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ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
Sumário
1 – Na ação de demarcação donde resultou o título dado à execução, o tribunal ao definir as linhas divisórias dos prédios pertencentes a cada uma das partes (prédios confinantes) não fixou qualquer outra obrigação para a aqui apelada senão a de consentir ou contribuir para a demarcação nos termos decididos. 2 - Ocorrendo uma situação de violação da integridade do direito de propriedade da exequente, a sentença dada à execução que se formou no âmbito de uma ação de demarcação não constitui título executivo bastante para a execução da prestação de «entrega da área ocupada e reposição da situação anterior à ilegal ocupação». 3 – É através de uma ação de reivindicação que a exequente deve exigir a tutela da integridade daquele seu direito real, reclamando a restituição ou entrega daquilo que lhe pertence, sendo também nessa ação que a recorrida terá a oportunidade de se pronunciar sobre a pretensão condenatória da contra-parte. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Apelação n.º 1880/19.1T8SLV-A.E1
(2.ª Secção)
Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntas: Rosa Barroso
Ana Margarida Pinheiro Leite
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO I.1.
(…) – Sociedade de Importação, Exportação e Representação, SA, exequente / embargada nos autos de execução que moveu contra (…) Decorações, Sociedade Unipessoal, Lda. interpôs recurso do despacho saneador-sentença proferido pelo Juízo de Execução de Silves, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou procedentes os embargos de executado por falta de título executivo e, consequentemente, determinou a extinção da ação executiva.
A decisão sob recurso, no segmento que ora releva, tem o seguinte teor:
«(…) Do título executivo
Invoca a Embargante que as sentenças de mérito proferidas em acções de simples apreciação não se tratam de títulos executivo e que a sentença da 1ª Instância confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora, vem confirmar os limites de demarcação de dois prédios, tratando-se por isso, de uma sentença de simples apreciação da existência de um direito de cada uma das partes intervenientes na referida acção.
A este respeito, responde a Exequente que na sentença do Processo n.º 231/14.6T8LLE, foram os Réus condenados nos precisos termos da demarcação dos prédios, respetivamente descritos na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…) e sob o n.º (…), da freguesia de Albufeira. Apreciemos:
Nos termos do disposto no artigo 726.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, seria fundamento para indeferimento liminar do requerimento executivo a manifesta a falta ou insuficiência do título.
Por seu turno, estatui o artigo 703.º, n.º 1, do mesmo diploma legal que: “À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”.
Com efeito, a acção executiva baseia-se, necessariamente, num documento (título) que, nesta espécie de acções, constitui, pois, um pressuposto específico daquela acção.
O título executivo assume a dupla qualidade de ser condição necessária e suficiente da acção executiva.
Por um lado, é condição necessária na medida em que não pode haver acção executiva sem título executivo; por outro lado, é também condição suficiente porque basta a existência do título para promover a execução, sem necessidade de indagação, por meio de acção declarativa, acerca da existência do direito material que se pretende efectivar.
Na acção executiva verifica-se, pois, que a mesma não pode ser intentada sem que o exequente esteja munido de um título executivo – nulla executio sine titulo.
Tal princípio encontra eco no artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil que reza o seguinte: “Toda a execução tem por base um título pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva“.
O título executivo terá de ser, por regra, auto-suficiente no que tange à determinação do objecto e da finalidade da execução, revelando por si só os sujeitos activo e passivo da relação obrigacional, correspondendo à necessidade reclamada pelo processo executivo de assegurar, com apreciável grau de probabilidade, a existência e conteúdo da obrigação (vide, entre outros, Abrantes Geraldes, in “Títulos Executivos”, “A Reforma da Acção Executiva”, Themis, Ano IV, n.º 7, 2003, págs. 36 a 38; e Castro Mendes, in “Processo Civil”, vol. III, págs. 197 a 201).
a) Por outro lado, neste campo dos títulos executivos, rege o princípio da legalidade, segundo o qual só pode servir de título executivo e, como tal, suporte necessário e suficiente para uma acção executiva, documento a que seja legalmente atribuída força executiva (vide, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.05.1999, in CJSTJ, tomo II, pág. 82).
