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PARTE COMUM DE PRÉDIO
OBRIGATORIEDADE DE PAGAMENTO DE QUOTIZAÇÕES
ENCARGOS DE CONSERVAÇÃO DE PARTES COMUNS
Sumário
1 – A obrigação de pagar as contribuições necessárias para custear as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, consagrada no artigo 1424.º do Código Civil tem natureza propter rem. 2 – A relação propter rem transmite-se automaticamente a todo o novo titular do direito real e é insusceptível de transmissão independente do direito real a que se refere. 3 – Os serviços de segurança, limpeza, conservação, manutenção e demais condições de digna habitabilidade, defesa do ambiente, qualidade de vida e património natural e cultural da área inerente e circundante da urbanização de (...) que estejam integradas no alvará de loteamento do empreendimento constituem encargos para os condóminos, independentemente de ser ou não associados da “Associação de Proprietários de (…)”. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 550/19.T8BNV.E3 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local de Competência Cível de Benavente – J1
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Recurso com efeito e regime de subida adequados.
* Decisão nos termos dos artigos 652.º, n.º 1, alínea c) e 656.º do Código de Processo Civil: * I – Relatório:
Na presente acção declarativa de condenação proposta por “Associação de Proprietários de (…)” contra (…) e (…), a Ré e os demais herdeiros habilitados do primeiro Réu não se conformaram com a sentença condenatória.
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A Autora peticionou a condenação dos Réus no pagamento da quantia de € 3.000,00 (três mil euros), bem como das contribuições vincendas, com juros de mora à taxa legal, a partir da citação.
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Para o efeito, a Autora alega que é uma associação sem fins lucrativos, com competência para assegurar a segurança, limpeza, conservação e manutenção da zona de enquadramento do empreendimento sito em (…), uma vez que estabeleceu com a Câmara Municipal de Benavente um Acordo Administrativo de Cooperação.
Mais invoca que os Réus são proprietários de dois prédios urbanos sitos em tal empreendimento e não têm liquidado as contribuições que a Autora fixou para cumprir tais objectivos, desde Agosto de 2014.
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Em sede de contestação, a Ré (…) defendeu-se por excepção, alegando que o dito Acordo Administrativo de Cooperação concretizado entre a Autora e a Câmara Municipal de Benavente, não poderia ser extensivo à sua pessoa.
Salientou ainda que, ao não ser associada da aqui parte activa, não aceitava a imposição do pagamento peticionado a proprietários que não são membros da Autora, deduzindo a excepção de ilegitimidade.
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Os autos prosseguiram e através de saneador-sentença o Tribunal a quo decidiu o mérito da causa, condenando os Réus nos termos peticionados.
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Interposto recurso, o Tribunal da Relação de Évora decidiu julgar procedente o presente recurso, revogando a decisão recorrida, a qual deveria ser substituída por outra que, para além do saneamento strictu sensu, identificasse o objecto do processo e enunciasse os temas da prova, seguindo os autos para a fase do julgamento.
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Foram julgados habilitados como sucessores do falecido Réu (…), o seu cônjuge (…) e os seus filhos (…) e (…).
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Realizado o julgamento, o Tribunal a quo decidiu:
a) condenar os Réus (…), (…) e (…) [os dois últimos tão-só na qualidade de herdeiros de …] a pagar à Autora Associação de Proprietários de (…) a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), correspondente às contribuições de Agosto de 2014 a Julho de 2019, pelos lotes n.ºs 65 e 616, acrescidas de juros à taxa de natureza civil, que até à data é de 4%, desde a data da citação (17-09-2019) até efectivo e integral pagamento;
b) condenar os Réus (…), (…) e (…) [os dois últimos tão-só na qualidade de herdeiros de …] a pagar à Autora Associação de Proprietários de (…) as quantias que se vençam mensalmente, a título das contribuições periódicas referentes às despesas relacionadas com serviços de segurança e manutenção dos espaços verdes, dos demais espaços de utilização comum e da vedação exterior, enquanto mantiverem a qualidade de proprietários dos referidos lotes e enquanto for a Autora prestar estes serviços, acrescidas de juros de mora, desde a data de vencimento até efectivo pagamento; e
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Os recorrentes não se conformaram com a referida decisão e apresentou alegações que continham as seguintes conclusões:
«A. A sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, porquanto os fundamentos apresentados estão em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível.
B. O Tribunal a quo, apesar de dar como provado no facto 15) que a Ré, aqui Recorrente, não é associada da Autora, aqui Recorrida, e de na fundamentação da sentença referir que “(…) entendemos que a autora não tem o direito a exigir da ré o pagamento das contribuições ou quotizações regulamentadas no artigo 3.º do seu pacto de constituição e nos artigos 5.º e 6.º do seu Regulamento interno, por a ré não ser sua associada”, condena os Réus, aqui Recorrentes, ao pagamento das contribuições mensais de Agosto de 2014 a Julho de 2019 e as que se venham a vencer, por referência aos lotes da propriedade dos mesmos, que foram deliberadas pela Autora, na qualidade de Associação.
C. Não faz qualquer sentido que o Tribunal a quo, apesar de dar como provado o facto 15) (“A não é associada da Autora”) e de referir expressamente que a Autora, aqui Recorrida, não tem o direito de exigir de quem não é associado o pagamento de qualquer contribuição ou quotização, que condene os Réus, aqui Recorrentes, ao pagamento das respetivas contribuições.
D. O Tribunal a quo nunca poderia ter condenado os Réus, aqui Recorrentes, ao pagamento das referidas contribuições, impondo-se, pelo contrário, a sua absolvição, porquanto efetivamente os mesmos não são, nem nunca foram associados da Autora, aqui Recorrida, e por essa razão nunca poderiam ser obrigados a efetuar o pagamento das referidas contribuições E. O Tribunal a quo ao decidir desta forma incorre em nulidade, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, porquanto os fundamentos estão em oposição com a decisão ou ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível.
