, pois a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, in casu, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. r) Sem prejuízo de quanto foi supra referido, encontram-se igualmente preenchidos os requisitos para a substituição da pena de prisão em prestação de trabalho a favor da comunidade. s) Motivo pelo qual, caso não se proceda à substituição da pena principal de prisão pela suspensão da execução da pena, terá de se proceder à substituição daquela pela prestação de 30 horas de trabalho a favor da comunidade ou do número de horas proporcional ao que vier a ser fixado em termos de meses de pena. t) Ainda sem prescindir, caso assim se não entendesse, a ser mantida a aplicação da pena de multa como pena de substituição, deveria ser substituída por iguais dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros). u) Foram violadas as normas jurídicas: 18º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa; 13º, 40º, n.º 2, 43º, n.º 1, 50º a 57º, 71º, n.º 1, 73º todos do CP; 108º, n.ºs 1 e 2 do DL 422/89, de 2 de dezembro. v) Todas estas normas deviam ter sido interpretadas no sentido supra referido”.
*
O recurso foi admitido, por despacho proferido em 25.06.2024, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
*
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
“I- A arguida AA foi condenada, e bem, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna e azar, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, substituída por 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), e na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros) e atento o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo um total de € 720 (setecentos e vinte euros). II -Não concordando com tal sentença, oportunamente interpôs o presente recurso, o qual não deverá ter provimento, pelas razões supra apresentadas. III-Quanto à aplicação do perdão, embora em abstrato, considerando a pena concretamente aplicada, tal seja admissível, para tal operar é necessário que estejamos perante uma sentença transitada em julgado. Ora tal ainda não aconteceu, uma vez que foi interposto o presente recurso. IV- Quanto aos alegados comportamentos aditivos, não se afigura que a sentença tenha incorrido em qualquer lapso, pois a descrição do comportamento como aditivo, mais não de que tal comportamento por parte da arguida, ao permitir e facilitar o desenvolvimento de jogos de fortuna ou azar, permite a criação e manutenção do vício ou dependência do jogo, de forma repetida e compulsiva, e que degrada as condições de vida dos cidadãos, pelo que nenhum lapso incorreu a sentença. V- Quanto aos factos relativos ao rendimento mensal e despesas da arguida, os mesmos foram dados como provados de acordo com o constante no relatório social. Contudo, considerando os concretos trechos indicados, de onde constam declarações da arguida, nada impede que sejam igualmente tidos em conta tais declarações, muito embora tal não altere o desfecho dos presentes autos, nem a concreta dosimetria da pena, que se deverá manter, uma vez que na globalidade, não alteram as concretas circunstâncias socioeconómicas da arguida. VI- A douta sentença recorrida operou sábia subsunção jurídica dos factos ao direito, não tendo sido violados quaisquer disposições legais. VII- Atenta a moldura penal do crime em causa, punível, em abstrato, com pena de prisão até 2 anos e multa até 200 dias, ou seja, estamos perante uma pena compósita cumulativa, a douta sentença teria que aplicar forçosamente uma pena de prisão e uma pena de multa. VIII-Assim, ponderadas as concretas circunstâncias do caso, bem como as condições sócioeconómicas da arguida, mais não restou ao Tribunal a quo, e bem, salvo devido respeito por opinião contrária, do que condenar a recorrente na pena de 4 (quatro) meses de prisão e 60 (sessenta) dias de multa, fixando o quantitativo diário da pena de multa em € 6,00 (seis euros). IX- E uma vez que a execução da prisão não era exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, determinou-se a sua substituição por pena de multa por 100 dias de multa à taxa diária de 6,00 €. XX- Tendo sido posteriormente aplicada uma só pena equivalente à soma da multa diretamente imposta e da que resultou da substituição da prisão, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, pelo que foi a arguida, e bem, condenada na pena única de 120 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €. XXI- Ponderados os fatores de determinação da escolha e medida concreta da pena, plasmados nos artigos 40.º, 70.º, 71.º e 72º, todos do Código Penal, afigura-se-nos que a pena aplicada à arguida e recorrente é justa, proporcional e adequada. XXII- Não foram violadas quaisquer disposições legais”.
*
Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.
*
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do C.P.Penal, não tendo sido apresentada resposta.
*
II. OBJETO DO RECURSO
Conforme é jurisprudência assente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95), o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente (das quais devem constar de forma sintética os argumentos relevantes em sede de recurso) a partir da respetiva motivação.
Pelo que “[a]s conclusões, como súmula da fundamentação, encerram, por assim dizer, a delimitação do objeto do recurso. Daí a sua importância. Não se estranha, pois, que se exija que devam ser pertinentes, reportadas e assentes na fundamentação antecedente, concisas, precisas e claras” (Pereira Madeira, Art. 412.º/ nota 3, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra: Almedina, 2021, 3.ª ed., p. 1360 – mencionado no Acórdão do STJ, de 06.06.2023, acessível em www.dgsi.pt).
Isto, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do C.P.Penal).
*
As questões suscitadas são analisadas pela ordem de precedência lógica indicada nos art 368º e 369º do C.P.Penal, por remissão do art. 424º, nº 2 do C.P.Penal.
Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, por ordem de precedência lógica, cumpre apreciar:
1. Correção de lapso de escrita;
2. Impugnação da decisão da matéria de facto;
3. Medida da pena;
4. Penas de substituição;
5. Quantitativo diário da pena de multa.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO
1. A sentença recorrida considerou provados e não provados os seguintes factos, com a seguinte motivação:
“a) Factos provados Discutida a causa penal, resultaram provados os seguintes factos:
Da acusação pública: 1. A arguida AA, desde data não concretamente apurada, mas, seguramente, anterior ao dia ../../2022, explora e exerce a gerência do estabelecimento comercial de restauração e bebidas denominado “EMP01...”, sendo responsável por toda a atividade desenvolvida no mencionado estabelecimento, sito na Rua ..., ..., ..., em ..., fazendo-o com vista à obtenção de lucro. 2. No dia 20 de Julho de 2022, no decurso de uma acção inspectiva realizada pela ASAE, ao referido estabelecimento comercial, que se encontrava aberto ao público e em pleno funcionamento, a arguida tinha em cima do balcão de atendimento ao público, na parte lateral esquerda, uma máquina “Roleta Electrónica”, infra descrita, ligada à corrente eléctrica, em posição “on”, em condições de perfeito funcionamento, e acessível ao público. 3. A mencionada máquina é constituída por um móvel tipo portátil, de cor ... e de estrutura em madeira, ostentando na sua parte frontal um painel de acrílico, de cor ..., ilustrado com dardos de jogar às setas e sem qualquer menção escrita, não apresentando qualquer marca, modelo ou n.º de série ou informação que permita identificar o fabricante e/ou responsável pela sua introdução no mercado. 4. Ao centro do painel em vidro acrílico situa-se um mostrador circular dividido em oito pontos, os quais observados no sentido dos ponteiros do relógio são identificados pelos seguintes números 2x100, 10, 1, 50, 2, 100, 5, 20. 5. Dispõe de um botão redondo, de cor ..., que permite ao jogador apostar os prémios monetários ganhos, convertendo-os em créditos. 6. Do painel do lado direito da mesma, encontra-se instalado um mecanismo de introdução de moedas de 0,50 €, 1 € e 2 €. 7. Possui ainda um cofre/moedeiro e a respetiva fechadura, de onde são retiradas as moedas da máquina. 8. Esta é fechada por um dispositivo metálico com bloqueio de intrusão por um canhão, acionado por uma chave redonda tubular. 9. Possui ainda um conjunto de dois bornes de metal, que em contacto direto com uma moeda permitem efetuar o "reset” dos pontos e prémios monetários ganhos em cada jogada. 10. Na parte traseira do equipamento está instalado um mecanismo de fechadura tubular, que permite o acesso ao interior da máquina de jogos. 11. No lado esquerdo possui uma tomada para a ligação do cabo de alimentação à eletricidade, bem como um interruptor para ligar/desligar a máquina. 12. O funcionamento da referida máquina operava-se da seguinte forma: - Após a introdução de uma moeda, automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre, no sentido dos ponteiros do relógio, os vários orifícios existentes no mostrador circular, iluminando-os à sua passagem; - O ponto luminoso inicia o seu movimento giratório animado de grande velocidade que vai perdendo gradualmente até parar ao fim de cinco ou seis voltas, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios já mencionados. - Neste ponto duas situações podem acontecer: 1. O orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números já referidos e, neste caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 (equivalente a 1 €) e 2x100 (equivalente a 200€); i. Após, a constatação do sucedido o pagamento do prémio monetário é efetuado diretamente ao jogador, pelo operador económico e mais tarde ressarcido pelo proprietário e co-explorador da máquina de jogo. ii. Posteriormente há a necessidade de o mesmo se dirigir à máquina, a fim de efetuar o "reset” desse prémio, nos bornes de metal; 2. O ponto luminoso imobiliza-se num dos restantes orifícios, sem qualquer referência a pontos, pelo que, o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo mais moedas. 13. No dia ../../2022, encontrava-se no interior do cofre/moedeiro a quantia monetária de 18,50€ (dezoito euros e cinquenta cêntimos). 14. Assim, está-se em presença de um jogo de fortuna ou azar semelhante ao das roletas tradicionais dos Casinos em que o objectivo é o de conseguir que o ponto luminoso se imobilize num dos orifícios com direito a prémio, resultado esse, que depende única e exclusivamente da sorte e não da perícia, cálculo, desempenho ou destreza do cliente/jogador. 15. Foi a arguida quem, em data não concretamente apurada, mas seguramente, anterior a ../../2021, deu autorização para que a máquina fosse colocada no estabelecimento de bebidas acima referido, com a intenção, que logrou, de aí retirar proventos, nomeadamente uma divisão de lucros na ordem de 30% a seu favor. 16. O estabelecimento explorado e gerido pela arguida, e pelo qual a mesma é responsável, não está autorizado a explorar ou a deixar praticar o jogo supra referido. 17. O resultado do jogo dependia exclusivamente da sorte de cada jogador, não podendo este, por sua intervenção ou perícia, condicionar o resultado final. 18. A máquina electrónica referenciada foi colocada no estabelecimento comercial supra descrito por uma pessoa não concretamente identificada e as receitas provenientes da mesma eram divididas em partes não concretamente apuradas pelo arguido e por aquela, que exploravam essas receitas em proveito próprio e com intuito lucrativo, repartindo-as entre si. 19. A arguida conhecia perfeitamente as características e o sistema de funcionamento da mencionada máquina e estava ciente de que o resultado do jogo dependia exclusivamente da sorte do jogador e que a respectiva manutenção e exploração, no estabelecimento comercial e em local acessível ao público, ligada à corrente eléctrica e em condições de funcionamento, não era permitida sem prévia autorização da entidade estadual competente e fora dos locais legalmente autorizados e, não obstante isso, quis actuar como descrito, explorando a dita máquina em proveito próprio com o intuito de dela retirar lucro, propósito que concretizou. 