Especificamente, o título executivo previsto na alínea a) do artigo 703º diz respeito às sentenças condenatórias, “devendo entender-se como tal qualquer decisão judicial proferida no decurso da tramitação de um processo, mesmo que contendo apenas um segmento de condenação, podendo ocorrer em processos tramitados pelo tribunal cível, laboral, criminal e julgados de paz ou decorrer de decisão arbitral” – vide Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, in A Acção Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 3ª Edição, pág. 146.
Nessa medida, as decisões proferidas nas acções declarativas de simples apreciação prevista no artigo 10.º, alínea a), do Código de Processo Civil podem servir de fundamento a uma acção executiva, desde que contenham uma condenação, nomeadamente, em custas, multa ou indemnização por litigância de má-fé.
A respeito da acção de demarcação, explica-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.04.2018 (Processo n.º 75/15.8T8TMC.G1, Relator: José Alberto Moreira Dias, acessível in www.dgsi.pt) que “Embora conexa com o direito de propriedade, na ação de demarcação não se pretende obter a declaração de qualquer direito real ou da sua amplitude, mas apenas definir as estremas entre dois prédios, propriedade de donos distintos, que ambos aceitam serem proprietários desses seus respetivos prédios, mas em relação aos quais existe uma indefinição das respetivas estremas e, consequentemente, quanto ao domínio relativamente a uma faixa de terreno, no sentido de se saber onde acaba um prédio e começa o outro. (…) A ação de demarcação tem por finalidade e, consequentemente, o seu pedido, é a necessidade de fixação das estremas, isto é, da linha divisória entre os prédio confinantes, cuja linha divisória é incerta ou tornou-se duvidosa. Diferentemente, a ação de reivindicação tem por finalidade, e esta corresponderá, consequentemente, ao respetivo pedido, o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e a restituição desta àquele.”
a) No caso em apreço, a sentença dada à execução decidiu declarar, na parte que importa para o pedido executivo, “que as linhas divisórias dos prédios identificados nos factos provados n.ºs 1 e 3 correspondem às extremas indicadas no facto provado n.º 8”.
Como se vê, na parte que a Exequente pretende executar, a sentença em apreço não contém em si qualquer juízo de condenação, limitando-se a estabelecer a demarcação nos termos decididos.
E, nessa medida, não constitui título executivo bastante para execução de prestação de facto negativo e positivo por alegada violação por parte da Executada do direito de propriedade da Exequente já que, proferida no contexto e com a finalidade em que o foi, dela não resulta qualquer outra obrigação para a aqui Embargante que não as que se destinam à efectivação da demarcação nos termos decididos – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.01.2019, Proc. n.º 21895/17.3T8PRT.P1, Relator: Freitas Vieira, disponível no mesmo sítio da Internet).
a) Destarte, conclui-se que a Exequente não dispõe de título executivo contra a Executada».
I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«I- Por sentença condenatória - título executivo, nos termos do artigo 703.º n.º 1, alínea a), do CPC, incluem-se todas as sentenças condenatórias de que de forma expressa ou implícita, impõem a alguém determinada responsabilidade ou cumprimento de obrigação. A sentença para ser exequível, não tem necessariamente de condenar expressamente no cumprimento de uma obrigação, bastando que essa obrigação dela inequivocamente emirja – Sumário, Ac. TRC, 3468, 12.4.2018 in www. Dgsi.pt.
II- 1. Na execução para prestação de facto, em que o titulo executivo é uma sentença, o Executado pode deduzir oposição à execução, mediante embargos e pode invocar como fundamento, para além daqueles previstos no artigo 729.º do Código de Processo Civil, o cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio, conforme decorre do disposto no n.º 2 do artigo 868.º do mesmo diploma.
