Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PROCESSO EXECUTIVO
PENHORA
BENS PARCIALMENTE IMPENHORÁVEIS
VALOR A CONSIDERAR
Sumário
I - Para efeitos do disposto no artigo 738º do CPC há que ter em conta o rendimento global recebido pelo executado e não o valor fraccionado. II - No caso específico do subsídio de Natal e de férias, os mesmos serão considerados no rendimento global. Após a divisão desse valor por 12, só será penhorável a parte que exceda o salário mínimo nacional.
(Da responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto - Juiz 1
Processo nº 30972/15.4T8PRT
ACÓRDÃO
I. RELATÓRIO
Por decisão de 02.04.2024 a Sr.ª Juiz do Juízo de Execução concluiu que a pensão mensal do executado, mesmo durante os meses em que recebe subsídio de férias e de Natal, é impenhorável.
**
RECURSO
Não se tendo conformado com tal decisão, veio a exequente A..., Unipessoal, Lda (anteriormente denominada A... - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITOS.A) apresentar as suas alegações.
Termina com as seguintes CONCLUSÕES:
1. Por correio eletrónico junto aos autos em 28/02/2024, o Centro Nacional de Pensões informou os autos que o Executado «AA, NISS ...55, é pensionista de invalidez absoluta do Centro Nacional de Pensões, recebendo, na presente data, uma pensão no valor mensal de 629,14€. (...)» 2. O douto Tribunal a quo por despacho de 03/04/2024, com a referência 458452164, decidiu que «Da resposta do CN de Pensões ressalta que a pensão mensal auferida pelo Executado ascende, neste ano de 2024 a € 629,14, o que perfaz o montante anual de € 8807,66 (629,14 x 14 meses). Tal montante é inferior à rmn para o ano de 2024 - € 9840,00 (820,00 x 12). Conclui-se assim que a pensão do executado, mesmo durante os meses em que recebe os subsídios de férias e de Natal é impenhorável, não podendo assim, tais subsídios serem penhorados tal como pretende o exequente. Notifique.»
3. Ora, salvo o devido respeito, que é muitíssimo, não assiste razão ao MM Juiz de Direito a quo, incorrendo o despacho sob recurso em errada aplicação da lei. 4. Os subsídios de férias e de natal constituem prestações adicionais à pensão e por isso penhoráveis. 5. O Executado AA aufere atualmente uma pensão no valor mensal de 629,14€ (seiscentos e vinte e nove euros e catorze cêntimos). 6. Nos meses de subsídios de férias e de natal, respetivamente em julho e em dezembro, receberá o valor da pensão multiplicado por dois, num total de €1.258,28 (mil, duzentos e cinquenta e oito euros e vinte e oito cêntimos), e por isso nesses meses a pensão é penhorável (em 2024) no montante de €419,43 (quatrocentos e dezanove euros e quarenta e três cêntimos). 7. Reduzindo ao valor da pensão nos meses de subsídios €1.258,28 (mil, duzentos e cinquenta e oito euros e vinte e oito cêntimos), o valor de (1/3) €419,43 (quatrocentos e dezanove euros e quarenta e três cêntimos), o Executado irá auferir €838,85 (oitocentos e trinta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos), isto é um valor superior ao salário mínimo nacional. 8. Encontra-se assim salvaguardado o mínimo indispensável ao sustento do executado. 9. De facto, dispõe o artigo 738.º do CPC, nos seus n.ºs 1 e 2, que são impenhoráveis 2/3 da parte líquida dos vencimentos, salários ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência da executada, considerando-se apenas os descontos legalmente obrigatórios para efeito de cálculo da parte líquida daqueles rendimentos. 10. Veja-se o entendimento de Paulo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume li, Almedina, 2014 págs. 260/261, onde se defende que a retribuição (penhorável) "integra todas as quantias colocadas à disposição do trabalhador relacionadas com a prestação de trabalho, independentemente da sua designação (vencimento, ajudas de custo, subsídio de alimentação, subsídio de férias e de Natal, subsídio de turno, etc.)" 11. Nos termos do n.