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ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
RESOLUÇÃO DO ARRENDAMENTO
COMUNICAÇÃO
Sumário
Nos casos em que o fundamento resolutivo do contrato de arrendamento urbano para habitação se inscreve na previsão dos n.ºs 3 e 4 do artigo 1084.º do Código Civil, o senhorio que pretenda resolver o contrato tem à sua disposição a comunicação extrajudicial, a efectuar nos termos prescritos no artigo 9.º do NRAU, e, bem assim, a acção declarativa -a acção de despejo- a que alude o artigo 14.º, n.º 1, do mesmo diploma, podendo optar por uma ou outra via segundo a apreciação que faça sobre a que se apresenta mais favorável à prossecução dos seus interesses. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 935/23.2T8EVR.E1[1]
I. Relatório (…), casada, residente no Bairro do (…), Rua (…), Lote 3, em Évora, instaurou contra (…), viúva, residente na Rua (…), n.º 9, também em Évora, a presente acção declarativa constitutiva, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final: a) fosse declarado resolvido o contrato de arrendamento, objecto dos presentes autos, com fundamento na falta de pagamento de rendas; b) fosse decretado o despejo do local arrendado, por forma a que o mesmo fosse entregue à Autora, em data a fixar pelo Tribunal, completamente livre e devoluto de pessoas e bens e em bom estado de conservação e limpeza, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização; c) fosse declarado que eventuais benfeitorias realizadas no locado são pertença da Autora, não tendo a Ré direito a qualquer compensação indemnizatória, nos termos do contrato de arrendamento celebrado; d) fosse a Ré condenada a pagar as rendas em dívida e as rendas que se vencerem até entrega efectiva do locado; e) fosse a Ré condenada a pagar juros de mora sobre as quantias em dívida desde a citação até efectivo e integral pagamento calculados à taxa legal em vigor de 4%”.
Em fundamento alegou, em síntese, ter celebrado com (…), casado com a Ré sob o regime da comunhão de adquiridos, contrato de arrendamento para fins habitacionais tendo por objecto a cedência da parte correspondente à entrada n.º 9 do prédio urbano sito na Rua (…), n.ºs 1, 3, 5, 7, 9, 11 e 13, em Évora, com início em 01-08-2021 e mediante a retribuição mensal de 300,00 Euros, a vencer no primeiro dia útil de cada mês a que dissesse respeito.
Mais alegou que por morte do arrendatário, que ocorreu em 14-08-2022, o arrendamento transmitiu-se ao seu cônjuge aqui Ré, a qual não procedeu ao pagamento da renda que se venceu em Fevereiro nem nenhuma das que se venceram posteriormente, o que constitui fundamento de resolução do contrato.
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Regularmente citada, a Ré contestou e apresentou defesa por excepção, que caracterizou como peremptória, defendendo que a resolução dos contratos de arrendamento urbano com fundamento na falta de pagamento de rendas só opera validamente mediante comunicação à contraparte nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, norma imperativa, e 9.º, n.º 7, do NRAU, do que resulta não poder ser o contrato resolvido por meio da presente acção.
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A Sr.ª juíza notificou as partes comunicando ser sua intenção conhecer antecipadamente do mérito da causa, nenhuma oposição tendo sido deduzida.
Foi de seguida proferido saneador sentença que, na procedência da acção, decretou como segue:
1. Declarou resolvido o contrato de arrendamento que vigorava entre a Autora (…) e a Ré (…), relativo à entrada pelo n.º 9 do prédio urbano sito na Rua (…), n.º 1, 3, 5, 7, 9, 11 e 13, em Évora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da Freguesia de Canaviais;
2. Condenou a Ré a desocupar e entregar à Autora o imóvel identificado em 1 livre e devoluto de pessoas e bens e no estado de conservação em que o recebeu;
3. Condenou a Ré a pagar à Autora as rendas vencidas desde Fevereiro de 2023 até à data da prolação da sentença, no valor total de 4.200,00 Euros (quatro mil e duzentos euros) [11 meses de 2023 + 3 meses de 2024 x 300,00 Euros]; acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;
4. Condenou a Ré a pagar à Autora uma indemnização no valor de 300,00 Euros (trezentos euros) pela ocupação do imóvel, a vencer-se mensalmente no primeiro dia útil do mês, desde o trânsito em julgado da presente sentença até à efectiva entrega do imóvel locado;
5. Condenou a Ré no pagamento das custas processuais.
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Inconformada, apelou a ré e, tendo desenvolvido nas alegações que apresentou as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
1. Considera o tribunal a quo que não se verifica a excepção impeditiva invocada pela ora recorrente, porquanto os senhorios podem optar livremente pelo meio judicial da acção despejo para obter a resolução do contrato.