2. Na ação de demarcação não vigora o princípio “actore non probante, réus absolvitur” e, para efeitos da fixação de uma linha divisória ou aposição de marcos, o Tribunal pode socorrer-se dos critérios principal e supletivo previstos no artigo 1354.º do Código Civil.
3. A fixar a linha divisória entre os prédios em causa, a sentença declarativa apresentada resolveu a controvérsia sobre os limites das propriedades confinantes e configura assim um título executivo suficiente para a propositura da ação executiva, uma vez que a sua apresentação faz presumir as características e os sujeitos da relação obrigacional, correspondendo à necessidade reclamada pelo processo executivo de se encontrar assegurada, com apreciável grau de probabilidade, a existência da obrigação: Ac. TRE, de 24.10.2019, Proc. n.º 951/11.7TBVNO-A.E1, in www.dgsi.pt
III- A sentença declarou e determinou o estabelecido e provado pelo tribunal a cumprir a obrigação derivada dessa declaração, ou seja a obrigação de as partes acordarem, colaborarem ou permitirem a colocação de marcos ou outros sinais divisórios que assinalem a divisão declarada judicialmente.
IV- No caso dessa prestação estabelecida não ser voluntariamente cumprida, outra alternativa não resta, senão a realização coactiva dela, “bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação” que é o processo de execução para a prestação de fato que é o que se visa com a presente execução.
V- A presente execução é a forma processual adequada para efetivar a sentença condenatória, reconhecer em juízo o direito violado, prevenir ou reparar a violação d direito e a realiza-lo coercivamente – cfr. artigo 2.º, n.º 2, do CPC.
VI- Julgada procedente a ação de demarcação, negando-se o réu a cumprir respectiva sentença, não se torna necessária a propositura de uma nova acção para obrigar à sua observância, sendo suficiente, para a execução, a fase declaratória obtida na ação de demarcação (…) Ac. TRC de 11.12.2007, Proc. n.º 1832/05.9TBCVL.C1, in www.Dgsi.pt
VII- A negação da exequibilidade da sentença constitui violação da garantia da eficácia e da execução das sentenças pelos tribunais – artigo 703.º/1-a), do CPC.
VIII- Goza o proprietário de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisa que lhe pertencem – artigo 1305.º do CC conjugado com o artigo 62.º da CRP.
IX- Aos tribunais compete administrar a justiça, incumbindo-lhes assegurar a defesa dos direitos e interesses protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos dos interesses públicos e privados – cfr. artigo 202.º, 1 e 2, da CRP.
X- A sentença recorrida violou por má interpretação o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea a) e artigo 703.º/1-a), todos do CPC e é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 1305.º e 1353.º do Código Civil, 62.º da CRP, 202.º e 205.º da CRP.
Termos em que V. Exas. concedendo provimento ao recurso e alterando a douta decisão recorrida nos termos das presentes alegações, farão inteira, JUSTIÇA!». I.3.
Na sua resposta às alegações de recurso, a recorrida pugnou pela improcedência do recurso. I.4.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC).
II.2.
No caso a (única) questão a decidir consiste em saber se a sentença dada à execução constitui título executivo suficiente.
II.3.
O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte factualidade:
«1. Dá-se aqui por integralmente por reproduzido o integral teor do requerimento executivo, onde consta, entre o mais, que: “4 – A executada no início deste ano de 2019 iniciou a construção de uma piscina, tendo a exequente, em meados de abril deste ano, verificado que aquelas construções ocuparam uma boa parte do terreno/logradouro do prédio da exequente numa extensão de aproximadamente 250 m2, construindo ainda um muro de 4 metros de altura avançando a sua extrema a sul ocupando terreno/logradouro da (…), ora exequente. Mais ocupou a executada o caminho de acesso ao terreno/logradouro da (…), ora exequente, impedindo os veículos particulares e de emergência de entrar no terreno/logradouro do prédio da (…). 5 – Com as ditas obras, a executada exorbitou as extremas resultantes da douta sentença avançando 15 metros para o interior do terreno/logradouro contíguo, que é propriedade da (…), ora exequente, construindo um muro de 4 metros de altura no interior desta propriedade, deixando uma entrada para peões com 2,20m, a qual é impeditiva da livre circulação de veículos, de estacionamento e circulação de veículos dos bombeiros em caso de emergência. 6 – Sucede que, a exequente não tem querido repor a situação anterior às obras, e vem usurpando parte do imóvel que é pertença da exequente. 7 – Assim, a exequente pretende dar à mesma sentença a execução na parte em que o prédio de que é proprietária foi e está a ser ocupado pela executada, devendo a executada fazer a entrega da área ocupada e repor a situação anterior à ilegal ocupação.”
