PEDIDO DE EXPROPRIAÇÃO TOTAL
INCIDENTE
ÓNUS DE PROVA
Sumário

I – O direito do expropriada em pedir a expropriação total justifica-se, além do mais, pelo respeito do princípio constitucional da «justa indemnização» a que alude o art.º 62.º da Constituição da R. Portuguesa.
II – O pedido de expropriação total desenvolve um incidente autónomo, como tal previsto na lei, cfr. art.ºs 55.º a 57.º do C.Exp. e que corre nos próprios autos.
III - Nesse incidente, recai sobre o expropriado o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito à expropriação total, incumbindo-lhe provar factos de onde se possa concluir que a parte restante não assegura, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio ou que os cómodos assegurados pela parte restante não têm interesse económico para si, determinado objetivamente.

Texto Integral

Apelação
Processo n.º 8950/20.1 T8VNG-B.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia- Juiz 4
Recorrentes – AA e mulher
Recorrido – A..., SA
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Lina Castro Baptista
Desemb. Rui Moreira

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Por despacho n.º 5922/2020, 30 de abril, do Secretário de Estado da Mobilidade do Ministério do Ambiente e Ação Climática, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 105 – Parte C, de 29 de maio de 2020 foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência, da expropriação das parcelas indispensável à construção da Extensão ... – ... a ... do Sistema de Metro Ligeiro da Área Metropolitana do Porto, sendo os encargos com as expropriações em causa atribuídos à A..., SA.
A parcela em apreço nos autos - ... com área de 856 m2, correspondente a prédio urbano, sito no Lote ..., Quinta ... ou Quinta ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ..., identificada na planta cadastral e no mapa de expropriações publicado em anexo ao despacho supra referido integra-se no projeto da referida obra.
Efetuou-se a necessária vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, em agosto de 2020, conforme auto junto.
A expropriante tomou posse das parcelas a 21.09.2020, conforme doc. junto aos autos.
Goradas as possibilidades de acordo sobre o “quantum indemnizatório” teve lugar a arbitragem, na qual os árbitros, por unanimidade, atribuíram à parcela o valor de 174.786, euros.
Remetidos os autos a Tribunal proferiu-se, a 21.12.2020, despacho a adjudicar à expropriante a propriedade de tal parcela e ordenou-se a notificação das partes nos termos e para os fins legais.
Recorreram os expropriados AA e mulher pedindo que seja ampliada a área a expropriar para 2.825m, mediante o acréscimo da parcela sobrante e que a indemnização devida seja em €1.835.676,00€ ou, caso assim se não entenda, não sendo ampliada a área a expropriar deve a indemnização devida ser fixada em €1.468.540,80 e, subordinadamente, a expropriante pedindo a improcedência do pedido dos expropriantes de ampliação da parcela expropriada, mais pediu que a indemnização devida fosse fixada em €128.849,00.
Admitidos os recursos, foi proferido despacho a atribuir aos expropriados, o montante de €128.849,00, retendo-se, contudo, o montante correspondente às custas prováveis
Foi ordenada e realizada perícia, além do mais, sobre a questão da expropriação total do prédio, estando os respetivos laudos e respostas aos quesitos juntos aos autos.
Os Srs. Peritos vieram prestar esclarecimentos suscitados pelas partes.
Foram também prestados esclarecimentos pela Arq. BB, Diretora Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal ....

E foi, por fim, proferida decisão de onde consta: Pelo exposto, julga-se improcedente, por não provado, o pedido de expropriação total do prédio urbano, sito no Lote ..., Quinta ... ou Quinta ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ....
As custas do incidente correm pelos expropriados, por terem ficado vencidos.
Registe e notifique”.