º 3 do art.º 738.º, CPC, a impenhorabilidade dos rendimentos têm como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional. 12. Note-se que esta questão já foi objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 770/2014, de 12/11/2014, proferido ainda no âmbito do anterior Código de Processo Civil, de que foi Relatora Ana Guerra Martins, disponível in www.tribunalconstitucional.pt, decidiu se "não julgar inconstitucional a norma extraída da conjugação do disposto na alínea b) do nº 1 e do nº 2, do artigo 824º do CPC, na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor não seja superior ao salário mínimo nacional mas que, coincidindo temporalmente o pagamento desta e subsidio de natal ou de férias, se penhore somando as duas prestações, na parte que excede aquele montante". 13. Existe também inúmera jurisprudência que contradiz o entendimento do douto despacho aqui recorrido, sendo essa a corrente maioritária, e nos termos da qual os subsídios de férias e de Natal constituem prestações adicionais à retribuição mensal, admitindo-se a penhora da parte que exceder o valor correspondente ao salário mínimo nacional uma vez que fica salvaguardado o mínimo indispensável ao sustento do executado. Veja-se a título de exemplo: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/03/2016, Processo 4462/09.2T2OVR-A.P1, em que é Relatora Maria de Jesus Pereira; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/10/2020, Processo 2165/10.4TBGDM-B.Pl, em que é Relator José Eusébio Almeida; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/01/2022, Processo 1979/11.2TBGDM-C.Pl, em que é Relator Anabela Miranda; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-11-2023, Processo 2720/12.8TBBRG.Gl, em que é Relator Margarida Pinto Gomes (todos disponíveis em www.dgsi.pt) 14. A natureza e origem dos subsídios de férias e de Natal fazem com os mesmos sejam entendidos como um complemento ou acréscimo à retribuição mensal e a sua definição no Código do Trabalho (artigos 264, n.º 1 e 263, n.º 1) é reveladora dessa natureza. 15. Acresce que, o disposto no n.º 3 do artigo 738º do CPC terá que ser entendida como um valor ou montante e não como a definição pressuposta de um determinado tipo de remuneração. 16. E esse valor terá que ser aferido tomando em consideração a remuneração global auferida em termos mensais, que corresponde ao valor que o legislador considera como mínimo indispensável ao sustento e sobrevivência condigna da executada. 17. Ademais, existindo no calendário apenas 12 (doze) meses, a inexistência do 13º e 14º meses, comummente correspondentes ao pagamento do subsídio de férias e de natal, não colocam quaisquer questões de sustento ou sobrevivência. 18. Assim, seguindo o entendimento de Marco Carvalho Gonçalves in "Lições de Processo Civil Executivo", 4.ª Edição, Almedina, 2020, pág. 339, "os subsídios de férias e de Natal constituem prestações penhoráveis, razão pela qual a remuneração auferida pelo executado, acrescida de subsídio de férias ou de natal, será penhorável na proporção de um terço", sem embargo de se garantir "a perceção, por parte do executado, do montante correspondente ao salário mínimo nacional". 19. Por tudo quanto se deixou exposto, incorreu o despacho sob recurso em errada aplicação da lei. Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se o douto despacho recorrido e, consequentemente, ordenando-se a penhora da pensão do Executado AA, quando a mesma exceda o valor do salário mínimo nacional, nomeadamente quando sejam liquidados os subsídios de natal e/ou de férias.
NB: bold da nossa autoria.