20. Bem sabia a arguida que a respectiva manutenção e exploração da referida máquina, no referido estabelecimento comercial, em local acessível ao publico não era permitida e que a mesma desenvolvia jogos de fortuna e azar, porque exclusivamente assentes na sorte e que tais jogos apenas são permitidos nos locais previamente autorizados, como casinos, e que tal não era o caso do estabelecimento comercial explorado pela arguido[1]. 21. A arguida bem sabia que a exposição e exploração dos jogos com as caraterísticas acima descritas só pode ser efetuada mediante autorização da entidade competente, estando a sua exploração limitada a zonas de jogo, devidamente autorizadas. 22. Ao actuar conforme descrito, a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Das condições sócio-económicas da arguida: 23. A arguida estabeleceu união de facto com BB em ../../2015, antes do nascimento da primeira descendente do casal, e passou a partilhar, desde então, a habitação com o BB, tia e avó do mesmo, enquadramento familiar que o companheiro já usufruía, há alguns anos. 24. O casal contraiu matrimónio em 26/11/2018. 25. A dinâmica familiar do casal é descrita por ambos os elementos como equilibrada, denotando proximidade afetiva e preocupação pelo acompanhamento educativo e afetivo das descendentes. 26. A tia e avó do cônjuge são referenciadas pela arguida como elementos de suporte afetivo e económico para o casal, perspetivando continuar a coabitação com as mesmas. 27. Anteriormente AA esteve institucionalizada no Lar ..., em ... (de 2008 a ../../2015), dado o seu meio familiar, constituído pela mãe e padrasto, ter sido considerado desprovido de condições para o seu adequado desenvolvimento psicoemocional e educacional. 28. A arguida tem um relacionamento distante com a progenitora e inexistente com o progenitor, com quem nunca coabitou. 29. Mora num apartamento sito numa zona periférica (Bairro ...) da cidade, sem problemáticas sociais/criminais, com condições de habitabilidade (condições de saneamento básico e conforto, privacidade), arrendada por CC, tia do cônjuge da arguida. 30. A arguida tem o 9.º ano de escolaridade, frequentou o curso de Turismo, na Escola Profissional ..., com equivalência ao 12.º ano de escolaridade, mas que não concluiu, por ter, em 2014, engravidado da descendente mais velha do casal. 31. A arguida é arrendatária do estabelecimento comercial “EMP01...”, sito no Bairro ..., na Rua ..., ..., ..., em ..., desde ../../2019. 32. O arrendamento do imóvel destina-se ao desenvolvimento da atividade comercial de restauração, bebidas e snack-bar. 33. O contrato foi celebrado pelo prazo de dois anos, e renova-se de forma automática e sucessiva por dois anos. 34. Exerce a atividade de gerente e cozinheira do estabelecimento comercial, verbalizando satisfação pelo exercício da atividade profissional. 35. Anteriormente exerceu funções laborais, em regime de contrato, em restaurantes da cidade ..., como ajudante de cozinha (de 2015 a 2019). 36. O rendimento mensal do agregado familiar da arguida é proveniente da sua atividade profissional no estabelecimento comercial é muito variável, não obstante, assume cumprir os compromissos relativamente às despesas mensais (300 euros de renda; cerca de 300 euros de luz e 70 euros de água). 37. Comparticipa no pagamento das despesas da água e luz da habitação pertencente à tia do cônjuge, e nas despesas da alimentação, em valor variável e dependente do lucro da atividade profissional que desenvolve, informação corroborada por CC. 38. O casal tem ainda dois créditos automóvel, no valor anual de 160 euros (valor total). 39. O cônjuge está em situação de desemprego desde janeiro de 2020, prestando colaboração à arguida no estabelecimento comercial e não recebe subsídio de desemprego. 40. Desde 2020 e 2021, por causa da pandemia por Covid 19 os rendimentos da arguida decaíram e o agregado da arguida contou com o apoio/ suporte económico que usufruiu da tia e avó do cônjuge, o qual, sempre que necessário e possível, lhe tem sido prestado. 41. A arguida beneficia de uma imagem favorável na comunidade. 42. O seu dia a dia, é passado sobretudo no estabelecimento comercial e junto do agregado familiar, tendo pouco tempo livre para a prática de atividades de lazer. 43. A arguida vivencia a sua situação jurídico-penal atual com apreensão, desejando que tudo se resolva o mais rapidamente possível, lamentando o facto de não ter cumprido com a injunção que lhe fora imposta judicialmente, no âmbito da suspensão provisória do processo, alegando dificuldades económicas. 44. Manifesta-se disponível para colaborar com o sistema de administração da justiça penal. 45. O cônjuge e a tia deste têm conhecimento da sua situação jurídico penal e afirmam a sua total disponibilidade para a apoiar no que for necessário. 46. Mantém integração nos contextos comunitário, profissional e familiar.
Dos antecedentes criminais da arguida: 47. A arguida não tem antecedentes criminais registados. b) Factos não provados: Inexistem.
**
c) Motivação da matéria de facto: O Tribunal alicerçou a sua convicção nas declarações da arguida que confessou a prática dos factos, em ligação com o teor do auto de apreensão, de fls.8 a 10, do Auto de exame directo, de fls.14 a 15 e da folha de suporte, de fls.17.
As condições sócio-económicas resultaram das declarações da própria arguida e do seu relatório social e a ausência de antecedentes criminais mostra-se atestado pelo compulsar do seu CRC”.