Inconformados com esta decisão, dela vieram os expropriados recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra determine a expropriação total, caso assim se não entenda, deve ser revogada a decisão recorrida com vista a serem realizadas as diligências necessárias com vista ao apuramento das consequências
advenientes da expropriação, concretamente em termos de edificabilidade na parcela sobrante.
Os apelantes juntaram aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. No recurso da decisão arbitral os expropriados requereram a expropriação total por entenderem que a parte restante não assegura, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio;
2. Para tanto alegaram que a construção na sobrante seria impossível sem uma alteração ao alvará de loteamento, que o acesso da parcela à via pública passara a ser muito reduzido (e posteriormente inexistente) e, no decurso da execução da obra, que a recorrida colocou uma vedação assente numa base de cimento, a qual tem uma sapata com 1,05m de largura, que ultrapassa o limite de expropriação;
3. A douta decisão recorrida apenas se pronuncia sobre a necessidade de alterar o alvará de loteamento e nada diz sobre as restantes questões;
4. Dizendo apenas que as fotografias e plantas juntas pelos expropriados não permitiam apurar se eram ou não daquele local, sendo certo que a recorrida não as impugnou;
5. A nova realidade implica, no caso sub judice, maiores encargos e incertezas que não existiriam sem a expropriação, pois antes bastaria uma comunicação prévia para que os expropriados pudessem construir e agora será necessária uma alteração ao loteamento, cuja aceitação não é certa;
6. Os cómodos oferecidos pelo terreno não se reduzem à sua capacidade construtiva e incluem também o risco e custos associados a essa capacidade construtiva;
7. Quando antes os expropriados sabiam exatamente qual o seu direito, bastando-lhes apresentar uma simples comunicação prévia, agora, após a expropriação, serão forçados a promover uma alteração ao loteamento para que possam edificar o seu prédio;
8. Alteração, essa, que poderá ser recusada, inviabilizando totalmente a construção e que, em todo o caso, gerará custos e incertezas que antes não existiam;
9. Como resulta dos autos, a nova situação de facto obrigará a uma alteração do loteamento, que sempre dependerá da futura e incerta aprovação pela Câmara Municipal ...;
10. Ficando assim comprimido e limitado a um evento futuro e incerto o direito de construção que os expropriados detêm e que era livre e totalmente definido antes da expropriação;
11. E a Arq. BB não pode ser garante da aprovação futura da alteração ao loteamento pois esta depende de decisão da Câmara Municipal, que ela não representa;
12. A incerteza e insegurança jurídica sobre as capacidades construtivas do lote refletem-se no seu valor, que fica assim desproporcionalmente afetado face à situação anterior;
13. Antes da expropriação havia livre acesso ao lote através da Rua ..., após a expropriação esse acesso deixou de existir e restou apenas uma estreita ligação da sobrante à via pública com cerca de 4 metros lineares;
14. Essa ligação não permite edificar na sobrante, por não ser possível cumprir o Regulamento Técnico de Segurança contra Incêndios em Edifícios;
15. Perante as modificações introduzidas pela recorrida ao projeto inicial, também essa pequena faixa de 4ml desapareceu, inexistindo agora qualquer possibilidade de aceder à parcela sobrante através da via pública, nomeadamente a Praceta ..., os que recorrentes demonstraram através de fotografias e plantas do local, cuja localização a recorrida não impugnou;
16. A Arq. BB disse que a CM de ... teria disponibilidade para, no futuro, alterar a configuração da Praceta e permitir o acesso à parcela sobrante, embora não tenha poder de decisão nesta matéria;
17. Ficando, mais uma vez, os recorrentes à mercê de uma decisão futura e incerta da Autarquia para poderem construir, incerteza que não existia antes da expropriação.
18. Em todo o caso, esta disponibilidade demonstra que, no dia de hoje, sem a alteração futura da Praceta, a parcela sobrante não dispõe de acesso à via pública que seja apto a permitir a construção na sobrante;
19. Sendo o acesso indispensável à construção, a sua falta impede o uso da sobrante para o fim a que se destinava, justificando plenamente a expropriação total;
20. A sapata é a base estrutural da vedação e, sendo removida, ainda que de forma parcial, coloca em causa a estabilidade da construção que suporta e poderá originar, a curto ou médio prazo, o seu colapso;
21. Os recorrentes desconhecem o estado da parcela sobrante, no local onde foi colocada a sapata, desconhecem se existe ou não betão dentro do terreno; desconhecem se e onde podem colocar as fundações de qualquer construção; desconhecem, em suma, qual a concreta alteração do loteamento que poderão solicitar, pois não sabem o que está enterrado no terreno;
22. Esta alegação foi ignorada pela douta decisão em crise que sobre ela nada disse e não foi permitida a produção de prova, designadamente através dos Srs. Peritos, para dilucidar a questão;
23. E é gravemente lesiva para os recorrentes, que prejudica o valor da parcela sobrante, de forma desproporcional, e que deveria ter determinado a expropriação total;
24. Ainda que assim se não entenda, a decisão sobre a expropriação total deveria ter sido remetida para momento posterior, sendo concedida aos recorrentes a possibilidade de tentar obter as necessárias autorizações, nomeadamente da CM de ..., quer quanto à alteração de loteamento, quer quanto ao acesso à via pública;
25. Devendo igualmente ser produzida prova sobre os factos alegados, nomeadamente através da audição dos Srs. Peritos e a necessária atualização do seu laudo face às novas condições da sobrante;
26. Tudo como decorre da decisão proferida por este Venerando Tribunal no Proc. 8951/2 0.0T8VNG-B.P1;
27. Face ao exposto, fica evidente, à saciedade, que a parte restante não pode assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio, pelo que, nos termos do previsto na alínea a) do n.º 2 ao artigo 3.º do Código das Expropriações, se justifica plenamente a expropriação total;
28. Pois passaram a existir riscos que a edificação no prédio antes da expropriação não possuía, sujeitando os expropriados a uma, sempre incerta, alteração do alvará de loteamento, a uma, eventual e incerta, alteração do acesso à via pública e um desconhecimento quanto aos elementos construídos pela recorrida na área da parcela sobrante;
29. Pelo que a sentença recorrida violou o disposto na alínea a) do n.º 2 ao artigo 3.º do Código das Expropriações, devendo ser revogada e substituída por decisão que declare a expropriação total;
30. Ainda que assim se não entenda, sempre deverá a decisão ser revogada de modo a permitir aos expropriados requerer à CM de ... as alterações do loteamento e do acesso à via pública, aguardando-se a decisão daquela entidade, sendo ainda produzida prova sobre a sapata colocada no local e as suas consequências para a construção projetada no lote, com a necessária audição dos Srs. Peritos.

A entidade expropriante juntou aos autos suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.

II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1) Por despacho n.º 5922/2020, 30 de abril, do Secretário de Estado da Mobilidade do Ministério do Ambiente e Ação Climática, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 105 – Parte C, de 29 de maio de 2020 foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência, da expropriação da seguinte parcela: ... com área de 856 m2, correspondente a prédio urbano, sito no Lote ..., Quinta ... ou Quinta ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ..., identificada na planta cadastral e no mapa de expropriações publicado em anexo ao despacho supra referido, parcela aquela indispensável à construção da Extensão ... – ... a ... do Sistema de Metro Ligeiro da Área Metropolitana do Porto.
2) A parcela expropriada pertence ao prédio urbano, sito em ..., Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ..., que tem a área de 2.825m2.
3) O terreno de que a parcela faz parte está classificado como zona verde inserida em área urbanizada consolidada de tipologia mista
4) Existe um alvará de loteamento, alvará n.ºs ..., aprovado para o prédio de onde a parcela é a destacar, sendo o do prédio dos expropriados o n.º 7
5) Por informação prestada pela Câmara Municipal ... resulta que ”Os expropriados poderão construir na parcela restante desde que alterem a licença de loteamento, que seguirá a forma de alteração simplificada Conforme já informado anteriormente, o polígono de implantação não é atingido pela expropriação e os índices de construção aprovados no alvará de loteamento n.º ... mantém-se. Continua-se a implantar-se e ser objeto de construção de um edifício com as mesmas áreas e características que estavam previstas no referido alvará de loteamento.” Caso a alteração corresponda a subtração da área expropriada, mantendo-se o polígono de implantação e as restantes prescrições relativas à edificação, a alteração ao loteamento constitui uma alteração simplificada prevista no n.º 8 do artigo 27.º do DL 555/99 de 16 de dezembro, sem quaisquer outras formalidades”, tudo conforme termos do ofício de junto a 04.12.2023
6) Os expropriados não ficam sem acesso automóvel à parte restante do prédio.