F. Acresce que, e apesar de o Tribunal a quo, dar como bom que, por os Réus, aqui Recorrentes, não serem associados da Autora, aqui Recorrida, não têm que pagar quaisquer contribuições à mesma, ainda assim condenou os mesmos no pagamento das referidas contribuições, mas desta feita através do instituto legal da sub-rogação pelo credor, previsto no artigo 589.º do Código Civil.
G. Mais referido que, acaso assim não se entendesse, sempre seria de se convocar o instituto do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 473.º e ss. do Código Civil.
H. Ora, apesar de se considerar que nem os pressupostos da sub-rogação pelo credor, nem os pressupostos do enriquecimento sem causa se encontram preenchidos na situação aqui em apreço, como infra se explanará, a verdade é que mesmo que, hipoteticamente, os mesmos se encontrassem preenchidos, o que não se aceita, nunca poderiam os Réus, aqui Recorrentes, ser condenados ao pagamento das contribuições periódicas que são estipuladas como quotas, pela Autora, aqui Recorrida, que é uma Associação.
I. Quer seja no instituto da sub-rogação pelo credor, que seja no instituto do enriquecimento sem causa, o que está previsto é a restituição daquilo que houver sido prestado, na respetiva quota-parte, e nunca o pagamento de contribuições periódicas que foram estipuladas pela Autora, aqui Recorrida, na qualidade de Associação, muito tempo antes sequer da celebração do referido Acordo de Cooperação entre a mesma e o Município de Benavente, e por referência às quais nunca foi estabelecida qualquer correspondência com os valores que alegadamente havia sido despendidos.
J. Pelo que, também por esta razão o Tribunal a quo nunca poderia ter condenado os Réus, aqui Recorrentes, ao pagamento das referidas contribuições, impondo-se, pelo contrário, a sua absolvição.
K. Desta feita, a sentença do Tribunal a quo padece, também por esta razão, de nulidade, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, porquanto os fundamentos estão em oposição com a decisão ou ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível.
L. O Tribunal a quo julgou mal o facto enunciado em 17), porquanto o deu como provado, quando da análise crítica da prova documental e testemunhal, se impunha que o mesmo fosse julgado não provado.
M. Não foi produzida qualquer prova no sentido de que a gestão da área de proteção e enquadramento foi assegurada exclusivamente pela Autora, aqui Recorrida, através da prestação de quaisquer serviços.
N. Bem assim como, não foi produzida qualquer prova no sentido de que a Autora, aqui Recorrida, suportou quaisquer custos com essa alegada gestão.
O. Não foram juntos aos autos quaisquer comprovativos de que essa alegada gestão foi efetuada, que Autora, aqui Recorrida, suportou quaisquer custos com a mesma, nem sequer quais os alegados custos que aqui estariam em causa, como também não foi produzida qualquer prova testemunhal nesse sentido.
P. O Tribunal a quo para dar como provado este facto (facto 17) refere que se sustentou essencialmente no depoimento de (…), no Acordo de Cooperação que foi junto aos autos e na Certidão do Registo Predial.
Q. O depoimento de (…), só por si, não é suficiente para que o Tribunal a quo dê como provado o facto 17.
R. Porquanto o mesmo não logrou explicar ao Tribunal a quo quais os serviços que alegadamente foram prestados pela Autora, aqui Recorrida, e através dos quais alegadamente estaria assegurada a gestão da área de proteção e enquadramento, que a referida gestão era feita exclusivamente pela Autora, aqui Recorrida, que os alegados custos eram suportados pela mesma e quais os custos que alegadamente aqui estariam em causa.
S. Limitando-se apenas a referir que a Autora, aqui Recorrida, efetuou a alegada gestão.
T. Sem olvidar que, de acordo com o que é referido pelo próprio Tribunal a quo, (…) foi membro dos órgãos dirigentes da Autora, aqui Recorrida, entre 2012 a 2022, sendo no presente momento Associado, estando, portanto, em causa uma pessoa que tem um interesse na presente ação, o que coloca em causa a isenção das suas declarações.
U. Acresce que, não se pode deixar de referir que, apesar de o Tribunal a quo fundar a sua decisão de dar como provado o facto 17) tendo por base também o Acordo de Cooperação que foi junto aos autos e a Certidão do Registo Predial, e que embora exista essa documentação e a mesma efetivamente tenha sido junta aos autos, da mesma não resulta a efetiva prestação, pela Autora, aqui Recorrida, dos serviços necessários à gestão da área de proteção e enquadramento, que a mesma tenha sido feita exclusivamente pela referida, que a Autora, aqui Recorrida, tenha suportado quaisquer custos, nem sequer quais os custos que alegadamente estariam aqui em causa.
V. Ora, o facto de existir a documentação supra referida não leva, sem mais, à certeza de que os serviços foram efetivamente prestados e pagos pela Autora, aqui Recorrida.
W. Portanto, não tendo sido junto aos autos qualquer documentação e/ou produzida qualquer prova testemunhal no sentido de que a gestão da área de proteção e enquadramento foi exclusivamente assegurada pela Autora, aqui Recorrida, que a mesma suportou os alegados custos e quais os custos que alegadamente estariam em causa, nunca poderia ter sido dado como provado o Facto 17), impondo-se, pelo contrário, que o mesmo fosse julgado não provado.