2. Consta da sentença recorrida, no que respeita à “Determinação da medida concreta da pena”, o seguinte: “(…) O crime é, no caso, punível, em abstrato, com pena de prisão até 2 anos e multa até 200 dias. (…) No caso, desconhece-se o tempo concreto em que o equipamento permaneceu no estabelecimento explorado pelo arguido e, por isso, o grau de adesão do público à sua utilização. Pondera-se, todavia, a motivação do arguido para a prática do ilícito, no caso a obtenção de lucro, e o dolo direto com que atuou. Do discurso da arguida em julgamento retirou-se que a mesma interiorizou o desvalor da sua conduta. A arguida não tem antecedentes criminais. Com efeito mitigador das exigências de prevenção especial acresce o facto de a arguida ter atualmente profissional. A situação económica da arguida e o seu nível de inserção profissional e familiar são positivos, o que se repercute na moderação das exigências de prevenção especial. No que toca às exigências de prevenção geral as mesmas revestem-se de especial acuidade no contexto da profunda crise económica que afeta transversalmente a sociedade, a recriminar com especial veemência a criação de condições para a intensificação de comportamentos aditivos que contribuem para a degradação das condições de vida dos cidadãos. Por outro lado, a frequência crescente com que este crime vem sendo cometido nesta e noutras comarcas, reclamam a reafirmação perante da validade na norma penal desatendida. Ponderando os factores supra referidos, afigura-se-nos adequado e suficiente fixar a pena a aplicar ao arguido em 4 (quatro) meses de prisão e 60 (sessenta) dias de multa, dentro da moldura penal adiantada. O segundo ato na quantificação da pena de multa, segundo o sistema dos dias de multa, consiste na determinação do quantitativo de diário de multa, orientada exclusivamente pela situação económico-financeira e pelos encargos pessoais do arguido e atendendo aos limites mínimo de €5,00 (cinco euros) e máximo de € 500,00 (quinhentos euros), fixados no artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal. A tais critérios, acrescenta a jurisprudência, de forma unânime, que a aplicação de uma pena de multa não pode consistir numa forma disfarçada de dispensa da pena, devendo antes constituir um verdadeiro e real sacrifício para o condenado, sob pena de se frustrarem as finalidades da punição. No caso vertente, considerando a situação socioeconómica da arguida que resultou demonstrada, afigura-se ajustado fixar esse quantitativo diário em € 6,00 (seis euros). Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não detentiva da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão foi exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, sendo correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º do Código Penal. No caso em apreço, considera-se que a execução da pena de prisão não é imprescindível para prevenir o cometimento de novos crimes, atendendo, sobretudo, à situação familiar da arguida e à sua inserção profissional. Assim sendo, decide-se substituir a pena de prisão de quatro meses por 100 dias de multa à taxa diária de 6,00 €. Nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março “1 - Enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão.” Por conseguinte, deverá a arguida ser condenada na pena única de 120 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €”.
*
Apreciação do recurso
1.Correção de lapso de escrita
A recorrente alega que a decisão proferida pelo tribunal a quo padece de um lapso consubstanciado na referência a comportamentos aditivos da arguida (conclusões d) e e)), o que poderá ser corrigido ao abrigo do disposto no art. 380º do C.P.Penal.
O art. 380º, nº 1, al. b) e nº 2 do C.P.Penal permite a correção da sentença por erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade.
Consta da decisão recorrida que: ”No que toca às exigências de prevenção geral as mesmas revestem-se de especial acuidade no contexto da profunda crise económica que afeta transversalmente a sociedade, a recriminar com especial veemência a criação de condições para a intensificação de comportamentos aditivos que contribuem para a degradação das condições de vida dos cidadãos”.
Resulta deste trecho da decisão que a mesma não se reporta “a comportamentos aditivos da arguida” (conclusão e)) mas antes à recriminação do seu comportamento criar condições para a intensificação de comportamentos aditivos por parte de (outros) cidadãos, como pode ser a prática de jogo (conforme referido no parecer que antecede).
Nessa medida, constatamos que a sentença recorrida não padece de qualquer lapso.
*
2. Impugnação da decisão da matéria de facto
A recorrente alega que, com base nas suas declarações (gravações áudio 11:02-11:08; 5:00-5:50; 0:56; 10:43-11:02 e 00:47-00:53), deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos: “– em média o rendimento mensal da arguida, proveniente da sua atividade profissional no estabelecimento comercial, ronda os 500€/600€; – quanto às despesas da sua habitação, a arguida suporta despesas no valor de 100€/mês de luz e gás, 20€/30€ mensais de água e 200€/300€ mensais com alimentação e, ainda, 140€ mensais com uma senhora que toma conta da filha mais nova e da avó do cônjuge que com eles convivem; - A arguida tem um crédito automóvel no valor mensal de 160€; - A arguida explora o estabelecimento em causa desde 2019”.
No caso da impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites legalmente impostos.
Quando se pretenda a impugnação ampla da decisão de facto, o recorrente tem de cumprir o aludido ónus de tríplice especificação, impondo-se que o recorrente, nos termos do disposto no art. 412º, nº 3 do C.P.Penal, especifique: “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”.
A especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados, a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida e a especificação das “provas que devem ser renovadas” implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, o que pressupõe a existência de um dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do C.P.Penal (no atual quadro legal a renovação, na Relação, da prova que foi produzida em1ª instância só é admitida se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artº 410º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo – artº 430º do C.P.Penal). “Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.), salientando-se que o S.T.J, no seu acórdão n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações». Em síntese: para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõem decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na acta da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens)” – cfr. Acórdão do TRL de 02.12.2020, Proc. nº 3606/15.0T9SNT.L1-5.
Se o recorrente assim proceder pode o tribunal de recurso reapreciar a prova produzida concretamente indicada e vir a modificar a decisão quanto à matéria de facto, nos termos do artº 431º, al. b) do C.P.Penal.