*
O recorrido veio apresentar contra-alegações, terminando com as seguintes Conclusões: A- Aos 02 de Abril de 2024, veio o Douto Juiz a quo decidir, que os valores recebidos pelo Recorrido não são penhoráveis, decisão esta após informação obtida do Centro Nacional de Pensões (CNP), decisão esta com o seguinte teor que replicamos em sua íntegra: "Da resposta do CN de Pensões ressalta que a pensão mensal auferida pelo Executado ascende, neste ano de 2024 a€ 629,14, o que perfaz o montante anual de€ 8807,66 (629,14 x 14 meses). Tal montante é inferior à rmn para o ano de 2024 - € 9840,00 (820,00 x 12). Conclui-se assim que a pensão do executado, mesmo durante os meses em que recebe os subsídios de férias e de Natal é impenhorável, não podendo assim, tais subsídios serem penhorados tal como pretende o exequente." Notifique. (sublinhado nosso) B- Mais Iímpida e transparente não pode ser o correto e cauteloso entendimento do DD. Tribunal a quo, o qual contabilizou matematicamente os valores penhoráveis, ou não, assim após baliza e bom critério, decidiu bem e correctamente. C- Efectivamente o Recorrido recebe mensalmente a quantia de 629,00 €, cujo valor DISTANCIA-SE precisamente em 190,86 € em relação à remuneração mínima nacional (RMN), o qual o Legislador garante-lhe o mínimo necessário à sua subsistência. D- O Legislador sabe que o mínimo impenhorável é de 820,00 € mensais, valor a fim de garantir a sua subsistência, assim, uma vez que, o Recorrido, fica com um deficit de(-) 2.290,32 € ao ano, para ver-se garantido no salário mínimo de 820,00 € mensais. E- Pelas contas deduzidas nas alegações da Recorrente, o Recorrido receberá mais no ano de 2024 a quantia de 838,85 €, mas, ESQUECE-SE que em contrapartida de (-) 2.290,32 € que faltam ao Recorrido para perfazerem o mínimo legalmente garantido tanto em legislação ordinária como na mais alta Ordenação Nacional - nossa C.R.P., porque este foi o escopo do Legislador, ou seja: o de garantir a subsistência de determinado cidadão no valor de 820,00 € mensais (em 2024), mas, no entanto, o Executado tem deficit negativo em seus recebimentos, e assim sendo, qualquer valor lhe é impenhorável. F- As Leis garantem e atribuem um salário de 820,00 € (em 2024) para a subsistência (de executados), mas não é a realidade do Recorrido, vejamos matematicamente: -Expectativa legislativa para subsistência/sobrevivência, RMN 820,00 € x 12 meses = 9.840,00 €; -Realidade recebida pelo Recorrido: 629,14 € X 12 meses= 7.549,68 €; - Deficit para sua subsistência: 9.840,00 € - 7.549,68 € = (-) 2.290,32 €; - Férias e 13.0 salário: 629,14 € x 2 = 1.258,28 €; - Assim: 2.290,32 € - 1.258,28 € = (-) 1.032,04 €. G- Contas feitas, ainda falta ao Executado/Recorrido o valor deficitário de (-) 1.032,04 € para atingir o seu mínimo garantido (legislativamente). H- A avidez de empresas que vivem à mercê de "infortúnios alheios" para contabilizarem seus juros exorbitantes e aviltados não olham meios, já que aqui assiste-se a busca por um valor ínfimo à Recorrente, que ao Recorrido - um reformado por invalidez absoluta é de MUITA VALIA, não para luxos, mas sim para a sua subsistência. I- Bem andou o Douto Julgador a quo, ao entender, bem como, indo ao encontro de vários Excelsos Desembargadores e seus Julgados que assentam tal entendimento - de que os vencimentos totais anuais, divididos por doze meses anuais - serão impenhoráveis quando não ultrapassarem o RMN, facto incontroverso e notório que não versa, infelizmente, aos olhos da Recorrente. J-Assim, não merece qualquer reforma a Douta Decisão em crise. K- Ainda e apesar, de ter trazido, às suas alegações e conclusões, jurisprudência a favor de sua tese para ter as pensões penhoradas em junho e dezembro do corrente ano, certo é que há entendimentos divergentes neste sentido, emanados por também Venerandos Desembargadores de nossos Tribunais Superiores. L- Assim, ao entender do Executado/Recorrido e Excelsos Desembargadores são impenhoráveis os subsídios de férias e de Natal quando o correspondente rendimento anual (incluindo o subsídio de Natal e de férias), dividido por doze meses, apresenta um valor inferior ao salário mínimo nacional. M- Logo, os subsídios de Natal e de férias (de trabalhadores no activo ou de pensionistas) que sejam inferiores ao montante legalmente fixado para o salário mínimo nacional serão, em qualquer caso, impenhoráveis. N- Desta Decisão - em crise, não cabe, nem merece qualquer reforma, como quer fazer acreditar a Recorrente. Ainda, O- Nos termos do n. 3 do art. 738.