É ao TEP que, no exercício das suas atribuições para “decidir da modificação, substituição e extinção” da pena de prisão – arts. 114º n.º 1 da LOSJ e 138º n.º 2 do CEPMPL - compete conhecer pretensão sobre o regime de execução do remanescente da pena, formulada pelo recluso em requerimento apresentado quando já estava na cadeia a cumprir a pena de prisão aplicada por decisão transitada em julgado, revogatória da pena suspensa.
Dos elementos com que vem instruído este incidente extraem-se, com relevo para a decisão, os dados seguintes: -------
1. AA, foi julgado pelo tribunal singular no processo comum n.º 1193/20.6... do Juízo local criminal de Almada -juiz ... e por sentença de 26.10.2020, transitada em julgado em 16.12.2020, condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 6 meses de prisão, com execução suspensa por 1 ano, sob condição de, nesse período, entregar € 500,00 à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Almada.
2. O tribunal da condenação, por despacho de 15.11.2023, transitado em julgado em 18.12.2023, concluindo que o arguido, deixando de pagar aquela quantia sem qualquer justificação, violou repetida e grosseiramente a obrigação imposta, revelando assim que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, revogou a suspensão da execução da pena e determinou o cumprimento da pena de 6 meses de prisão em que o arguido foi condenado.
3. Pena de prisão efetiva que o condenado está a cumprir desde 21.01.2024, com termo previsto para 20.11.2024, conforme computo homologado pelo tribunal da condenação.
4. Por requerimento de 20.06.2024 apresentado no processo da condenação, o arguido, recluso no EP de ..., inconformado com a prisão carcerária, peticionou ao tribunal que determine que o remanescente daquela pena de prisão seja cumprida em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
5. O tribunal da condenação, por despacho de 27.06.2024, sem expor fundamentação para o decidido, remeteu o referido ao TEP que considerou ser o competente para apreciar o pedido do arguido, condenado.
6. Contudo, sem que tenha declarado, expressamente, a incompetência material (funcional) própria.
7. O Juízo de execução de penas de Évora – Juiz ..., onde foi instaurado o processo n.º 754/15.0TXLSB-E (liberdade condicional), por despacho de 12.07.2024, entendendo que a substituição da pena de prisão por regime de permanência na habitação nos termos do art.º 43.º do Código Penal só é possível com a reabertura da audiência, concluiu que “a competência decisória quanto ao que o recluso pretende cabe ao tribunal da condenação enão ao TEP” pelo que indeferiu o requerido.
8. TEP que, por despacho de 22-09-2024, declarou a sua incompetência material para apreciação daquela pretensão do arguido-
9. A Exma. Juíza no TEP de Évora – juiz ..., entendendo que existe um conflito negativo de competência material entre os dois tribunais, suscitou a sua resolução ao Presidente da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça.
b. parecer do Ministério Público:
O Digno Procurador-Geral Adjunto, em douto e sustentado parecer, entendendo estar-se perante um conflito negativo de competência material, pronunciou-se no sentido de que se resolva com a atribuição da competência ao Tribunal de Execução de Penas de Lisboa.
Para tanto argumenta que, se é certo que o tribunal da condenação omitiu o poder-dever, imposto pelo art. 43.º n.º 1 al.ª c) do Cód. Penal, de conhecer do verificação do pressuposto material para decidir do cumprimento da pena de prisão que o arguido veio a peticionar depois de preso, contudo, a via de reação a tal omissão geradora de nulidade da decisão revogatória da pena suspensa, era a do recurso ordinário, o que o arguido não fez, pelo que essa invalidade resultou sanada com o trânsito em julgado daquela decisão.
Acrescentando que ao caso não é sequer aplicável o regime da reabertura da audiência consagrado no art. 371.º-A do CPP previsto para a aplicação retroativa ao condenado de lei superveniente que lhe é mais favorável porque a norma do citado art. 43.º, na sua atual redação, dada pela Lei n.º 94/2017, de 23.08.2017, já vigorava na data da condenação do arguido e, consequentemente, também na data da revogação da pena suspensa, não sendo lei que tenha entrado em vigor após o trânsito em julgado daquela decisão revogatória.