Como bem refere o Acórdão do TRL de 11.03.2021, Proc. nº 179/19.8JDLSB.L1-9 “embora este Tribunal da Relação tenha poderes de intromissão em aspetos fácticos (cfr. artº 428º e 431º, al. b) do C.P.Penal), não pode sindicar a valoração das provas feitas pelo tribunal em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra, salvo se houver erros de julgamento e as provas produzidas impuserem outras conclusões de facto. A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto. Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, referindo-se a relevância que têm para a formação da convicção do julgador «elementos intraduzíveis e subtis», tais como «a mímica e todo o aspecto exterior do depoente» e «as próprias reacções, por vezes quase imperceptíveis, do auditório» que vão agitando o espírito de quem julga (no mesmo sentido Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, vol. III, pág. 211, para acrescentar depois, a págs. 271, que «existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percebidos, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores»). O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado». E convém referir que quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os Recorrentes. Normalmente, os erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar”.
Por conseguinte, o recurso amplo da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento nem a reapreciação total dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação sobre a matéria impugnada, com base na audição ou análise das provas concretamente indicadas, sem prejuízo de o tribunal de recurso poder ouvir e visualizar outras passagens que não as indicadas (nº 6 do artº 412º do C.P.Penal), procurando indagar sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto impugnados que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Nessa medida, na reapreciação da prova há que articular os poderes de conhecimento do tribunal de recurso com os princípios relativos à produção e à valoração da prova no tribunal de 1.ª instância, especialmente com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º do C.P.Penal (nos termos do qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente), e com princípio do in dubio pro reo (postulado do princípio da presunção de inocência – consagrado no art. 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa - que impõe a absolvição sempre que a prova não permite resolver a dúvida acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado e constitui um verdadeiro limite normativo ao princípio da livre apreciação da prova, regulando o procedimento do Tribunal quando tenha dúvidas sobre a matéria de facto), princípios que valem também para o tribunal de recurso.
No entanto, nesse poder de fiscalização ou reapreciação o tribunal de recurso está condicionado pela ausência de imediação e de oralidade que acontece na grande maioria dos recursos em que tal questão é suscitada (pelo facto de não haver a produção direta da prova) e se realizam plenamente em 1ª instancia onde o tribunal “viu e ouviu o arguido, as testemunhas e os peritos, apreciou o seu comportamento não verbal, formulou as perguntas que considerou pertinentes da forma que entendeu ser mais conveniente e confrontou essas pessoas com a prova pré-constituída indicada pelos sujeitos processuais, tudo faculdades que o tribunal da Relação, pelo menos quando não é requerida a renovação da prova, não pode não beneficiar.Por isso, e não por força do princípio da livre apreciação da prova, o tribunal da 2ª instância não tem, quanto ao recurso da matéria de facto, os mesmos poderes que tinha a 1ª instância, só podendo alterar o aí decidido se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida – alínea b) do n.º3 do artigo 412.º do C.P.P.” (Acórdão do TRL de 10.10.2007, Proc. nº 8428/2007-3).
Como bem refere o Acórdão do TRL de 02.12.2020, supra referido, cumpre “não olvidar, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. Se a decisão sobre a matéria de facto do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção”.
Face ao exposto e tendo presente estes princípios vejamos a impugnação de facto da recorrente.
A recorrente entende que são os seguintes os factos incorretamente dados como provados: 1. A arguida AA, desde data não concretamente apurada, mas, seguramente, anterior ao dia ../../2022, explora e exerce a gerência do estabelecimento comercial de restauração e bebidas denominado “EMP01...”, sendo responsável por toda a atividade desenvolvida no mencionado estabelecimento, sito na Rua ..., ..., ..., em ..., fazendo-o com vista à obtenção de lucro; 36. O rendimento mensal do agregado familiar da arguida é proveniente da sua atividade profissional no estabelecimento comercial é muito variável, não obstante, assume cumprir os compromissos relativamente às despesas mensais (300 euros de renda; cerca de 300 euros de luz e 70 euros de água); 38. O casal tem ainda dois créditos automóvel, no valor anual de 160 euros (valor total).
Desta forma, a recorrente menciona provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida quanto aos mencionados pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados e indica os segmentos das gravações áudio que suportam o seu entendimento divergente, do que se conclui que cumpriu as exigências legalmente impostas no art. 412º do C.P.Penal para a impugnação ampla da matéria de facto relativa aos pontos 1, 36 e 38, pelo que se conhecerá da mesma, nos termos infra expostos.
O facto impugnado 1 (na parte impugnada pela recorrente) reporta-se à data do início da exploração do estabelecimento pela recorrente.
Ouvidas, na íntegra, as declarações da recorrente, constatamos que efetivamente afirmou em audiência de julgamento que explora o estabelecimento em causa desde 2019, o que coincide com a data do início do arrendamento do imóvel (cfr. factos provados 31 e 32), pelo que, atento o exposto e tendo o tribunal a quo alicerçado “a sua convicção nas declarações da arguida”, impõe-se alterar a matéria de facto neste concreto ponto, em conformidade com o invocado pela recorrente.
Os factos impugnados 36 e 38 reportam-se às suas condições sócio-económicas e, a este respeito, consta da motivação da matéria de facto que as mesmas “resultaram das declarações da própria arguida e do seu relatório social”.
Nessa medida e ouvidas, na íntegra, as declarações da recorrente, não pode deixar de se alterar a matéria de facto impugnada e dar razão, em parte, à recorrente.
