Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO
RECURSO
EMBARGOS À INSOLVÊNCIA
Sumário
I - A impugnação de uma sentença de insolvência pode fazer-se por dois meios, alternativa ou cumulativamente: por embargos e/ou por recurso. II - No recurso da sentença de insolvência proferida imediatamente após a apresentação do próprio devedor à insolvência, não cabe discutir factualidade que nela não tenha sido considerada, designadamente quanto à sua situação económica, pois que essa apresentação implica o reconhecimento pelo próprio da sua situação de insolvência.
Texto Integral
Proc. nº 1619/24.0T8STS-B.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 1
A..., Lda., pessoa coletiva nº ..., com sede registada na Rua ..., ... – ... – Santo Tirso, apresentou-se à insolvência, alegando encontrar-se em situação atual de insolvência.
Requereu, contudo, a possibilidade de apresentar um plano de insolvência, nos termos do disposto nos artºs 192º e segs. do CIRE, mais requerendo que seja deferido o pedido de administração por si, nos termos do disposto nos artºs 223º e segs. do mesmo diploma legal.
Apreciada a petição, veio o tribunal a decretar a insolvência, por sentença de 11/6/2024, considerando que, entre o mais, que: “(…) A apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência” (…). Dos documentos juntos aos autos pela Requerente/devedora resulta evidente que a mesma se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas e que, efetivamente as não vem cumprindo. De resto, apresenta a requerente um passivo que ascende ao valor de € 438.404,36. Assim, resulta claro o estado de precariedade da situação económico-financeira da Requerente. Fica, pois, demonstrada a situação de insolvência da Requerente pelo que, nos termos dos artºs 3º nºs 1, 2 e 4 e 28.º, ambos do CIRE, cabe declarar a mesma de imediato. (…)”
É desta sentença que vem interposto o presente recurso, por sociedade que é sócia da insolvente, que o termina formulando as seguintes conclusões:
A. O entendimento do Tribunal a quo padece de erro quanto à interpretação dos factos e subsunção dos mesmos ao direito.
B. O pedido de declaração de insolvência foi apresentado pelo sócio gerente da Insolvente sem qualquer suporte dos restantes sócios, não tendo sido discutido no âmbito de uma Assembleia Geral a situação atual da sociedade e as alegadas dificuldades sobre a falta de liquidez para proceder às suas obrigações.
C. Foi também apresentado na pendência do procedimento cautelar de Destituição de Gerente apresentado pela Recorrente, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 5, sob o número 1450/24.2T8STS.
D. Quando a Recorrente tomou conhecimento do pedido de declaração de insolvência, de imediato apresentou no processo um requerimento dando conta do procedimento cautelar e de toda a factualidade inerente ao mesmo.
E. Requerimento esse, que foi apresentado ainda antes de ser proferida a sentença da qual, agora se recorre.
F. A Insolvente não fez nenhuma prova das dificuldades de cumprir pontualmente as suas obrigações por falta de liquidez e impossibilidade de recorrer junto das instituições financeiras ao crédito que necessita.
G. Da lista de credores apresentada pela Insolvente resulta que, apenas um dos créditos indicados está vencido.
H. O que por si só não demonstra uma situação de insolvência.
I. O incumprimento de uma obrigação vencida não é bastante para se verificar uma situação de insolvência atual.
J. O que carateriza a situação de insolvência é a impossibilidade de cumprimento enquanto incapacidade económico-financeira, o que exige uma avaliação do património do devedor, nomeadamente da existência de meios económicos ou financeiros suficientes para satisfazer as obrigações vencidas.
K. Ainda que se verifique o incumprimento de uma obrigação vencida, se os elementos existentes apontam no sentido da superioridade do ativo sobre o passivo não se pode afirmar que a sociedade se encontre em situação de insolvência atual.
L. A Insolvente apenas indiciou uma situação de insolvência e não demonstrou uma efetiva impossibilidade de cumprir as suas obrigações vencidas.
M.A Insolvente confirma ter um património de € 950.000,00 quando o único crédito vencido é apenas de € 22.170,27.
N. O Gerente da Insolvente assumiu funções em fevereiro de 2022 data em que, os Credores e créditos identificados nos autos já existiam.