III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.

*
Ora, visto o teor das alegações dos expropriados/apelantes é questão a apreciar no presente recurso:
- Saber se no caso dos autos existe fundamento para impor à expropriante a expropriação forçada da parcela sobrante, vulgo, expropriação total.
*
De harmonia com o disposto no art.º 55.º do C.Exp., aprovado pela Lei 168/99 de 18 de setembro, aplicável ao caso em apreço: “Dentro do prazo de recurso da decisão arbitral podem os interessados requerer a expropriação total, nos termos do n.º 2 do art.º 3.º”
Por sua vez, dispõe-se no n.º 1 do art.º 30.º do mesmo diploma legal, que a expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim. Em suma, o princípio de que a expropriação se deve limitar ao estritamente necessário para a realização do seu fim, limitando deste modo o encargo/dever do expropriado, como aflora ainda o interesse do proprietário conjugado com o princípio constitucional da justa indemnização e da proporcionalidade. Mas, quando seja necessário expropriar apenas parte de um prédio, o proprietário deste pode requerer a expropriação total se ocorrerem as circunstâncias previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 art.º 3.º do C.Exp.
Todavia, não se pode olvidar que uma diminuição dos cómodos justifica sempre a contabilização da depreciação daí resultante e a sua inscrição no montante da indemnização referente à parcela expropriada, de acordo com o disposto no art.º 29.º n.º2 do C.Exp, onde se dispõe que “Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada”.
Mas, segundo o que dispõe no n.º 2 do art.º 3.º do C.Exp.: “Quando seja necessário expropriar apenas uma parte de um prédio, pode o proprietário requerer a expropriação total:
a) - Se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio;
b) - Se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objetivamente”.
O n.º 3 do mesmo preceito acrescenta que: “O disposto no presente Código sobre expropriação total é igualmente aplicável a parte da área não abrangida pela declaração de utilidade pública relativamente à qual se verifique algum dos requisitos fixados no número anterior”. Em suma, e como escreve Osvaldo Gomes, in “Expropriações por Utilidade Pública”, pág. 132, a manifestação do supra referido princípio da proporcionalidade preside também à possibilidade de ser requerida a aludida expropriação total, nos casos referidos no art.º 3.º do C.Exp.
Em suma, perante tal preceito legal, o proprietário além de poder requerer a expropriação total quando a parte restante não assegurar proporcionalmente os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio, pode ainda requerê-la quando os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, este determinado, porém, objetivamente.
Segundo Perestrelo de Oliveira, in “Código das Expropriações, anotado, pág. 33 e 34 “declarada a utilidade pública da expropriação de parte de um imóvel, por não ser necessário adquirir a sua totalidade para satisfazer o interesse público, pode acontecer que o proprietário fique gravemente afetado pela diminuição dos cómodos da parte não expropriada, resultante do fracionamento, considerando o seu destino económico à data da declaração: quando assim sucede, a lei, em determinadas circunstâncias, tutela o interesse do proprietário, estabelecendo como que uma indivisibilidade económica do imóvel que se traduz em a parte deste não expropriada seguir o destino da parte expropriada, a pedido do expropriado (…)”.
O mesmo autor acrescente que: “As circunstâncias que determinam a indivisibilidade económica vêm indicadas no nº 2 do presente artigo (art.º 3): Em qualquer dos casos aí referidos não está em causa, apenas o valor da parte não expropriada, mas uma perda grave dos cómodos ou utilidades prestados por esta, em consequência do fracionamento, em cuja determinação objetiva não poderá atender-se à mera eventualidade de um novo destino económico do bem nem a circunstâncias particulares atinentes ao respetivo titular”.