2. O título dado à execução é constituído por sentença proferida no Processo n.º 231/14.6T8OLH-C.E1, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, transitado em julgado em 11.06.2013, conforme documento junto com o requerimento executivo cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde consta, para além do mais, que “(…)
II. O autor tem inscrito a seu favor o prédio urbano sito em (…), freguesia e concelho de Albufeira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), pela inscrição (…) e Ap. (…). (…) 3. A ré tem inscrito a seu favor o prédio urbano sito em (…), freguesia e concelho de Albufeira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), pela inscrição (…) e Ap. (…). (…) 8. O prédio identificado em 1 confina do nascente e do norte com o prédio identificado em 3, sendo a extrema nascente delimitada por uma faixa de terreno que se inicia no portão que confina com a via pública (Av. das …) e situado a poente das habitações existentes no prédio identificado em 3, segue paralelamente ao limite nascente do caminho calcetado, ao longo de uma distância de cerca de 25 metros, faz um ângulo recto, avançando para nascente ao longo de uma distância de cerca de 3,5 metros, contornando a central de bombagem, seguidamente faz um outro ângulo recto, avançando para sul ao longo de uma distância de 8,5 metros, paralelamente à central de bombagem, ao depósito de água tratada e ao squash, após o que faz um novo ângulo recto, avançando para nascente, numa linha paralela ao edifício que serviu para andar modelo, situado a norte dessa linha, ao longo de uma distância de cerca de 23 metros e que corresponde à extrema norte de delimitação do prédio indicado em 1 (…) (…) IV. DECISÃO: (…) C) Declara-se que as linhas divisórias dos prédios identificados nos factos provados n.ºs 1 e 3 correspondem às extremas indicadas no facto provado n.º 8; (…)”.
II.3. Apreciação do mérito do recurso
Através da presente ação executiva pretende a exequente que a executada «entregue a área que está a ocupar do seu (dela-exequente) imóvel e reponha a situação que existia antes da ocupação ilegal». Para tal desiderato deu à execução uma sentença, transitada em julgado, proferida no âmbito de uma ação de demarcação.
No presente recurso está em causa saber se a sentença dada à execução constitui título executivo (suficiente) para a prestação de «entrega da área ocupada e reposição da situação anterior à ilegal ocupação».
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
O título executivo confere ao direito exequendo o grau de segurança que o sistema considera suficiente para a admissibilidade da ação executiva, através dele se determinando o tipo de ação, o seu objeto, a legitimidade ativa e passiva para a execução, sendo também através dele que se verifica se a obrigação é certa, líquida e exigível[1].
As sentenças condenatórias, isto é, as decisões com valor de caso julgado material proferidas num processo contraditório e pelas quais um tribunal impõe um comando de cumprimento de uma obrigação ao réu, constituem títulos executivos, conforme artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
O conceito de “obrigação” traduz um vínculo entre pessoas, impondo a uma delas o dever de realizar uma prestação (de dare, facere ou non facere) em benefício da outra[2].
A condenação corresponde ao pedido formulado na ação (condenatória) e sobre o qual a parte contrária teve oportunidade de se defender, ou seja, de exercer o direito ao contraditório.
