SUBEMPREITADA
ABANDONO DA OBRA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Sumário

I - O tempo muito prolongado pelo qual o subempreiteiro não voltou à obra, apesar de repetidamente solicitado para esse efeito, traduz a vontade de definitivo alheamento em relação ao cumprimento do contrato de subempreitada, especialmente nas circunstâncias em que, após o início de alguns trabalhos, o mesmo subempreiteiro retirou do local da obra todos os equipamentos e materiais que para ali levara para a executar.
II - Nessa situação não se torna necessária a interpelação admonitória pressuposta no art. 808º, nº 1 do C. Civil, em ordem à resolução do contrato, tendo a parte contrária direito à restituição do que tiver prestado.

Texto Integral

Proc. nº 3042/22.1T8AVR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Local Cível de Aveiro - Juiz 1

REL. N.º 905
Relator: Rui Moreira
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Raquel Lima
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Alexandra Pelayo

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1 – RELATÓRIO
(Transcrição do relatório da sentença, completo e esclarecedor)
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“A..., UNIPESSOAL, LDA., pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., ..., ... Aveiro, intentou a presente acção declarativa com processo comum contra B... UNIPESSOAL, LDA., pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., ... ...,
Pedindo a condenação da ré:
a) A pagar à Autora a quantia de € 13.028,25 acrescendo juros de mora calculados à taxa legal comercial, contados desde a data de vencimento (25-05-2021 sendo a data em que terminaria a subempreitada) os quais perfazem até hoje o total de € 1179,32, por conta do incumprimento definitivo do contrato de subempreitada, causado culposamente pela Ré;
b) A pagar à Autora o lucro cessante de € 15.000 que a Autora deixou de ganhar com o contrato incumprido pela Ré;
c) Devendo ainda a Ré ser condenada a pagar juros vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
Alegou, em síntese apertada, ter celebrado com a ré contrato de subempreitada nos termos do qual a ré seria responsável pelas obras de demolição da moradia sita na Rua ..., em ..., Aveiro e a construção da nova moradia, sendo o prazo da obra de 3 meses, tendo pago à ré, por forma a começarem as obras, 25% do valor total acordado, ou seja, €13.028,25. Mais alegou, que a ré, dos trabalhos acordados, unicamente retirou as telhas do telhado da moradia, ainda em Maio de 2021, nada mais tendo feito desde então, abandonando a obra, sendo que tudo estava pronto para que a ré entrasse em obra. Alegou finalmente, que apesar das suas insistências para que a ré voltasse à obra e iniciasse e finalizasse os trabalhos, esta não o fez, e, tendo incumprido o contrato celebrado com a autora, o dono da obra perdeu definitivamente o interesse, pelo que a subempreitada foi considerada resolvida, devendo a Ré restituir o que recebeu no valor de € 13.028,25, acrescido da quantia de € 15.000 que a autora deixou de ganhar com o contrato incumprido pela ré.
Citada a ré veio contestar, impugnando, no essencial, a matéria alegada na petição inicial, nomeadamente o prazo acordado para execução dos trabalhos pela ré, e imputando à autora o incumprimento do acordo e das obrigações a que se vinculara para que a ré pudesse executar a obra, afirmando nunca se ter recusado a executar a obra, tendo-a mesmo iniciado, mesmo sem licença nem as condições que lhe deviam ser proporcionadas pela autora, para o que tinha material e mão de obra que disponibilizou para o efeito, tendo-se deslocado à obra várias vezes até da mesma ser mandada sair pela Autora e dali retirar o ferro.
Terminou pugnando pela improcedência da acção.
Notificada a autora para se pronunciar quanto à excepção de não cumprimento do contrato invocado pela ré, manteve, no essencial, o alegado na petição inicial.
Foi proferido despacho a fixar o valor da acção, despacho saneador e despachos a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.”
O processo foi preparado para julgamento, no termo do qual foi proferida sentença que concluiu pela improcedência da acção, em suma, por não ter sido demonstrado que a ré tivesse incorrido em incumprimento definitivo do contrato e que a autora tivesse declarado a sua resolução com tal fundamento, como alegara.
É desta sentença que vem interposto o presente recurso, que a autora termina formulando as seguintes conclusões:
A – A Sentença a quo decidiu “Em face do exposto, o tribunal julga a presente acção improcedente e, em consequência: A) Absolve a ré B... UNIPESSOAL, LDA. dos pedidos contra ela formulados. B) Condena a autora nas custas.”
B – Não tendo o Tribunal a quo, julgado procedente nenhum pedido formulado pela Autora, pelo que, salvo o devido respeito, não pode a Recorrente conformar-se com a Sentença proferida, e por isso, dela recorre, até porque, com a referida Decisão, a Ré AA no seguimento de uma subempreitada, recebeu a quantia de € 13.028,25 por uma manhã de trabalho em que unicamente retirou um telhado de uma moradia.
C – Pelos factos dados como provados, 1) e 2) facilmente se retira a conclusão de que a Autora é uma sociedade que se dedica a trabalhos de, em suma e entre outros, revestimentos e acabamentos e a Ré é uma sociedade que se dedica a trabalhos de construção civil e demolições.
D – Deve a matéria de facto dada como provada ser modificada em face da prova documental junta aos autos e em face da prova gravada, pelo que, em face dessa modificação, deverá constar no facto 3 que “3) Em data não concretamente apurada situada entre 25 de Fevereiro e 18 de Abril de 2021, no âmbito das suas actividades profissionais, foi celebrado entre autora e ré acordo nos termos do qual a ré seria responsável pelas obras de demolição da moradia sita na Rua ..., em ..., Aveiro, e a construção da nova moradia e muros”.
E – Deverá também ser alterado o facto provado 4) devendo constar pelo menos a data da formalização por escrito do acordo entre Autora e o dono de obra BB e a data da adjudicação, porquanto com a Petição Inicial foi junto o Documento 3 que é um “contrato de obras, orçamento n.º ..., de 19-03-2021” entre a Autora e BB, e porque do facto provado 12) se reconheceu que o Advogado enviou um e-mail à Autora onde foi escrito que a execução da obra foi adjudicada a 08-04-2021, devendo o facto 4) passar a ser “ 4) O dono da obra de seu nome Sr. BB contratou a autora que, por sua vez, solicitou à ré os seus serviços de construção, tendo assinado contrato de obras/orçamento n.º ... a 19-03-2021 e tendo a execução da obra sido adjudicada à Autora a 08-04-2021”.
F – Quanto ao facto 5) dos provados, também deverá ser modificado, em ordem a ficar a constar que “5) De forma a começarem as obras, em 18-04-2021, a Autora pagou à Ré a quantia de € correspondente a 25% do valor total acordado, quantia esta que a Ré recebeu e fez sua, tendo emitido uma factura-recibo, que nunca foi entregue à Autora”.
G – Desde logo porque foi junto aos autos prova documental bastante que comprova as obras da subempreitada e este pagamento, tendo a Ré admitido e confessado que a recebeu, não impugnando o documento comprovativo da transferência bancária e por isso, se a 18-04-2021 a Autora faz uma transferência bancária para a Ré, correspondendo a 25 % do valor acordado, é porque antes dessa data, ou pelo menos até essa data, houve um acordo que pressuponha precisamente o pagamento de 25% do valor total.
H – Quanto ao facto provado 10) deverá o mesmo ser alterado, em ordem a passar a constar que “10) A autora contactou por diversas vezes a ré, telefonando várias vezes ao Legal Representante da ré, para que voltasse à obra e iniciasse e finalizasse os trabalhos, sendo que a Ré nunca atendeu e/ou devolveu os telefonemas”.
I – Quanto ao facto 16) com base na prova testemunhal e declarações de parte do legal representante da Autora, deveria ter ficado provado que “16) A autora nunca requereu junto dos serviços competentes a baixada da luz e a água para a obra por não ser necessário, nomeadamente, por existir na obra ligações de água e luz”.
J – E em contrapartida, nos factos dados como não provados, no ponto E) onde foi decidido que “Não provado que na obra havia ligações de luz e água”, deveria este facto ser eliminado e inserido nos factos provados, no ponto 16) como acima indicado.
K – Quanto aos factos dados como provados 14), 15), 17) e 18) deveriam todos eles serem retirados desta matéria e incluídos na matéria de facto dada como NÃO PROVADA, nos seguintes termos:
FACTOS NÃO PROVADOS (NOVA REDACÇÃO):
Dependia da autora e tinha de ser tratado por ela o levantamento das licenças nas entidades camararias e o pedido de deslocações taxas e cortes da C... e D....
A autora não obteve o licenciamento para que as obras se iniciassem. A ré adquiriu ferro para a obra – A verdade é que as pessoas ouvidas em Tribunal falaram no ferro que viram na obra, mas não foi junto aos autos qualquer factura e/ou outro documento comprovativo da aquisição desse material, pelo que, a Ré poderia ter já esse ferro resultante, por exemplo, de outras obras, até porque essa é a sua actividade profissional, não provando que o adquiriu especificamente para esta obra.
A ré interpelou a autora para obter a licença, água e luz para obra, porque sem estes elementos não era possível realizar os trabalhos que se seguiam – quanto a este facto 18) a verdade é que não resultou de qualquer prova feita que alguma vez a Ré tivesse interpelado a Autora para obter a licença, água e luz para obra! A Ré respondeu sim, por escrito, à carta enviada pela Advogada da Autora, tal como consta do facto provado 19) mas essa resposta não configura nenhuma interpelação. Tratou-se unicamente de uma resposta e a única resposta escrita da Ré a mencionar a dita falta de água e luz. Antes disso, não existiu qualquer interpelação, conforme infra se mostrará com as transcrições da prova gravada.