X. Ora, embora o Tribunal a quo, e bem, conclua que a Ré, aqui Recorrente, não é associada da Autora, aqui Recorrida, e que por essa razão não poderá a mesma exigir dos Réus, aqui Recorrentes, o pagamento de quaisquer contribuições por si estipuladas, e que o dever de gestão das áreas de proteção e enquadramento não tem que ser assegurado por uma associação de moradores formalmente constituída, porquanto do alvará resulta que a referida gestão poderá ser feita individualmente por cada morador ou através de um conjunto de moradores, a verdade é que, ainda assim, e a nossa ver, erradamente, condenou os Réus, aqui Recorrentes, ao pagamento das quotizações que foram estipuladas pela Autora, aqui Recorrida.
Y. O Tribunal a quo para sustentar legalmente a condenação dos Réus, aqui Recorrentes, recorre, num primeiro momento, ao instituto da sub-rogação, que se encontra previsto nos artigos 589.º e ss. do Código Civil.
Z. Referindo que, ao caso aqui em concreto se aplicam os pressupostos da sub-rogação pelo credor prevista no artigo 589.º do Código Civil.
AA. Acontece que o Tribunal a quo, ao condenar os Réus, aqui Recorrentes, ao pagamento das contribuições periódicas de Agosto de 2014 a Julho de 2019 e as que se venham a vencer, à Autora, aqui Recorrida, por referência aos lotes de que são proprietários, com base no instituto da sub-rogação pelo credor, violou o artigo 589.º do Código Civil.
BB. Ora, para que a sub-rogação aqui em apreço seja válida exige-se uma declaração expressa de vontade nesse sentido, manifestada até ao momento do ato de cumprimento da obrigação.
CC. O que não aconteceu no caso concreto.
DD. Isto porque, embora tenha sido celebrado um Acordo de Cooperação entre o Município de Benavente e a Autora, aqui Recorrida, a verdade é que nesse Acordo o Município de Benavente não cedeu, expressamente, como a lei exige, à Autora, aqui Recorrida, quaisquer direitos (ou créditos) que a mesma alegadamente teria sobre os moradores.
EE. E mesmo que assim se entendesse, que através do referido Acordo de Cooperação, o Município de Benavente haveria transferido à Autora, aqui Recorrente, quaisquer direitos (ou créditos) que a mesma alegadamente teria sobre os moradores, a verdade é que nunca poderia ser sobre todos os moradores, sem exceção, mas apenas sobre os associados da Associação.
FF. Isto porque o Acordo de Cooperação foi celebrado pelo Município de Benavente e pela Autora, aqui Recorrida, que é uma Associação e que como tal só poderá vincular as pessoas e /ou outras entidades que sejam seus Associados e não outras pessoas e/ou outras entidades que não sejam suas Associadas.
GG. Sob pena de ser coartado o direito de associação que se encontra previsto no artigo 46.º da Constituição da República Portuguesa.
HH. Portanto, a tese apresentada pelo Tribunal a quo no sentido de que os Réus, aqui Recorridos, terem, que pagar as contribuições periódicas à Autora, aqui Recorrida, por conta da sub-rogação pelo credor não faz, salvo melhor opinião, qualquer sentido.
II. Não nos podemos esquecer que estamos sempre a falar de uma Associação, à qual a Ré, aqui Recorrente, não pertence (cfr. Facto 15 dado como provado), bem assim como não pertencem à mesma os Réus habilitados, também aqui Recorrentes, e que por essa razão não estão, nem podem estar vinculados a quaisquer contratos e/ou Acordos que a mesma venha a fazer com entidades terceiras.
JJ. Acresce que, e mesmo que se entendesse que no caso dos autos se encontram verificados os pressupostos legais para a existência de uma sub-rogação pelo credor, o que não se aceita, não se percebe como é que através deste caminho se poderia condenar os Réus ao pagamento das contribuições periódicas que são estipuladas como quotas, pela Autora, aqui Recorrida, que é uma Associação.
KK. Ora, desde logo, não pode a Autora, aqui Recorrida, estipular o pagamento de quotas a pessoas e/ou entidade que não sejam suas Associadas.
LL. Pelo que, nunca faria sentido que os Réus, aqui Recorrentes, não Associados, fossem condenados, mesmo através do instituto da sub-rogação pelo credor, ao pagamento das quotas que foram deliberadas pela Autora, aqui Recorrida.
MM. Sem olvidar que, o instituto aqui em causa, a aplicar-se aos presentes autos, o que não se aceita, sempre teria por base os direitos que a Autora alegadamente teria sobre os moradores e, portanto, nunca poderia estar em causa o pagamento de contribuições periódicas, mas apenas os valores que viessem a ser apurados por referência a esses direitos, na respetiva quota-parte.
NN. Pelo que, sempre teriam os Réus, aqui Recorrentes, que ser absolvidos do pedido.
OO. Acresce ainda que, o Tribunal a quo decide no sentido de que, acaso não se entendesse ser de aplicar o instituto da sub-rogação pelo credor ao caso em apreço nos presentes autos, sempre seria de convocar o instituto do enriquecimento sem causa previsto nos artigos 473.º e ss. do Código Civil, para reconhecer à Autora, aqui Recorrida, o direito a ser indemnizada pelos Réus, aqui Recorrentes, no valores correspondente à sua quota parte nas despesas incorridas com o alegado cumprimento das obrigações resultantes do referido Acordo de Cooperação.
PP. O Tribunal a quo, ao seguir, mesmo que em segundo plano, o caminho do enriquecimento sem causa, violou o artigo 473.º do Código Civil.
QQ. Ora, tendo em conta o n.º 1 do artigo supra referido resulta evidente que este instituto não se aplica ao caso aqui em apreço, isto porque, os Réus, aqui Recorrentes, não enriqueceram à custa da Autora, aqui Recorrida, pelo que não terão que restituir nada à mesma.