Como assinalámos supra, no caso em apreço a sentença dada à execução foi proferida no âmbito de uma ação de demarcação.
O direito de demarcação mostra-se regulado nos artigos 1353.º e ss. do Código Civil. De acordo com o disposto no artigo 1353.º do Código Civil o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os deles.
É consabido que através da ação de demarcação não se visa a obtenção da declaração de qualquer direito real ou a sua amplitude, ou seja, não se discute a titularidade dos prédios confinantes, procurando-se, tão só, definir as extremas de prédios confinantes. A causa de pedir nas ações de demarcação é complexa, exigindo a alegação da titularidade por autor e réus de prédios distintos, a confinância desses prédios e uma controvérsia quanto aos limites e/ou inexistência de linha divisória sinalizada no terreno [3][4]. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.01.2019, processo n.º 21895/17.3T8PRT.P1, consultável em www.dgsi.pt., «Na típica ação de demarcação a questão da propriedade é invocada apenas como legitimação para a ação – artigo 1353.º do Código Civil – já que o que se pede não é o reconhecimento do direito de propriedade, mas antes a definição da linha divisória, que se alega incerta, entre dois prédios confinantes. (…) limitada que está à declaração do direito de propriedade apenas como pressuposto do estabelecimento da demarcação nos termos decididos, não contém em si qualquer juízo de condenação para além do que se refere ao estabelecimento da demarcação nos termos decididos, podendo, nessa medida, servir de título executivo para compelir coercivamente o demandado a contribuir ou consentir na demarcação assim decidida» (negrito nosso). In casu a exequente apresentou como título executivo uma sentença proferida no âmbito da ação declarativa de condenação que correu termos sob o n.º 480-CE/1992, no Tribunal Judicial de Albufeira, 2.º Juízo. Naquela ação movida pela massa falida da (…) e Gestão Hoteleira, SA contra a (…) – Sociedade de Importação, Exportação e (…), SA, a primeira pediu a condenação da segunda a reconhecer que a demarcação dos prédios urbanos sitos no lugar de (…), na freguesia e concelho de Albufeira, descritos na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, sob os n.ºs (…) e (…) e inscritos na matriz predial urbana sob os artigos (…) e (…), respetivamente, fosse efetuada em consonância com a linha tracejada e sombreada a amarelo no documento de fls. 76 dos autos ou, caso assim não se entendesse , que a linha divisória fosse judicialmente definida nos termos legais.
E o tribunal, por sentença transitada em julgado, declarou que as linhas divisórias dos prédios melhor identificados nos autos correspondem às extremas indicadas nos facto provado n.º 8, ou seja, que o prédio urbano sito em (…), freguesia e concelho de Albufeira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…),confinado nascente e do norte com o prédio urbano sito em (…), freguesia e concelho de Albufeira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), sendo a extrema nascente delimitada por uma faixa de terreno que se inicia no portão que confina com a via pública (Av. das …) e situado a poente das habitações existentes no prédio urbano sito em (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), segue paralelamente ao limite nascente do caminho calcetado, ao longo de uma distância de cerca de 25 metros, faz um ângulo recto, avançando para nascente ao longo de uma distância de cerca de 3,5m, contornando a central de bombagem, seguidamente faz um outro ângulo recto, avançando para sul ao longo de uma distância de 8,5 metros, paralelamente à central de bombagem, ao depósito de água tratada e ao squash, após o que faz um novo ângulo recto, avançando para nascente, numa linha paralela ao edifício que serviu para andar modelo, situado a norte dessa linha, ao longo de uma distância de cerca de 23 metros e que corresponde à extrema norte de delimitação do prédio urbano sito em (…), freguesia e concelho de Albufeira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…).