Por conseguinte, impõe-se alterar os pontos 1, 36 e 38 do elenco dos factos provados, nos seguintes termos:
1. A arguida AA, desde 2019, explora e exerce a gerência do estabelecimento comercial de restauração e bebidas denominado “EMP01...”, sendo responsável por toda a atividade desenvolvida no mencionado estabelecimento, sito na Rua ..., ..., ..., em ..., fazendo-o com vista à obtenção de lucro; 36. O rendimento mensal do agregado familiar da arguida é proveniente da sua atividade profissional no estabelecimento comercial e ronda os € 500,00/€ 600,00, e, quanto às despesas da sua habitação, a arguida suporta despesas no valor de 100€/mês de luz e gás, 20€/30€ mensais de água e 200€/300€ mensais com alimentação e, ainda, 20€/35€ semanais com uma senhora que toma conta da filha mais nova e da avó do cônjuge que com eles convivem; 38. A arguida tem um crédito automóvel, no valor mensal de € 160,00.
Nenhuma destas alterações traduz uma alteração substancial dos factos porquanto nenhuma delas afasta a imputação do crime à recorrente, pelo que podem ser feitas por este tribunal, nos termos do art. 358º, nº 2 do C.P.Penal, na medida em que resultam do que foi alegado pela recorrente no seu recurso.
*
3. Medida da pena
A recorrente sustenta que as penas aplicadas são excessivas e desproporcionadas, face à ausência de antecedentes criminais, ao arrependimento demonstrado e às suas dificuldades económicas, aquando da prática dos factos. Conclui que a pena de quatro meses de prisão ultrapassa o limite da culpa e considera adequada a “aplicação de não mais um mês de prisão e 10 dias de multa a título de pena principal” (conclusões g) a m)).
O crime praticado pela recorrente – crime de exploração ilícita de jogo de fortuna e azar – é punido com pena de prisão até 2 (dois) anos e com pena de multa até 200 (duzentos) dias (art. 108º, nº 1 e 2 do DL nº 422/89, de 2 de dezembro).
A recorrente foi condenada pelo tribunal recorrido na pena de 4 (quatro) meses de prisão e na pena de 60 (sessenta) dias de multa.
No caso em apreciação, está em causa, antes de mais, a fixação concreta das penas de prisão e multa.
O tribunal recorrido ponderou as seguintes circunstâncias para a fixação das penas: “… a motivação do arguido para a prática do ilícito, no caso a obtenção de lucro, e o dolo direto com que atuou. Do discurso da arguida em julgamento retirou-se que a mesma interiorizou o desvalor da sua conduta. A arguida não tem antecedentes criminais. Com efeito mitigador das exigências de prevenção especial acresce o facto de a arguida ter atualmente profissional. A situação económica da arguida e o seu nível de inserção profissional e familiar são positivos, o que se repercute na moderação das exigências de prevenção especial. No que toca às exigências de prevenção geral as mesmas revestem-se de especial acuidade no contexto da profunda crise económica que afeta transversalmente a sociedade, a recriminar com especial veemência a criação de condições para a intensificação de comportamentos aditivos que contribuem para a degradação das condições de vida dos cidadãos. Por outro lado, a frequência crescente com que este crime vem sendo cometido nesta e noutras comarcas, reclamam a reafirmação perante da validade na norma penal desatendida. Ponderando os factores supra referidos, afigura-se-nos adequado e suficiente fixar a pena a aplicar ao arguido em 4 (quatro) meses de prisão e 60 (sessenta) dias de multa, dentro da moldura penal adiantada”.
Naquilo que importa para a análise desta questão, que afinal é apenas verificar se as penas se adequam aos factos provados e ao direito aplicável, podemos dizer sinteticamente que, de acordo com os quadros normativos relativos à finalidade das penas (a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum poderá ultrapassar a medida da culpa – art. 40º, nº 1 e 2 do C.Penal) e determinação da sua medida (em função da culpa e das exigências de prevenção – art. 71º, nº 1 do C.Penal), deve à pena (destinada a proteger o mínimo ético-jurídico fundamental) ser imputada uma dinâmica para que cumpra o seu especial dever de prevenção.
Entre aquele limite mínimo de garantia da prevenção e máximo da culpa do agente, a pena é determinada em concreto por todos os fatores do caso, previstos nomeadamente no nº 2 do referido art. 71º, que relevem para a adequar tanto quanto possível à ilicitude da ação e culpa do agente.
Neste sentido, a culpa (pressuposto-fundamento da pena que constitui o princípio ético-retributivo), a prevenção geral (negativa, de intimidação ou dissuasão, e positiva, de integração ou interiorização) e a prevenção especial (de ressocialização, reinserção social, reeducação mas que também apresenta uma dimensão negativa, de dissuasão individual) representam três exigências atendíveis na escolha da pena, principio este tendencial uma vez que podem apresentar incompatibilidade.
Sendo assim, a primeira operação da determinação da pena deve ser a graduação qualitativa da culpa, isto é, do desvalor jurídico da atuação voluntária contrária ao Direito, materializada numa ação violadora da lei penal.
Regressando ao caso concreto, há que atender:
a) à postura da recorrente que confessou integralmente e sem reservas os factos;
b) às circunstâncias em que praticou os factos (apesar da diminuição de rendimentos, por causa da pandemia por Covid 19, sempre contou com apoio/suporte económico por parte dos seus familiares - cfr. facto provado 40);
c) à culpa de grau elevado (sob a forma de dolo direto) e à ilicitude do facto;
d) às relevantes exigências de prevenção geral para este tipo de crime;
e) às reduzidas necessidades de prevenção especial atenta a sua postura em audiência de julgamento, o facto de se encontrar social, profissional e familiarmente inserida e não ter antecedentes criminais.
No que concerne à controlabilidade da pena em sede de recurso conforme refere Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português – Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias 1993, pág. 197), “… é susceptível de revista de correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis … se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.