2. Contudo, a forma legal de resolução do contrato de arrendamento não se confunde com o meio processual para efectivar a desocupação.
3. O regime de resolução do contrato de arrendamento urbano encontra-se previsto nos artigos 1083.º a 1087.º do Código Civil, o que configura um regime especial e imperativo de resolução de contratos, conforme dispõe o artigo 1080.º do mesmo diploma.
4. A resolução dos contratos de arrendamento urbano com fundamento na falta de pagamento de rendas, para ser válida, terá de operar de acordo com o disposto no artigo 1084.º, n.º 2, do Código Civil.
5. O artigo 9.º, n.º 7, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), estabelece a forma como a referida comunicação deve ser feita.
6. Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, do NRAU, tratando-se o locado da casa de morada de família, a supra-referida comunicação sempre teria de ser dirigida a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia.
7. Tendo falecido o cônjuge que contratou o arrendamento do prédio, o mesmo transmitiu-se para o cônjuge que com ele residia, conforme dispõe o artigo 1106.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, passando as comunicações a terem de ser efectuadas no cônjuge sobrevivo e transmissário do arrendamento, a aqui recorrente.
8. A comunicação resolutiva do contrato não teve lugar.
9. A própria recorrida refere ter enviado apenas uma missiva de interpelação para pagamento dirigida ao então arrendatário, que, como também assume, não foi recebida pela aqui recorrente.
10. Para que o despejo pudesse proceder era necessário que a recorrida tivesse comunicado a resolução do contrato, numa das modalidades referidas no artigo 9.º, n.º 7, do NRAU, feita na pessoa da Recorrente, o que não ocorreu.
11. Atento o carácter imperativo das normas de cessação do contrato de arrendamento, não pode a recorrida fazer cessar o contrato através da presente acção, porquanto não tem aqui aplicação o disposto no artigo 1047.º do Código Civil, enquanto norma geral da locação, uma vez que o artigo 1084.º, n.º 2, do mesmo diploma tem natureza especial em relação a este.
12. A resolução do contrato de arrendamento apenas poderá operar judicialmente nos casos previstos no n.º 1 do artigo 1084.º do Código Civil, norma que não se aplica ao caso concreto.
13. Nos casos de falta de pagamento de rendas, como é o dos autos, a resolução opera obrigatoriamente por comunicação, passando o crivo do incumprimento definitivo, sem prejuízo de, após a mesma produzir efeitos, se recorrer à acção de despejo para obter título suficiente para a restituição do locado.
14. O contrato de arrendamento não foi resolvido nos termos legal e imperativamente impostos, não podendo sê-lo judicialmente.
15. A falta de comunicação da resolução do contrato, nos termos do artigo 1084.º, n.º 2, do Código Civil, artigo 9.º, n.º 7 e artigo 12.º, ambos do NRAU, impede que o mesmo se possa considerar resolvido e, consequentemente, que possa ser decretado o despejo do locado.
16. Tais factos, consubstanciam uma excepção peremptória impeditiva do direito de resolução, de despejo e da consequente entrega efectiva do locado, conforme disposto no artigo 487.º, n.º 2 e artigo 493.º, n.º 1 e n.º 3[2], ambos do Código de Processo Civil.
17. No caso de falta de pagamento de rendas, o senhorio pode recorrer à acção declarativa comum – acção de despejo – não para obter a resolução judicial do contrato, mas apenas para obter a desocupação do locado desde que alegue e prove que resolveu extrajudicialmente o mesmo.
18. Desta feita, impunha-se que a decisão proferida tivesse julgado procedente a excepção peremptória impeditiva fundamentadamente invocada e, consequentemente, ter absolvido na totalidade a recorrente do pedido, conforme dispõe o artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Pediu que na procedência do recurso fosse a acção julgada procedente, com a consequente revogação da sentença recorrida, proferindo-se outra em sua substituição que “declare procedente a excepção peremptória impeditiva invocada pela recorrente”.
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Contra alegou a autora, sustentando naturalmente a manutenção do decidido.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita do objecto do recurso, constitui única questão a decidir determinar se a resolução do contrato de arrendamento urbano para habitação com fundamento na falta de pagamento de rendas pode operar por via da acção declarativa.