Naquela ação de demarcação, donde resultou o título dado à execução, o tribunal ao definir as linhas divisórias dos prédios pertencentes a cada uma das partes (prédios confinantes) não fixou qualquer outra obrigação para a aqui apelada senão a de consentir ou contribuir para a demarcação nos termos decididos. Ou seja, a única mudança jurídica operada pela sentença foi a fixação das linhas divisórias entre os dois prédios confinantes, não se podendo considerar que aquela decisão judicial impõe, implicitamente, a qualquer das partes (in casu à aqui executada) uma obrigação de se absterem da prática de atos lesivos do direito de propriedade da contra-parte e, em consequência, de uma obrigação de eliminação dos efeitos decorrentes de tal violação.
Como afirma Rui Pinto[5] «O pedido de condenação deve ser expresso, pois que o tribunal não conhece senão o que o autor pediu, conforme o artigo 609.º, n.º 1. (…) A violação dos direitos de propriedade ou de servidão terá de ser apurada na devida ação condenatória. No entanto, é possível ao autor, tanto na divisão de coisa comum, como na demarcação, como na mudança de servidão, fazer uso do artigo 557.º, n.º 2, para se obter a adequada condenação in futurum, verificados os requisitos respetivos, naturalmente».
No seu requerimento executivo a exequente, aqui apelante, invoca a violação, pela executada, do seu direito de propriedade, alegando o seguinte: «a executada, no início deste ano de 2019, iniciou a construção de uma piscina, tendo a exequente, em meados de abril deste ano, verificado que aquelas construções ocuparam uma boa parte doterreno/logradouro do prédio da exequente numa extensão de aproximadamente 250 m2, construindo ainda um muro de 4 metros de altura, avançando a sua extrema a sul ocupando terreno/logradouro da (…), ora exequente. Mais ocupou a executada o caminho de acesso ao terreno/logradouro da (…), ora exequente, impedindo os veículos particulares e de emergência de entrar no terreno/logradouro do prédio da (…). Com as ditas obras, a executada exorbitou as extremas resultantes da douta sentença avançando 15 metros para o interior do terreno/logradouro contíguo, que é propriedade da (…), ora exequente, deixando uma entrada para peões com 2,20m a qual é impeditiva da livre circulação de veículos, de estacionamento e circulação de veículos dos bombeiros em caso de emergência».
Como decorre do exposto supra, ocorrendo uma situação de violação da integridade do direito de propriedade da exequente, a sentença dada à execução não constitui título executivo bastante para a execução da prestação de «entrega da área ocupada e reposição da situação anterior à ilegal ocupação». É, ao invés, através de uma ação de reivindicação que a apelante deve exigir a tutela da integridade daquele seu direito real, exigindo a restituição ou entrega daquilo que lhe pertence, sendo também nessa ação que a recorrida terá a oportunidade de se pronunciar sobre a pretensão condenatória da contraparte. E só se a ré se negar a cumprir a respetiva sentença é que se torna necessária a instauração de uma ação executiva.
Destarte, não merece censura a decisão recorrida, improcedendo a apelação.
Sumário: (…)
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar improcedente a apelação, mantendo o despacho saneador-sentença.
As custas na presente instância de recurso são da responsabilidade da apelante, que ficou vencida, sendo que a esse título só é devido o pagamento de custas de parte pois que se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual.
Notifique.
DN.
Évora, 25.10.2024
Cristina Dá Mesquita
Rosa Barroso
Ana Margarida Pinheiro Leite
__________________________________________________
[1] Lebre de Freitas, A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, GestLegal, págs. 39 e ss..
[2] Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Coleção Teses, Almedina.
[3] A “incerteza” não tem de dizer respeito necessariamente a todas as linhas divisórias de um prédio, podendo dizer respeito, unicamente, à linha divisória com um certo prédio contíguo.
[4] E a demarcação é feita em conformidade com os títulos de cada um dos prédios confinantes (artigo 1354.º, n.º 1, do CC), mas se estes não forem suficientes, manda o n.º 2 do artigo 1354.º que se recorra à posse e a outros meios de prova; não resolvendo estes, distribui-se o terreno em litígio em partes iguais.
[5] A Ação Executiva, 2019, Reimpressão, AAFDL Editora, pág. 159.