Entendemos, assim, que, por força da ponderação das variáveis supra expostas (sendo certo que as alterações introduzidas na matéria de facto não a modificam, no essencial, e, como tal, não são suscetíveis de influenciar a medidas de cada uma das penas fixadas) e de acordo com os referidos critérios de determinação das penas concretas, a fixação da pena de prisão em 4 (quatro) meses e da pena de multa em 60 (sessenta) dias (ambas próximas dos limites mínimos das molduras penais de 1 mês a 2 anos de prisão e 10 a 200 dias de multa) não é excessiva, antes se mostra adequada à reposição da validade da norma infringida e não ultrapassa a medida da culpa da recorrente.
De todo o modo, pequenas divergências na fixação da pena concreta, absolutamente alheias a incorreções ou distorções no seu processo de aplicação legal não devem, em princípio, ser fundamento para a sua alteração pelo tribunal de recurso que, ao contrário do tribunal a quo, não beneficiou da imediação e oralidade que também são importantes nesta sede.
Em suma, as penas aplicadas à recorrente, quer a pena de prisão quer a pena de multa, correspondem a penas justas, adequadas e proporcionais, pelo que são de manter, improcedendo este segmento de recurso.
*
4. Penas de substituição
A recorrente foi condenada pelo tribunal recorrido na pena de 100 (cem) dias de multa em substituição da pena de 4 (quatro) meses de prisão por ter entendido que: “no caso em apreço, considera-se que a execução da pena de prisão não é imprescindível para prevenir o cometimento de novos crimes, atendendo, sobretudo, à situação familiar da arguida e à sua inserção profissional. Assim sendo, decide-se substituir a pena de quatro meses de prisão por 100 dias de multa à taxa diária de € 6,00”.
A recorrente insurge-se contra a opção pela pena de multa (enquanto pena de substituição da prisão) pois considera que “deve o Tribunal proceder à substituição da pena de prisão com a suspensão da execução da pena, pois a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, in casu, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Sem prejuízo de quanto foi supra referido, encontram-se igualmente preenchidos os requisitos para a substituição da pena de prisão em prestação de trabalho a favor da comunidade. Motivo pelo qual, caso não se proceda à substituição da pena principal de prisão pela suspensão da execução da pena, terá de se proceder à substituição daquela pela prestação de 30 horas de trabalho a favor da comunidade ou do número de horas proporcional ao que vier a ser fixado em termos de meses de pena” (conclusões q), r) e s)).
Vejamos se lhe assiste razão.
As finalidades das penas, designadamente das penas de substituição, é “a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (art. 40º, nº1 do C.Penal).
A proteção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, positiva ou de integração, servindo para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal.
A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.
O art. 45º, nº 1 do C.Penal preconiza que: “1 - A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º”.
Resulta do mencionado preceito legal que o legislador pretende que se dê primazia a que a pena de prisão de medida não superior a 1 ano seja substituída ”por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade” pelo que a regra é a substituição e a exceção só se justifica em função da necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.
As penas de substituição (entendidas como aquelas que podem substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas, de prisão ou de multa) podem ser detentivas (cumpridas com privação, restrição da liberdade) ou não detentivas.
As não detentivas são: a multa de substituição (art. 45º do CPenal); a prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º do CPenal); a suspensão da execução da pena (art. 50º do CPenal); a admoestação (art. 60º do C.Penal); a pena de proibição do exercício de profissão, função ou atividade (art. 46º do C.Penal).
As detentivas são: o regime de permanência na habitação (art. 43º do C.Penal)[2].
O legislador não hierarquiza entre si, cada uma das diversas penas de substituição. Será em função do critério legal da adequação e suficiência, de acordo com as necessidades de prevenção especial positiva presentes em cada caso, que o tribunal deve escolher entre elas, sem esquecer que, de acordo com o princípio da proporcionalidade previsto no art. 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, a suficiência significará que se deve optar pela pena de substituição menos grave.
Efetivamente, “são finalidades exclusivamente preventiva, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação”, surgindo a prevenção geral “unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico … como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização … sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição … são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser eleita. Neste sentido, pode afirmar-se que não existe em abstracto, pelo menos sob forma rígida e em via de princípio, uma “hierarquia legal das penas de substituição”; só em concreto ela se dá, isto é, em função das exigências de prevenção especial de socialização que na hipótese se façam sentir e da forma mais adequada de as satisfazer” (Figueiredo Dias in “Direito Penal Português Parte Geral II – As consequências Jurídicas o Crime”, págs. 331 e 333).
É, pois, ponto assente que a escolha da pena depende unicamente de considerações de natureza preventiva, na sua dupla vertente positiva, geral (de integração: a proteção dos bens jurídicos) e especial (reintegração do agente na sociedade).
No caso em apreço, a recorrente insurge-se contra a opção pela pena de multa em detrimento das outras penas de substituição, nomeadamente da suspensão simples da execução da pena e subsidiariamente da prestação de trabalho a favor da comunidade (conclusões q), r) e s)) e estrutura a sua pretensão de ver a prisão substituída pela suspensão simples da execução da pena, ou por prestação de trabalho a favor da comunidade, na sua postura perante os factos, na sua inserção familiar, social e profissionalmente e na ausência de antecedentes criminais.
O tribunal recorrido fixou pena de prisão em medida não superior a um ano pelo que, para além de poder ser substituída por multa (art. 45º, nº1 do C.Penal), pode ser suspensa na execução (art. 50º do C.Penal) e ainda ser substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º do C.Penal), desde que se verifiquem os respetivos pressupostos.
No que respeita à suspensão da execução da pena de prisão, o art. 50º do C.Penal consagra que: “1 O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Quanto à substituição por trabalho a favor da comunidade o art.º 58º, nº 1 do C.Penal dispõe que: “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade, que esta forma de cumprimento da pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. “A pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra a manutenção com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena assiste, enquanto se traduz numa prestação ativa, com o seu consentimento, a favor da comunidade” (Acórdão TRC de 03.10.2018, proc. nº 19/18.5PEFIG.C1).