RR. Veja-se que, a área de proteção e enquadramento cuja gestão a Autora, a aqui Recorrida, refere que efetuou, e embora se considere, de acordo com o já supra referido, que não foi produzida qualquer prova nesse sentido, a mesma não diz respeito a qualquer parte comum a todos os moradores, sendo sim a mesma pertencente ao domínio público, pelo que, tendo a Autora, aqui Recorrida, efetuado a referida gestão, o que repita-se não se aceita, nunca os Réus, aqui Recorrentes, por conta da referida gestão haveriam enriquecido à custa da Autora, aqui Recorrida.
SS. Acresce ainda que, de acordo com os n.ºs 1 e 2 do artigo supra referido, e mesmo que estivesse em causa o regime do enriquecimento sem causa, a verdade é que a restituição sempre teria que ter por base os valores que haveriam sido despendidos pela parte contrária, na respetiva proporção, e nunca quotas, por referência às quais nunca foi estabelecida qualquer correspondência com os valores que alegadamente havia sido despendidos.
TT. No n.º 1 do artigo 473.º do Código Civil é referido expressamente que “(…) é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”, e, portanto, nunca poderiam os Réus ser condenados ao pagamento das contribuições periódicas que foram deliberadas pela Autora, aqui Recorrida, anos antes da celebração do referido Acordo de Cooperação.
UU. As contribuições e/ou quotas cujo pagamento a Autora, aqui Recorrida, peticionou foram deliberadas em 30/01/2010 e o Acordo de Cooperação celebrado entre o Município de Benavente e a Autora, aqui Recorrida, foi celebrado em 27/04/2016.
VV. Pelo que, também por esta razão, não poderiam os Réus, aqui Recorrentes, …, … e … (os dois últimos apenas na qualidade de herdeiros de …), aqui Recorrentes, ser condenados a pagar à Autora, aqui Recorrida, a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), corresponde às contribuições de Agosto de 2014 a Junho de 2019, pelos lotes n.ºs 65 e 616, acrescidas de juros à taxa de natureza civil, que até à data é de 4%, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, nem sequer ser condenados ao pagamento à Autora, aqui Recorrida, das quantias que se vençam mensalmente, a título de contribuições periódicas referentes às despesas relacionadas com os serviços de segurança e manutenção dos espaços verdes, dos demais espaços de utilização comum e da vedação exterior, enquanto mantiverem a qualidade de proprietários dos referidos lotes e enquanto for a Autora prestar estes serviços, acrescidas dos juros de mora, desde a data de vencimento até efetivo pagamento.
WW. Impondo-se a absolvição dos mesmos!
Termos em que, em conformidade com o exposto e requerido, deve ser dado provimento ao recurso e por conseguinte ser revogada a sentença que julgou totalmente procedente a ação interposta pela recorrida.
Certo de que assim se fará a costumada Justiça!». *
A parte contrária apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
* II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da existência de:
i) Nulidade por violação do disposto na alínea c) do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
ii) erro na fixação da matéria de facto.
iii) erro na aplicação do direito.
* III – Matéria de facto apurada: 3.1 – Factos Provados:
1. A Autora é uma associação sem fins lucrativos, constituída por escritura pública, em 21/07/2009, que tem por fim promover a protecção e defesa dos interesses dos associados, no âmbito da segurança, higiene e demais condições de digna habitabilidade, bem como a defesa do ambiente e qualidade de vida e património natural e cultural da área inerente e circundante a (…).
2) Por deliberação da sua assembleia-geral realizada em 26/07/2009 foi aprovado o Regulamento Interno da (…) – Associação de Proprietários de … [ou apenas …].
3) Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Regulamento Interno da (…) «são fins da Associação promover a protecção e defesa dos interesses dos Associados e demais proprietários de (…), no âmbito da segurança, limpeza, conservação, manutenção e demais condições de digna habitabilidade, defesa do ambiente, qualidade de vida e património natural e cultural da área inerente e circundante a (…), conforme determinado no alvará de loteamento do empreendimento».
4) Nos termos do disposto no n.º 2 do citado artigo 1.º, para prossecução dos fins enunciados, são competências da (…), entre outras, assegurar a segurança, limpeza, conservação e manutenção da zona do empreendimento.
5) Nos termos do disposto no artigo 3.º do pacto de constituição da (…) constituem receitas da associação, entre outras, o produto das quotizações fixadas pela assembleia-geral.
6) Segundo o artigo 5.º do Regulamento Interno da (…) constituem receitas da associação, entre outras, «as importâncias provenientes do pagamento de quotas» e, ainda, «as quantias pagas pelos proprietários de lotes de (…) que não sendo associados devam proceder ao pagamento de determinada quantia para fazer face às despesas da Associação no interesse de todos os Proprietários».
7) Nos termos do disposto no artigo 6.º do Regulamento Interno da (…), «a quota será mensal, podendo o seu pagamento ser feito em conjunto, anual, semestral ou trimestral. No caso de proprietários de terrenos sem construção, o pagamento deverá ser semestral ou anual».
8) Nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do mesmo Regulamento Interno «o valor da quota é estabelecido em Assembleia Geral convocada para o efeito, por proposta da direcção».
9) Sob a Ap. (…), de 2001/02/15, da respectiva matrícula predial mostra-se registada a aquisição a favor de (…) e (…), por compra à “Companhia (…) da Herdade da (…), S.A.”, do prédio urbano correspondente ao lote n.º 65, descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente, sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), e sob a Ap. (…), de 2001/02/15, da respectiva matrícula predial mostra-se registada a aquisição a favor de (…) e (…), por compra à “Companhia (…) da Herdade da (…), S.A.”, do prédio urbano correspondente ao lote n.º 616, descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente, sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…).
10) Os prédios referidos em 9) integram-se no alvará de loteamento número (…), emitido pela Câmara de Municipal de Benavente em 21/12/1998.