E continua o mesmo autor em anotação ao art.º 3.º, dizendo que o que se visa é, assim, defender o proprietário, “estabelecendo como que uma indivisibilidade económica do imóvel, que se traduz em a parte deste não expropriada seguir o destino da parte expropriada, a pedido do expropriado. Não está em causa somente o valor da parte não expropriada, “mas uma perda grave dos cómodos ou utilidades prestadas por esta em consequência do fracionamento, ou cuja determinação objetiva não poderá atender-se à mera eventualidade de um novo destino económico do bem nem a circunstâncias particulares atinentes apenas ao respetivo titular”.
Destarte, a perda grave dos cómodos ou, utilidades prestadas pela parte não expropriada (parcela sobrante) há de resultar, direta e necessariamente, do fracionamento do prédio provocado pela expropriação parcial.
Mas também não basta que haja uma qualquer diminuição de cómodos, o que segundo o disposto no art.º 29.º do C.Exp. justificaria apenas a contabilização da depreciação daí resultante e sua adição à indemnização referente à parcela expropriada. É necessária uma afetação relevante do interesse económico do expropriado, cfr. Pedro Elias da Costa, in “Guia das Expropriações por Utilidade Pública”, pág. 184.
Finalmente, Perestrelo de Oliveira, in ob. citada, a pág. 144, continua dizendo que: “Do lado do proprietário (a expropriação total) não decorre de uma livre vontade de alienar, mas do exclusivo propósito de evitar um prejuízo maior, em consequência do fracionamento do imóvel. E não é, também, um ato livre da parte do expropriante, para quem a aquisição da fração não abrangida pela declaração de utilidade pública, antes constitui um ónus para adquirir a parte do imóvel efetivamente necessária ao fim de utilidade pública que motivou a expropriação (…)”.
Consignou-se no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.03.2009, in www.dgsi.pt “O que se pretende proteger com a faculdade dada a um expropriado de pedir a expropriação total é o seu interesse em que um seu prédio seja totalmente expropriado face à ausência de utilidade e de interesse económico ocasionado pela expropriação parcial, não o interesse em que essa utilidade e interesse não sejam reduzidas”. Em tal acórdão exige-se como requisito da expropriação total, que o proprietário fique gravemente afetado pela diminuição dos cómodos da parte expropriada, resultante do fracionamento, considerado o seu destino económico efetivo à data da declaração, porque só em tais condições se justifica a “indivisibilidade económica” do imóvel. Esta determinação objetiva, de acordo com a doutrina enunciada no acórdão citado, pressupõe que “em abstrato, de forma objetiva ante o caso concreto, se mostre que há razões sérias para concluir que o homem médio, colocado na real situação do expropriado, se encontra perante uma perda grave dos préstimos, comodidades e utilidades que, por via da expropriação, a parte residual deixou de prestar”.
Conforme se refere no acórdão da Relação do Porto, de 20.01.2009, in www.dgsi.pt: “Em processo expropriativo a decisão do incidente de expropriação total não tem que aguardar qualquer outra decisão, designadamente a da peritagem, pois que se trata efetivamente de um incidente autónomo, como tal previsto na lei (artigos 55.º a 57.º do Código das Expropriações). O mesmo tem tramitação própria, com prazos autónomos e dinâmica probatória também sua, nele devendo ser indicadas e produzidas as respetivas provas, como ocorre, aliás, com os restantes incidentes processuais, nos termos dos artigos 302.º a 304.º do Código de Processo Civil”.
Em suma, esta determinação objetiva tem de seguir critérios que não se podem confundir com interesses de carácter pessoal ou subjetivos ou circunstâncias particulares a si atinentes, mas antes que sem tal expropriação total e ficando-se apenas na parcelar, ocorra perda grave das utilidades do prédio, importando apreciar a afetação relevante do interesse económico do expropriado. Ou dito de outro modo, para se decidir do incidente de expropriação total de um prédio, deve-se atender não ao destino que lhe era dado pelo proprietário à parcela antes da expropriação, mas antes à aptidão, condições, possibilidades e potencialidades do terreno fornecido pelo PDM local, atendendo então tanto à sua área, como natureza, estrutura, possibilidade de construção, etc., pois só assim se poderá aquilatar do interesse económico do expropriado, apreciando-o de forma objetiva.;
