EXECUÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
RECURSO DE APELAÇÃO
Sumário

O despacho proferido em 1ª Instância julgando não verificada a exceção dilatória inominada da falta da condição de procedibilidade, determinando que a execução deverá prosseguir os seus trâmites normais, não admite recurso autónomo de apelação.

Texto Integral

Acordam em Conferência os Juízes no Tribunal da Relação de Évora

Foi proferida a seguinte decisão pela ora relatora:
«Da inadmissibilidade do presente recurso
Os autos consistem em processo executivo instaurado pelo Banco (…), SA contra (…), a 22/02/2018, para cobrança de € 22.264,23 (vinte e dois mil, duzentos e sessenta e quatro euros e vinte e três cêntimos) decorrente de subscrição de livrança.
O presente recurso vem interposto pelo Executado do despacho que, apreciando sua pretensão de extinção da execução por falta de integração no PERSI, com a consequente devolução da quantia penhorada a título de IRS, da viatura penhorada, da quantia de € 10.000,00 por si paga e cancelamento da penhora que incide sobre as ações (…), decidiu conforme segue:
«Do exposto, resulta provado à saciedade, que, ao contrário do alegado pelo Executado (…), o Exequente antes de instaurar a execução integrou-o, por duas vezes, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), pelo que não se verifica a alegada exceção dilatória inominada da falta da condição de procedibilidade, razão pela qual a execução deverá prosseguir os seus trâmites normais, o que se determina.»
O Recorrente pugna pela substituição de tal decisão por outra que declare procedente a exceção dilatória inominada, conduzindo à sua absolvição do executado, extinguindo-se a instância executiva.
Afigurando-se que o recurso interposto não é admissível como recurso autónomo, já que está em causa decisão que, nos próprios autos de execução, julgou não verificada a exceção dilatória inominada da falta de condição de procedibilidade e que indeferiu a pretensão de extinção da execução, fazendo-se menção do regime inserto no artigo 853.º do CPC, determinou-se a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, sobre a inadmissibilidade do presente recurso.
O Recorrente apresentou-se a sustentar que:
- a decisão é absolutamente recorrível;
- não está em causa despacho de mero expediente;
- tem aplicação o regime geral dos recursos;
- são muitos os recursos em que as Relações têm apreciado quando a decisão é de improcedência da exceção.
Ora vejamos.
O artigo 644.º do CPC regula as Apelações autónomas, definindo de que decisões judiciais cabem recursos de apelação. Apenas as decisões que se enquadrem nos regimes previstos no n.º 1 ou no n.º 2 de tal preceito podem ser objeto de recurso autónomo. As demais decisões apenas podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1 – cfr. artigo 644.º, n.º 3, do CPC.
O artigo 644.º do CPC estatui o seguinte:
1 - Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de primeira instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.
No âmbito do processo executivo estabelece-se que aos recursos de apelação e de revista de decisões proferidas no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração e o disposto nos artigos seguintes – artigo 852.º do CPC.
Mais se estabelece, por via do disposto no artigo 853.º do CPC, o seguinte:
1 - É aplicável o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração aos recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da ação executiva.
2 - Cabe ainda recurso de apelação, nos termos gerais:
a) Das decisões previstas no n.º 2 do artigo 644.º, quando aplicável à ação executiva;
b) Da decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução;
c) Da decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda;
d) Da decisão que se pronuncie sobre o exercício do direito de preferência ou de remição.
3 - Cabe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo, bem como do despacho de rejeição do requerimento executivo proferido ao abrigo do disposto do artigo 734.º.
4 - Sobem imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, os recursos interpostos nos termos dos n.ºs 2 e 3 de decisões que não ponham termo à execução nem suspendam a instância.
Em face de tal regime legal, em sede de processo executivo tem aplicação o regime geral estabelecido para o processo de declaração. Para além disso, cabe recurso de apelação das decisões previstas no n.º 2 do artigo 644.º do CPC quando aplicável à ação executiva e, bem assim, cabe recurso das decisões enunciadas nas alíneas b) a d) do n.º 2 do citado artigo 853.º do CPC, do despacho de indeferimento liminar e do despacho de rejeição do requerimento executivo.
Está em causa decisão que indeferiu o requerimento de extinção da execução com fundamento em exceção dilatória inominada.
Em consonância com o regime estabelecido no processo de declaração (cfr. artigo 644.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea c), do CPC), a decisão que determine a suspensão ou a extinção da execução é recorrível autonomamente – cfr. artigo 853.º, n.º 2, alínea b), do CPC. Logo, a decisão que determine não haver lugar à suspensão ou à extinção da instância não é recorrível autonomamente. Na verdade, enquanto que quanto à anulação da venda e ao exercício do direito de preferência a lei atribuiu recorribilidade autónoma a decisão que se pronuncie tais questões (cfr. alíneas c) e d) do citado n.º 2 do artigo 853.º do CPC), quanto à suspensão e extinção da execução a recorribilidade autónoma é atribuída à decisão que as determine.
Não é pelo facto de existirem acórdãos que apreciem a questão que a decisão aqui em causa é recorrível autonomamente. Para além dos casos em que se poderá questionar a recorribilidade, certo é que a decisão tem sempre recurso se constitui indeferimento liminar (artigo 853.º/3, do CPC) ou se apreciou a não integração no PERSI no âmbito de embargos de executado (artigo 853.º/1, do CPC).
Na verdade, tratando-se, como se trata, de pressuposto processual de que depende a regularidade da instância executiva, a falta dele deve ser invocada em oposição à execução deduzida por embargos, no prazo legal – cfr. artigos 728.º/2 e 729.º, alínea c), do CPC. A decisão final proferida em sede de embargos será já objeto de recurso autónomo – cfr. artigos 853.º, n.º 1 e 644.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
Veja-se, nomeadamente, o último acórdão mencionado pelo Recorrente no requerimento que antecede, cujo ponto I estabelece que:
«Em matéria de recursos ao processo executivo são aplicáveis os artigos 853.º e 854.º e, subsidiariamente, o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração, por força do artigo 852.º, sendo que as decisões que ponham termo a procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridas na tramitação da ação executiva – artigo 852.º e n.º 1 do artigo 853.º – bem como as decisões tipificadas nos n.ºs 2 e 3, deste último artigo, todos do CPC, são passíveis apelação autónoma (interposição imediata de recurso)» – Ac. do TRP de 12/04/2021 (12225/07).