* II. Fundamentação De facto
São os seguintes os factos com relevância para a decisão, tal como, sem impugnação, nos chegam da sentença recorrida: 1. Por contrato de arrendamento celebrado em 25-07-2021, a Autora deu de arrendamento a (…) a parte correspondente à entrada pelo n.º 9 do prédio urbano sito na Rua (…), n.ºs 1, 3, 5, 7, 9, 11 e 13, em Évora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da Freguesia de (…); 2. O contrato destinou-se a fins habitacionais e teve início em 01-08-2021, mediante a retribuição mensal de 300,00 Euros, a vencer no primeiro dia útil de cada mês a que dissesse respeito; 3. O arrendatário (…) era casado com a Ré no regime de comunhão de bens adquiridos, tendo vindo a falecer em 14-08-2022; 4. A Ré não efectuou o pagamento das rendas relativas aos meses de Fevereiro de 2023 em diante.
* 2.2. Factos Não Provados:
Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.
* De Direito
Não se mostra controvertido que entre a autora, ora apelada, e o falecido marido da ré foi celebrado contrato de arrendamento urbano para habitação do arrendatário, o qual se transmitiu à Ré por óbito do seu cônjuge, tudo conforme resulta dos artigos 1022.º, 1023.º, 1038.º, 1064.º, 1067.º, n.º 1, 1069.º e 1106.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, todos do Código Civil[3].
A Ré sustenta e insiste nesta via de recurso que a resolução dos contratos de arrendamento urbano com fundamento na falta de pagamento de rendas, para ser válida, terá de operar imperativamente por meio da comunicação a que alude o n.º 2 do artigo 1084.º – admitindo a propositura de subsequente acção de despejo em ordem a obter a entrega do locado –, o que não se verificou. Estando vedado ao senhorio o uso da acção declarativa para obter a resolução do contrato, ocorre, diz, facto impeditivo do pretendido despejo, o que configura uma excepção peremptória (que, em coerência, devia determinar a absolvição da ré/apelante do pedido, nos termos do artigo 576.º, n.º 3), sendo esta a questão que suscita novamente no recurso e aqui cabe (re)apreciar.
O artigo 1079.º refere que “O arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei”, mantendo a imperatividade das normas atinentes à resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano, salvo disposição legal em contrário (cfr. artigo 1080.º).
Estando em causa fundamento resolutivo, interessa à decisão o disposto nos artigos 1083.º e 1084.º.
Epigrafado de “Fundamentos da resolução”, o artigo 1083.º dispõe no seu n.º 1 que qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base no incumprimento pela outra parte. Mas, conforme resulta do disposto no n.º 2, não é qualquer incumprimento que fundamenta a resolução do contrato, exigindo-se que, “pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”, sorte de cláusula geral a cujo crivo terá de ser submetido o ilícito verificado, em ordem a aferir da sua gravidade e consequente susceptibilidade, ou não, de comprometer a subsistência do vínculo contratual, tendo o legislador optado por uma enumeração de fundamentos resolutivos que é claramente exemplificativa, conforme decorre da utilização do advérbio nomeadamente[4]. A cessação do contrato com algum ou alguns destes fundamentos só pode ser feita valer judicialmente como resulta expressamente do n.º 2 do artigo 1084.º e n.º 1 do artigo 14.º do NRAU.
Mas a par da obrigatória resolução pela via judicial, o legislador previu a possibilidade do senhorio proceder à resolução extrajudicial do contrato por mera comunicação ao inquilino quando se verifique qualquer uma das causas taxativamente – assim deve ser entendido por força da imperatividade das normas relativas à cessação do contrato consagrada no citado artigo 1080.º – previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º, a saber: quando o inquilino incorra em mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por sua conta; quando deduza oposição à realização de obra ordenada por autoridade pública; e ainda quando se constitua em mora superior a oito dias no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas num período de doze meses. Trata-se de fundamentos relativamente aos quais “o legislador considerou que pela sua simples verificação, e atenta a objectiva gravidade na vida do contrato, pela quebra no sinalagma que, por si só, representam, integram os conceitos indeterminados de gravidade e inexigibilidade, sem necessidade de recurso à avaliação judicial para sua determinação”[5].
Tendo a autora invocado nos autos o fundamento de resolução previsto no n.º 3 do artigo 1084.º, não se discute que poderia ter resolvido o contrato extrajudicialmente, por comunicação à ora apelante, conforme prevê o n.º 2 do artigo 1084.º, notificação a efectuar nos termos prescritos no artigo 9.º do NRAU. Mas, antecipa-se, não estava vinculada a fazê-lo – sendo certo, acrescenta-se, que mesmo quem defende a impossibilidade de recorrer à acção declarativa, entende que a inobservância do recurso à via extrajudicial configura a excepção dilatória da falta do interesse em agir (por ter o senhorio recorrido desnecessariamente ao tribunal, uma vez que a lei lhe faculta a resolução por meio de comunicação extrajudicial, cabendo-lhe depois, quer para obter a entrega do locado, quer para receber as quantias reclamadas, recorrer ao procedimento especial de despejo previsto no artigo 15.º e segs. do NRAU)ou eventualmente da incompetência do tribunal em razão da matéria.