º, CPC, a impenhorabilidade dos rendimentos têm como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional, actualmente 820,00 €, sendo que para atingir este valor o Recorrido tem um deficit de(-) 1.032,04 €, como supra se calculou e demonstrou. P- Ora, computando-se os dois "subsídios" de igual montante, e dividindo-se pelos meses, encontramos um valor mensal inferior ao salário mínimo nacional, sendo recebido pelo Recorrido este valor. Q- Esse foi o espírito do Legislador, que aqui se expressa e merece acolhimento no vertente caso, pois se, já se encontra difícil ganhando-se a RMN, imagina-se receber a menos, para além de que além da subsistência do dia a dia, todos nós cidadãos temos obrigações extras anuais, como, impostos de diversa ordem, medicamentos, despesas extraordinárias com a vida corrente, como por exemplo uma troca de um fogão, um esquentador, etc, assim nos meses de Junho e Dezembro não recebe o Recorrido mais do que necessita. R- Foi entendimento da Desembargadora Fernanda Proença Fernandes, (voto vencido) em mui recente Acórdão de 09/11/2023, do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.0 2720/12.8TBBRG-G1, in DGSI.PT, num esmiuçar de seu entendimento que: " ....não resultando dos autos que o executado tenha outra fonte de rendimentos para além da pensão de reforma, concluiria pela impenhorabilidade de tais "subsídios/montantes adicionais': e nessa medida revogaria a decisão apelada." "Acresce ainda que, pese embora a decisão do acórdão do Tribunal Constitucional n.0 770/2014 (DR 26/2015, Série li de 06/12/2015, processo n.0 485/2013) tenha entendido: "...não julgar inconstitucional a norma extraída "da conjugação do disposto na alínea b) do n.0 1 e no n.0 2 do artigo 824. 0 do CPC, na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor não seja superior ao salário mínimo nacional mas que, coincidindo temporalmente o pagamento desta e subsídio de natal ou de férias se penhore, somando as duas prestações, na parte que excede aquele montante", o facto é que tal acórdão teve dois votos de vencido, dos Srs. Conselheiros Cura Mariano e Joaquim Sousa Ribeiro, onde, entre outros, foi afirmado: "...quando o Tribunal Constitucional escolheu o salário mínimo como o valor de referência para determinar o mínimo de subsistência condigna teve necessariamente presente que o mesmo era pago 14 vezes no ano, circunstância que tem influência na fixação do seu valor mensal, tendo entendido que o recebimento integral de todas essas prestações era imprescindível para o seu titular subsistir com dignidade. Foi o valor dessas prestações, pagas 14 vezes ao ano, que se entendeu ser estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador. E se os rendimentos de prestações periódicas deixam de ter justificação para estar a salvo, quando o executado dispõe de outros rendimentos ou de bens que lhe permitam assegurar a sua subsistência, os subsídios de férias e de Natal não podem ser considerados outros rendimentos para esse efeito, uma vez que eles integram o referido mínimo dos mínimos. Os subsídios de férias e de Natal não são outros rendimentos diferentes da pensão paga mensalmente, mas o mesmo rendimento periódico, cujo momento de pagamento coincide com o das prestações mensais." No caso dos autos, o executado recebe 629,00 € mensais e mesmo com o subsídio de férias e de Natal, diluídos nos 12 meses fica a quem da RMN, não ultrapassando 820,00 € mensais. S- Ainda na esteira do entendimento desta Julgadora temos que: "Auferindo o Executado/Recorrido uma pensão de reforma que, somada aos duodécimos dos "montantes adicionais" (v.g. subsídios de férias e de Natal) a que tem direito nos termos do art.0 41.0 do DL 18712007, de 10/05, seja inferior ao salário mínimo nacional, entendo que os aludidos subsídios, tidos como montantes adicionais são impenhoráveis, nos termos do artigo 738.0 n.