O. O único crédito que não existia era o da Sr.ª AA.
P. Em mais de dois anos, a Insolvente nada fez.
Q. Quando confrontada com um pedido de destituição do gerente, surgiu a necessidade de se apresentar à insolvência o que indicia má fé.
R. Pois a sociedade não se encontra numa situação de insolvência.
S. Por todo o exposto, dúvidas não restam de que não existem fundamentos para quem seja declarada a insolvência da sociedade “A...”.
Termos em que pelo que se deixou dito, e que V Exas., doutamente suprirão, requer-se que seja revogada a douta sentença, e proferida nova decisão que não declare a insolvência da sociedade “A...”, pois só assim será feita justiça.”
*
A requerente A... apresentou resposta ao recurso, apontando a falta de fundameno do recurso e pronunciando-se pela confirmação da decisão recorrida. Sintetizou os seus argumentos nas seguintes conclusões:
I - A Recorrente nas suas alegações alega factos que que não foram tidos em conta pelo tribunal “a quo” para fundamentar a sentença de declaração de insolvência.
II - Foi colocada em causa a capacidade do gerente, não se tendo demonstrado, quer no processo de insolvência, quer em qualquer outro processo a existência de qualquer incapacidade, ainda que temporária.
III - Coloca ainda em causa os poderes do gerente para apresentar a sociedade comercial à insolvência.
IV - Ora, nos termos do CIRE e ao órgão de administração da sociedade comercial que compete a decisão da apresentação à insolvência
V - Invoca a Recorrente a necessidade de uma deliberação da sociedade comercial para a apresentação à insolvência.
VI - Ora, deliberação a que se refere a Recorrente, e que se encontra no 24.º n.º 2 a) do CIRE, respeita a órgãos de administração colegiais.
VII - Ora, a insolvente é administrada e representada por um gerente único, conforme o registo comercial que se encontra nos autos.
VIII - A Recorrente alega ainda que a insolvência não deveria ter sido declarada pelo facto do património da insolvente o activo ser superior ao passivo.
IX - Mas no processo de insolvência os documentos contabilísticos apresentados comprovam o contrário, além de que não existe uma avaliação do justo valor dos bens que compõem o património da insolvente para suportar a argumentação da Recorrente.
X - Mas não foram as diferenças patrimoniais da insolvente que fundamentaram a sentença de declaração da insolvência.
XI - O tribunal “a quo” considerou a falta de liquidez da insolvente e a incapacidade e satisfazer atempadamente as suas obrigações, para além da dimensão das obrigações da insolvente (mais e €400.000,00).
XII - Ou seja, a Recorrente alega factos novos, que não foram apresentados, provados ou discutidos no processo de insolvência, e por isso não colocando em causa os fundamentos do tribunal “a quo” para a declaração de insolvência.
XIII - Portanto, tenta a Recorrente, com o presente recurso, substituir os embargos.
Assim, pelo exposto deve o presente Recurso ser julgado improcedente e, portanto, ser mantida a sentença que declarou a insolvência da recorrida.”
O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.
Cumpre decidi-lo.
*
2- FUNDAMENTAÇÃO
Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, cabe decidir:
- Se a sentença padece de algum vício por o procedimento ter sido desencadeado pelo sócio gerente da insolvente, sem qualquer suporte dos restantes sócios, não tendo sido discutido no âmbito de uma Assembleia Geral;
- Se a sentença padece de algum vício por o procedimento ter sido desencadeado pelo sócio gerente da insolvente na pendência do procedimento cautelar de Destituição de Gerente apresentado pela Recorrente;
- Se a insolvente não fez nenhuma prova das dificuldades de cumprir pontualmente as suas obrigações por falta de liquidez e impossibilidade de recorrer junto das instituições financeiras ao crédito que necessita, apresentando um património de € 950.000,00 com um único crédito vencido é apenas de € 22.170,27.
*
Na decisão recorrida, o tribunal deu por provados os factos seguintes:
a) A sociedade A..., Lda., pessoa coletiva nº ..., com sede registada na Rua ..., ... – ... – Santo Tirso, tem como objeto social a “[P]rodução, transformação e distribuição de plantas ornamentais e de outros produtos afins”.
b) A Requerente apresenta um passivo que ascende ao valor de € 438.404,36.