L – Os factos não provados, D) e E) e I) encontram-se incorrectamente julgados, sendo que todos eles deveriam ser retirados da matéria não provada e inseridos na matéria dada como provada, com as devidas adaptações, ficando:
FACTOS PROVADOS COM NOVA REDACÇÃO:
“6) A Ré retirou as telhas do telhado da moradia, em Maio de 2021, tendo abandonado a obra, nunca mais aparecendo, não tendo feito os restantes trabalhos de demolição e construção constantes do contrato.
Um novo facto 13) No seguimento da interpelação referida em 12, o dono da obra transmitiu à autora que perdeu definitivamente motivação e interesse em levar a obra por diante, vindo apenas exigir que a autora faça a devolução dos 14.000€ que pagou com o início da obra, bem como, pague o valor referente a mais-valias não reinvestidas.
14) o actual 13 dos factos provados “14) O prazo de execução acordado para as obras referidas em 3) era de 60 dias úteis, entre três e quatro meses após o início dos trabalhos.
15) o actual 16 dos factos provados COM A MODIFICAÇÃO SEGUINTE “FACTO 15) A autora nunca requereu junto dos serviços competentes a baixada da luz e a água para a obra por não ser necessário, nomeadamente, por existir na obra ligações de água e luz”.
M – Com respeito ao facto D) não provado, se o Tribunal a quo julgou como provado que a Ré retirou da obra os seus equipamentos, materiais e máquinas; se deu como provado que a Autora contactou por várias vezes a Ré insistindo para que iniciasse e concluísse os trabalhos; se deu como provado que a Autora na pessoa da sua mandatária enviou cartas registadas com aviso de recepção, então logicamente que também deveria ter dado como provado que a Ré abandonou a obra nunca mais aparecendo, se não verifica-se uma contradição entre factos provados e não provados.
N – Não é lógico dar como provado que a Ré apenas retira o telhado; que a Ré retira os seus materiais da obra; que a Autora insiste para que esta regresse à obra e depois não concluir que houve abandono, pois se a Autora (seu legal representante) insiste, liga variadíssimas vezes ao legal representante da Ré, por algum motivo foi!
O – Também não é lógico dar como provado que o dono da obra BB através do seu mandatário, envia uma interpelação à Autora, onde menciona que além do telhado retirado nada mais foi feito e que a obra está parada e não dar como provado que a Ré a abandonou e que nada mais fez a não ser retirar um telhado.
P – A Ré retirou o telhado em Maio de 2021, nada mais tendo feito e desde essa data até ao final do ano, decorreram 7 meses; também a Autora na pessoa da sua mandatária envia carta registada com aviso de recepção em Janeiro de 2022, sendo que a carta é entregue a CC (uma das testemunhas da Ré que acabou depois por ser prescindida), que assina o aviso de recepção.
Q – A Ré recebe a carta da Autora a 11 de Janeiro de 2022 e não dá nenhuma resposta à Autora e/ou à sua mandatária. Foi preciso a Autora, na pessoa da sua mandatária, voltar a enviar uma 2.ª carta registada com aviso de recepção, que foi recebida pela Ré a 7-06-2022 pelo próprio AA.
R – E desde Maio de 2021 (retirada do telhado) até Junho de 2022 decorreu 1 ano e 1 mês sem que a Ré tenha retomado à obra. Ora 1 ano e 1 mês é um lapso temporal que demonstra de forma inequívoca e evidente que a Ré não tinha qualquer vontade em retomar e concluir os trabalhos, sendo esta conduta reveladora da não intenção de cumprir.
S – Na fundamentação de direito, do Tribunal, a Mma. Dra. Juiz invoca até jurisprudência nesse sentido, para afinal, dar decisão inversa; repare-se que na fundamentação de direito, pág. 17 da sentença, a Mma. Dra. Juiz refere que “Resulta provado que a ré retirou da obra, os seus equipamentos, materiais e máquinas, e igualmente a existência de contactos entre autora e ré para que esta voltasse à obra, o que esta não fez”, para, afinal dar como não provado que a Ré tenha abandonado a obra, tendo decidido no facto não provado D) que “a ré tenha abandonado a obra, nunca mais aparecendo”.
T – Não pode o Tribunal a quo dar como não provado que a Ré abandonou a obra e nunca mais apareceu e depois, na fundamentação concluir precisamente o inverso e admitir que a Ré nunca mais apareceu, sob pena de se verificar uma clara contradição entre os factos e a fundamentação.
U – Devia ficar como provado que além da retirada do telhado, a Ré não fez os trabalhos de demolição e construção, devendo ficar provado que a Ré depois de ter retirado o telhado não fez mais nenhum trabalho na obra, nomeadamente, não fez os trabalhos constantes do documento de empreitada.
V – Quanto ao facto não provado E), acerca da existência de ligação de luz e água, na motivação do Tribunal a quo sobre a decisão de facto, na pág. 10, é referido que “Quanto às ligações de água e luz, o legal representante da autora (…) afirmou (…) havia ligações de água e luz pertencentes a outras casas propriedade do dono da obra e da mãe deste, nomeadamente num murete localizado à entrada da casa a demolir, sendo que aqueles consentiam na sua utilização nos trabalhos a realizar. De forma consentânea a testemunha BB, afirmou que ao lado da obra a realizar, a cerca de 10 ou 15 metros, existem casas propriedade da mãe do depoente das quais podia ser retirada água e luz para a obra, podendo ser igualmente retirada água de um poço existente no terreno da mãe.
Acrescentou esta testemunha que na casa a demolir existiam contadores de água e luz, (…) legal representante da ré afirmou que, (…) no muro que se encontrava na frente da obra só tinha ligação de água pertencente às casas vizinhas”.
W – De acordo com as declarações de parte dos legais representantes das Autora e o próprio dono da obra, testemunha Sr. BB, não se compreende como pôde o Tribunal dar como não provado a existência de água e luz na obra; aliás, as declarações do legal representante da Autora foram imediata e totalmente coincidentes com o próprio dono de obra BB, proprietário que melhor do que ninguém sabia se existiam ou não essas ligações.
X – Ao contrário das declarações do legal representante da Ré que foi o único a dizer que a água e luz estavam a 200 metros de distância, não tendo um mínimo de correspondência com o que foi dito pela testemunha BB.
Y – E a questão que se impõe nem será tanto a da existência de ligações mas sim condições para os trabalhos da obra se concretizarem e a verdade é que se devia ter dado como provada a existência de ligações de água e luz, não sendo motivo para a Ré se recusar a prestar os trabalhos.
Z – Um dos temas da prova fixados no Despacho Saneador, de 13-06-2023, referência 127628278, era “4. Verificação das condições para execução pela ré dos trabalhos, nomeadamente a existência de ligações de água e luz”, entendendo-se que, nesta parte, houve omissão de pronúncia do Tribunal a quo pois não se pronunciou quanto ao facto de existir (ou não) condições para a Ré trabalhar, e a verdade é que se deveria ter dado como provado que havia essas condições, desde logo pela prova gravada.
AA – É que, mesmo que por mera hipótese académica se provasse não existir nem água nem luz na casa que era para demolir, o que não se aceita, o próprio legal representante da Ré admitiu que a Autora lhe disse para tirar a água e luz da casa do lado, que pertencia ao mesmo proprietário e o próprio dono BB também assim o confirmou.
BB e CC – (não se transcrevem, por conterem a transcrição de depoimentos, em termos impertinentes em sede de conclusões)
DD – A Ré poderia ter levado como suas testemunhas quaisquer outros (eventuais) funcionários para demonstrar se afinal existia ou não água e luz na obra, mas optou por levar um filho que declarou ter interesse pessoal na decisão da causa.
EE – A Ré não fez prova de que não existia ligações de água e luz, bastando-se o Tribunal com o que apenas foi dito pelo legal representante AA
FF (não se transcreve, por conter a transcrição de depoimentos, em termos impertinentes em sede de conclusões)
GG – Do depoimento da testemunha BB pode-se retirar que o início da obra, demolição era a cargo da Ré AA; que o alvará seria em nome da Ré AA; que a Ré unicamente retirou o telhado e nada mais fez na obra: que ao lado da casa que seria para demolir, existiam outras casas pertencentes ao mesmo dono a uns 10, 15 metros de distância; mesmo que na obra não existisse água e luz, as casas do lado tinham e até existia um poço de onde era possível retirar água; que havia ligações de água e luz tanto na casa a demolir como nas casas do lado e existiam torneiras onde era possível tirar água; a mãe tem feito outras obras nas casas do lado e nunca houve problemas de água e luz; sempre houve autorização do dono, para se utilizar água e luz das casas do lado para a casa a demolir.
HH – E que a licença de obra era para ser levantada pelo próprio dono de obra BB com o alvará da Ré AA mas não soube explicar ao certo quem é que ficaria de ir à Câmara Municipal: se o próprio com a Autora ou a Ré, se a Autora e a Ré; mesmo esta testemunha confirmou que o Sr. DD lhe disse que a Ré “ficou de ir”, “depois já não veio”. O Sr. BB confirmou que “depois essa parte [licenças], acabamos por não avançar mais, porque era preciso depois o alvará, era entregar”.
II - Por isso nesta parte, não podia o Tribunal a quo dar como provado que “Dependia da Autora e tinha de ser tratado por ela o levantamento das licenças nas entidades camarárias” quando não foi explicado ao certo de quem seria a responsabilidade.
JJ – A testemunha BB admitiu que teve outros trabalhos de obras com a Autora e nunca houve quaisquer problemas, sempre correndo bem e confirmou, ainda, que contratou um advogado para terminar de vez com o contrato celebrado com a Autora, porque “já não queria saber”, embora também tenha admitido que se “subentendia que podia não ser da Autora a culpa” pelo facto da obra não avançar.