11) Sob a Ap. (…), de 09/04/1999, da matrícula do prédio referido em 9), encontra-se registada a emissão do alvará de loteamento n.º (…) com o seguintes termos: «Autorizada a constituição de 673 lotes (…) A fim de interpor o domínio público municipal é a área total de 1.113.906,5 m2 – A gestão da área de protecção e enquadramento será garantida pelos futuros moradores ou grupo de moradores, mediante a celebração de «acordo de cooperação» entre estes e a Câmara Municipal como previsto no artigo 18.º do Dec.-Lei n.º 448/91, condição de cedência ao domínio público da referida área e que será assumida pelos loteadores até à recepção definitiva das obras de urbanização (…);».
12) Por deliberação da assembleia-geral da (…), realizada em 30/01/2010 foram estabelecidos os seguintes valores respeitantes às contribuições mensais a pagar pelos proprietários dos lotes situados no empreendimento de Santo Estevão:
(i) 25 Euros – lotes de terreno de 1.000 m2 e 2.000 m2;
(ii) 35 Euros – lotes com moradia edificadas.
13) Em 27/04/2016 foi celebrado um acordo administrativo de cooperação entre o Município de Benavente, intitulada de primeira outorgante e a Autora, intitulada de segunda outorgante, mediante o qual esta se obrigou a garantir a limpeza e higiene, manutenção e a conservação das áreas de protecção e enquadramento e das áreas afectas a espaços livres públicos, a conservação e manutenção do circuito de manutenção, a conservação e manutenção da vedação limítrofe da urbanização, a replantação de novas espécies vegetais, paisagisticamente adequadas, efectuar a gestão florestal das áreas protecção e enquadramento e das áreas afectas a espaços livres públicos, elaborar plano de vigilância e segurança, a manutenção de um sistema de segurança tendo em vista obviar a degradação do espaço, equipamentos públicos e zonas verdes do loteamento urbano da Vila Nova de Santo Estevão, constando do mesmo os seguintes considerandos e cláusulas:
«Considerando que:
1) O Alvará n.º (…) titula a operação de loteamento e a 1.ª fase da execução das obras de urbanização, em (…).
(…)
4) À presente data, no que respeita à 1.ª fase de execução das obras de urbanização do loteamento encontram-se recebidas definitivamente pela Câmara Municipal todas as infraestruturas, exceptuando parte residual de plantações, sementeiras e de circuito de manutenção, no âmbito de arranjos exteriores (o que é extensível às 2.ª e 3.ª fase – A das obras de urbanização, entretanto tituladas por aditamentos ao alvará de licença de loteamento inicial, respectivamente, datados de 08.05.1999 e de 27.12.2005);
(…)
7) Assim sendo, por razões de racionalidade e operacionalidade de meios e porque as infraestruturas públicas do loteamento de (…) constituem-se como um espaço que é e será essencialmente fruído pelos atuais e pelos futuros moradores nos lotes constituídos, se justifica que a sua gestão e manutenção seja atribuída a uma única entidade representativa dos mesmos.
Cláusula Primeira
Objecto
O presente acordo tem por objecto as partes da área de Protecção e Enquadramento e das áreas Afectas a Espaços Livres Públicos correspondentes às fases 1.ª, 2.ª, e 3.ª A das obras de urbanização do loteamento urbano de (…), melhor identificados no anexo I, bem como toda a área loteada, demarcada por vedação aramada com 8.000 ml seus acessos e caminhos pedonais.
(…)
Cláusula Terceira
Obrigações do Segundo Outorgante
Pelo presente acordo cabe ao Segundo Outorgante
a) garantir a limpeza e higiene, a manutenção e a conservação das áreas da Área de Protecção e Enquadramento e das Áreas Afectas a Espaços Livres Públicos delimitados nos termos da cláusula primeira.
b) assumir a conservação e a manutenção do circuito de manutenção.
c) assumir a conservação e a manutenção da vedação limítrofe da urbanização.
d) promover a replantação de novas espécies vegetais, paisagisticamente adequados ao local.
e) efectuar a gestão florestal das áreas da Área de Protecção e Enquadramento e das Áreas Afectas a Espaços Livres Públicos delimitados nos termos das cláusulas primeira.
f) promover a elaboração do Plano de Vigilância e Segurança (adianta designado por Plano) a área definida na cláusula primeira.
g) vigiar e manter um sistema de segurança em toda a área objecto do presente acordo de cooperação, de forma a evitar qualquer degradação do espaço, equipamentos públicos e zonas verdes.
Cláusula Quarta
Obrigações do Primeiro Outorgante
Pelo presente acordo, cabe ao Primeiro Outorgante, em respeito do interesse público visada pela celebração do presente acordo:
(…)
h) acompanhar e fiscalizar a execução do acordo, nomeadamente no que respeita ao cumprimento pelo Segundo Outorgante das obrigações assumidas, bem como prestar o apoio técnico que se justifique, mediante análise casuística conjunta;
i) acompanhar e fiscalizar a execução do plano de vigilância e segurança referida na cláusula anterior;
j) desenvolver os necessários contactos com as autoridades locais, em particular com as forças de segurança e protecção civil, de modo a possibilitar o apoio articulado destas, às tarefas cobertas pelo mesmo plano de vigilância e segurança. 8…)
Cláusula Oitava
Prazo de Vigência
O presente acordo de cooperação é celebrado pelo prazo de cinco anos, contados a partir da data da sua outorga, prorrogável por períodos iguais e sucessivos, salvo rescisão expressa pelo Primeiro Outorgante, por razões de interesse público, devidamente fundamentado.»
14) Os prédios urbanos mencionados em 9) não têm moradia edificada.
15) A Ré não é associada da Autora.