*
Quanto à primeira questão, alega a apelante que o gerente da insolvente carecia de competência, poderes e legitimidade para apresentar à insolvência sociedade.
No caso, revelam os autos que a apresentação à insolvência foi concretizada por advogados constituídos por BB, enquanto gerente da A....
E resulta da certidão permanente da sociedade que BB é o seu único gerente.
No caso, não foi BB, enquanto sócio e gerente da A... que requereu a insolvência da sociedade. Foi antes a própria sociedade, representada pelo seu único gerente, que se apresentou à insolvência.
A este propósito, dispõe o art. 19º do CIRE: “…a iniciativa da apresentação à insolvência cabe ao órgão social incumbido da sua administração, ou, se não for o caso, a qualquer um dos seus administradores.”
Nas sociedades por quotas, como é o caso da insolvente, a administração da sociedade compete ao seu gerente - cfr. art. 259º do C. S. Comerciais. Como refere Diogo Pereira Duarte, em anotação a esta norma, no CSC Anotado, Coordenação de Menezes Cordeiro, 5ª edição, pg. 910, a formulação adoptada pelo legislador dispõe que compete aos gerentes administrar a sociedade e, em geral, praticar todos os actos que não estejam reservados à competência de outro órgão necessário: a assembleia geral.
No caso, de nada resulta, nem o apelante o alega, que a decisão em causa estivesse reservada, nos termos do pacto social respectivo, à assembleia geral, pelo que nem cumpre analisar os eventuais efeitos de uma tal previsão. Assim, só pode concluir-se que entre os poderes de gerência de BB se incluía a sua representação, designadamente para efeitos de apresentação á insolvência.
Resulta, pois, inaplicável ao caso a regra do nº 2 do art. 24º do CIRE. A exigência ali prevista de uma cópia da acta que documente a deliberação da iniciativa do pedido por parte do órgão social de administração da sociedade que se apresenta à insolvência, só é aplicável nos casos em que a administração está confiada a um órgão colegial.
A solução acima referida, de reconhecimento de competência ao gerente de uma sociedade para decidir e providenciar pela respectiva apresentação à insolvência é, de resto, coerente com a previsão de responsabilidade pessoal dos administradores da sociedade, no caso de incumprimento do dever de apresentação à insolvência. Nos termos dos arts. 186º, nº 3, al. a) e 189º, nº 2, do CIRE, o incumprimento de tal dever faz presumir a existência de culpa grave na insolvência, o que pode determinar a afectação dos responsáveis pela sua administração, com as consequências previstas nas diversas als. daquele nº 2, que podem incluir a condenação à indemnização dos credores da própria insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos (al. e)
Ora, como se salienta no Ac. do TRG de 26-09-2013 (proc. nº 179/13.1TBPTB.G1, em dgsi.pt), citando João Labareda e Carvalho Fernandes (CIRE Anotado) mal se compreenderia que uma tal responsabilização não assentasse no poder conferido a cada gerente, de per si, a representar a sociedade na sua apresentação à insolvência.
Resta, pois, concluir pela falta de razão da apelante ao invocar a ilegitimidade ou falta de poderes de BB para representar a sociedade em juízo na sua presente apresentação à insolvência.
Acresce que a circunstância de ter sido entretanto intentado um procedimento cautelar de destituição de gerente, na sequência da apresentação da A... à insolvência, em nada afectou o curso da própria acção de insolvência. Nenhum efeito foi determinando, no âmbito de tal procedimento cautelar, que pudesse afectar a curso do processo insolvencial. De resto, nenhum efeito adveio, até ao presente, de um tal procedimento cautelar. É, pois, estéril a sua invocação pela apelante que, em qualquer caso, também daí não requer que se extraia qualquer efeito concreto.
Pelo exposto, improcederá a apelação, nesta parte.