KK – (não se transcreve, por conter a transcrição de declarações de parte, em termos impertinentes em sede de conclusões)
LL – As declarações de parte do legal representante da Ré não foram, de todo, convincentes, pois salvo o devido respeito, a Autora entende que o legal representante da Ré usou da desculpa da água, luz e licenças para não fazer os trabalhos que lhe competiam; a verdade é que iniciou a obra, chegando a retirar o telhado. Portanto, se iniciou, se avançou com a retirada do telhado, foi porque entendeu ter condições para iniciar os trabalhos.
MM – Referiu que a Autora tinha de tirar a baixada antiga, para se poder demolir, mas tanto o legal representante da Autora como a testemunha BB foram totalmente coincidentes ao mencionar que os muros iriam ser reposicionados, isto é, era para serem feitos muros novos, onde seriam montados os novos contadores. Mas quem iria demolir os muros velhos, seria a Ré – conforme resulta expressamente do próprio contrato junto com a Contestação sob o Documento 1.
NN – Igualmente, o legal representante da Ré – com muita confusão e falta de coerência – acabou por admitir que havia água e luz mas a sua explicação não foi convincente nem lógica, pois não soube precisar as distâncias, falou numa vala com água da chuva para dizer que havia aí água mas não consegue explicar; admite que no muro antigo havia contadores de água e luz e disse que o DD por sua vez, lhe disse para tirar água e luz das casas do lado e o próprio respondeu “não vou”.
OO – E reconhece que o DD lhe perguntava “quando é que começas a obra”.
PP – Toda a explicação do legal representante da Ré não tem qualquer sentido, já que, depois da Ré levar as coisas para a obra, retirar telhado, qual seria a lógica da Autora (que tem todo o interesse no início e conclusão da obra) vir depois dizer que não coloca lá água e/ou luz??
Depois da Autora ter já transferido a quantia de € 13.028,25 para a Ré??
QQ - (não se transcreve, por conter a transcrição de declarações de parte, em termos impertinentes em sede de conclusões).
RR – Das declarações do legal representante da Autora, concluímos que a Ré iria fazer a demolição, construção da nova moradia e muros; a Autora fez adjudicação verbal com a Ré e ficou a aguardar que a Ré apresentasse o contrato final para também a Autora assinar, o que nunca aconteceu – aliás, o contrato junto com a Contestação sob o Doc. 1 não está assinado pela Autora.
SS – Também se retira que, é pago 25% do valor total, ou seja, os €13.028,25; a Ré nunca atendeu as chamadas da Autora, que ligou variadíssimas vezes para solicitar a comparência em obra e planearem os trabalhos a fazer; existiam ligações de água e luz na obra.
TT – E que o alvará de construção era o da Ré, e aquando da entrega do contrato final ficou acordado irem os 3 (Autora, Ré e dono de obra) à Câmara Municipal levantar a licença, e apenas era necessário a Ré ir também para assinar, pois o n.º de alvará a apresentar seria o da Ré.
UU – Além disso, o legal representante da Ré apenas mencionou a alegada falta de água e luz quando foi contactado pela Advogada da Autora.
VV – Não tinha qualquer sentido útil a Autora enviar uma interpelação admonitória, até porque o contrato celebrado entre Autora e Ré fixou um prazo – entre 3 a 4 meses de trabalhos e há muito que esse prazo estava ultrapassado, sendo que desde Maio de 2021 até à entrada da acção a Ré não mais regressou à obra e se, o dono da obra perdeu o interesse é lógico que a Autora também o perdeu na contratação da Ré, pois se o dono da obra que é quem contrata a Autora (empreiteira) - que por sua vez subcontrata a Ré para essa obra - perde o interesse nos trabalhos da Autora, a subempreitada perde a sua autonomia, pois que o contrato principal (entre o dono da obra e a Autora) que esteve na base da subempreitada (que, no fundo é um contrato subordinado), ficou sem efeito.
WW – Na fundamentação de direito, afirma o Tribunal a quo que “Não resulta da factualidade provada ter a autora resolvido o contrato celebrado com a ré, nem, aliás, podia já que tampouco tal resolução foi alegada, sendo a alusão, na petição inicial, à resolução do contrato apenas feita nos termos transcritos, ou seja, por meio da afirmação de que a subempreitada foi considerada resolvida, devendo a ré restituir o que recebeu”.
XX – Com todo o respeito, tal não é verdade, se o Tribunal dá como provados os envios de 2 cartas registadas com aviso de recepção, devidamente recepcionadas pela Ré e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (cfr. Docs. 4 e 5 da PI) onde a Autora expressamente refere o incumprimento e exige a restituição do valor pago, estas comunicações configuram uma resolução.
YY – Nessas comunicações foi descrito que a Ré nada fez na obra à excepção da retirada do telhado, é referido que incumpriu, é referido que o dono da obra perdeu o interesse, e ainda que a AA devia restituir o valor que recebeu, pelo que, dúvidas não há que se trata de uma resolução do contrato de subempreitada. Sem dúvidas algumas, é transmitido que aquela subempreitada ficou sem efeito.
ZZ – Com todo o respeito, que é sempre muito, mal andou o Tribunal a quo quando decidiu “como sobredito e resulta claro do artigo 436.º, n.º 1, do Código Civil, a resolução efectiva-se por declaração reptícia dirigida à contraparte, que, in casu, não foi emitida”. Ora, ao Tribunal não assiste qualquer razão pois que essa resolução foi feita, foi enviada e chegou ao conhecimento da Ré por via das cartas registadas com aviso de recepção em Janeiro e em Junho de 2021.
AAA – Esta resolução veio no seguimento da conduta da Ré, que, sem sombra de dúvida, demonstrou objectivamente não ter qualquer intenção em retomar a obra e concluir os trabalhos “se o empreiteiro (ou o subempreiteiro) tiver uma conduta reveladora de uma intenção firme e definitiva de não cumprir a obrigação contratual de concluir a respectiva obra, está-se perante uma situação de incumprimento definitivo a si imputável, podendo, então, o dono a obra (ou o empreiteiro, na subempreitada) resolver o contrato e exigir uma indemnização, sem necessidade de recorrer a prévia interpelação admonitória.
BBB – Não tinha de haver fixação de prazo, a Autora não tinha de enviar interpelação admonitória, pois se se dá como provado que o prazo de execução das obras era de 60 dias úteis, entre 3 e 4 meses após o início dos trabalhos (facto provado 13), é lógico que havendo este prazo acordado, estando o mesmo ultrapassado a Ré entra em incumprimento definitivo.
CCC – ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou os arts. 615.º, n.º1 b), c) e d) DO CPC e o art. 607.º, n.º 4 DO CPC e ainda, os arts. 436.º, n.º1, 798.º e 801.º, n.º2 do CC.
DDD – Entende a Recorrente que o Tribunal a quo não considerou toda a prova produzida, não analisou criticamente as provas, nem levou a cabo a compatibilização de toda a matéria de facto adquirida, pelo que, ao abrigo do 662.º do CPC requer-se a modificação da matéria de facto, nos termos supra alegados: (dispensa-se a transcrição, por ser repetição do anteriormente alegado)
EEE – Por todo o exposto, entende a Recorrente que o Tribunal não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, por exemplo, quando referiu que a Autora não resolveu o contrato com a Ré por não ter havido a declaração receptícia nos termos do art. 436.º do CC; quando, na verdade, deu como provado o envio da carta registada com aviso de recepção a fundamentar o incumprimento e a pedir a devolução do dinheiro pago (facto provado 11 a) e b), não se compreendendo o porquê dessa comunicação não ser considerada resolução, havendo violação do disposto no art. 436.º, n.º1 do CC.
FFF – Verificando-se também violação dos arts. 798.º e 801.º n.º2 do CC dado que o Tribunal deveria ter considerado o incumprimento definitivo da Ré.
GGG - Existe, também contradição entre os factos dados como provados e factos dados como não provados, bem como contradição na fundamentação, dado que o Tribunal reconheceu que foi dito existir ligações de água e luz e reconheceu que a Ré nada mais fez na obra.
HHH - E também, verifica-se haver omissão de pronúncia dado que, um dos temas da prova fixados no Despacho Saneador, de 13-06-2023, referência 127628278, era “4. Verificação das condições para execução pela ré dos trabalhos, nomeadamente a existência de ligações de água e luz” e a verdade é que o Tribunal não se pronunciou quanto ao facto de existir (ou não) condições para a Ré trabalhar, e a verdade é que se deveria ter dado como provado que havia essas condições.
III – Pois, já que se demonstrou que as casas do lado tinham água e luz tendo até torneiras, e que se necessário fosse, poderia a Ré ter retirado daí água e luz, o Tribunal deveria ter-se pronunciado sobre se era ou não exequível à Ré fazer a obra, ainda que com essa água e luz do lado. Ou melhor, se era possível à Ré fazer os trabalhos de demolição e construção da nova moradia e muros, com recurso à utilização da água e luz do lado….
E o Tribunal nada decidiu sobre essa questão.
Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverão as presentes Alegações de Recurso ser recebidas e julgadas totalmente procedentes por provadas, revogando-se a Sentença a quo e substituindo-a por outra que julgue procedente a petição inicial, nomeadamente, os pedidos a) e c da PI, condenado a Ré a devolver a quantia de € 13.028,25 e juros, com todas as consequências legais, como é de JUSTIÇA!

A ré não apresentou resposta ao recurso.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Cumpre decidi-lo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO
Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, a autora pretende a alteração da decisão da matéria de facto nos termos seguintes:
3) Em data não concretamente apurada situada entre 25 de Fevereiro e 18 de Abril de 2021, no âmbito das suas actividades profissionais, foi celebrado entre autora e ré acordo nos termos do qual a ré seria responsável pelas obras de demolição da moradia sita na Rua ..., em ..., Aveiro, e a construção da nova moradia e muros”.
4) O dono da obra de seu nome Sr. BB contratou a autora que, por sua vez, solicitou à ré os seus serviços de construção, tendo assinado contrato de obras/orçamento n.º ... a 19-03-2021 e tendo a execução da obra sido adjudicada à Autora a 08-04-2021”.