16) A Ré não efectuou o pagamento das contribuições mensais objecto da deliberação mencionada na alínea 12), no valor de 1.500 Euros relativo aos meses de Agosto de 2014 a Julho de 2019, referente ao prédio 65, e no valor de 1.500 Euros relativo aos meses de Agosto de 2014 a Julho de 2019, referente ao prédio 616.
17) A gestão da área de protecção e enquadramento transferida para o Município de Benavente, nos termos do alvará de loteamento referido em 11) tem sido assegurada exclusivamente pela Autora, ao abrigo do acordo de cooperação celebrado com essa edilidade, através da prestação dos serviços mencionados na alínea 13), cujos custos são suportados pela Autora. * 3.2 – Factos não provados[1]:
Com relevância para a decisão da causa, julgam-se não provados os seguintes factos:
a) A Autora exigiu aos Réus o pagamento das contribuições mencionadas na alínea 16) supra em momento anterior à propositura desta acção.
b) Dispõe a cláusula quinta do contrato promessa de compra e venda celebrado entre a “Companhia (…) da Herdade da (…), SA”, a loteadora do empreendimento de (…), e os promitentes-compradores dos lotes que o constituem, que «a fim de preservar a qualidade do empreendimento, a segurança dos utentes e assegurar a manutenção de um elevado nível de conservação dos espaços verdes e de utilização colectiva, o segundo contratante obriga-se a, após a data da outorga da escritura da ora prometida compra e venda, contribuir para o pagamento das despesas relacionadas com a segurança e manutenção dos espaços verdes, dos demais espaços de utilização comum e da vedação exterior, contribuição que, durante o ano de 2001, não excederá o montante de 4.000$00 / mês / lote e deverá ser paga à ‘Associação de Proprietários de (…)’, a constituir”, conforme minuta utilizada para a celebração dos contratos promessa que se junta e dá por inteiramente reproduzida».
c) A falta de pagamento das contribuições devidas pelos proprietários põe em risco a segurança dos moradores e a segurança dos seus bens, assegurada pelos serviços de vigilância, bem como a limpeza, higiene, conservação dos espaços verdes e manutenção dos equipamentos.
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IV – Fundamentação: 4.1 – Nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil:
É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Cód. Proc. Civil).
A este propósito, Alberto dos Reis refere «dois tipos de sentença viciada: a sentença injusta e a sentença nula. A primeira enferma de erro de julgamento; a segunda enferma de erro de actividade (erro de construção ou formação»[2].
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica: se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial[3].
Na concepção de Antunes Varela «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro de construção do silogismo judiciário»[4].
Está sedimentada na doutrina e na jurisprudência a ideia de esta nulidade se verifica quando existe um vício real no raciocínio do julgador, na medida em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue direcção distinta.
A nossa lei impõe que o silogismo da decisão se ache correctamente estruturado por forma a que a conclusão extraída corresponda às premissas de que ele emerge e a desconformidade não está no conteúdo destas mas no processo lógico desenvolvido. E essa oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta, pois quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento. Se, ao invés, ocorrer a assinalada desconformidade, a decisão é nula por contradição entre a fundamentação lavrada e o segmento decisório[5][6].
Em síntese, a nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, só acontece quando aqueles conduzirem a uma decisão diferente.
Analisada a estrutura da decisão e as conexões existentes entre os motivos de facto e de direito a que faz apelo e o veredicto final verifica-se que existe uma lógica na arquitectura da sentença e, dessa forma, a invocada nulidade não se verifica.
Aliás, no conjunto de factos, considerações e conclusões tiradas pelos recorrentes parece incontroverso que os mesmos não colocam em causa o erro de construção do silogismo judiciário mas antes se dirigem claramente à injustiça do decidido, embora tenham invocado a aludida nulidade.
Se a interpretação e a relevância que a sentença deu a certos factos e se a conclusão que deles se extraiu foram, ou não, as mais correctas, é questão que tem a ver com o mérito da decisão e com um eventual erro de julgamento, mas que nada tem a ver com a construção lógica da sentença que se mostra correctamente formulada.
Assim sendo, também carece de fundamento a arguição efectuada ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
* 4.2 – Matéria de facto:
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de 1ª instância que deu como provados certos factos pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
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Os recorrentes discordam da matéria de facto apurada pela 1ª instância pretendendo que seja alterada a factualidade inscrita no ponto 17[7].
O Tribunal a quo justificou a mencionada opção com base «essencialmente no depoimento de (…), conjugado com o referido acordo de cooperação e certidão do registo predial.
(…) explicou, de forma suficiente e concordante, todo o circunstancialismo que norteou a constituição da associação autora, a sua razão de ser e o seu propósito, que de resto são os que se retiram já dos factos provados das alíneas 1) a 8), e 10) a 13).
Explicou, ainda, a origem e execução do acordo de cooperação celebrado entre a autora e o Município de Benavente, para concretização da gestão da zona de protecção e enquadramento da (…), nos termos determinados no alvará de loteamento, e a prestação de serviços pela autora para concretização desse acordo, cujos custos são suportados por si e para cujo financiamento a autora exige o pagamento de contribuições ou quotas mensais a todos os proprietários de lotes integrados no empreendimento, sejam seus associados ou não.
Mais, explicou os serviços concretamente executados pela autora, relativamente aos quais o Tribunal se convenceu terem cabimento no acordo de cooperação celebrado com a edilidade de Benavente, assim como na actividade de gestão da zona de protecção e enquadramento a que alude o alvará de loteamento,
Finalmente, referiu o mesmo que os réus (assim como alguns outros proprietários do empreendimento) têm vindo a recusar o pagamento dessas contribuições à autora, por entenderem que, não sendo seus associados, também não têm que se subordinar à sua vontade e actuação.