ºs 1 e 3 do C.P.C., no seguimento da seguinte Jurisprudência:" Acórdãos da Relação do Porto de 28.06.2017 (Relator Pedro Vaz Pato); - Acórdão da Relação de Guimarães, de 25.10.2018 (Relatora Margarida Sousa); - Acórdão da Relação de Lisboa de 21.05.2020 (Relatora Laurinda Gemas): - Acórdão da Relação do Porto de 24.09.2020 (Relator Rodrigues Pires); - Acórdão da Relação de Lisboa de 23.02.2021 (relatora Cristina Silva Maximiano), e também o - Acórdão da Relação de Lisboa de 03.02.2022 (relator Adeodato Brotas). T- Acórdãos, citados em S- supra aos quais nos filiamos e entendemos fazerem jus ao que o Legislador quis transmitir quando que para uma vida condigna, "se garante" ao executado, seja-lhe assegurado mensalmente o mínimo de uma remuneração mensal nacional vigente, mas, a que recebe o Recorrido é inferior a este valor, no ano corrente. U- Por tudo quanto se expôs, o douto Despacho ora sub judice não merece qualquer alteração, modificação ou reforma deste Egrégio Tribunal Superior. Assim, nestes termos e nos melhores de direito deve as presentes contra alegações e suas conclusões serem julgadas procedentes, revogando-se o douto Despacho recorrido. E ainda, V- Ser a douta Decisão sub judice, considerada desde a data de sua prolação, mas retroagindo àquela eventual data de qualquer desconto ao recebimento do Executado, devendo ainda ser notificado o Sr. Agente de Execução, do Douto Acórdão, para caso haja efectuado penhora ao Executado, que seja a mesma devolvida ao Executado/Recorrente, socorrendo assim a plenitude dos interesses e dos direitos deste. X- Assim diante a todas as contra-alegações e conclusões supra expostas, em clara demonstração está que o Douto Despacho a quo não merece qualquer alteração ou reforma por parte deste Nobre Tribunal ad quem, e que: Este Egrégio Tribunal ad quem decida pela manutenção do douto Despacho proferido pelo Tribunal a quo, que decidiu pela não penhora de qualquer valor recebido ou que venha a receber pelo Recorrido do Centro Nacional de Pensões, tudo com as devidas consequências legais, e nos termos expostos, só assim sendo, se fará a verdadeira e merecida
Colhidos os vistos, cumpre decidir
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
No caso vertente, em face das conclusões do recurso, a questão a apreciar é se existe fundamento legal para penhorar o comummente designado, subsídio de Natal e subsídio de férias, quando a soma destes (no mês em que são auferidos) com o rendimento mensal do executado, ultrapasse o valor do salário mínimo nacional.
B) DECISÃO RECORRIDA
Com vista à apreciação da questão supra enunciada, importa ter presente o teor da decisão recorrida. "Da resposta do CN de Pensões ressalta que a pensão mensal auferida pelo Executado ascende, neste ano de 2024 a € 629,14, o que perfaz o montante anual de € 8807,66 (629,14 x 14 meses). Tal montante é inferior à rmn para o ano de 2024 - € 9840,00 (820,00 x 12). Conclui-se assim que a pensão do executado, mesmo durante os meses em que recebe os subsídios de férias e de Natal é impenhorável, não podendo assim, tais subsídios serem penhorados tal como pretende o exequente. Notifique. “
C) APRECIAÇÃO DA QUESTÃO EM RECURSO.
Vejamos.
A questão colocada neste recurso tem sido objecto de soluções díspares na jurisprudência, tal como decorre dos Acórdãos citados pelo recorrente e recorrido. Esta discrepância redunda na forma como é encarado o rendimento do executado:
- analisado como rendimento anual, onde se incluem os ditos subsídios e se divide por 12. Se o valor encontrado for superior ao salário mínimo nacional, a parte que o excede pode ser penhorada. Caso não exceda o salário mínimo nacional, não haverá penhora.
- analisar os rendimentos mensalmente, nos meses em que o executado recebe o chamado subsídio de férias e subsídio de Natal, calcular a parte que excede, nesses meses, o salário mínimo nacional, e proceder-se à penhora desse montante. Como decidir?
Prescreve o artigo 738 nº 1 do Código de Processo Civil que ”São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.” Por seu turno, o nº 2 do mesmo dispositivo legal estipula que “Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.”