A propósito da questão aqui mais uma vez suscitada, a jurisprudência vem-se alinhando no sentido do entendimento adoptado na sentença recorrida, ou seja, o senhorio tem à sua disposição a via extrajudicial, podendo no entanto recorrer à denominada “acção de despejo” (na terminologia do artigo 14.º, n.º 1, do NRAU), cabendo-lhe optar, de acordo com a sua avaliação, pela via que se apresente como a mais vantajosa à prossecução dos seus interesses. Conforme fez a autora aqui apelada, que até esclareceu as razões que a determinaram a optar pela via judicial, embora não carecesse de o fazer.
A este propósito, faz-se notar no acórdão do TRP de 19 de Maio de 2020 (processo n.º 1918/8.0T8PVZ.P1, acessível em www.dgsi.pt), que, na sequência da revisão do NRAU operada pela Lei, a lei deixou de atribuir à comunicação da resolução do contrato força de título executivo. A comunicação de resolução do contrato, que passou a admitir, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, a notificação por carta registada com aviso de receção (alínea d) do n.º 7 do artigo 9.º) passará a instruir o procedimento especial de despejo, instituído pelo NRAU (revisto) no artigo 15.º”. Ou seja, se apesar da resolução operada pela comunicação o inquilino não proceder à entrega do locado no prazo convencionado ou, na falta de acordo ou convenção, no prazo regra de 1 mês previsto no artigo 1087.º, o senhorio terá de recorrer ao PED, instruindo o seu pedido com o contrato e a comunicação resolutiva, em ordem a obter o título que lhe permita obter coercivamente a entrega.
Deste modo, não dispondo o senhorio de título executivo prévio à acção não poderá falar-se em recurso desnecessário ao tribunal.
De outro lado, nada na letra da lei aponta no sentido do artigo 1048.º[6] não ser igualmente aplicável aos arrendamentos urbanos, incluindo naturalmente os destinados a habitação, porquanto, inserida embora tal disposição no regime geral da locação, a verdade é que razão não se vislumbra para discriminar negativamente aqueles senhorios, limitando o seu direito de acção. Acresce que a Lei 31/2012, de 14 de Agosto, que operou a revisão do NRAU, aditou até ao preceito o n.º 4, cujo teor aponta no sentido da sua aplicação abranger também os contratos desta natureza, sem que se surpreenda na exposição de motivos das propostas de lei que estiveram na origem de cada um dos diplomas intenção diversa (destacando este último aspecto, com análise circunstanciada, o acórdão do TRP acima citado).
Por último, e conforme argumenta o STJ no acórdão datado de 14/9/2021 (processo n.º 407/19.0T8ENT.E1.S1, acessível também em ww.dgsi.pt), “Se a vontade legislativa fosse a de decisivamente separar o âmbito de aplicação dos procedimentos com a obrigação de haver exclusividade relativamente a cada um deles com exclusão do outro, seguramente que teria deixado expressa essa determinação que não encontramos na interpretação das normas em apreço. Aliás, alterando o RAU onde o exercício do direito de resolução do senhorio tinha de ser sempre decretado judicialmente (artigo 1047.º do CC e 63.º, n.º 2, do RAU), a Lei 6/2006 passando a admitir uma outra possibilidade extrajudicial, determinou que quando o fundamento resolutivo caiba numa das causas previstas do n.º 2 do artigo 1083.º do CC, a resolução deverá ser decretada nos termos da lei do processo com recurso à ação de despejo (artigo 14.º do NRAU). Então, neste contexto sistemático, se o legislador advertiu a obrigatoriedade de nesses previstos casos o meio admissível ser o judicial, julgamos que se porventura quisesse criar uma outra obrigatoriedade para casos em que só através da via extrajudicial (do PED) os senhorios se poderiam socorrer, tê-lo-ia deixado expresso e não o fez”.
Finalmente, a imperatividade das normas atinentes às diversas formas que pode revestir a cessação do contrato e respectivos fundamentos em nada colide com a facultatividade do recurso à via extrajudicial prevista para os casos de resolução previstos na lei, nomeadamente, e como é aqui o caso, quando o inquilino se encontre em mora superior a três meses quanto à obrigação de pagamento da renda, visando antes o regime substantivo (implicando, por exemplo, que às partes fique vedado estipularem novos e diferentes fundamentos de resolução sem exigência de que revistam a gravidade comprometedora da manutenção do vínculo contratual).