O depoimento desta testemunha prevaleceu, pela credibilidade que lhe atribuímos e por não se mostrar contrariado por outros elementos de prova».
Em contraponto, os recorrentes afirmam que «o depoimento de (…), só por si, não é suficiente para que o Tribunal a quo dê como provado o facto 17», que a testemunha se limitou a referir que efectuou a alegada gestão e que o mesmo tem um interesse na presente acção, «o que coloca em causa a isenção das suas declarações».
Concluindo que o Acordo de Cooperação e a Certidão do Registo Predial, não levam «sem mais, à certeza de que os serviços foram efetivamente prestados e pagos pela Autora».
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Foi ouvida toda a prova e analisada a documentação presente nos autos.
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O sistema judicial nacional combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal, posto que, a partir da prova pessoal obtida e da análise do teor dos documentos existentes nos autos ou doutra fonte probatória relevante, tomando em consideração a análise da motivação da respectiva decisão, importa aferir se os elementos de convicção probatória foram obtidos em conformidade com o princípio da convicção racional, consagrado pelo n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
A valoração da prova deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada[8].
A jurisprudência mais avalizada firma o entendimento que a «prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos.
Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, directamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido»[9].
Neste enquadramento jurídico-existencial, a credibilidade concreta de um meio individualizado de prova tem subjacente a aplicação de máximas de experiência comum que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se objectiva e se afere em determinado contexto histórico e jurídico, à luz da sua compatibilidade lógica com o sentido comum e com critérios de normalidade social, os quais permitem (ou não) aceitar a certeza subjectiva da sua realidade[10].
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Dessa análise global da prova resulta que não existe qualquer fundamento para desvalorizar a prestação probatória de (…) e de todo o enquadramento não existe qualquer dúvida que a Autora prestou os serviços relacionados com a gestão da área de protecção e enquadramento da “Associação de Proprietários de (…)”.
Não existe assim qualquer motivo para considerar não provada a factualidade em causa e esta realidade inscrita nos factos provados não foi infirmada de forma sustentada por qualquer prova produzida.
Neste enquadramento, não existe qualquer erro na avaliação da prova. Aliás, o aqui relator vem pugnando que a alocução fundamento para impor decisão diversa, nos termos proclamados pelo n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória antes exige que o juízo efectuado pela Primeira Instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova[11]. E esse lapso não existe, face à dinâmica da prova e ao confronto valorativo entre as fontes probatórias.
Não há qualquer modificação a introduzir na decisão de facto, seja a pedido da recorrente nos termos em que o fez, seja a título oficioso. Deste modo, a decisão de facto mostra-se assim consolidada e é com base nesses factos que será realizada a apuração de subsunção subsequente.
* 4.3 – Do erro de direito:
A relação contratual em que existe uma cláusula de transmissão da posição da vendedora que cria acessoriamente uma obrigação dos proprietários dos lotes em relação à conservação das partes comuns assume a natureza de obrigação propter rem e tem um conteúdo essencialmente privatístico.
O estatuto do direito real fixa os poderes que ao titular é permitido exercer sobre a res e as restrições ou limites a que esse exercício fica sujeito. Mas, a par disto, o estatuto do direito também pode impor ao titular, e impõe com frequência, deveres de conteúdo positivo. (...) É precisamente em relação a estes últimos que deve falar-se de obrigações reais, ob rem ou propter rem. Trata-se de vínculos jurídicos por virtude dos quais uma pessoa, na qualidade de titular de um direito real, fica adstrita para com outra, titular ou não por sua vez de um ius in re, à realização de uma prestação de dare ou de facere”[12].
As obrigações que derivam deste estatuto não são obrigações que tenham na sua fonte um contrato ou um acto ilícito, porquanto elas derivam da simples circunstância da titularidade de um direito real.
Estas obrigações têm um regime específico respeitante à transmissão do direito real. Na verdade, «o problema da sucessão na obrigação propter rem – de origem legal ou negocial, pouco importa – apenas surge quando, verificados os pressupostos que no estatuto do direito real se mencionem e constituída, assim, a relação obrigacional, ocorra um acto translativo do direito real antes do cumprimento da obrigação»[13].
Prosseguindo, Henrique Mesquita assinala que daqui decorre a existência de obrigações cuja transmissão se impõe para o novo titular do direito real a par de outras em que tal ambulatoriedade não acontece[14].
Ou, na lição de Oliveira Ascensão, a relação propter rem «transmite-se automaticamente a todo o novo titular do direito real» e «é insusceptível de transmissão independente do direito real a que se refere»[15].
Antunes Varela sublinha que, entre outras, estão nessas circunstâncias a obrigação de reparar a coisa comum ou as partes comuns do edifício que constitua objecto da propriedade horizontal[16].
Do teor da escritura pública de constituição da Autora, da acta da sua assembleia-geral realizada em 30/06/2010, do seu regulamento interno, da certidão do registo predial e do acordo administrativo de cooperação celebrado entre a parte activa e o Município de Benavente resulta que estamos perante uma obrigação propter rem.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Regulamento Interno da (…) «são fins da Associação promover a protecção e defesa dos interesses dos Associados e demais proprietários de (…), no âmbito da segurança, limpeza, conservação, manutenção e demais condições de digna habitabilidade, defesa do ambiente, qualidade de vida e património natural e cultural da área inerente e circundante a (…), conforme determinado no alvará de loteamento do empreendimento».
A existência desse acordo de cooperação celebrado entre a Autora e o Município de Benavente tem como objecto a gestão da zona de protecção e enquadramento da (…), nos termos determinados no alvará de loteamento, e a prestação de serviços pela “Associação de Proprietários de (…)” para implementação desse acordo, sendo que, por força desses instrumentos de regulação, os custos são suportados através do pagamento de contribuições ou quotas mensais por parte dos proprietários de lotes integrados no empreendimento, sejam seus associados ou não.