Como se escreve no Acórdão da RL de 26.10.2023, retirado no processo 1046/12.1T2SNT-B.L1-2 (…) “- A garantia de um salário mínimo e de uma existência minimamente condigna, que está na génese da impenhorabilidade que resulta dos nº 1 e 3 do art.º 738º do Código de Processo Civil, não diz respeito apenas a doze prestações mensais por ano, mas abrange igualmente os subsídios de Natal e de férias (quer respeitem a trabalhadores no activo, quer a pensionistas), num total de catorze prestações por ano. 3- Assim, os subsídios de Natal e de férias (de trabalhadores no activo ou de pensionistas) que sejam inferiores ao montante legalmente fixado para o salário mínimo nacional serão, em qualquer caso, impenhoráveis. (…) Como explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2020, pág. 178), no incidente de oposição à penhora “não se discute a ilegalidade subjectiva da penhora, mas a sua ilegalidade objectiva, visto que, pertencendo, embora, ao executado aquilo que foi penhorado, se questiona a penhorabilidade do bem em si, a medida em que a penhora se realizou, a sua oportunidade ou a eventual impenhorabilidade para a satisfação da concreta dívida exequenda”. E, no que concerne ao fundamento de oposição à penhora a que respeita a al. a) acima transcrita, explicam ainda que estão aí compreendidas, para além do mais, as situações de “penhora de bens parcialmente penhoráveis com desrespeito pela proporção em que a penhora é permitida (art. 738º)”. (…) De acordo com o art. 738.º, n.º 1, al. a), são impenhoráveis “dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.”, acrescentando o seu n.º 3 que “A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.”. A impenhorabilidade parcial aqui prevista baseia-se em razões económico-sociais, que se prendem com a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos de Portugal como República soberana, nos termos do art. 1.º da Constituição da República Portuguesa. Em caso de colisão ou conflito entre o direito do credor a ver realizado o seu direito, apoiado no n.º 1 do art. 62.º da Constituição da República Portuguesa, como direito de acesso à propriedade, e o direito fundamental dos trabalhadores em perceberem um rendimento que lhes garanta uma sobrevivência condigna, optou o legislador pelo sacrifício do direito do credor, na medida do necessário e, se tanto for necessário, mesmo totalmente, neste caso para evitar que o devedor se torne num indigente a cargo da sociedade (cfr. Fernando Amâncio Ferreira, in «Curso de Processo de Execução», Almedina, 6.ª Ed., pág. 178). Em causa está, pois, o princípio da dignidade humana contido no princípio do Estado de Direito resultante das disposições conjugadas dos arts. 1.º, 59.º, n.º 2, al. a) e 63.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa. Subjacentes às impenhorabilidades contidas no citado art. 738.º estão valores morais, sociais e humanitários, até porque tais impenhorabilidades não podem ser alteradas por convenção das partes nem o devedor pode renunciar à protecção que a lei por esse meio lhe concede, devendo, inclusivamente, ser considerados nulos todos os negócios jurídicos que se estabeleçam em contrário (art. 294.º do Código Civil). O valor que o legislador considerou como o mínimo indicativo essencial para assegurar o sustento minimamente digno da pessoa humana é o de um salário mínimo nacional, “remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o ‘mínimo dos mínimos’ não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2002, de 23 de Abril). Para alguns, como é o caso do Conselheiro Cura Mariano (cfr. voto de vencido no Acórdão do Ac. TC n.º 770/2014), “no caso das pensões pagas mensalmente com direito a subsídio de férias e de Natal, a impenhorabilidade tem que salvaguardar qualquer uma das suas prestações, incluindo os subsídios, quando estas têm um valor inferior ao do salário mínimo nacional. E o facto de, nos meses em que são pagos aqueles subsídios, a soma do valor da pensão mensal com o valor do subsídio ultrapassar o valor do salário mínimo nacional, não permite que tais prestações passem a estar expostas à penhora para satisfação do direito dos credores, uma vez que elas, por serem pagas no mesmo momento, não deixam de ser necessárias à subsistência condigna do seu titular. Não é o momento em que são pagas que as torna ou não indispensáveis à subsistência condigna do executado, mas sim o seu valor, uma vez que é este que lhe permite adquirir os meios necessários a essa subsistência”. Segundo o referido Conselheiro, “quando o Tribunal Constitucional escolheu o salário mínimo como o valor de referência para determinar o mínimo de subsistência condigna teve necessariamente presente que o mesmo era pago 14 vezes no ano, circunstância que tem influência na fixação do seu valor mensal, tendo entendido que o recebimento integral de todas essas prestações era imprescindível para o seu titular subsistir com dignidade. Foi o valor dessas prestações, pagas 14 vezes ao ano, que se entendeu ser estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador. E se os rendimentos de prestações periódicas deixam de ter justificação para estar a salvo, quando o executado dispõe de outros rendimentos ou de bens que lhe permitam assegurar a sua subsistência, os subsídios de férias e de Natal não podem ser considerados outros rendimentos para esse efeito, uma vez que eles integram o referido mínimo dos mínimos. Os subsídios de férias e de Natal não são outros rendimentos diferentes da pensão paga mensalmente, mas o mesmo rendimento periódico, cujo momento de pagamento coincide com o das prestações mensais.”