“5) De forma a começarem as obras, em 18-04-2021, a Autora pagou à Ré a quantia de € correspondente a 25% do valor total acordado, quantia esta que a Ré recebeu e fez sua, tendo emitido uma factura-recibo que nunca foi entregue à Autora.
“6) A Ré retirou as telhas do telhado da moradia, em Maio de 2021, tendo abandonado a obra, nunca mais aparecendo, não tendo feito os restantes trabalhos de demolição e construção constantes do contrato.
10) A autora contactou por diversas vezes a ré, telefonando várias vezes ao Legal Representante da ré, para que voltasse à obra e iniciasse e finalizasse os trabalhos, sendo que a Ré nunca atendeu e/ou devolveu os telefonemas”.
Um novo facto 13) No seguimento da interpelação referida em 12, o dono da obra transmitiu à autora que perdeu definitivamente motivação e interesse em levar a obra por diante, vindo apenas exigir que a autora faça a devolução dos 14.000€ que pagou com o início da obra, bem como, pague o valor referente a mais-valias não reinvestidas.
14) O prazo de execução acordado para as obras referidas em 3) era de 60 dias úteis, entre três e quatro meses após o início dos trabalhos.
15) A autora nunca requereu junto dos serviços competentes a baixada da luz e a água para a obra por não ser necessário, nomeadamente, por existir na obra ligações de água e luz”.
“16) A Ré armou ferro para a obra.
17) igual ao facto 19) da Sentença.
FACTOS NÃO PROVADOS (NOVA REDACÇÃO):
D) Dependia da autora e tinha de ser tratado por ela o levantamento das licenças nas entidades camararias e o pedido de deslocações taxas e cortes da C... e D....
E) A autora não obteve o licenciamento para que as obras se iniciassem.
I) A ré adquiriu ferro para a obra.
J) A autora ordenou à ré que retirasse o ferro da obra.
K) Novo facto: A ré interpelou a autora para obter a licença, água e luz para obra, porque sem estes elementos não era possível realizar os trabalhos que se seguiam.
*
Importa ter presente a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto controvertida.
Declarou o tribunal como provados os factos seguintes:
FACTOS PROVADOS:
Com interesse para a apreciação do mérito da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1) A autora é uma sociedade comercial, unipessoal, que se dedica ao revestimento de pavimentos e paredes, pinturas de interior e exterior; actividades de estucagem em edifícios ou outras obras de construção; Actividade de colocação de armários, roupeiros, portas, janelas, estores em madeira ou outros materiais. Actividade de instalação e reparação de redes de canalização e respetivas ligações à rede; Actividades de instalação, manutenção e reparação de sistemas de aquecimento, ventilação ou climatização em edifícios; Actividades de acabamento em concreto de lareiras, trabalhos ornamentais e limpeza de edifícios e ao comércio por grosso de materiais destinados à construção.
2) A Ré é uma sociedade comercial, unipessoal, que se dedica a Construção civil e obras públicas. Instalação de equipamento sanitário e colocação de vidros. Obras de isolamento, pintura e revestimento de paredes e pavimentos. Instalação de soalhos, tectos falsos e acabamentos de construção civil. Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Comércio de materiais de construção. Escavações, demolições e terraplenagens. Promoção imobiliária. Instalação, reparação e manutenção de sistemas de aspiração central, exaustão, canalização, electricidade, climatização, energias renováveis e ainda de trabalhos de carpintaria, caixilharia e serralharia. Instalação de redes electricidade, águas, esgotos, gás e climatizações.
3) Em data não concretamente apurada situada entre 25 de Fevereiro e Maio de 2021, no âmbito das suas actividades profissionais, foi celebrado entre autora e ré acordo nos termos do qual a ré seria responsável pelas obras de demolição da moradia sita na Rua ..., em ..., Aveiro, e a construção da nova moradia.
4) O dono da obra de seu nome Sr. BB contratou a autora que, por sua vez, solicitou à ré os seus serviços de construção.
5) De forma a começarem as obras, a Autora pagou à Ré a quantia de € 13.028,25 correspondente a 25% do valor total acordado, quantia esta que a Ré recebeu e fez sua, tendo emitido uma factura-recibo redacção alterada em conformidade com a decisão infra).
6) A Ré retirou as telhas do telhado da moradia, em Maio de 2021.
7) Em data não apurada a ré retirou da obra, os seus equipamentos, materiais e máquinas.
8) A autora não chegou a fazer quaisquer trabalhos na moradia.
9) Os trabalhos da autora estavam dependentes dos trabalhos da ré.
10) A autora contactou por diversas vezes a ré, telefonando várias vezes ao Legal Representante da ré, para que voltasse à obra e iniciasse e finalizasse os trabalhos.
11) A mandatária da autora enviou à ré cartas registadas com aviso de recepção recebidas a 10/01/2022 e 06//06/2022, respectivamente do seguinte teor:
a) “Assunto: Interpelação para restituição do valor recebido II Incumprimento contratual (incumprimento de contrato de subempreitada celebrado a 25/02/2021) II M/ Cliente: A... Unipessoal, Lda. (Sr. DD)
Exma. Gerência da B..., Unip. Lda.
Na qualidade de Advogada da empresa A..., Unipessoal, Lda. (cujo Gerente é o Sr. DD), devidamente mandatada e com poderes para o efeito, venho pela presente missiva, interpelar V. Exa. para a restituição do valor de €13.028,25 (…) que já recebeu.
Como V. Exa. bem sabe, a 25-02-2021 assinou com a M/ Cliente um contrato de subempreitada, nos termos do qual, V. Exa. seria responsável pelas obras de demolição da moradia e construção da nova moradia, sendo o prazo da obra de 3 meses. O dono da obra é o Sr. BB com o NIF .... V. Exa. apresentou, inclusive, um orçamento onde estão discriminados todos os trabalhos a serem feitos pela Sua empresa. Como consequência, a M/ Cliente, enquanto empreiteira, transferiu para a sua empresa o correspondente a 25% do total acordado, ou seja, o valor inicial de €13.028,25 (…), quantia esta que V. Exa. recebeu.
Ora, sucede que, V. Exa. incumpriu com o acordado com a M/ Cliente, nomeadamente, não fez praticamente nada dos trabalhos que foram acordados e constantes da empreitada. Sendo certo que a sua empresa unicamente retirou as telhas do telhado da moradia, nada mais tendo feito. Por causa disso, o dono da obra Sr. BB perdeu definitivamente o interesse nos trabalhos da S/ empresa, tendo a M/ Cliente já contratado uma outra empresa para assumir a obra.
Posto isto, e por conta do incumprimento verificado quanto ao contrato de empreitada e que procedeu exclusivamente de culpa sua, deverá V. Exa. restituir no imediato, o montante total de €13.028,25 (…). Porquanto esse montante foi-lhe pago inicialmente, no pressuposto de serem feitos os trabalhos iniciais, os quais nem sequer chegaram a ser iniciados. Deverá V. Exa. efectuar a restituição directamente à M/ Cliente (…).
Se, no prazo máximo de 8 dias após receber esta minha interpelação, não receber qualquer resposta ou a recebida não for satisfatória e na ausência do pagamento solicitado, desde logo, na defesa dos interesses da M/ Cliente, actuarei pelas competentes vias judiciais, com entrada em Tribunal da acção para cobrança desta dívida, à qual acrescerão mais custas e juros, que correrão por conta de V. Exa..”.
b) “Assunto: Insistência na Interpelação para restituição do valor recebido II Incumprimento contratual (incumprimento de contrato de subempreitada celebrado a 25/02/2021) II M/ Cliente: A... Unipessoal, Lda. (Sr. DD)
Exma. Gerência da B..., Unip. Lda.
Venho uma vez mais, na qualidade de Advogada da empresa A..., Unipessoal, Lda. (cujo Gerente é o Sr. DD), ao seu contacto para insistir na interpelação a V. Exa. Para a restituição do valor de €13.028,25 (…) que já recebeu.
Reitero que como V. Exa. bem sabe, a 25-02-2021 assinou com a M/ Cliente um contrato de subempreitada, nos termos do qual, V. Exa. Seria responsável pelas obras de demolição da moradia e construção da nova moradia, sendo o prazo da obra de 3 meses. O dono da obra é o Sr. BB com o NIF .... V. Exa. apresentou, inclusive, um orçamento onde estão discriminados todos os trabalhos a serem feitos pela Sua empresa. Como consequência, a M/ Cliente, enquanto empreiteira, transferiu para a sua empresa o correspondente a 25% do total acordado, ou seja, o valor inicial de €13.028,25 (…), quantia esta que V. Exa. recebeu.
Ora, sucede que, V. Exa. incumpriu com o acordado com a M/ Cliente, nomeadamente, não fez praticamente nada dos trabalhos que foram acordados e constantes da empreitada e assim se mantém até hoje. Sendo certo que a sua empresa unicamente retirou as telhas do telhado da moradia, nada mais tendo feito. Por causa disso, o dono da obra Sr. BB perdeu definitivamente o interesse nos trabalhos da S/ empresa, tendo a M/ Cliente já contratado uma outra empresa para assumir a obra.
Posto isto, e por conta do incumprimento verificado quanto ao contrato de empreitada e que procedeu exclusivamente de culpa sua, deverá V. Exa. restituir no imediato, o montante total de €13.028,25 (…). Deverá V. Exa. efectuar a restituição directamente à M/ Cliente (…).
Se, no prazo máximo de 5 dias após receber esta minha interpelação, não receber qualquer resposta ou a recebida não for satisfatória e na ausência do pagamento solicitado, vou de imediato avançar com a cobrança judicial, sem mais nenhum outro aviso.”.
12) A Autora foi interpelada pelo dono de obra, BB, conforme E-mail enviado pelo Mandatário ao Legal Representante da Autora do seguinte teor:
“Exmos. Senhores,
Na impossibilidade de notificação por via postal registada (ver anexo) vimos através desta e em representação de BB, dono da obra, cuja execução vos foi adjudicada em 08-04-2021, a solicitação deste, venho expor a V. Exas. o seguinte:
Foi contratado entre V. Exas. e o meu constituinte que a obra em causa seria executada no prazo de 120 dias úteis, com início no mês de Maio de 2021. Sendo certo que, a data-limite de conclusão das obras foi fixada antes do início do mês de Dezembro de 2021, pois que, como sempre vos foi transmitido pelo meu constituinte, caso a obra não estivesse concluída nesse timing, este teria que pagar imposto por mais-valias não reinvestidas.
Sucede que, no aludido mês de Maio de 2021, V. Exas. iniciaram a remoção do telhado da moradia, fazendo crer que teriam dado início aos trabalhos contratados, mas logo de imediato pararam os trabalhos, que não retomaram até à presente data.
Além disso, o meu constituinte pagou a quantia de € 14.000,00 (€ 10.000,00 em 11-04-2021 e € 4.000,00 em 12-04-2021), após V. Exas. garantirem que a obra iniciaria logo no mês seguinte (Maio de 2021). Como tal não ocorreu, após várias interpelações do meu constituinte, V. Exas. prometeram dar continuidade à obra, primeiro, no início do mês de Junho e, depois, no início de Agosto, ambos do ano de 2021, o que não foi igualmente cumprido.
Por fim, após V. Exas. se terem novamente comprometido a concluir a obra no prazo acordado, por contacto telefónico mantido com o meu constituinte em 19-11-2021, V. Exas. remeteram-se ao absoluto silêncio, passando a ignorar as chamadas telefónicas tentadas pelo meu constituinte, e nada fazendo na obra que vos foi adjudicada.
Assim sendo, deverão V. Exas. concluir a obra, impreterivelmente, até ao dia 30 de setembro de 2022, prazo mais do que suficiente atendendo ao lapso temporal já decorrido e que ultrapassa todos os limites do razoável, sob pena de, no termo desse prazo, o meu constituinte considerar o contrato e a vossa obrigação definitivamente não cumpridos.
A acrescer, no prazo de 10 dias a contar da receção da presente missiva, deverão V. Exas. proceder ao pagamento da quantia de € 13.250,00, (treze mil e duzentos e cinquenta euros) que o meu constituinte se viu obrigado a despender a título de imposto por mais-valias em consequência do vosso atraso na entrega da obra.
Caso naquela data (30 de setembro de 2022) as obras não se encontrarem concluídas, o meu constituinte intentará, de imediato e sem qualquer outro aviso prévio, a competente ação judicial, tendo em vista a resolução do contrato e a cobrança das quantias devidas a título de indemnização por todos os danos causados com o vosso incumprimento, onde também se incluirá o pagamento da quantia de € 13.250,00 se esta não for paga no prazo concedido supra.”
13) O prazo de execução acordado para as obras referidas em 3) era de 60 dias úteis, entre três e quatro meses após o início dos trabalhos.
14) Dependia da autora e tinha de ser tratado por ela o levantamento das licenças nas entidades camararias e o pedido de deslocações taxas e cortes da C... e D....
15) A autora não obteve o licenciamento para que as obras se iniciassem.
16) A autora nunca requereu junto dos serviços competentes a baixada da luz e a água para a obra.
17) A ré adquiriu e armou ferro para a obra.
18) A ré interpelou a autora para obter a licença, água e luz para obra, porque sem estes elementos não era possível realizar os trabalhos que se seguiam.
19) A ré respondeu à carta de mencionada em 11)-b) a 13/06/2022 por carta registada com aviso de recepção do seguinte teor:
“Exmª Sra Dra
Dou por bem recebida a V/ carta, que agradeço. Contrariamente ao que é afirmado, não houve nenhum incumprimento do contrato da minha parte. O que houve, efectivamente, foi uma desistência do contrato por parte do empreiteiro, que me foi comunicada e me apanhou de surpresa. Com efeito, sempre foi minha intenção cumprir pontualmente o contrato, mas fui impedido de o fazer, derivado ao facto de o empreiteiro, V/ cliente, não ter cumprido com a parte do contrato que lhe competia. Concretizando, não foi colocada luz e água na obra, que me permitisse evoluir com os meus trabalhos. O que era e é da responsabilidade do V/ cliente, que inicialmente assumiu esse compromisso de colocar água e luz em Abril de 2021, mas depois me estava a pedir que fosse buscar luz a mais de 200 metros da obra em causa. Ora, o fornecimento de água e luz é da inteira responsabilidade do empreiteiro e não minha. O empreiteiro sabia que eu tinha absoluta necessidade de luz e água para iniciar e executar a minha parte dos trabalhos. Ao não fornecer a parte que lhe competia, estava o empreiteiro a inviabilizar que eu cumprisse os meus prazos. Por isso, entenderá V. Exª, que se houve atraso, e foi o que houve, atraso no cumprimento, não foi por culpa minha. Assim, terá o dono da obra de exigir responsabilidades de quem efectivamente as tem, que não sou eu.
Atenta a posição assumida pelo empreiteiro, que me veio transmitir que o dono da casa já não a pretendia fazer, o que condiz com a informação que tenho que a licença nunca foi levantada, facto que também inviabilizaria a execução dos meus trabalhos, pois o aviso de obra é obrigatório e não é da minha responsabilidade, entendo poder haver margem para negociar. O que não pode é passar pela devolução total do valor. Por um lado, por não ter existido culpa da minha parte. A existir atraso, e é um facto que existe, esse atraso não me é assacável. Eu estou disponível para continuar a obra, e disponível para aceitar a desistência do dono da obra. Contudo, não estou disponível para assumir os prejuízos, muito menos sozinho. Já me sinto prejudicado pela perda da expectativa do meu ganho nesta obra, além de que tinha calendarizado o meu trabalho para a executar, e fui impedida de o fazer pelo empreiteiro. Por isso mesmo não posso perder ainda o trabalho que já fiz, e que ficou na obra nem o material que adquiri para esta obra e que também foi trabalhado, referindo-me em concreto ao erro que armei para esta obra e que não me serve para mais nenhuma.
Assim, e caso seja para chegarmos ao acordo, estarei disponível para aceitar a V/ desistência, sem a penalização que está prevista para o V/ incumprimento, e assim terminar com esta situação, que pessoalmente não me agrada, e que nunca vivenciei. Para acordo, e somente para acordo, sem termos de andar a discutir o assunto pelas vias judiciais, aceito devolver metade do valor recebido.
Fico a aguardar que me informe se há possibilidades de entendimento, para lavrarmos o acordo e eu estar então em condições de devolver metade do valor recebido.
Se não houver acordo quanto ao pagamento deste valor, então estou disponível para regressar à obra, logo que a mesma tenha água e luz, aguardando ser aviso pelo V/ cliente. (…).”
*
FACTOS NÃO PROVADOS:
A) O acordo mencionado em 3) foi celebrado a 25 de Fevereiro de 2021.
B) O prazo da obra indicada em 3) era de 3 meses.
C) Desde o início, a autora explicou à ré que a obra era para ser feita no prazo indicado em B), pois o dono da obra caso não cumprisse com este prazo, teria de pagar mais-valias por não reinvestimento até Fevereiro de 2022.
D) Na sequência do referido em 6) a ré abandonou a obra, nunca mais aparecendo.
E) Na obra havia ligações de luz e água.
F) A ré foi sempre dando várias desculpas à Autora, de que iria trabalhar no dia seguinte, de que iria na semana seguinte, nunca mais aparecendo em obra.
G) A autora contava ganhar pelos trabalhos a realizar a quantia de 15.000€.
H) Nas circunstâncias referidas em 10) a autora contactou por diversas vezes a ré enviando mensagens escritas.
I) Posteriormente à comunicação referida em 11), o dono da obra transmitiu à autora que perdeu definitivamente motivação e interesse em levar a obra por diante, vindo apenas exigir que a autora faça a devolução dos 14.000€ que pagou com o início da obra, bem como, pague o valor referente a mais-valias não reinvestidas.
J) A autora ordenou à ré que retirasse o ferro da obra. *
A essência do recurso é constituída pela impugnação de vários segmentos da decisão sobre a matéria de facto.
A autora, ora apelante, cumpre o regime processual pertinente, especificando os factos que são alvo da sua discordância, o sentido da decisão pretendida e os meios de prova em que assenta tal pretensão. Cabe, por isso, conhecer esse recurso.
Começa a apelante por pretender uma alteração quanto à data de celebração do contrato entre a A. e a R., constante do item 3º dos factos provados.
O tribunal, não resolvida a dúvida sobre tal data, deu por provado que o contrato foi celebrado entre 25 de Fevereiro e Maio de 2021. A apelante defende, todavia, que tal data deve fixar-se entre 25 de Fevereiro e 18 de Abril de 2021, pois que datando o pagamento feito à ré de 18 de Abril, logo isso deve indiciar a concretização do contrato.
Para o tribunal recorrido, a fixação da data em Maio resultou da circunstância de ter sido então que foram iniciados trabalhos, pela ré.
Cumpre reconhecer a irrelevância da questão. Em qualquer caso, do documento junto em 29/9/2022 resulta que a transferência do valor de 13.038,25€ foi feita em 18/4/2021.
Em coerência com isso, tem fundamento a argumentação da apelante: só se compreende a ocorrência de um pagamento no âmbito de um contrato como o dos autos quando tal contrato já tenha sido celebrado.
Pelo exposto, procedendo esta pretensão, alterar-se-á em conformidade a redacção do item 3º, inserindo-se tal alteração, oportunamente, no lugar próprio, aditando-se a mesma data no item 5 dos factos provados.