Isto quer dizer que é sobre o expropriado que recai o ónus enunciado no n.º 1 do art.º 342.º do C.Civil, incumbindo-lhe provar os fundamentos do direito que invoca, que constituem os requisitos previstos no n.º 2 do art.º3.º do C.Exp. Tais fundamentos são os factos de onde se possa concluir que: a parte restante não assegura, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio; os cómodos assegurados pela parte restante não têm interesse económico para o expropriado, determinado objetivamente. Ou seja, recai sobre o expropriado o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito à expropriação total, incumbe ao mesmo provar factos de onde se possa concluir que a parte restante não assegura, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio ou que os cómodos assegurados pela parte restante não têm interesse económico para si, determinado objetivamente.
No caso em apreço, resulta que os expropriados (ora apelantes), não indicam qualquer meio de prova, para além da indicação de perito.
*
E a questão resume-se a saber se, no caso sub judice, os expropriados lograram provar factos de onde o Tribunal pudesse concluir pela verificação dos requisitos supra enunciados.
Pensamos, salvo o devido respeito, que a resposta correta, terá que ser negativa.
Mas vejamos.
Alegaram os expropriados como fundamento do pedido de expropriação total do prédio, além do mais, que por via da expropriação ficam impossibilitados de construir na parte não abrangida pela expropriação sem alteração do Alvará de Loteamento e fica impossibilitado o acesso automóvel a essa parte restante.
Ora, como resulta dos factos assentes na decisão recorrida que os expropriados/apelantes não põem em causa que:
- existe um alvará de loteamento, alvará n.ºs ..., aprovado para o prédio de onde a parcela é a destacar, sendo o do prédio dos expropriados o n.º ...
-por informação prestada pela Câmara Municipal ... resulta que ”Os expropriados poderão construir na parcela restante desde que alterem a licença de loteamento, que seguirá a forma de alteração simplificada Conforme já informado anteriormente, o polígono de implantação não é atingido pela expropriação e os índices de construção aprovados no alvará de loteamento n.º ... mantém-se. Continua-se a implantar-se e ser objeto de construção de um edifício com as mesmas áreas e características que estavam previstas no referido alvará de loteamento.” Caso a alteração corresponda a subtração da área expropriada, mantendo-se o polígono de implantação e as restantes prescrições relativas à edificação, a alteração ao loteamento constitui uma alteração simplificada prevista no n.º 8 do artigo 27.º do DL 555/99 de 16 de dezembro, sem quaisquer outras formalidades”, tudo conforme termos do ofício de junto a 04.12.2023.
Mais se explicita pelo teor dos laudos dos senhores peritos que:
- o prédio de onde a parcela a expropriar é a destacar constitui o lote ... do Alvará de Loteamento n.º ..., de 29 de março de 1999, emitido pela Câmara Municipal ..., e situa-se na Quinta ... ou Quinta ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia.
- trata-se de uma expropriação parcial, de uma parcela de 856 m2 fazendo parte de um lote com 2.825 m2.
- de acordo com o PDM de Vila Nova de Gaia, plenamente eficaz em vigor à data da DUP, a parcela encontrava-se localizada em Área Urbanizada Consolidada de Tipologia Mista.
- o prédio antes da expropriação possuía cerca de 90 m de frente contínua para a Rua ..., e após expropriação, a parte do prédio não abrangida o mantém uma frente de cerca de 4 m para a Praceta ....