Por conseguinte, aplicando-se, como se impõe, o regime previsto no artigo 853.º, n.º 2, alínea b), do CPC, a contrario sensu, cabe concluir que a decisão recorrida não admite recurso autónomo.
Termos em que se indefere o requerimento de interposição do recurso – artigo 641.º, n.ºs 2, alínea a) e 5, do CPC.»

O Recorrente apresentou-se a reclamar para a conferência.
Contra o decidido, invoca o seguinte:
- o despacho é nulo por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia porquanto não apreciou a alegação feita no articulado que traduz o exercício do contraditório de que o despacho de convite ao exercício de tal direito devia ser retificado, atenta a nulidade do mesmo;
- os Tribunais da Relação têm apreciado recursos quando a decisão é de improcedência de exceção – Ac. TRP de 10/03/2022, proc. 8027/14, Filipe Caroço; Ac. TRG de 23/04/2020, proc. n.º 283/08, Jorge Santos;
- o recurso foi interposto no prazo de 15 dias, pelo que é tempestivo;
- no sentido da admissão deste recurso, atendendo a que a decisão não foi proferida em sede de embargos mas de forma avulsa, no processo executivo, já que é questão de conhecimento oficioso que pode ser conhecida a todo o tempo, cfr. Ac. do TRP de 12/04/2021, proc. n.º 12225/07, Eugénia Cunha;
- não subsiste fundamento para a rejeição do recurso, que é legal e tempestivo.