Nos termos do alvará de loteamento compete à loteadora a gestão da referida área de protecção e enquadramento do empreendimento e essa administração passou a ser assegurada pela associação Autora e a supramencionada cláusula 5.ª consubstancia uma cláusula de transmissão da posição da vendedora no acordo celebrado com a compradora.
Neste campo, a associação de moradores/proprietários constituída, em conformidade com o alvará de loteamento, para assegurar a gestão das infraestruturas e dos espaços verdes e de utilização colectiva, integra o elenco dos co-contratantes privados previstos no n.º 1 do artigo 46.º[17] do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, com referência ao artigo 43.º[18] do mesmo diploma.
Efectivamente, no contrato de aquisição está incluída uma obrigação de contribuir para o pagamento das despesas relacionadas com a segurança e manutenção dos espaços verdes, dos demais espaços de utilização comum e da vedação exterior e, assim, face às vinculações reais existentes, a simples aquisição da propriedade implica um conjunto de deveres positivos ao nível da garantia do pagamento de despesas de condomínio.
As condições estabelecidas no alvará vinculam a Câmara Municipal e o proprietário do prédio e os adquirentes dos lotes, desde que constem do registo predial. Neste particular, Henrique Mesquita ensina que a obrigação “propter rem” se transmite sempre para o sub-adquirente do direito real a cujo estatuto se sente geneticamente ligado”[19].
A parte passiva beneficia de serviços de segurança, limpeza e outros que foram contratualizados directamente no instrumento de compra e venda, independentemente de ser ou não associada da Autora.
Não se comunga assim das considerações exaradas na sentença recorrida a propósito do motivo originário e determinante da dívida se basear na sub-rogação e no instituto do enriquecimento sem causa. Em suma, a obrigação de pagar as contribuições necessárias para custear as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, consagrada no artigo 1424.º do Código Civil tem natureza propter rem.
Não está aqui em causa a violação do direito ao associativismo, não sendo necessário que seja associado, pois existe uma vinculação de natureza real que obriga ao pagamento das despesas típicas de condomínio.
Não existe assim qualquer outro argumento recursivo que tenha a virtualidade de proceder, julgando-se improcedente o recurso interposto.
* V – Sumário: (…)
* VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes, com referência ao disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 24/10/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
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[1] Ficou consignado na sentença que: «Inexistem outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão da causa».
[2] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra 1984, pág. 122.
[3] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra 2001, pág. 670.
[4] Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra 1985, pág. 686.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/02/2005, in www.dgsi.pt.
[6] No mesmo sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 09/07/2014, in www.dgsi.pt.
[7] (17) A gestão da área de protecção e enquadramento transferida para o Município de Benavente, nos termos do alvará de loteamento referido em 11) tem sido assegurada exclusivamente pela Autora, ao abrigo do acordo de cooperação celebrado com essa edilidade, através da prestação dos serviços mencionados na alínea 13), cujos custos são suportados pela Autora.
[8] Antunes Varela, Miguel Varela e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, págs. 435-436.
[9] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência de 21/06/2016, in www.dgsi.pt.
[10] Sobre esta matéria ver, em sentido próximo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 19/05/2016, in www.dgsi.pt, que realça que «a prova dos factos assenta na certeza subjectiva da sua realidade, ou seja, no elevado grau de probabilidade de verificação daquele, suficiente para as necessidades práticas da vida, distinguindo-se da verosimilhança que assenta na simples probabilidade da sua verificação».
[11] Por todos podem ser consultados os acórdãos de 30/01/2020, 13/02/2020, 04/06/2020, 08/10/2020, 03/12/2020, 13/05/2021, 30/06/2021, 28/10/2021 e 11/01/2024, entre muitos outros disponíveis na plataforma www.dgsi.pt.
[12] Manuel Henrique Mesquita, Obrigações e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 100.
[13] Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 315.
[14] Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 323.
[15] Oliveira Ascensão, As Relações Jurídicas Reais, Liv. Morais Editora, Lisboa, 1962, pág. 115.
[16] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª ed, Coimbra editora, Coimbra, pág.199.
[17] Artigo 46.º (Gestão das infraestruturas e dos espaços verdes e de utilização coletiva):
1 - A gestão das infraestruturas e dos espaços verdes e de utilização coletiva pode ser confiada a moradores, a grupos de moradores das zonas loteadas e urbanizadas ou a entidades previstas no artigo 7.º, mediante a celebração com o município de acordos de cooperação ou de contratos de concessão do domínio municipal.
2 - Os acordos de cooperação podem incidir, nomeadamente, sobre os seguintes aspectos:
a) Limpeza e higiene;
b) Conservação de espaços verdes existentes;
c) Manutenção dos equipamentos de recreio e lazer;
d) Vigilância da área, por forma a evitar a sua degradação.
3 - Os contratos de concessão devem ser celebrados sempre que se pretenda realizar investimentos em equipamentos de utilização coletiva ou em instalações fixas e não desmontáveis em espaços verdes, ou a manutenção de infraestruturas.
[18] Artigo 43.º (Áreas para espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas, equipamentos e habitação):
1 - Os projetos de loteamento devem prever áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias, equipamentos e habitação pública, de custos controlados ou para arrendamento acessível.
2 - Os parâmetros para o dimensionamento das áreas referidas no número anterior são os que estiverem definidos em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território.
3 - Para aferir se o projeto de loteamento respeita os parâmetros a que alude o número anterior consideram-se quer as parcelas de natureza privada a afetar àqueles fins quer as parcelas a ceder à câmara municipal nos termos do artigo seguinte.
4 - Os espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos e regem-se pelo disposto nos artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil.
[19] Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, 1990, pág. 316.