Em suma, a importante parte sobrante do prédio de onde é a destacar a pequena parcela expropriada, mantém a sua aptidão e capacidade edificativa, havendo tão só de se proceder à alteração da licença de loteamento, que seguirá a forma de alteração simplificada, como está garantido pela supra referida informação da Câmara Municipal .... Sem se olvidar que, com a expropriação parcelar do prédio, o polígono de implantação não é atingido pela expropriação e os índices de construção aprovados no alvará de loteamento n.º ... mantém-se.
Logo, e objetivamente, os expropriados, em consequência da expropriação parcelar em apreço, não ficam gravemente afetados pela diminuição dos cómodos da parte não expropriada, resultante do fracionamento do prédio, considerado o seu destino económico efetivo à data da DUP, ou seja, a parte restante do imóvel continua a assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecida todo o prédio, e essa mesma parte, objetivamente, e os cómodos que a mesma assegura, mantém o mesmo interesse económico para os expropriados que o prédio todo tinha antes da expropriação.
Mais se dirá ainda que as alegações feitas em sede do presente recurso quanto ao Regulamento de Segurança Contra Incêndios em Edifícios (RSCIE), que tem de ser cumprido, é questão não colocada em sede de requerimento inicial do presente incidente, logo apartada da decisão do mesmo.
Todavia, sempre se dirá que tal terá a ver com o projeto de arquitetura e de construção e com os vários projetos de especialidades e não com a implantação do lote na parcela não expropriada.
Por outro lado, também a questão colocada em sede do presente recurso e não no requerimento de expropriação total relativo à sapata, onde alegam, além do mais, que: “Sapata de betão. Ficou demonstrado que a expropriante colocou uma vedação assente numa base de cimento, a qual tem uma sapata com 1,05 m de largura, que ultrapassa o limite de expropriação e prejudica qualquer construção no local. A expropriante reconheceu o facto e alegou que tinha retirado o “excesso de betão”, sem, no entanto, o comprovar de forma cabal e apta a remover todas as dúvidas.
A sapata é a base estrutural da vedação. Sendo removida, ainda que de forma parcial, coloca em causa a estabilidade da construção que suporta e poderá originar, a curto ou médio prazo, o seu colapso.
No momento atual, os recorrentes desconhecem por completo o estado da parcela sobrante, no local onde foi colocada a sapata. Desconhecem se existe ou não betão dentro do terreno; desconhecem se e onde podem colocar as fundações de qualquer construção; desconhecem, em suma, qual a concreta alteração do loteamento que poderão solicitar, pois não sabem o que está enterrado no terreno e a recorrida não mostra vontade de colaborar. Antes pelo contrário”.
Ora, o que os expropriados referem, ou seja, a existência de uma sapata de vedação na execução da obra para que foi expropriada a parcela em apreço - a construção da obra “Execução do troço do sistema do metro ligeiro do Porto da Extensão ... — ... a ...” – que pode eventualmente vir a causar prejuízos na parcela sobrante, são, assim, prejuízos que não resultam da expropriação parcial do prédio e da sua divisão, mas da execução da supra referida obra e relativamente a eles preceitua o n.º2 do art.º 29.º do C.Exp. que “Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também em separado os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada“.
Todavia e como já se referiu, não alegaram os expropriados/apelantes em sede de requerimento inicial do presente incidente, nem resultou provado nos autos, que tais eventuais prejuízos decorrentes da sapara têm como decorrência, direta e necessária, que essa parte sobrante do prédio deixe de assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio ou que os cómodos assegurados pela parte restante não têm interesse económico para os expropriados, interesse, este, determinado objetivamente.
Pelo que nenhuma censura nos merece, como acima, já se referiu a decisão recorrida, que assim se confirma.
Improcedem as conclusões dos apelantes.

Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………

IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos requerentes/expropriados/apelantes.

Porto, 2024.10.22
Anabela Dias da Silva
Lina Baptista
Rui Moreira