Na doutrina, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro entendem também que se o valor do subsídio for igual ou inferior ao salário mínimo nacional, o subsídio é impenhorável, ainda que seja pago numa única prestação e que a soma desse mesmo subsídio com o vencimento corresponda a um valor superior ao salário mínimo nacional (in «Primeiras Notas ao Código de Processo Civil», II, pág. 260).
Neste mesmo sentido vai também o Acórdão da Relação do Porto, de 28.06.2017, onde se escreveu que “os subsídios de Natal e de férias, que são direitos do trabalhador nos termos gerais (e não complementos facultativos), também estão garantidos pela legislação que garante o salário mínimo (ver artigos 263.º, 264.º e 273.º do Código do Trabalho). Também eles se incluem na garantia de uma subsistência tida por minimamente condigna. Ou seja, essa garantia de um salário mínimo e de uma existência minimamente condigna não diz respeito apenas a doze prestações mensais por ano, mas a catorze. Assim, os subsídios de Natal e de férias (de trabalhadores no activo ou de pensionistas) que sejam inferiores ao montante legalmente fixado para o salário mínimo nacional serão, em qualquer caso, impenhoráveis, nos termos do artigo 738.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil”.
Mas, como no citado acórdão da Relação do Porto se refere, mesmo para quem entende que o montante garantido pela legislação do salário mínimo (com a consequente impenhorabilidade) corresponde apenas a doze prestações mensais, como parece ser a posição da maioria da jurisprudência das Relações, deve ter-se presente que: “se o montante das pensões auferidas for inferior ao salário mínimo nacional e a essas pensões acrescem subsídios de Natal e de férias, há que considerar o montante global desses rendimentos e dividi-lo por doze; e se o montante apurado com tal divisão for inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo os referidos subsídios também serão impenhoráveis. É o que, claramente, impõe a ratio da norma que, em nome da salvaguarda da dignidade humana, impõe a impenhorabilidade de pensões inferiores ao salário mínimo nacional. À luz dessa ratio, não teria sentido admitir a penhora de um subsídio pago num só mês (altura em que, ocasionalmente, a soma da pensão e do subsídio poderá ser superior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo), quando tal não seria admissível se esse subsídio fosse pago em duodécimos (pois, neste caso, já a soma da pensão e de cada um desses duodécimos será inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo). Há que considerar a situação global do executado, não uma prestação isolada”.
Sufragando este entendimento Acórdão Relação de Guimarães, de 18.04.2013 (proc. n.º 537-A/2002.G1) onde se escreve”: “o que releva para aferir da impenhorabilidade das prestações periódicas pagas ao executado a título de pensões ou de regalia social é o seu valor global e não fraccionado”, explica-se o alcance prático do postulado firmado nos seguintes termos: “se o rendimento anual do devedor, repartido pelos 12 meses do ano, não for inferior ao valor do salário mínimo nacional, nada obsta a que se proceda à penhora do 13º e 14º mês, na parte em que exceda aquele valor”, o que, obviamente, implica que se, pelo contrário, o for, não poderá o mesmo ser penhorado.
O referido acórdão defende esta posição invocando a fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2002, publicado no DR I Série – A, de 02.07.2002, que, de acordo com o próprio voto de vencido do Conselheiro Mota Pinto ali exarado, conduz à conclusão de que “…dentro da própria lógica do aresto…, o critério para a «proibição constitucional de penhora» há-de, com certeza, residir, não tanto na comparação do salário mínimo com o valor (fraccionado ou global) das prestações auferidas pelo devedor, como na comparação com o rendimento que lhe restaria depois da penhora - ou seja, com o seu rendimento remanescente.”.