Convoca ainda jurisprudência deste Supremo Tribunal, concretamente decisões que proferimos resolvendo conflitos negativos de competência material (funcional) um deles com aparente identidade ao caso aqui em apreciação.
c. pronúncia do arguido:
O condenado, através de requerimento subscrito pelo seu ilustre mandatário, aderindo à decisão do TEP, pugna pela atribuição ao tribunal da condenação da competência para apreciar a sua pretensão de o remanescente da pena de prisão aplicada ser cumprido no regime de permanência na habitação com VGE.
d. apreciação:
d. apreciação:
Embora o tribunal da condenação não tenha declarado, de modo expresso, a sua incompetência material para apreciar a pretensão vertida no requerimento do arguido (peticionando que a pena de prisão remanescente seja cumprida no regime de permanência na habitação com VGE), está implícita no despacho referido a denegação dessa competência. Sendo, isso sim, expressa a atribuição da mesma ao TEP
Por sua vez o TEP, embora se tenha declarado materialmente incompetente para conhecer daquela pretensão do condenado, todavia, apreciando o requerimento à luz do regime jurídico que lhe cabe aplicar, decidiu: -----
- não modificar o regime de execução da pena de prisão do recluso por não virem alegadas circunstancias que a possam fundamentar; e -----
- que ao recluso não é aplicável o regime da liberdade condicional, em razão do tempo de prisão carcerária que tem para cumprir.
Sendo estes os exatos termos das decisões que vem apresentadas como conflituando entre si sobre a competência material (funcional) para conhecer a pretensão do arguido, condenado em pena de prisão, formulada em requerimento apresentado quando já estava preso no EP, consistente no cumprimento do remanescente daquela pena no regime de permanência na habitação, logo se tem de concluir que, afinal, essa pretensão foi mesmo apreciada e decidida pelo TEP e nos termos que se acabam de sumariar.
Pelo que, dito de outra maneira, o TEP aceitou a competência que o tribunal da condenação lhe atribuiu, tanto assim que conhecendo da pretensão do recluso à luz do regime da modificação da execução da pena de prisão e à luz do regime da liberdade condicional, indeferiu-a com fundamento na inaplicabilidade ao caso desses institutos regulados no CEPMPL e no Cód. Penal.
Destarte e ante a omissão da fundamentação do despacho do Exma. Juíza no tribunal da condenação, o conflito suscitado é mais aparente que efetivo porque a pretensão do condenado foi mesmo apreciada pelo TEP nos termos expostos. O que é bastante para se concluir pela inexistência de conflito negativo de competência material (funcional).
Sucede que o TEP entendeu também – e foi só por isso que declarou a sua incompetência material - que aquela pretensão deve ser apreciada também pelo tribunal da condenação á luz do regime jurídico da vulgarmente apelidada de “prisão domiciliária”, devendo para tanto reabrir a audiência.
Mas não lhe assiste razão.
A norma do art. 371.º-A do CPP. é muito clara sobre a finalidade e os pressupostos da “abertura da audiência para aplicação retroactiva de lei penal mais favorável”, estatuindo:--
“Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.”
E, como salienta o Digno Procurador-Geral Adjunto, a atual redação do artigo 43.º n.º 1 do CPP, vigora desde 21.11.2017. Não é, pois, um novo regime jurídico que tivesse iniciado vigência após o transito em julgado da condenação nem da decisão posterior que, revogando a pena suspensa, impôs ao arguido o cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença condenatória.
Como fundamentamos na decisão citada pelo Digno Procurador-Geral Adjunto – e aqui reproduzimos -, no despacho que revogou a pena suspensa, porque verificado o pressuposto formal estabelecido no art.º 43º n.º 1 al.ª c) do Código Penal, impunha-se – trata-se de um dever que tem de ser “sempre” observado -, que o tribunal tivesse conhecido da verificação do pressuposto material consistente em saber se o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação realizava adequada e suficientemente as finalidades da execução da pena de prisão e decidir em conformidade (na afirmativa, havendo consentimento expresso do condenado).
O tribunal da condenação, por erro próprio, omitiu esse dever. Com isso, aquela decisão, enfermava de nulidade. Que podia ter sido tempestivamente arguida perante o próprio tribunal ou em recurso para o tribunal imediatamente superior. O que não sucedeu.
Transitada em julgado a decisão que revogou a pena suspensa e ao mesmo tempo determinou o cumprimento da prisão efetiva, não mais o próprio tribunal pode reparar aquela omissão ou proceder a qualquer correção que importe modificação essencial do decidido. O seu poder jurisdicional esgotou-se com a prolação da decisão que se tornou definitiva na ordem jurídica.
Não é, pois, legalmente admissível que o tribunal da condenação altere a sua decisão, designadamente, anule ou dê sem efeito o segmento do dispositivo em que determinou a execução da prisão efetiva e o substitua por outro em que determinasse a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação com VGE.
Por sua vez, quanto á competência para alterar ou modificar o regime de execução da pena de prisão, o legislador na exposição de motivos da proposta de lei 252/X, que serviu de base à Lei nº 115/2009, de 12 de outubro, que aprovou o Código da Execução da Pena de Prisão e Medidas Privativas de Liberdade, não podia ser mais claro, na expressão do seu pensamento, salientando no ponto 15 que “no plano processual e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efetiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, atualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas. Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema".
Em consonância, a lei, - a LOSJ no art. 114º n.º 1 e o CEPMPL, no art.º 138º n.º 2 - estabelece que “após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.”
A letra das normas do art. 114º n.º 2 al.ª j) da LOSJ, reproduzida no art. 138º n.º 4 al.ª al.ª j) do CEPMPLe ainda do art. 118º deste Código é no sentido de que o TEP só terá competência para “decidir sobre a modificação da execução da pena de prisão aos reclusos portadores” de uma das doenças aí enumeradas “ou de idade avançada”, aí indicada.
O legislador deu como assente que o tribunal da condenação observa “sempre”, ele mesmo, ou através do regime de suprimento das nulidades ou de recurso, o dever estabelecido no art.º 43º do CP e, por isso, não previu, manifestamente, para as situações de reclusos normais forma alguma de corrigir a omissão desse dever ou de reparar o direito do condenado a que se pondere e decida depois sobre a modificação do regime de execução da pena de prisão.
Evidentemente que o TEP não pode alterar ou modificar as decisões do tribunal que condena o arguido numa pena de prisão. Aliás, se o arguido, à data da condenação, já sofria de uma daquelas doenças ou tem idade igual ou superior a 70 anos, é o respetivo tribunal (e não, depois, o TEP) que deve indagar e “decidir-se pela imediata aplicação, com as devidas adaptações, da modificação da execução da pena”
Lacuna que só pode suprir-se através da interpretação.
Assentes em que a decisão do tribunal da condenação é definitiva e imodificável, restava-lhe ter decidido indeferir a pretensão do arguido com esse mesmo fundamento em vez de se ter limitado a “endossar” a apreciação e decisão para o TEP.
Também o TEP se deveria ter limitado a decidir, em conformidade com o que interpreta, ou seja, que não reunindo o recluso os pressupostos estabelecidos no art.º 118º do CEPMPL não podia conceder-lhe a requerida modificação do regime de execução da pena de prisão, nem podia conceder-lhe o regime da liberdade condicional, sem necessidade de entrar a “endossar” a competência ao tribunal da condenação para, em audiência reaberta, decidir a pretensão do recluso que omitiu de conhecer e decidir quando devia, ou seja, quando revogou a pena suspensa.
O arguido no processo, recluso na cadeia, poderia então, porque estava perante decisões sobre a tempestividade regularidade e o mérito da pretensão requerida, arguir a nulidade da decisão revogatória e/ou impugnar cada uma das decisões daqueles dois tribunais, recorrendo para a Relação.
Mas não foram exatamente esse o teor de algumas das decisões judiciais questionadas nem foram aqueles os mecanismos adotados pelo arguido.
Na citada decisão concluímos que na nossa interpretação do pensamento do legislador e da sua expressão normativa, o mérito da pretensão do recluso sobre o regime de execução da pena privativa da liberdade, apresentada quando já estava no carcere a cumprir a pena de prisão aplicada pelo tribunal da condenação por decisão transitada em julgado, deve ser apreciado e decidido pelo TEP, ao qual compete não só acompanhar e fiscalizar a execução da pena como também “decidir da sua modificação, substituição e extinção” – arts. 114º n.º 1 da LOSJ e 138º n.º 2 do CEPMPL.
Ora, no caso, essa pretensão do recluso já foi apreciada e decidida pelo TEP, que a indeferiu assim como a aplicação do regime da liberdade condicional.
Poderia o recluso ter recorrido, mas não o fez.
E já dissemos que no caso não há lugar à reabertura da audiência porque, após o trânsito em julgado da decisão revogatória não sobreveio novo regime jurídico para poder aplicar-se.
Inexistindo, por conseguinte, conflito sobre a pretensão do condenado.
Nada mais restando que devesse ter sido e não tenha sido já apreciado e decidido pelo TEP que para o efeito aceitou a sua competência material (funcional).
e. dispositivo:
Assim, de conformidade com o exposto decido, nos termos do art. 36º n.º 1 do CPP, que, inexistindo o conflito negativo de competência que se apresentava no vertente procedimento incidental, nada resta para solucionar.
Devolva-se ao tribunal requerente.
1. É ao TEP que, no exercício das suas atribuições para “decidir da modificação, substituição e extinção” da pena de prisão – arts. 114º n.º 1 da LOSJ e 138º n.º 2 do CEPMPL - compete conhecer pretensão sobre o regime de execução do remanescente da pena, formulada pelo recluso em requerimento apresentado quando já estava na cadeia a cumprir a pena de prisão aplicada por decisão transitada em julgado, revogatória da pena suspensa.
O Presidente da 3ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça
Nuno Gonçalves