Apreciando
O despacho proferido à luz do disposto no artigo 3.º/3, do CPC apresenta o seguinte teor:
«Afigura-se não ser admissível recurso da decisão que, nos próprios autos de execução, julgou não verificada a exceção dilatória inominada da falta de condição de procedibilidade e que, indeferindo a pretensão de extinção da execução, determinou o prosseguimento da execução – cfr. artigo 853.º do CPC.
Notifique as partes para se pronunciarem, querendo e em 10 dias – artigo 655.º do CPC.»
Dele se colhem os fundamentos tidos por relevantes, que bem entendeu o Recorrente, atenta a resposta que endereçou ao processo, o que retirou razão de ser à alegação de nulidade. O despacho reclamado, ao aludir ao concreto teor do anterior despacho, desde logo evidenciou que o mesmo, por não se cingir à notificação para pronúncia quanto à inadmissibilidade do recurso, não enfermava de nulidade por falta de fundamentação.
É certo que no Ac. TRP de 10/03/2022, citado pelo Reclamante, foi apreciado despacho que julgou inexistir qualquer exceção dilatória inominada.
Tal como consta do despacho reclamado, não é pelo facto de existirem acórdãos que apreciem a questão, no nosso entender desvirtuando o disposto no artigo 853.º/2, alínea b), do CPC, que a decisão aqui em causa é recorrível autonomamente.
Já o citado Ac. TRG de 23/04/2020 não tem qualquer conexão com a questão aqui em apreço, porquanto a decisão ali recorrida pôs termo ao incidente de reclamação das custas, decisão essa que, tal como ali exarado, admite recurso autónomo nos termos do disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea g), do CPC, conjugado com o artigo 853.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
Não está em causa a intempestividade do recurso. Não foi afirmado que a rejeição do requerimento de interposição do recurso tinha fundamento no facto de ter sido interposto fora de prazo. Por isso, não assume relevância a alegação do Reclamante de que o recurso é tempestivo por ter sido interposto no prazo de 15 dias.
No que respeita à circunstância de a decisão não ter sido proferida em sede de embargos mas de forma avulsa no processo executivo, por ser questão de conhecimento oficioso que pode ser conhecida a todo o tempo, cumpre notar que não se pretendeu, no despacho reclamado, colocar em crise o regime inserto no artigo 734.º que, conjugado com o disposto no artigo 573.º/2, do CPC, permite seja deduzida exceção de conhecimento oficioso mesmo depois de decorrido o prazo para a dedução dos embargos de executado (se bem que não assista ao executado o direito a articular novos factos que sustentam a exceção invocada, dada a preclusão decorrente do decurso do prazo para embargar[1]). O que está em causa é a questão da irrecorribilidade autónoma da decisão proferido nos próprios autos do processo executivo no sentido da inexistência de fundamento para a extinção da execução (cfr. artigo 853.º/3, do CPC, nos termos do qual o despacho proferido à luz do disposto no artigo 734.º apenas admite recurso autónomo se for no sentido da rejeição do requerimento executivo), por não se verificar a exceção. Pois que, sendo tal decisão proferida em sede de embargos de executado, a recorribilidade autónoma decorre do disposto no artigo 853.º/1, do CPC.
Relativamente ao Ac. TRP de 12/04/2021, afigura-se que a jurisprudência nele exarada corrobora o teor do despacho reclamado. O sumário é o seguinte:
I - Em matéria de recursos, ao processo executivo são aplicáveis os artigos 853.º e 854.º e, subsidiariamente, o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração, por força do artigo 852.º, sendo que as decisões que ponham termo a procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridas na tramitação da ação executiva – artigo 852.º e n.º 1 do artigo 853.º – bem como as decisões tipificadas nos n.ºs 2 e 3, deste último artigo, todos do CPC, são passíveis apelação autónoma (interposição imediata de recurso);
II - O recurso de apelação da decisão do pedido de anulação da venda, pedido a que se aplicam as regras dos incidentes (n.º 2 do artigo 838.º e artigos 293.º a 295.º do CPC) e que se insere na tramitação normal, própria, da execução (n.º 1 daquele artigo) – não se subsumindo aos casos de “decisões do n.º 2, daquele artigo 644.º”, ex vi da salvaguarda da alínea a) do n.º 2 do artigo 853.º, o mesmo acontecendo quanto a considerar-se não ser de subsumir ao n.º 1 deste artigo, por consagrada tramitação específica e autónoma relativamente à da causa, não enquadrando no n.º 1 do artigo 644.º – subsume-se, por expressa referência, à alínea c) do n.º 2 do artigo 853.º, todos do CPC;
III - O prazo de interposição do recurso de tal decisão é o geral, de 30 dias (1ª parte do n.º 1 do artigo 638.º, ex vi da alínea c) do n.º 2 do artigo 853.º, aquele aplicável por força do artigo 852.º;
IV - Não comportam recurso de apelação despachos interlocutórios que se não subsumam aos n.º 1 a 3 do artigo 853.º nem integra questão a decidir pelo Tribunal a quo, tão pouco se inserindo no objeto do expressamente referido recurso da decisão da anulação da venda, questão que se não prenda com o pedido de anulação da venda e respetiva causa de pedir e com matéria de exceção, concreta e especificadamente, deduzida (…)».
Assim:
- em matéria de recursos, ao processo executivo são aplicáveis os artigos 853.º e 854.º do CPC;
- não admitem recurso autónomo/imediato de apelação os despachos interlocutórios que se não subsumam aos n.ºs 1 a 3 do artigo 853.º;
- o despacho que julgou não verificada a exceção dilatória inominada da falta da condição de procedibilidade, determinando que a execução deverá prosseguir os seus trâmites normais, não se subsume aos n.ºs 1 a 3 do artigo 853.º do CPC.
Donde, o despacho proferido em 1ª Instância julgando não verificada a exceção dilatória inominada da falta da condição de procedibilidade, determinando que a execução deverá prosseguir os seus trâmites normais, não admite recurso autónomo de apelação.

DECISÃO
Por todo o exposto, acordam, em conferência, os juízes nesta Relação em confirmar o despacho reclamado, reiterando os seus precisos termos.

Custas pelo Reclamante.
Évora, 25 de outubro de 2024
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
José Manuel Tomé de Carvalho
Rosa Barroso

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[1] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, CPC Anotado., Vol. I, 2.ª edição, pág. 671.