Dado o espírito da norma que prescreve a impenhorabilidade e a natureza retributiva das prestações em causa que, usando as palavras de Bernardo Gama Lobo Xavier, entendemos constituírem “um salário diferido, que se vai amontoando mensalmente a favor do trabalhador” (cfr. Manual do Direito do Trabalho, pág. 591), também nós aderimos a esta posição.
Também no acórdão da Relação de Lisboa, de 21.05.2020, Proc. 41750/04.6YYLSB-A.L1-2, disponível in www.dgsi.pt, se decidiu que: “I - Para efeitos do disposto no art. 738.º do CPC, o subsídio de Natal integra o conceito de vencimentos ou salários em sentido amplo ou, pelo menos, quando o executado aufira o salário mínimo nacional, o conceito de “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”, sendo, em regra, impenhorável 2/3 da parte líquida do rendimento a que se refere esse artigo. II - Ademais, atento o limite previsto no n.º 3 desse artigo, o rendimento mensal líquido ou disponível do executado, incluindo, quando seja caso disso, o valor duodecimal do subsídio de Natal, não pode nunca ficar abaixo do montante equivalente ao salário mínimo nacional ilíquido, à data da (pretendida) penhora; se isso acontecer, não pode ser efectuada a penhora (a menos que o executado tenha outra fonte de rendimento).” E no acórdão da mesma Relação de Lisboa, de 03.02.2022, Proc. 910/04.6YYLSB-A.L1-6, também disponível in www.dgsi.pt, que:“ Auferindo a executada uma pensão de reforma que, somada aos duodécimos dos “montantes adicionais” (v.g. subsídios de férias e de Natal) a que tem direito nos termos do artº 41º do DL 187/2007, de 10/05, seja inferior ao salário mínimo nacional, os referidos “subsídios/montantes adicionais” e a pensão são impenhoráveis, nos termos do artigo 738º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.”.
Também o Acórdão desta Relação do Porto de 24.09.2020 em que é relator o ora Adjunto, Sr. Desembargador Rodrigues Pires:
"I - Para aferir da impenhorabilidade das verbas atinentes a subsídios de férias e de Natal que são recebidas pelo executado, que aufere uma pensão de montante inferior ao salário mínimo nacional, teremos que considerar o montante global dos seus rendimentos, onde se incluem tais subsídios, e dividi-lo por doze.
lI - Se o montante apurado com tal divisão for inferior ao salário mínimo nacional tais subsídios de férias e de Natal também serão impenhoráveis.";
No caso, mostra-se assente que o valor da pensão auferida pelo executado é € 629,14, o que perfaz o montante anual de € 8807,66 (629,14 x 14 meses). Tal montante é inferior à rmn para o ano de 2024 - € 9840,00 (820,00 x 12).
Conclui-se, por isso, que os subsídios de férias e de Natal do executado são impenhoráveis, tal como decidido pela Sr.ª. Juiz.
III. DECISAO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em negar provimentoao recurso interposto, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente- artigos 527º e 529º do CPC
DN
Porto, 22 de Outubro de 2024
(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)
Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990.
Raquel Correia Lima (Relatora)
Rodrigues Pires 1º Adjunto)
Alberto Eduardo Monteiro de Paiva Taveira (2º Adjunto) - [Voto de vencido: Não acompanho a decisão pelas seguintes razões: Os subsídios de férias e de natal são considerados prestações complementares destinadas a retribuir o trabalhador, em alturas do ano em que os gastos são mais elevados, com um acréscimo monetário destinado, justamente, a permitir a satisfação dessas necessidades. Estamos perante rendimentos que visam a satisfação das necessidades básicas da pessoa que aufere tais rendimentos, mas que não podem ser considerados imprescindíveis e, nesse sentido, devem ser adstritos ao pagamento dos credores.
A referência do salário mínimo nacional fundamenta-se no entendimento que o Tribunal Constitucional tem explanado no sentido de que constitui uma remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades decorrentes da sobrevivência digna do trabalhador. A Lei constitucional e a lei ordinária quando se refere ao mínimo indispensável, não o faz com referência a uma remuneração anual, mas sim mensal.
Entendo assim que está afastada a possibilidade do achamento do rendimento penhorável ser determinado, quer seja por referência a um cálculo anual, quer o afastamento dos subsídios de férias e de Natal.
Julgaria, pois, em conformidade, pela procedência da apelação.]