No caso de haver mais de uma pena de substituição adequada e suficiente a realizar as finalidades de prevenção, atuarão, como vimos, exclusivamente considerações de prevenção especial, devendo o tribunal aplicar a que melhor satisfizer a finalidade de reintegração do agente na sociedade.
Perante a factualidade constante da decisão recorrida e resultante da alteração supra determinada, sobretudo a relativa à situação económica deficitária da recorrente (cfr. factos provados 36, 38 a 43), que inclusive motivou o incumprimento da injunção que lhe fora judicialmente imposta, no âmbito da suspensão provisória do processo (cfr. facto provado 43), entendemos que a substituição da pena de prisão pela pena de multa não se mostra adequada às exigências de prevenção especial de socialização.
Por conseguinte, atento o tipo de crime praticado e as circunstâncias da sua prática, a constituição do agregado familiar da recorrente, a sua idade e a mencionada situação económica, entendemos que a pena de quatro meses de prisão deve ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, por ser, dentre as penas de substituição não detentivas, suficiente (a reafirmar a validade da norma jurídica violada) e a mais adequada às exigências de prevenção especial (e a menos grave comparativamente à suspensão da execução da pena), realizando-se, por seu intermédio, de forma adequada e suficiente, as finalidades preventivas da punição porquanto é possível efetuar um juízo de prognose que, sendo aplicada esta pena, a recorrente não voltará a cometer crimes no futuro.
Determina-se, assim, a substituição da pena de quatro meses prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no art. 58º, nº 3 do C.Penal, cuja aceitação se mostra dada pela recorrente em sede de recurso.
*
5. Quantitativo diário da pena de multa
O quantitativo diário da pena de multa foi fixado em € 6,00.
Nos termos do disposto no art. 47º, nº 2 do C.Penal “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 5 e (euro) 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.
A taxa diária da multa nunca é o resultado de uma mera operação matemática. Na sua fixação há que apelar ao prudente arbítrio do juiz.
Ponderando os referidos critérios, o montante de € 5,00 “apenas deverá ser aplicável às pessoas que vivam no mínimo existencial, ou abaixo dele” (Acórdão do TRG de 18.10.2010, Proc. nº 22/09.6TABCL.G1). Mas, salvo nos casos de situações de miséria, não pode a multa ser fixada no limite mínimo sob pena de perder a sua eficácia penal.
No caso vertente, resultou provado que a recorrente explora e exerce a gerência do estabelecimento comercial de restauração e bebidas denominado “EMP01...”; o rendimento mensal do seu agregado familiar é proveniente da sua atividade profissional no estabelecimento comercial e ronda os € 500,00/€ 600,00; quanto às despesas da sua habitação, suporta despesas no valor de 100€/mês de luz e gás, 20€/30€ mensais de água e 200€/300€ mensais com alimentação e, ainda, 20€/35€ semanais com uma senhora que toma conta da filha mais nova e da avó do cônjuge que com eles convivem; tem um crédito automóvel, no valor mensal de € 160,00; o cônjuge está em situação de desemprego desde janeiro de 2020, prestando colaboração no estabelecimento comercial e não recebe subsídio de desemprego.
De acordo com tais variáveis e face ao quadro económico apontado, não obstante as alterações supra introduzidas à redação dos factos provados 36 e 38 (não sendo a recorrente uma “sem abrigo” nem vive no mínimo existencial), consideramos adequada a quantia diária da pena de multa fixada pelo tribunal recorrido de € 6,00 (seis euros).
Pelo exposto, improcede, também nesta parte, o recurso.
*
Entretanto, entrou em vigor a Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto relativa ao “Perdão de penas e amnistia de infrações”, pelo que, atenta a idade da recorrente e o tipo de crime pelo qual foi condenada (exploração ilícita de jogo de fortuna e azar p. e p. pelo art. 108º, nº 1 e 2 do DL nº 422/89, de 2 de dezembro) deverá ser apreciada, na primeira instância e após trânsito em julgado, a possível aplicação do perdão emergente dessa mesma Lei.
*
IV- DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, após conferência, em conceder parcial provimento ao recurso interposto por AA e, consequentemente:
a) Alterar os factos constante dos pontos 1, 36 e 38 do elenco dos factos provados, os quais passam a ter a seguinte redação:
1. A arguida AA, desde 2019, explora e exerce a gerência do estabelecimento comercial de restauração e bebidas denominado “EMP01...”, sendo responsável por toda a atividade desenvolvida no mencionado estabelecimento, sito na Rua ..., ..., ..., em ..., fazendo-o com vista à obtenção de lucro; 36. O rendimento mensal do agregado familiar da arguida é proveniente da sua atividade profissional no estabelecimento comercial e ronda os € 500,00/€ 600,00, e, quanto às despesas da sua habitação, a arguida suporta despesas no valor de 100€/mês de luz e gás, 20€/30€ mensais de água e 200€/300€ mensais com alimentação e, ainda, 20€/35€ semanais com uma senhora que toma conta da filha mais nova e da avó do cônjuge que com eles convivem; 38. A arguida tem um crédito automóvel, no valor mensal de € 160,00.
b) Decretar a substituição da pena de quatro meses de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade;
c) No mais, julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida, sem prejuízo da ponderação do perdão emergente da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, a realizar oportunamente pela primeira instância.
Sem custas.
[1] A menção a “de bebidas simples “...”, não se reporta a estes autos, tratando-se de mero lapso da acusação. [2] Após a abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, levada a cabo pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto.