I - As nulidades secundárias devem, em princípio, ser arguidas pelos interessados perante o tribunal onde foram cometidas, em vista de aí serem apreciadas, não sendo impugnáveis mediante recurso – apenas a decisão que as apreciar e decidir poderá ser impugnada por via recursória (ainda que tal faculdade sofra agora da limitação estabelecia no nº 2 do art. 630º do CPC).
II - É de imputar ao insolvente, a título de dolo, o comportamento por ele tido e mantido de não entregar à fidúcia o rendimento disponível depois de expressamente notificado (duas vezes) pelo tribunal, pessoalmente, para observar tal dever e advertido para as consequências do incumprimento de tal obrigação e de que o incumprimento injustificado seria considerado e valorizado como doloso (e causador de prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência) e fundamento de recusa da exoneração.
III - O normativo (art. 243º, nº 1, a), ex vi art. 244º, nº 2, do CIRE) demanda um prejuízo cujo montante signifique, em termos valorativos, na perspectiva do insolvente (dos seus rendimentos), um ‘preço’ que valha a obtenção da exoneração – importa nessa aferição o montante que o devedor deixou de entregar à fidúcia por referência ao que foi estabelecido como rendimento disponível (e por isso como o ‘preço’ para a obtenção da ‘sua’ exoneração).
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Apelante (insolvente): AA.
Juízo de comércio de Santo Tirso (lugar de provimento de Juiz 6) – Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
Apresentado o relatório relativo ao primeiro ano do período de cessão, foi em 4/05/2021 proferido despacho que consignou ter-se tomado conhecimento de que o insolvente nada cedera à fidúcia, por não ter auferido rendimentos superiores aos do rendimento indisponível fixado.
Em 4/07/2023 foi proferido despacho que:
- considerou que o período de cessão (ponderando a entrada em vigor das alterações ao CIRE introduzidas pela Lei 9/2022, de 11/01 – alterações aplicáveis aos processos pendentes, nos termos dos nº 1 e 3 do art. 10º do referido diploma) atingira o seu termo final em Setembro de 2022,
- ponderou resultar dos relatórios juntos aos autos ao abrigo do disposto nos arts. 61º, nº 1 e 240º, nº 2, do CIRE, que o insolvente não prestara informações quanto ao cumprimento das obrigações indicadas no art. 239º, nº 4, do CIRE, relativamente aos segundo e terceiro anos do período de cessão, ordenando a sua notificação para, em dez dias, ‘juntar aos autos e enviar à Sra. Fiduciária os documentos comprovativos dos rendimentos por si auferidos entre outubro de 2020 e setembro de 2022 (al. a) do n.º 4 do art. 239º citado) e, bem assim, demonstrar que entregou à Sra. Fiduciária, caso tenham existido, os valores que excederam o rendimento que foi fixado em 10.10.2019 como necessário ao seu sustento digno (al. c) do n.º 4 do art. 239º do CIRE)’, e ainda para justificar a razão do incumprimento de tais obrigações, com advertência de que o ‘incumprimento injustificado destas obrigações será considerado doloso, com manifesto prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 243º e 244º do CIRE, recusando-se a exoneração do passivo restante que requereu e que foi admitida liminarmente em 10.10.2019’.
Apresentadas informações anuais complementares relativas aos segundo e terceiro anos do período de cessão, foi em 19/01/2024 proferido despacho que:
- considerou que no segundo ano do período de cessão o insolvente auferira o rendimento disponível global de 79,17€ que não entregou à fidúcia,
- considerou que no terceiro ano do período de cessão o insolvente auferira o rendimento disponível global de 10.659,82€ que não entregou à fidúcia,
- determinou que, em face do informado incumprimento da entrega do rendimento disponível à fidúcia, fosse o insolvente notificado para, ‘em dez dias, demonstrar a entrega do indicado rendimento disponível e, existindo, apresentar motivo razoável para o até’ então ‘verificado incumprimento, nos termos do art. 243º, n.º 3 do CIRE’, com advertência para que do ‘cumprimento rigoroso das obrigações inerentes à exoneração do passivo restante – e que se obrigou a cumprir, quando requereu a exoneração do passivo restante –‘ dependeria ‘a concessão da exoneração do passivo restante’ e ainda que, persistindo ‘o incumprimento, injustificado’, seria ‘o mesmo considerado doloso, com manifesto prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência, recusando-se a exoneração do passivo restante.’
Tais despachos (de 4/07/2023 e de 19/01/2024) foram notificados pessoalmente ao insolvente, por carta dirigida para a morada que lhe foi fixada na sentença que declarou a insolvência.
Dada nos autos notícia de que o insolvente continuava sem proceder à entrega do rendimento disponível auferido ao longo do período de cessão, no valor global de 10.738,99€, foi proferida decisão que (entendendo ter o devedor incumprido dolosamente as obrigações inerentes à exoneração do passivo restante que requereu, mormente as referidas no art. 239º, nº 4, c), do CIRE, com manifesto prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência) recusou a concessão da exoneração do passivo restante do insolvente.
Apresentou-se o insolvente a arguir nulidades processuais (omissão de notificações ao seu mandatário desde 4/07/2023 e omissões constantes dos relatórios e pareceres da administradora da insolvência) e invocar justo impedimento e, subsidiariamente, para o caso de não ser julgada procedente a arguição das mesmas e/ou o invocado justo impedimento, a apelar da decisão que recusou a exoneração, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª. O ofício 46046753, registado (aceite) nos serviços postais no dia 27.5.2024 foi recebido apenas em 3.6.2024, depois de ter sido inicialmente enviado para morada errada (docs. 1 a 3). Demonstrando-se ter sido assim conhecido do insolvente em dia posterior ao da presunção do artº 248º/1/fine e 249/1 CPC, deve dar-se tal presunção como ilidida e iniciando-se o respetivo prazo apenas em 4.6.2024 (dia seguinte ao da notificação)
2ª. O mandatário do Insolvente, Dr. BB deixou inexplicavelmente de ser notificado de todos os actos processuais desde 2021 (nomeadamente os despachos de 4.7.2023, 19.1.2024, 17.4.2023) o que configura uma violação do artº 247º CPC e que determina a nulidade de todos os actos subsequentes (195º, 199º e 200º)
3ª. A falta de notificação do mandatário configura uma nulidade que afecta inevitavelmente o exercício pleno e consciente do contraditório, bem processual que é também um princípio constitucional relacionado com o direito de defesa.
Com tal omissão, ficou o insolvente no desconhecimento acerca da natureza e alcance do que se lhe estava a ser pedido e de quais as suas consequências.
4ª. Tomando-se agora conhecimento do falecimento do seu anterior mandatário, o Dr. BB, ocorrido em 26.8.2023 (doc. 4), tal configura um claríssimo justo impedimento processual (140º e ss cpc)
5ª. Em virtude de tal acontecimento, não só o mandatário não recebeu as várias mensagens e informações enviadas pelo insolvente como aquele deixou de receber (e de agir em conformidade) com os muitos despachos, relatórios e parecer elaborados pela Srª Fiduciária.
6ª. Sob pena de violação do artº 140º deverá ser declarado o justo impedimento na execução de todas as notificações realizadas após o decesso do indicado mandatário.
7ª. Apesar de estranhar o silêncio do seu mandatário (agora explicado), o aqui insolvente agiu cautelarmente na sequência de algumas comunicações do Tribunal e, em sua conformidade, informou diretamente a Srª Fiduciária acerca de várias informações que eram pedidas e formulou perante esta requerimentos e pedidos.
8ª. Entre alguns contactos telefónicos, contamos com os seguintes emails
a. De 7.8.2023, informando sobre os seus rendimentos de 2020 e 2021 e juntando as respetivas participações fiscais (IRS) – doc. 5
b. De 25.10.2023, juntando a participação de IRS de 2022 – doc 6
c. De 11.12.2023, pedido análise e revisão dos valores apresentados no relatório (concluindo serem valores mais baixos do que o valor apresentado, de acordo com tabelas que junta) e, cumulativamente, requerendo seu pagamento da quantia que se mostre devida em prestações “até perfazer o montante que virá a ser fixado e necessário a devolver à massa falida” – doc. 7
9ª - O aqui insolvente (ou o indicado Solicitador) não recebeu qualquer resposta da Srª Fiduciária, nomeadamente em relação ao peticionado em al. c) do item anterior, assunto de extrema relevância para o seu futuro.
10ª. Mostra-se ser assim falso que o insolvente nada tenha dito ou feito na sequência de tais despachos como erradamente veio declarado nos novos relatórios anuais da Srª Fiduciária e no seu último parecer da exoneração apenas se mostrando ser verdade que “após tentar contactar, por diversas vezes, o Ilustre Mandatário do insolvente, não conseguiu comunicar com o mesmo”… precisamente porque este mandatário já havia falecido 6 meses antes…
11ª. Decorre do artº 241º e 55º do CIRE (entre outros) que o Administrador de Insolvência/Fiduciário deverá prestar ao tribunal todas as informações que sejam necessárias e convenientes para a administração e liquidação da massa insolvente.
12ª. E está igualmente vinculado a um especial dever de colaboração processual e de atuação especialmente vinculada por se encontrar a atuar munido de um “ius imperii” concedido pelo Estado.
13ª. O facto do insolvente se ter mantido em contacto permanente com a Srª Fiduciária, ao contrário do que esta afirmara em relatórios anuais e no parecer final configura, de per se, uma omissão do dever de informação por parte do Fidiciário relativamente ao processo (como se disse, potenciado pela falta de notificação do mandatário ao longo do processado)
14ª. Omissão que inelutavelmente vicia quer o ponto I do despacho de 22.5.2024 quer os factos 7, 8, 9 e 10 sobre os quais assentou a sua decisão final
15ª. Nada existe nos autos que permita concluir pela existência de um dolo por parte do insolvente mas apenas de negligência. Pois que, de verdade, nada se referem os autos acerca de uma hipotética vontade e intenção do insolvente de fazer seus valores que deveriam ser da Massa Insolvente (e ser-lhe entregues)
16ª. Existem nos autos elementos que fariam pelo menos suspeitar pela evidente 1ª nulidade que acima se apontou: a omissão de notificação do mandatário do insolvente pois que ao concluir-se pelo facto que ficou expresso como facto 7, seria mister que se verificasse e confirmasse a regularidade das notificações do mandatário do insolvente
17ª. Se da conclusão 15 se conclui que o despacho peca por um enquadramento errado da classificação do comportamento do insolvente…
… a conclusão 16ª demonstra o que possa ter sido (e assim aparenta) um erro na interpretação, aplicação ou omissão do artigo 247º CPC ao considerar que se dispensaria a notificação do mandatário do insolvente (principal visado dos sucessivos despachos, relatórios e parecer)
18ª. Existem documentos que, por si só, e se conhecidos fossem dos autos, certamente impunham uma decisão diferente da que foi emitida, julgando-se que provavelmente teria sido reposta a legalidade processual das notificações omitidas e pedidos novos esclarecimentos ao insolvente.
19ª - Tratam-se dos documentos que se juntam como:
c. docs. 4 e que atestam o decesso do mandatário do insolvente
d. docs. 5 a 7 que atestam as comunicações, prestação de informações, entrega de documentos e formulação de pedidos que a Srª Fiduciária omitiu nos seus relatórios, requerimentos e parecer e que, naturalmente, deixou a ideia (errada) que o insolvente se furtava nas comunicações e na colaboração a que estava obrigado enquanto aspirante a “exonerado de passivo restante”.
Violou a Sentença “a quo”, entre outros, o disposto nos artigos 3º/4, 140º, 247º a 249, 240 CIRE e 55º CIRE.
O tribunal a quo julgou improcedente a arguição e indeferiu o requerido justo impedimento por decisão que o insolvente apelante não impugnou.
Não foram deduzidas contra-alegações.
As questões suscitadas pelo apelante (atendendo às conclusões formuladas na apelação – por estas, em conjugação com a decisão apelada, se delimita o objecto do recurso, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), podem sintetizar-se nos seguintes termos:
- as nulidades de procedimento (que não nulidades da decisão apelada), com a consequente anulação todos os actos subsequentes (omissão de notificações ao seu mandatário desde 4/07/2023 e omissões constantes dos relatórios e pareceres da administradora da insolvência) - conclusões 1ª a 14ª,
- a verificação dos pressupostos para a recusa da exoneração do passivo restante do devedor, por não poder concluir-se pela existência de qualquer conduta dolosa do devedor (o apelante entende que apenas se poderá concluir pela negligência).
Esta delimitação do thema decidendum emanada das conclusões das alegações do apelante não se impõe a este tribunal em toda a sua extensão, pois que deve excluir-se do objecto do recurso a primeira das identificadas questões – quer porque do objecto dos recursos deve arredar-se, em regra, a arguição das nulidades de procedimento, quer porque tais invocadas nulidades foram levadas à apreciação do tribunal recorrido, que delas conheceu, julgando-as por decisão que não vem impugnada.
A arguição de nulidades processuais não pode, em princípio, ser suscitada em recurso – o regime das nulidades impõe, regra geral, a sua arguição perante o tribunal onde estas são cometidas e só o despacho que as aprecie poderá ser impugnado por recurso.
A nulidade processual (ou nulidade de procedimento, por contraposição à nulidade de julgamento) verifica-se quando existe desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo seguido nos autos, ao qual aquela faça corresponder – embora de modo não expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais[1].
O regime das nulidades secundárias é inteiramente inspirado, nos vários aspectos em que se desdobra, por um são princípio de economia processual[2] – a nulidade de um acto só arrastará consigo a inutilização dos termos subsequentes que dele dependam essencialmente; se um acto for nulo apenas numa das suas partes, as partes restantes que dela não dependam, manterão a sua validade; se o vício do acto apenas impedir a produção de determinados efeitos, não serão afectados os restantes efeitos para que o acto seja apto; para a apreciação das nulidades é competente o tribunal onde o processo se encontre ao tempo da reclamação.
A nulidade (ressalvadas as nulidades principais previstas nos arts. 186º a 194º do CPC) só se verifica quando a lei expressamente o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa (art. 195º, nº 1 do CPC), dependendo a sua apreciação e julgamento de invocação por parte do interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto (arts. 196º, 2ª parte e 197º, nº 1 do CPC).
Do regime legal estabelecido cabe realçar que a arguição de nulidade secundária é feita perante o tribunal onde a irregularidade foi cometida, nos prazos previstos no art. 199º, nº 1 do CPC (cfr. também o art. 149º, nº 1 do CPC), podendo ser arguida perante o tribunal superior no caso de o processo ser expedido em recurso antes de findar o prazo para a parte a invocar (art. 199º, nº 3 do CPC).
Fácil concluir que uma irregularidade processual que possa influir no exame ou decisão da causa ou que a lei expressamente comine com a nulidade tem de seguir o regime próprio para a sua arguição, não podendo ser atacada através de recurso – sem embargo dos casos em que são de oficioso conhecimento, as nulidades ‘devem ser arguidas pelos interessados perante o juiz’ e é a ‘decisão que vier a ser proferida que poderá ser impugnada por via recursória’ (ainda que tal faculdade sofra agora da limitação estabelecia no nº 2 do art. 630º do CPC – o recurso das decisões proferidas sobre nulidades previstas no nº 1 do art. 195º do CPC só é admissível se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios)[3].
Esta solução deve ser aplicada aos casos em que tenha sido praticada uma nulidade processual que, ainda que se projecte na sentença, não se reporte a qualquer das als. do nº 1 do art. 615º do CPC – ainda que afecte, por arrastamento, a sentença, deve ser objecto de prévia reclamação que permita ao juiz reparar as consequências extraídas, ainda que com prejuízo da decisão proferida[4].
Nos casos de erro de procedimento, que não de erro de julgamento, deve a parte reclamar (arguir a nulidade), possibilitando ao juiz a sua sanação e não já reagir através da interposição de recurso. Solução traduzida pela máxima ‘dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se’.
A reclamação por nulidade e a impugnação por recurso articulam-se de harmonia com o princípio da subsidiariedade: a admissibilidade do recurso está na dependência da dedução prévia de reclamação. O que pode ser impugnado por via de recurso é a decisão que conhecer da reclamação por nulidade, e não a nulidade ela mesma, sendo que a perda do direito à impugnação por via de reclamação importa, simultaneamente, a extinção do direito à impugnação através do recurso[5].
Diferente situação ocorre quando se trata de nulidades de oficioso conhecimento (pois que estas ‘constituem sempre objecto implícito do recurso’, podendo ‘ser sempre alegadas no recurso ainda que anteriormente o não tenham sido’[6]), nos casos relativos às nulidades cujo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal superior, caso previsto no nº 3 do art. 199º do CPC e ainda nos casos em que o juiz, ao proferir a decisão, omite formalidade de cumprimento obrigatório, designadamente o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa, afigurando-se nestes casos (‘num campo do direito adjetivo em que devem imperar fatores de objetividade e de certeza no que respeita ao manuseamento dos mecanismos processuais’) em que o juiz, ao proferir decisão, ‘se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei’, dever a parte a parte interessada reagir através da interposição de recurso sustentando nulidade da própria decisão, nos termos do art. 615º, nº 1, d) do CPC[7].
Não quadra em qualquer destas situações vindas de referir a arguição feita pelo apelante no presente recurso.
O apelante não invoca qualquer erro de julgamento, antes invoca erros de procedimento.
Invocadas irregularidades que não consubstanciam nulidade principal, por não respeitarem a qualquer dos vícios expressamente previstos nos artigos 186º a 194º do CPC, antes (a verificarem-se) nulidades secundárias (omissão de notificações a mandatário e omissões constantes nos relatórios e pareceres da administradora da insolvência) a ser arguidas pela parte, sob pena de sanação[8] (sujeitas ao regime de arguição previsto nos art. 195º e 199º, nº 1 do CPC) – sendo certo que o prazo para a sua arguição (dez dias) terminou antes do processo ser expedido em recurso (constatação evidente, pois que as invocou perante o tribunal recorrido em vista de aí serem apreciadas, ao mesmo tempo em que interpôs o recurso).
Não podem, pois, as invocadas irregularidades de procedimento ser arguidas mediante recurso.
Ademais, foram as irregularidades levadas à apreciação do tribunal recorrido, que delas conheceu, indeferindo-as em decisão que não vem impugnada – e, por isso, tal matéria não é objecto da presente apelação
Assim que o objecto do recurso, considerando não ser objecto do recurso a matéria das invocadas irregularidades procedimentais, se resume a apurar se se verificam (como concluído na decisão apelada) ou não (como defende o apelante) os pressupostos para recusar a concessão da exoneração do passivo restante, nos termos do art. 244º do CIRE.
A decisão apelada considerou resultar apurada a seguinte matéria:
1. AA apresentou-se à insolvência em 3.7.2019 e requereu a exoneração do passivo restante.
2. Em 10.7.2019, o requerente referido em 1 foi por sentença declarado insolvente, tendo-lhe sido fixada a residência por si indicada na petição inicial.
3. Por despacho proferido em 2.10.2019 foi encerrado o processo por insuficiência da massa insolvente para o pagamento das custas do processo e demais dívidas da massa insolvente, nos termos do art. 232º do CIRE.
4. Em 10.10.2019 foi proferido o despacho inicial a que alude o art. 237º, al. b) do CIRE, tendo sido fixado o rendimento disponível.
5. O período de cessão teve início em novembro de 2019 e terminou em outubro de 2022, atentas as alterações introduzidas ao art. 239º do CIRE pela Lei n.º 9/2022, de 11.1.
6. Dão-se aqui por reproduzidos os despachos proferidos nos autos, mormente em 4.5.2021, 4.7.2023, 19.1.2024.
7. Os despachos referidos em 6, com exceção do último, foram notificados ao insolvente, na morada que lhe foi fixada na sentença de insolvência e que o mesmo não alterou nos autos.
8. Dão-se aqui por reproduzidos os relatórios juntos aos autos e elaborados nos termos dos artigos 61º, n.º 1 e 240º, n.º 2 do CIRE, de onde resulta que o insolvente não auferiu rendimentos disponíveis no 1º ano do período de cessão e auferiu rendimentos disponíveis nos montantes de 79,17€ (2º ano) e 10.659,82€ (3º ano).
9. O insolvente não entregou à Sra. Fiduciária qualquer valor dos referidos em 8.
10. Em despacho referido em 6, foi considerada dolosamente incumprida a obrigação a que alude a al. c) do n.º 4 do art. 239º do CIRE, relativamente ao 2º ano e ao 3 º ano do período de cessão, com manifesto prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
11. Do CRC do insolvente não consta qualquer condenação relacionada com os crimes previstos nos artigos 227º a 229º do Código Penal.
12. Ao requerer a exoneração do passivo restante e ao ser notificado do despacho a que alude a al. b) do art. 237º do CIRE, o insolvente ficou ciente das obrigações que sobre si recaíram, nomeadamente as indicadas no n.º 4 do art. 239º do CIRE, entre as quais a de entrega dos rendimentos disponíveis auferidos, quando auferidos, à Sra. Fiduciária, e a de informar os rendimentos auferidos ao longo do período de cessão.
13. O insolvente ficou ainda ciente de que o rendimento disponível auferido ao longo do período de cessão seria afetado ao pagamento, ainda que parcial, dos créditos sobre a insolvência.
14. O insolvente, em momento algum durante o período de cessão, veio aos autos requerer a alteração do rendimento disponível fixado, nomeadamente por este se relevar insuficiente para suportar as despesas essenciais à sua sobrevivência.
A exoneração do passivo restante, que se traduz libertação dos débitos não satisfeitos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste[9] [a exoneração, em rigor, qualifica-se como uma (nova) causa de extinção das obrigações, extraordinária ou avulsa relativamente ao catálogo de causas tipificado nos arts. 837º a 874º do CC[10]; o seu regime ‘implica fundamentalmente que, depois do processo de insolvência e durante algum tempo, os rendimentos do devedor sejam afectados à satisfação dos direitos de crédito remanescentes, produzindo-se, no final, a extinção dos créditos que não tenha sido possível cumprir por essa via, durante tal período’[11]], constitui um procedimento, cujo pedido (legitimidade activa) está conferido, exclusivamente, ao devedor (art. 236º, nº 1 do do DL 53/2004, de 18/03, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[12]), que ‘compreende, como fases mais significativas, o pedido de exoneração, o despacho liminar ou o despacho inicial, a cessação antecipada do procedimento e o despacho (final) de exoneração.’[13]
Tal procedimento encerra-se, em regra, decorrido o período de cessão, como resulta do art. 244º do CIRE – se considerado que o indeferimento liminar do pedido (art. 238º do CIRE) e a cessação antecipada (art. 243º do CIRE) constituem modos anormais do seu encerramento, o procedimento de exoneração terá o seu termo (encerramento) normal numa decisão final (art. 234º do CIRE).
Decisão final do procedimento que poderá, conceder ou recusar a exoneração – concedendo a exoneração (e sem prejuízo da revogação da exoneração – art. 236º do CIRE), dar-se-á (art. 235º do CIRE) a extinção de todos os créditos (salvo os que integrem as categorias previstas no nº 2 do art. 245º do CIRE) sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida (este o efeito fundamental – o efeito por excelência – da exoneração do passivo restante[14]); a recusa da exoneração implicará a subsistência de tais obrigações.
A recusa da exoneração, como resulta do nº 2 do art. 244º do CIRE, tem os mesmos fundamentos e está sujeita aos mesmo requisitos que se aplicam ao mecanismo da cessação antecipada do procedimento, previsto no art. 243º do CIRE[15] – a exoneração pode ser recusada ainda antes de terminado o período de cessão, ‘a requerimento fundamentado de algum credor, do administrador da insolvência ainda em funções ou do fiduciário, sempre que se verifique a existência de alguma circunstância que torne o credor indigno da tutela que a exoneração representa’ (art. 243º, nº 1 do CIRE)[16].
Recusa que se justifica quando verificadas circunstâncias que demonstrem ser o devedor indigno e não merecedor do benefício em que a exoneração do passivo se consubstancia, pois que o modelo de exoneração adoptado no nosso ordenamento, tributário do conceito de fresh start aproxima-se, indiscutivelmente, do modelo do earned start ou da reabilitação – o modelo puro do fresh start baseia-se na ‘ideia de que a liquidação patrimonial e o pagamento das dívidas devem ter lugar no curso do processo de insolvência, sendo que uma vez concluído este, restem ou não dívidas por pagar, o devedor deverá ser libertado de forma a poder retomar, com tranquilidade, a sua vida’; o modelo da reabilitação (earned start) ‘assenta ainda no fresh start mas desenvolve um raciocínio diferente: o raciocínio de que o devedor não deve ser exonerado em quaisquer circunstâncias pois, em princípio, os contratos são para cumprir (pacta sunt servanda)’ e, assim, o ‘devedor deve passar por uma espécie de período de prova’ e só findo esse período, demonstrado que merece (earns) a exoneração, deverá ser-lhe concedido o benefício[17].
A obtenção do benefício justificar-se-á se o devedor observar a conduta recta que o cumprimento dos requisitos legalmente previstos pressupõe (arts. 239º, 243º e 244º do CIRE) – tem de merecer a concessão do benefício.
Está o instituto (desde o despacho inicial até à decisão final, passando pela eventual decisão da cessação antecipada do procedimento e até pela revogação da exoneração – art.s 239º, 243º, 244º e 246º do CIRE) fortemente dependente do que se possa concluir quanto ao comportamento do devedor – a concessão da exoneração só se justifica para o comportamento (anterior e actual) do devedor ‘pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé, no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência’, pois que tal constitui requisito substantivo ou condição mínima para aceitar o requerimento[18], sendo também esse o padrão referencial ético-normativo do comportamento a usar na decisão final, na decisão da cessação antecipada do procedimento ou na revogação da exoneração.
A exoneração não pode descambar num meio de desresponsabilização do devedor, transformando o processo de insolvência num refúgio ou numa protecção habitual contra os credores – não pode redundar num ‘instrumento oportunística e habilidosamente empregue unicamente com o objectivo de se libertarem os devedores de avultadas dívidas, sem qualquer propósito mesmo de alcançar o seu regresso à actividade económica, no fundo o interesse social prosseguido’[19].
Assim que a hermenêutica dos vários trâmites em que se decompõe o instituto (e, por isso, também a recusa da concessão da exoneração – art. 244º do CIRE) há-de ter por alicerce o seu fundamento (em que o conceito do ‘fresh start’ se coordena e compatibiliza com o conceito do earned start ou da reabilitação, sendo o interesse do devedor conjugado com o princípio fundamental do ressarcimento dos credores), convocando a ponderação de elementos reveladores da circunstância do devedor ser merecedor, face à sua conduta honesta, lícita, proba e transparente, de uma nova oportunidade – à luz do direito (e, logo, à luz do fundamento axiológico que é o seu suporte), esta nova oportunidade, novo começo, azzeramento da situação passiva, só se justifica para os devedores probos e honestos (para os que não tiveram condutas tidas – no plano económico e financeiro – por ilícitas, desonestas ou não transparentes) e para os que cumprem, no período da cessão, todas as obrigações impostas; para, no final, obter a exoneração, o devedor terá de mostrar conduta exemplar, pautada pela lisura, um comportamento ‘pautado pela licitude, honestidade, transparência’, durante os três anos subsequentes ao fim do processo de insolvência, tendo também de ‘ficar evidente que fez o que estava ao seu alcance para obter ou pelo menos não deixar de obter os rendimentos necessários para satisfazer os credores’[20].
Admitido liminarmente o pedido, fica o devedor adstrito ao dever de, durante os três anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência (o período da cessão) – e isto é obrigação nuclear e marcante do instituto (art. 239º, nº 4, c) do CIRE) –, ceder ao fiduciário o rendimento disponível que venha a obter para os fins do art. 241º do CIRE (ou seja, pagamento das custas do processo de insolvência ainda em dívida, reembolso ao Cofre Geral dos Tribunais das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do próprio fiduciário que por aquele tenham sido suportadas, ao pagamento da remuneração vencida do fiduciário e despesas efectuadas e, por fim, distribuição do remanescente pelos credores da insolvência, nos termos prescritos para o pagamento aos credores no processo de insolvência).
Por isso que na configuração da tramitação do incidente se prevê a cessação antecipada do procedimento, durante todo o período da cessão, designadamente com fundamento na violação, dolosa ou gravemente negligente, das obrigações que ao insolvente impõe o art. 239º do CIRE, desde que daí decorra prejuízo para a satisfação dos credores da insolvência (alínea a) do nº 1 do art. 243º do CIRE) – fundamento que constitui também motivo para que, na decisão que encerra o procedimento, seja recusada a concessão da exoneração (art. 244º, nº 2 do CIRE).
A recusa da concessão da exoneração, com estribo na alínea a) do nº 1 do art. 243º do CIRE (só este normativo releva na presente apelação) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos ou pressupostos: i) violação das obrigações impostas ao insolvente como corolário da admissão liminar do pedido de exoneração, ii) que tal violação decorra de actuação dolosa ou com grave negligência do insolvente, e iii) que em consequência de tal actuação dolosa ou gravemente negligente do insolvente, a satisfação dos credores da insolvência se mostre prejudicada, ou seja, que se verifique um nexo causal entre a conduta dolosa ou gravemente negligente do insolvente e o dano para a satisfação daqueles créditos[21] (prejuízo não necessariamente relevante, ao contrário do que exige o nº 1 do art. 246º do CIRE para a revogação da exoneração[22]); o mero incumprimento da entrega de quantias respeitantes ao rendimento disponível ao fiduciário, por banda do devedor, sem que se apure que o mesmo foi doloso ou gravemente negligente e que causou prejuízo aos credores, não pode conduzir à recusa da exoneração (o não cumprimento não inviabiliza a exoneração se corresponder a uma actuação meramente negligente, sendo ainda necessário provar-se que a mesma determinou a inviabilidade de satisfação dos créditos[23]).
Na situação trazida em recurso releva a violação, por parte do insolvente, da obrigação de entrega à fiduciária dos rendimentos objecto de cessão (alínea c) do nº 4 do art. 239º do CIRE) – violação que é relativa à totalidade do rendimento disponível auferido por todo o período da cessão (se no primeiro ano do período de cessão não auferiu rendimento disponível, já no segundo e terceiro anos do período de cessão auferiu rendimentos disponíveis nos montantes de, respectivamente, 79,17€ e 10.659,82€).
Para lá do incumprimento da obrigação de entrega à fiduciária dos rendimentos objecto da cessão, são também de afirmar os demais requisitos prescritos na lei para a recusa da exoneração.
A matéria de facto revela que o comportamento do insolvente, ao não proceder à entrega dos rendimentos auferidos objecto de cessão (ou, pelo menos, ao manter tal conduta), lhe é imputável (ao contrário do que sustenta) a título de dolo (no mínimo, negligência grosseira – nunca mera culpa ou simples negligência).
Na verdade, o incumprimento foi mantido pelo devedor mesmo depois de expressamente notificado (duas vezes) pelo tribunal, pessoalmente, do dever de proceder à entrega do rendimento disponível à fidúcia e das consequências do incumprimento de tal obrigação – para lá de ter sido pessoalmente advertido, aquando da prolação do despacho de admissão liminar do pedido, do dever de proceder à entrega do rendimento disponível à fidúcia, foi o devedor, num primeiro momento (em Julho de 2023), expressamente notificado (na sua própria pessoa) para demonstrar a entrega do rendimento disponível à fidúcia relativamente aos segundo e terceiro anos do período de cessão e justificar o incumprimento, com expressa menção de que o injustificado incumprimento seria considerado doloso e fundamento de recusa da exoneração e, num segundo momento (em Janeiro de 2024), constatado que não entregara à fidúcia o valor global de 10.738,99€ relativo ao segundo e terceiro anos do período de cessão, foi o devedor insolvente notificado (pessoalmente) para demonstrar a entrega de tal rendimento disponível à fidúcia e expor as razões para o até então verificado incumprimento, sendo expressamente advertido de que a concessão da exoneração estava na dependência do cumprimento das obrigações a tal inerentes e, no que agora releva, que a persistência do incumprimento injustificado seria considerado e valorizado como doloso (e causador de prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência) e fundamento de recusa da exoneração.
Comportamento do devedor que ultrapassa os limites da insolvência grosseira (sendo certo que esta sempre seria de afirmar e bastaria para fundar a recusa da exoneração - não podia o insolvente deixar de conhecer a obrigação central e nuclear do instituto da exoneração do passivo restante e as consequências do seu incumprimento, tendo adoptado conduta omissiva desconforme ao grau de diligência minimamente exigível e à observância de deveres de cuidado ostensivamente evidentes, patentes e manifestos, traduzindo desconsideração do proceder expectável a qualquer devedor insolvente, apresentando-se como altamente reprovável à luz do mais elementar senso comum, revelando desconformidade com todos os padrões de referência, ultrapassando a simples imprudência ou irreflexão; sempre estaríamos perante conduta que alcançaria o mais alto grau de desleixo e incúria, próprios da negligência grosseira[24], perante conduta só realizável por pessoa especialmente negligente, contrária à que seria adoptada pela maioria das pessoas[25]) e alcança a imputabilidade a título de dolo, ao menos eventual – o devedor insolvente manteve o incumprimento da obrigação, abstendo-se, concomitantemente, de apresentar qualquer justificação para o mesmo, assim manifestando concordância (com ele se conformando) com o resultado que sabia (pois para ele expressamente advertido) decorrer necessária e directamente (a recusa da exoneração) da sua conduta.
Violação da obrigação de ceder o rendimento disponível imputável ao insolvente a título de dolo que é causa adequada de prejuízo para os créditos sobre a insolvência – requisito cuja verificação o apelante não questiona, mas que na presente decisão se reafirma.
Não bastando para fundar a recusa da exoneração (em atenção ao princípio da proporcionalidade) o prejuízo irrisório, insignificante ou irrelevante (a regra no direito das obrigações é o da irrelevância do incumprimento de escassa importância – veja-se o art. 802º, nº 2 do CC), certo e seguro é também que se não exige um prejuízo relevante ou significativo.
O normativo (art. 243º, nº 1, a), ex vi art. 244º, nº 2, do CIRE) demanda um prejuízo cujo montante signifique, em termos valorativos, na perspectiva do insolvente (dos seus rendimentos), um ‘preço’ que valha a obtenção da exoneração – o patamar mínimo do prejuízo a considerar, para efeitos da recusa da exoneração (e/ou da cessação antecipada do procedimento de exoneração), quando em causa está o incumprimento da obrigação prevista na alínea c) do nº 4 do art. 239º do CIRE, não pode buscar-se exclusivamente na comparação aritmética entre o montante dos créditos e o valor da quantia não entregue à fidúcia, antes devendo considerar-se na equação o montante que o devedor deixou de entregar por referência ao que foi estabelecido como rendimento disponível (e por isso como o ‘preço’ para a obtenção da ‘sua’ exoneração).
A obrigação de entrega do rendimento objecto da cessão (rendimento disponível) constitui ‘o «preço» que o devedor paga para obter a futura exoneração’[26] – só pagando esse ‘preço’ se poderá considerar que o devedor demonstrou merecer a exoneração, que superou, com êxito, o período da prova, afectando a parte disponível dos seus rendimentos ao pagamento dos seus débitos.
Trata-se, pois, de um ‘preço’ aferido por referência ao rendimento que, no caso concreto, se teve como disponível – como aquele que deveria ser entregue à fidúcia como correspectivo da obtenção da libertação definitiva dos seus débitos (de obter a exoneração).
No caso dos autos, o valor retido pelo insolvente (e que devia ter entregue à fidúcia), no valor global de 10.738,99€, suplanta o patamar mínimo do prejuízo a considerar, para efeitos da recusa da exoneração – atente-se que corresponde à totalidade dos montantes que deveria ter entregue à fidúcia no período da cessão, como preço da ‘sua’ exoneração e importa, objectivamente, valor superior a quinze vezes a retribuição mínima mensal garantida fixada para o ano de 2022, correspondente ao terceiro ano do período de cessão (no ano de 2022 a retribuição mínima mensal garantida ascendia, nos termos do DL 109-B/2021, de 7/12, a 705,00€).
Do exposto resulta a improcedência da apelação, pois se verificam os requisitos legalmente prescritos para se recursar a concessão da exoneração, nos termos dos arts. 244º, nº 1 e 2, 243º, nº 1, a) e 239º, nº 4, c), todos do CIRE, podendo sumariar-se a decisão (nº 7 do art. 663º do CPC) com as seguintes proposições:
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Custas pelo apelante.
(por opção do signatário, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
João Ramos Lopes
Anabela Miranda
João Proença
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[1] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 176.
[2] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, p. 391.
[3] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 26.
[4] Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 26.
[5] Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, 2009, p. 52.
[6] Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos (…), p. 52.
[7] Abrantes Geraldes, Recursos (…), pp. 27 e 28.
[8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral do Processo de Declaração, 2018, p. 550 e Rui Pinto, Código de Processo Civil, Volume I, 2018, pp. 698/699.
[9] A exoneração do passivo restante constitui para o devedor insolvente uma libertação definitiva dos débitos não integralmente satisfeitos no processo de insolvência ou no período de cessão, nas condições previstas no incidente regulado nos art. 235º e seguintes do CIRE. ‘Daí falar-se de passivo restante’ - Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, 2015, p. 848.
[10] Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, Uma Introdução, Almedina, 4ª edição, p. 135 e Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, p. 561.
[11] Catarina Serra, O Novo Regime (…), p. 133 e Lições (…), pp. 558/559.
[12] Doravante designado por CIRE. Será – excepto quanto ao seu preâmbulo – citado por referência à versão consolidada de acordo com as alterações introduzidas pelos Decreto-Lei nº 200/2004, de 18/08, nº 76-A/2006, de 29/03, nº 282/2007, de 7/08, nº 116/2008, de 4/07, nº 185/2009, de 12/08, pelas Leis nº 16/2012, de 20/04 e nº 66-B/2012, de 31/12, pelos Decreto-Lei nº 26/2015, de 6/02, nº 79/2017, de 30/06 (com a rectificação nº 21/2107, de 25/08), pelas Leis nº 114/2017, de 29/12 e nº 8/2018, de 2/03, pelo Decreto-Lei nº 84/2019, de 28/06, pelas Leis nº 99-A/2021, de 31/12 e nº 9/2022, de 11/01 e, ainda, pelo Decreto-Lei nº 57/2022, de 25/08.
[13] Luís A. Carvalho Fernandes, A Exoneração do Passivo Restante na Insolvência das Pessoas Singulares no Direito Português, in Colectânea de Estudos Sobre a Insolvência, Quid Juris, Reimpressão, p. 277.
[14] Catarina Serra, Lições (…), p. 571.
[15] Maria do Rosário Epifânio, Manuel de Direito da Insolvência, 7ª Edição, p. 394.
[16] Catarina Serra, Lições (…), p. 571.
[17] Catarina Serra, Lições (…), p. 559.
[18] Assunção Cristas, ‘Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante’, in Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, Edição Especial, Novo Direita da Insolvência, pp. 169 e 170.
[19] Acórdão da Relação de Coimbra de 17/12/2008 (Gregório Silva Jesus), no sítio www.dgsi.pt..
Catarina Serra, O Novo Regime (…), pp. 133/134 e Lições (…), p. 560, depois de referir que o instituto da exoneração, sendo uma medida de protecção do devedor e um efeito eventual da declaração de insolvência que lhe é favorável, constituindo por isso uma verdadeira tentação para ele, adverte, a este propósito, para os efeitos perversos desencadeados pela força atractiva da exoneração: os ‘abusos de exoneração’.
[20] Assunção Cristas, ‘Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante’ (…), p. 171.
[21] Acórdão da Relação de Lisboa de 23/03/2017 (Ondina Carmo Alves), no sítio www.dgsi.pt.
[22] Cfr., v. g., o citado acórdão da Relação de Lisboa de 23/03/2017 (Ondina Carmo Alves), o acórdão da Relação de Coimbra de 22/11/2016 (Fernando Monteiro), o acórdão da Relação de Guimarães de 14/06/2018 (Amílcar Andrade), os acórdãos da Relação do Porto de 13/09/2018 (Paulo Dias da Silva) e de 29/04/2019 (Manuel Domingos Fernandes) e o acórdão do STJ de 23/03/2021 (Ricardo Costa), todos no sítio www.dgsi.pt.
[23] Assunção Cristas, ‘Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante’ (…), p. 171.
[24] Cfr., a propósito da densificação do conceito da negligência grave, o acórdão da Relação de Guimarães de 4/04/2017 (Maria Amália Santos), no sítio www.dgsi.pt.
[25] Assunção Cristas, ‘Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante’ (…), p. 171 (em nota).
[26] Assunção Cristas, ‘Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante’ (…), p. 180.