Em suma, e tal como ficou decidido na decisão recorrida, nos casos em que o fundamento resolutivo do contrato de arrendamento urbano para habitação se inscreve na previsão dos n.ºs 3 e 4 do artigo 1084.º, o senhorio que pretenda resolver o contrato tem à sua disposição a comunicação extrajudicial, a efectuar nos termos prescritos no artigo 9.º do NRAU e, bem assim, a acção declarativa – a acção de despejo – a que alude o artigo 14.º, n.º 1, podendo optar por uma ou outra via segundo a apreciação que faça sobre a que se apresenta mais favorável à prossecução dos seus interesses (vide, neste sentido, para além dos arestos já citados, os acórdãos deste mesmo TRE de 25/11/2021, processo n.º 1605/20.9T8SLV.E1 e do TRP de 28/10/2021, no processo n.º 257/19.3T8STS.P1), sendo que o acórdão citado pela apelante não visava situação idêntica à dos autos, uma vez que o ali autor havia procedido à resolução extra judicial do contrato, sem que tivesse recorrido posteriormente ao PED para obter título de desocupação do imóvel, o que se revelou determinante para a solução ali adoptada, contando embora com um douto voto de vencido da 2ª adjunta).
Improcedentes os fundamentos do recurso, impõe-se a confirmação do saneador sentença recorrido.
* III. Decisão Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
* Sumário: (…)
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Évora, 25 de Outubro de 2024
Maria Domingas Alves Simões
Ana Margarida Carvalho Leite
José Manuel Tomé de Carvalho
__________________________________________________
[1] Exm.ºs Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos:
1ª adjunta: Sr.ª Juíza Des. Ana Margarida Carvalho Leite;
2º Adjunto: Sr. Juiz Des. José Manuel Tomé de Carvalho.
[2] Quereria a apelante referir-se aos artigos 571.º e 576.º do Código do Processo Civil em vigor e que sucederam aos artigos 487.º e 493.º do Código de Processo Civil cessante.
[3] Diploma a que pertencerão os demais que vierem a ser citados sem menção de origem.
[4] A interpretação do n.º 2 do artigo 1083.º e sua relação com o n.º 1 do preceito tem suscitado dúvidas interpretativas, não faltando quem defenda que, verificada uma das situações típicas de incumprimento especialmente previstas nas diversas alíneas do n.º 2, com potencial aptidão para, de per se, fundamentar a resolução do contrato, é de presumir que a violação assume a gravidade pressuposta pela norma para tornar inexigível ao senhorio a manutenção do contrato, cabendo ao inquilino fazer prova da escassa relevância do ilícito no programa contratual (cfr. acórdãos do TRP de 8 de Maio de 2010, proc. n.º 451/09.4TJPRT.P1; do TRL de 8/1/2012, processo 18056/09.9T2SNT.L1-6, e TRC de 4/6/2014, processo 2603/10.6TBCBR.C1), a par de outros que consideram que estamos perante fundamentos resolutivos bastantes, pelo que da sua objectiva verificação já decorreria a gravidade exigida pela previsão legal (neste preciso sentido aresto do TRP de 14 de Abril de 2015, processo 306/13.9T2ETR.P1, acessível também em www.dgsi.pt). A enunciação pelo legislador daquelas específicas violações contratuais, e não de outras, fazendo valer a presunção consagrada no artigo 9.º do CC de que consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, teria como finalidade destacar que se trata de ilícitos que ferem o contrato na sua essência, tendo “um conteúdo valorativo crescentemente tão negativo, que a sua gravidade se torna apriorística” (Leis do Arrendamento Urbano Anotadas 2014, coordenação do Prof. Menezes Cordeiro, pág. 234), maneira que da sua verificação decorreria a gravidade que torna inexigível para o senhorio que mantenha o contrato. Trata-se, todavia, de questão que não releva para a solução do caso que nos ocupa.
[5] Cfr. Albertina Pedroso, no estudo “A Resolução do Contrato de Arrendamento no Novo e Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano”, in Revista JULGAR, n.º 19, pág. 49.
[6] É o seguinte o teor do preceito:
1 - O direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da ação declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º.
2. O locatário só pode fazer uso da faculdade referida no número anterior uma única vez, com referência a cada contrato.
3. O regime previsto nos números anteriores aplica-se ainda à falta de pagamento de encargos e despesas que corram por conta do locatário.
4. Ao direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido extrajudicialmente, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1084.º.