*
No tocante ao item 4º, pretende a apelante que se adite “a data da formalização por escrito do acordo entre Autora e o dono de obra BB e a data da adjudicação”.
Tal matéria é, todavia, absolutamente irrelevante para a decisão a proferir, não se justificando a alteração por razões de correcção ou maior precisão do ali constante. Por isso, prevenindo-se a produção de um acto totalmente inútil, nenhuma alteração se determina.
*
No item 10, o tribunal deu por provado que “A autora contactou por diversas vezes a ré, telefonando várias vezes ao Legal Representante da ré, para que voltasse à obra e iniciasse e finalizasse os trabalhos.”, pretendendo a apelante que se adite “…que a Ré nunca atendeu e/ou devolveu os telefonemas”.
Acontece que o facto relevante é constituído pelas interpelações dirigidas à ré, pela autora. A impugnação desses contactos incumbiria à ré. Porém, provaram-se essas iniciativas de interpelação. Saber se as mesmas foram adequadas para fazer incorrer a ré em mora ou em incumprimento definitivo é matéria a discutir em momento ulterior. O que aqui releva é que houve interpelações tendentes a que a ré executasse a sua prestação.
Acresce que o tribunal justificou a razão de não dar por provado que os telefonemas não tivessem sido atendidos: isso resultou “… das declarações de parte do legal representante da ré que explicou ao tribunal que em contactos presenciais e telefónicos com o legal representante da autora a conversa era sempre a mesma, quando questionado por este sobre porque não começara a construção da casa lhe respondia que o faria quando aquele colocasse luz e água na obra. Tais declarações mereceram credibilidade ao tribunal mostrando-se consentâneas com o teor da carta de resposta mencionada no ponto 19).”
Em qualquer caso, como se referiu, é irrelevante a referência a eventuais respostas que tivessem sido dadas às interpelações da autora. Por isso, desnecessário se torna adicionar a factualidade pretendida.
*
A questão sucessivamente colocada respeita a uma matéria controversa e essencial: a ré alegou que os seus trabalhos careciam de ligações de água e electricidade no local da obra; alegou que à autora cabia requerer aos serviços competentes essas ligações e que jamais o fez. Teria, assim, impedido a sua prestação. O mesmo teria acontecido com a licença de obras. A autora opôs que no local já existiam ligações de água e de electricidade.
O tribunal deu por provada a versão da ré, sob os itens 14, 15, 16 e 18, nos seguintes termos (alterando-se a ordem dos itens, para que a matéria fique logicamente ordenada: 14) Dependia da autora e tinha de ser tratado por ela o levantamento das licenças nas entidades camararias e o pedido de deslocações, taxas e cortes da C... e D... (14º). A ré interpelou a autora para obter a licença, água e luz para obra, porque sem estes elementos não era possível realizar os trabalhos que se seguiam (18º). A autora nunca requereu junto dos serviços competentes a baixada da luz e a água para a obra (16º). A autora não obteve o licenciamento para que as obras se iniciassem (15º). Em coerência, o tribunal deu por não provado que na obra havia ligações de luz e água (al. E) dos factos não provados).
Resulta da sentença recorrida, tal como do recurso, que os meios de prova relevantes a este propósito são as declarações de parte dos gerentes da autora e da ré, bem como o depoimento testemunhal do dono da obra, BB.
Útil, também, como referido na sentença, o documento junto na audiência, a 25/9/2023, constituído pelo orçamento apresentado pela ré, onde se salvaguarda que, no orçamento proposto, “Não está incluído taxas e licenças de obras. Não está incluído o levantamento de alvará e licenças nas entidades camarárias. Não está incluído o pedido de deslocações, taxas e cortes da C... e D....” (sendo D... a entidade de gestão de águas da região ...).
Estas observações não são, todavia, de ordem a excluir toda e qualquer intervenção da ré na aquisição das condições necessárias à execução da obra. Isso é óbvio, como veremos, por exemplo em relação à obtenção das necessárias licenças de demolição e construção, para as quais estava pressuposta a disponibilidade do alvará de construtor civil da própria ré, como bem o explicaram o dono da obra e o gerente da autora. Assim, até porque tal documento se traduz num mapa de trapalhos e de custos, o que dali resulta é que a ré exclui que possa suportar quaisquer custos com taxas e licenças, com os procedimentos de levantamento das licenças e com o que seja preciso pagar à C... e à D... para deslocação das linhas de fornecimento de electricidade e de água que abasteciam a construção existente e a demolir.
Será, por isso, apenas nos relatos dos dois gerentes e de BB que teremos de alicerçar a decisão sobre a questão sob análise.
Tal tarefa pressupõe que se tenha presente a repartição do ónus da prova sobre a matéria.
No caso está adquirida a celebração do contrato entre A. e R.; e é incontroverso que o mesmo não foi cumprido, pelo menos segundo o programa contratual previsto. Alegou a ré que esse incumprimento procede da esfera da autora, pois que lhe cabia providenciar pela obtenção de electricidade e água na obra, bem como pela obtenção de licenças, não o tendo feito. Assim se legitimaria não ter a ré realizado a sua prestação.
A autora, por sua vez, impugnou tal alegação, afirmando haver electricidade e água à disposição da ré, no local, e não proceder de responsabilidade sua não terem sido obtidas s licenças necessárias.
Qualificando juridicamente a alegação da ré, verifica-se que esta invoca uma excepção de não cumprimento do contrato, na medida em que justifica a não realização da sua prestação com a omissão da prestação da própria autora, designadamente não ter ela garantido o fornecimento de água e electricidade na obra, como lhe competia, nem ter obtido o licenciamento dos trabalhos (demolição e construção).
Nestas circunstâncias, atento o disposto no art. 342º, nº 2 do C. Civil, o ónus da prova da ausência de água, electricidade e licença, como justificação para a não realização da prestação da ré impende sobre a própria ré, o que é, de resto, coerente com o facto de lhe competir a própria alegação desta matéria.
Acontece que, sobre a factualidade em causa, sustentando a tese da ré, apenas o seu legal representante se pronunciou, afirmando que a autora deveria ter colocado, num canto do espaço da obra, a instalação de água e electricidade, o que não fez.
Ora quer o dono da obra – BB – quer o gerente da autora – DD – afirmaram de forma coincidente e coerente que era desnecessário requisitar qualquer instalação específica de água e electricidade para a obra, pois que no local havia um poço que poderia proporcionar a água, quer que nas habitações contíguas – entre a 10 e 20 m. de distância – havia instalações de água e electricidade. Tais habitações e poço eram da mãe de BB (DD até admitia que fossem dele) e dali haveria de ser retirada a electricidade e a água que fossem necessárias.
Rejeitando essa solução, AA, gerente da ré, afirmava que a água e a electricidade estariam a 200 metros e que não lhe competiria arranjar mangueiras e cabos com essa extensão, a instalar e desinstalar todos os dias, para realizar os seus trabalhos. E, bem assim, que nas casas contíguas a instalação eleéctrica teria 15 amperes, o que não permitiria ligar sequer uma rebarbadora, que funciona com 16 amperes. Daí insistir na sua versão de que a autora incumpriu a sua obrigação de lhe disponibilizar água e electricidade, pelo que, quando contactado por DD sempre lhe respondia que iria para a obra quando tivesse disponíveis tais utilidades.
Porém, quer DD, quer BB, este claramente sem interesse na decisão da causa, pois que entretanto já incumbiu outrem de fazer a obra, a qual se encontra em execução, garantem que havia água num murete no limite do espaço do terreno onde a obra seria executada, quer que a electricidade estava também acessível nas casas contíguas. Acrescenta BB que a obra que tem em curso utiliza tais meios, jamais tendo havido dificuldades a este propósito, o mesmo acontecendo com as diversas obras que a sua mãe fez nas tais casas contíguas (min. 17).
Não pode, pois, ter-se por credível a versão da ré, tal como foi transposta para os itens em questão, pelo que haverá de ser corrigida a sua redacção, como infra se determinará.
Questão semelhante ocorrem em relação à licença de obras.
Por um lado, verifica-se que a própria ré começou os trabalhos sem esperar pelo levantamento das licenças junto dos serviços municipais. Retirou todo o telhado, o que é admitido por todos. Afirmou AA, todavia, que tal operação era simples e tolerável mesmo sem a licença. Porém, jamais tratou a ré de obter as necessárias licenças de demolição da construção existente e de obras para reedificação da nova habitação. E essa seria uma das razões pelas quais nada mais fez.
Sobre esta matéria, é incontroverso que cabia à autora diligenciar pela obtenção das licenças necessárias, bem como que as mesmas haveriam de ser levantadas pelo dono da obra – BB - nos serviços municipais, pois que por ele haveria de ser suportado o seu custo. BB, AA e DD têm narração coincidente sobre esta matéria.
Todavia, BB – este de forma genuína, mas menos precisa – e DD – este de forma mais precisa e igualmente sincera – afirmaram que a emissão das licenças exigia a identificação do construtor que teria de estar dotado do competente alvará de construtor civil. A autora – que iria executar a parte interior e acabamentos da obra - não dispunha de alvará, pelo que a execução da obra de alvenaria teria de ser executada por alguém com alvará de construtor civil adequado. Foi esse um critério para a escolha da ré, entre outros concorrentes, explicou DD. Assim, o que estava previsto é que se combinasse a ida dos três homens à Câmara Municipal: DD por ser o empreiteiro contratado; BB por ser o dono da obra e que haveria de pagar e levantar as licenças; e AA, subempreiteiro (em representação da ré) que apresentaria o seu alvará de construtor civil e cuja intervenção era necessária para ser concedido o licenciamento.
Todavia, descrevem BB e DD, a ré afastou-se da obra, nunca mais apareceu e por isso não se chegou a combinar a ida à Câmara, para o pagamento, emissão e levantamento das licenças. Acresce que a sua narração é coerente e credível, pelo que não pode deixar de se lhe conferir credibilidade.
Nestas circunstâncias, não se pode acolher a tese da ré segundo a qual cabia à autora a obtenção das licenças, tendo ela incumprido essa obrigação e impedindo, com isso, a execução da obra pela própria ré. A ré seria, pelo menos tão responsável pela obtenção das licenças como a própria autora, pois bem sabia que sem a sua intervenção o licenciamento não seria decretado.
Cumpre, pois, eliminar ou alterar a redacção dos itens sob impugnação, para que traduzam o ajuizamento da prova que acaba de se enunciar.
Assim, o item 14 apresentava a seguinte redação: 14) Dependia da autora e tinha de ser tratado por ela o levantamento das licenças nas entidades camararias e o pedido de deslocações taxas e cortes da C... e D....
Como se referiu, não está em causa a deslocação nem o pagamento de taxas relativas aos serviços de água e electricidade. Por isso, tal matéria será retirada do texto.
Para além disso, não se provou – provou-se outra realidade diferente - que dependesse unicamente da autora – como a ré alegara e a redacção dos factos provados 14º e 15º pressupõem – a obtenção de licenciamento para que as obras se iniciassem.
Consequentemente, esta factualidade será dada por não provada.
Quanto ao teor do item 16º, a sentença recorrida enuncia: “16) A autora nunca requereu junto dos serviços competentes a baixada da luz e a água para a obra.”
Sendo verdadeira tal afirmação, ela é incompleta, pois que se provou que não obstante isso, existiam disponíveis para a obra ligações de água e electricidade.
Assim, eliminando-se dos factos não provados o teor da al. E), o item 16º dos factos provados passará a ter a seguinte redacção: “16) A autora nunca requereu junto dos serviços competentes a baixada da luz e a água para a obra, sendo que nesta havia disponibilidade de água e electricidade.”
Por fim, o teor do item 18º mostra-se impertinente. Ali se referia: “A ré interpelou a autora para obter a licença, água e luz para obra, porque sem estes elementos não era possível realizar os trabalhos que se seguiam.”
Com efeito, o que se apurou é que, perante interpelações da autora para que retomasse os trabalhos, a ré afirmava que, para isso, deveriam ser colocadas em obra água e electricidade e obtida a licença. Mas esta afirmação era usada apenas como justificação para o afastamento da obra, como emana da correspondência transcrita sob o item 19º.
Por isso, o facto do item 18º terá de qualificar-se como não provado.
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De seguida, pretende a apelante a alteração da matéria do facto 17º (“A Ré adquiriu e armou ferro para a obra”), alegando que a ré não demonstrou ter adquirido ferro, podendo tê-lo aproveitado de outra obra anterior. Assim, restaria provado que a ré armou ferro para a obra, dando-se por não provado que o tivesse adquirido.
Além da insignificância da questão, ainda que a ré tivesse trazido ferro de outra obra, também o teria adquirido. E ensaiando a sua preparação para uso nesta obra, a redacção do item 17º não perverte a realidade subjacente: foi a ré que trouxe e armou ferro que haveria de ser usado na obra.
Pelo exposto, não procederá a apelação quanto a este facto.
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Pretende a apelante que se dê por provado um novo facto, que se seguiria ao nº 12, sob a seguinte redacção “No seguimento da interpelação referida em 12, o dono da obra transmitiu à autora que perdeu definitivamente motivação e interesse em levar a obra por diante, vindo apenas exigir que a autora faça a devolução dos 14.000€ que pagou com o início da obra, bem como, pague o valor referente a mais-valias não reinvestidas.” Corresponderia isso a transpor para os factos provados o teor da al. I) dos não provados.
BB, porém, não referiu que, depois da carta transcrita no item 12 tivesse havido novo contacto seu com a autora, para comunicar o seu desinteresse a terminar com o negócio. Pelo contrário, contou que já estava subjacente a essa carta a instrução ao advogado para acabar com o contrato. De resto, o prazo concedido para que a obra fosse terminada dificilmente poderia ser cumprido nas circunstâncias verificadas.
Por isso, não se pode dar por provada uma ulterior comunicação, como a referida pela apelante. Acresce que o teor da redacção proposta é de cariz conclusivo, a interpretar a partir dos termos da própria carta, não cumprindo enuncia-lo entre os factos provados, como se de um facto natural se tratasse.
Improcederá, pois, a apelação também neste segmento.
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Pretende ainda a apelante que se dê por provado o teor da al. D dos factos não provados, isto é, que: “Na sequência do referido em 6) a ré abandonou a obra, nunca mais aparecendo.”
Também a afirmação de que a ré abandonou a obra consubstancia uma conclusão, que haverá de extrair-se – ou não – de outra factualidade apurada. Não poderá incluir-se entre os factos provados, como se de um facto natural se tratasse, a conclusão de que a ré abandonou a obra. Isso corresponderia a transpor para o substrato factual da decisão uma conclusão, como se de uma mera premissa fáctica se tratasse.
Improcederá, por isso, também a apelação nesta parte.
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Atentas as alterações feitas no elenco dos factos provados e não provados, é pertinente reproduzir aqui o resultado da intervenção correctiva deste tribunal de recurso, na parte útil (sem prejuízo de se não voltar a transcrever integralmente o teor dos itens 1º e 2º e a correspondência trocada, por razões de economia).
FACTOS PROVADOS:
1º - A autora é uma sociedade comercial, unipessoal, que se dedica ao revestimento de pavimentos e paredes … (sem alteração);
2º - A Ré é uma sociedade comercial, unipessoal, que se dedica a Construção civil e obras públicas … (sem alteração);
3) Em data não concretamente apurada situada entre 25 de Fevereiro e 18 de Abril de 2021, no âmbito das suas actividades profissionais, foi celebrado entre autora e ré acordo nos termos do qual a ré seria responsável pelas obras de demolição da moradia sita na Rua ..., em ..., Aveiro, e a construção da nova moradia (redacção alterada em conformidade com a decisão supra).
4) O dono da obra de seu nome Sr. BB contratou a autora que, por sua vez, solicitou à ré os seus serviços de construção.
5) De forma a começarem as obras, em 18/4/2021, a Autora pagou à Ré a quantia de € 13.028,25 correspondente a 25% do valor total acordado, quantia esta que a Ré recebeu e fez sua, tendo emitido uma factura-recibo (redacção alterada em conformidade com a decisão supra).
6) A Ré retirou as telhas do telhado da moradia, em Maio de 2021.
7) Em data não apurada a ré retirou da obra, os seus equipamentos, materiais e máquinas.
8) A autora não chegou a fazer quaisquer trabalhos na moradia.
9) Os trabalhos da autora estavam dependentes dos trabalhos da ré.
10) A autora contactou por diversas vezes a ré, telefonando várias vezes ao Legal Representante da ré, para que voltasse à obra e iniciasse e finalizasse os trabalhos.
11) A mandatária da autora enviou à ré cartas registadas com aviso de recepção recebidas a 10/01/2022 e 06//06/2022, respectivamente do seguinte teor:
12) A Autora foi interpelada pelo dono de obra, BB, conforme E-mail enviado pelo Mandatário ao Legal Representante da Autora do seguinte teor:
13) O prazo de execução acordado para as obras referidas em 3) era de 60 dias úteis, entre três e quatro meses após o início dos trabalhos.
14) e 15) (A matéria passou para o elenco dos factos não provados).
16) A autora nunca requereu junto dos serviços competentes a baixada da luz e a água para a obra, sendo que nesta havia disponibilidade de água e electricidade (redacção alterada em conformidade com a decisão supra).
17) A ré adquiriu e armou ferro para a obra.
18) (A matéria passou para o elenco dos factos não provados)
19) A ré respondeu à carta de mencionada em 11)-b) a 13/06/2022 por carta registada com aviso de recepção do seguinte teor: (não se reproduz novamente, por economia)
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FACTOS NÃO PROVADOS:
A) O acordo mencionado em 3) foi celebrado a 25 de Fevereiro de 2021.
B) O prazo da obra indicada em 3) era de 3 meses.
C) Desde o início, a autora explicou à ré que a obra era para ser feita no prazo indicado em B), pois o dono da obra caso não cumprisse com este prazo, teria de pagar mais-valias por não reinvestimento até Fevereiro de 2022.
D) Na sequência do referido em 6) a ré abandonou a obra, nunca mais aparecendo.
E) (Matéria que foi incluída nos factos provados, no item 6)
F) A ré foi sempre dando várias desculpas à Autora, de que iria trabalhar no dia seguinte, de que iria na semana seguinte, nunca mais aparecendo em obra.
G) A autora contava ganhar pelos trabalhos a realizar a quantia de 15.000€.
H) Nas circunstâncias referidas em 10) a autora contactou por diversas vezes a ré enviando mensagens escritas.
I) Posteriormente à comunicação referida em 11), o dono da obra transmitiu à autora que perdeu definitivamente motivação e interesse em levar a obra por diante, vindo apenas exigir que a autora faça a devolução dos 14.000€ que pagou com o início da obra, bem como, pague o valor referente a mais-valias não reinvestidas.
Como supra decidido, resultou ainda não provado que:
14) Dependia da autora e tinha de ser tratado por ela o levantamento das licenças nas entidades camararias e o pedido de deslocações taxas e cortes da C... e D....
15) A autora não obteve o licenciamento para que as obras se iniciassem.
18) A ré interpelou a autora para obter a licença, água e luz para obra, porque sem estes elementos não era possível realizar os trabalhos que se seguiam.
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Em complemento da impugnação dirigida à decisão sobre a matéria de facto, invocou a apelante que a sentença incorreu em diversas nulidades:
1 - o Tribunal a quo não considerou toda a prova produzida, não analisou criticamente as provas, nem levou a cabo a compatibilização de toda a matéria de facto adquirida;
2 - o Tribunal não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, por exemplo, quando referiu que a Autora não resolveu o contrato com a Ré por não ter havido a declaração receptícia nos termos do art. 436.º do CC; quando, na verdade, deu como provado o envio da carta registada com aviso de recepção a fundamentar o incumprimento e a pedir a devolução do dinheiro pago (facto provado 11 a) e b).
3 - contradição entre os factos dados como provados e factos dados como não provados, bem como contradição na fundamentação, dado que o Tribunal reconheceu que foi dito existir ligações de água e luz e reconheceu que a Ré nada mais fez na obra.
4 - omissão de pronúncia dado que, um dos temas da prova fixados no Despacho Saneador, de 13-06-2023, referência 127628278, era “4. Verificação das condições para execução pela ré dos trabalhos, nomeadamente a existência de ligações de água e luz” e a verdade é que o Tribunal não se pronunciou quanto ao facto de existir (ou não) condições para a Ré trabalhar, e a verdade é que se deveria ter dado como provado que havia essas condições, devendo o tribunal pronunciar-se sobre se se era possível à Ré fazer os trabalhos de demolição e construção da nova moradia e muros, com recurso à utilização da água e luz do lado.
Facilmente se verifica que o que a apelante subsume ao conceito de nulidade procede de claro erro seu, pois que efectivamente se limita a discordar do decidido.
A decisão do tribunal mostra-se perfeitamente fundamentada, completa e coerente, incluindo quanto à sua conclusão de que a autora não disponibilizara electricidade e água em obra, como se obrigara. E mostra-se devidamente fundamentada quanto à opção pela solução nos termos da qual não teria havido incumprimento definitivo da ré apto a motivar a resolução do contrato pela autora.
Como resulta do acima decidido, este tribunal de recurso já alterou parte da decisão relativa á matéria de facto. Sucessivamente discutir-se-ão os efeitos dessa alteração na decisão a proferir. Porém, estas intervenções ocorrem em sede de mérito da decisão e não em sede da sua validade formal.
Com efeito, nem há falta de fundamentação, nem contradição entre pressupostos e decisão, nem omissão de pronúncia em relação a qualquer tema de prova, como resulta claramente da substanciação das correspondentes nulidades descrita pela apelante e acima descrita. Isso sobressai especialmente em relação ás nulidades que a apelante aponta por violação de regras do direito substantivo, designadamente as dos arts. 436.º, n.º1 do CC, 798.º e 801.º n.º2 do CC
Rejeita-se, pois, que ocorra qualquer das nulidades invocadas.
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Cabe, agora decidir se, em face do novo elenco de factos provados e não provados deve manter-se ou revogar-se a decisão recorrida, neste caso a substituir por outra com contrário dispositivo.
Jamais esteve em discussão a qualificação do contrato celebrado entre as partes: trata-se de um típico contrato de subempreitada, tal como definido no art. 1213º, nº 2 do C. Civil, por via do qual a ré se obrigou a executar parte da obra que, por sua vez, a autora se obrigara a executar para BB.
Segundo o apurado e descrito no item 3º dos factos provados, cabia à ré demolir a construção existente e proceder à edificação de uma nova moradia e muros.
Mais se provou que, do preço previsto para a subempreitada, a autora pagou à ré a proporção de 25%, num total de € 13.028,25.
A ré começou a executar a obra: retirou as telhas da construção existente e colocou em obra ferro, que armou, e que haveria de ser usado na nova edificação (itens 6º e 17º).
Porém, mais tarde, a ré retirou da obra, os seus equipamentos, materiais e máquinas (item 7º) e apesar de sucessivamente contactada pela autora para que voltasse à obra e retomasse os trabalhos, jamais o fez (item 10 dos factos provados).
Por isso mesmo, mais de seis meses e mais de um ano depois, em duas diferentes ocasiões, por escrito, a autora limitou-se a pedir-lhe a devolução do valor pago.
Tal actuação não pode deixar de qualificar-se como abandono da obra., na medida em que revela claramente a vontade da ré de não mais prosseguir a sua execução.
Como se refere no ac. do STJ de 14-01-2021, proferido no processo nº 2209/14.0TBBRG.G3.S1 (disponível em dgsi.pt) “Sendo a prestação de realização da obra, típica do contrato de empreitada, uma prestação duradoura e, no tipo de obra aqui em causa, de execução contínua, o abandono da obra, enquanto comportamento de recusa a cumprir, apresenta a especificidade de não consistir numa recusa antecipada, mas sim numa recusa em prosseguir a execução de uma prestação já iniciada. II. Essa conduta, essencialmente omissiva, mas podendo ser precedida de ações que a anunciam (v.g. retirada de materiais e máquinas), para ser significante de um propósito definitivo de não conclusão do ato de realização da obra, deve ser aparente, categórica e unívoca.”
No caso em apreço, o tempo muito prolongado pelo qual a ré não voltou à obra, apesar de repetidamente solicitada para esse efeito, traduz a vontade de definitivo alheamento em relação ao cumprimento do contrato de subempreitada celebrado com a autora. E isso – tal como se refere no acórdão citado – torna-se tão mais inequívoco quanto se considere que, após o início de alguns trabalhos, a ré retirou do local da obra todos os equipamentos e materiais que para ali levara para a executar.
Nestas circunstâncias, como também se refere no acórdão citado (embora aí a situação se alargue a ambos os contraentes, o que não é o caso destes autos) tendo o subempreiteiro já revelado “…o seu desinteresse pelo cumprimento do contrato, não se justifica que a vigência deste fique dependente de um pedido de resolução (…), devendo entender-se que ele se extinguiu, com o seu incumprimento definitivo, cessando o contrato por um (…) comportamento volitivo concludente.”
Tal como ali, também no caso dos autos devemos ter por definitivamente incumprido o contrato de subempreitada, em face do comportamento omissivo concludente da ré, que se ausentou da obra com equipamentos e materiais e, mesmo interpelada para o efeito, jamais anunciou sequer ir retomar a sua execução.
Para esta conclusão contribui, obviamente, a irrelevância reconhecida ao argumento da ré segundo o qual seria imputável à própria autora esse seu incumprimento, já que uma precedente omissão de cumprimento dos deveres contratuais da própria autora foi o que sempre determinou que não retomasse os trabalhos.
Com efeito, não se apurou que a ausência da ré se justificasse em função da falta de água, electricidade e de licenças camarárias que lhe permitissem executar o seu trabalho.
Como acima se deu por verificado e se justificou, à ré não faltavam a água e electricidade necessárias para a execução dos seus trabalhos e a não obtenção de licenças – cuja ausência nem impediu a ré de iniciar a sua prestação – não foi determinante para o abandono, já que era essencial a intervenção da própria ré na obtenção dessas licenças, que assim não foram obtidas igualmente por efeito do próprio abandono.
Inexiste, pois, qualquer fundamento justificativo da actuação da ré, ou que legitime a sua actuação omissiva, designadamente à luz do disposto no art. 428º do C. Civil.
Pelo exposto, contrariamente ao entendido na sentença recorrida, concluímos que a ré incorreu no incumprimento definitivo do contrato celebrado com a autora, na sequência do abandono da obra. E isso porquanto, perante tais circunstâncias se não torna necessária a interpelação admonitória pressuposta no art. 808º, nº 1 do C.- Civil.
Nos termos do art. 801º, nº 2, tem a autora direito à resolução do contrato e, consequentemente à restituição do que tiver prestado.
Haverá, pois, de proceder a sua pretensão à devolução do valor de € 13.028,25, pagos à ré a título de antecipação parcial do preço da subempreitada.
Pretendia ainda a autora a condenação da ré a pagar-lhe “… juros de mora calculados à taxa legal comercial, contados desde a data de vencimento (25-05-2021 sendo a data em que terminaria a subempreitada) os quais perfazem até hoje o total de € 1179,32, por conta do incumprimento definitivo do contrato de subempreitada, causado culposamente pela Ré;” a acrescer com juros vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Inexiste, todavia, fundamento para considerar como data para o incumprimento definitivo do contrato a apontada data de 25-05-2021. Com efeito, a própria autora afirmou que continuou, por tempo que não está definido, a interpelar a ré para voltar à obra e retomar o trabalho.
Assim, só com a carta remetida em 10/1/2022, transcrita sob o item 11, a) dos factos provados, se pode considerar a ré interpelada para a restituição do capital referido, por efeito da extinção do contrato de subempreitada que é causa de pedir nestes autos.
Pelo exposto, nos termos do art. 805º, nº 1 do C. Civil, ao valor referido serão acrescidos juros a contar à taxa aplicável aos créditos de que são titulares empresas comerciais, desde 10/1/2022 e até integral pagamento.
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Em conclusão, cabe conceder provimento ao presente recurso, importando revogar a decisão recorrida e substitui-la por outra que, julgando a acção parcialmente provada e procedente, condena a ré a pagar à autora a quantia de €13.028,25, a acrescer com juros a contar à taxa aplicável aos créditos de que são titulares empresas comerciais, desde 10/1/2022 e até integral pagamento, no mais se julgando improcedente o pedido da autora e se absolvendo a ré do restante que contra si vinha pedido.
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Sumário:
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder provimento à presente apelação, com o que revogam a decisão recorrida, que substituem por outra nos termos da qual, julgando a acção parcialmente provada e procedente, condenam a ré a pagar à autora a quantia de €13.028,25 (treze mil e vinte e oito euros e vinte e cinco cêntimos), a acrescer com juros a contar à taxa aplicável aos créditos de que são titulares empresas comerciais, desde 10/1/2022 e até integral pagamento. No mais se julga improcedente o pedido da autora, absolvendo-se a ré do restante que contra si vinha pedido.
Custas, na acção e na apelação, por ambas as partes, na proporção do decaimento.
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Porto, 22 de Outubro de 2024
Rui Moreira
Raquel Correia de Lima
Alexandra Pelayo