*
A questão seguidamente colocada pela apelante, traduzida nas conclusões F e seguintes, traduz-se na impugnação da verificação dos pressupostos que haveriam de determinar a insolvência da requerida, a saber:
- a insolvente não fez prova das dificuldades de cumprir pontualmente as suas obrigações por falta de liquidez e impossibilidade de recorrer junto das instituições financeiras ao crédito que necessita;
- a insolvente só especificou um crédito já vencido, o que é insuficiente para diagnosticar a sua situação de insolvência;
- a insolvente tem um património de € 950.000,00 e o único crédito vencido é apenas de € 22.170,27; esta superioridade do ativo sobre o passivo obsta a que se conclua que a sociedade se encontra em situação de insolvência.
A impugnação de uma sentença de insolvência pode fazer-se por dois meios, alternativa ou cumulativamente: por embargos e/ou por recurso. É o que resulta do disposto nos arts. 40º e 42º do CIRE.
Cada uma desses meios tem, porém, fins específicos, como bem se esclarece no ac. do TRC de 24-10-2023 (proc. nº 2614/23.1T8CBR-C.C1, em dgsi.pt): “I – Como decorre do disposto nos artigos 40.º e 42.º do CIRE, a impugnação da sentença declaratória da insolvência pode ser feita através de embargos e/ou de recurso. No caso da dedução de embargos, os mesmos baseiam-se na alegação de factos ou no requerimento de meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência; ao invés, os fundamentos do recurso têm por base o entendimento de que, face aos elementos apurados, a sentença não devia ter sido proferida; isto é, face a tais elementos, não devia ter sido declarada a insolvência.”
Em suma, no recurso da sentença de insolvência, que é aquele que se encontra sob apreciação, e como é próprio de um qualquer recurso, apenas cabe sindicar a decisão em face das suas próprias premissas e não importar diferentes factos e questões não tratadas nessa decisão, para que sejam apreciadas pela primeira vez no tribunal de recuso.
Significa isso que, neste recurso, não podem ser discutidas e decididas as questões colocadas pelo apelante quanto à liquidez e capacidade para obter financiamentos da A..., ao volume de créditos vencidos e não vencidos, ou quanto à dimensão dos seus activos e superioridade destes em relação ao passivo, em ordem a aferir da sua situação de insolvência. E isso porquanto a sentença nenhuma destas questões apreciou.
Assim, a impugnação da decisão em função de tais elementos só poderia concretizar-se por via de embargos à insolvência, nos termos do art. 40º, nº 2 do CIRE, para o que, de resto, o ora apelante detinha legitimidade – cfr. al. f) do nº 1 do mesmo art. 40º.
No âmbito do presente recurso apenas cabe sindicar se, mesmo sem considerar os elementos factuais agora apontados pelo apelante e que só poderiam ser discutidos em sede de embargos, a insolvência poderia ser declarada.
A resposta a esta questão é inequivocamente positiva.
Dispõe o art. 28º do CIRE: “(Declaração imediata da situação de insolvência) A apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência, que é declarada até ao 3.º dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial ou, existindo vícios corrigíveis, ao do respectivo suprimento.”
Como esclarece o Ac. do TRC citado supra, “II – No caso de apresentação do devedor à insolvência, equipara-se a situação de insolvência actual à que seja meramente eminente, devendo, em tal caso, ser de imediato, proferida a sentença de insolvência, excepto nos casos em que existam vícios supríveis, que o devem ser ou se a petição se apresentar em termos que tornam o pedido manifestamente improcedente, revelar a existência de excepções dilatórias insupríveis oficiosamente ou falta de documentos. III – A apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento da sua situação de insolvência e determina a declaração judicial da mesma, mediante o proferimento da correspondente sentença.”
Nas circunstâncias do caso, em que a própria devedora, devidamente representada pelo seu único gerente, se apresentou à insolvência, não poderia esta deixar de ser declarada, como o foi. Assim o impõe o art. 28º acima referido.
Improcede, por isso, a apelação também quanto a esta questão.
*
Em conclusão, não pode conceder-se provimento ao presente recurso, cabendo, pelo contrário, confirmar a decisão recorrida.
*
Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………
3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em confirmar a decisão recorrida, na improcedência da presente apelação,
Custas pelo apelante.
*
Porto, 22 de Outubro de 2024
Rui Moreira
Rodrigues Pires
Alexandra Pelayo