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TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
DISPENSA
Sumário
1 - A avaliação a que se reporta o artigo 6.º/7, do RCP deve ocorrer apenas uma vez nem cada processo e quando o momento processual permitir ponderar a globalidade do processo, o que só ocorre com a decisão final do processo. 2 – No caso encontrando-se a ação principal (ação executiva) ainda na fase da penhora, ainda não é chegado o momento de decidir se se verificam, ou não, os pressupostos da dispensa, total ou parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça, não fazendo sentido fazê-la neste momento com efeito restrito ao presente incidente de oposição à penhora. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Apelação n.º 145/17.8T8SLV-E.E1
(2.ª Secção)
Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: Mário João Canelas Brás
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO I.1.
(…), co-executado e opoente no presente incidente de oposição à penhora que corre por apenso à ação executiva movida pela (…), Unipessoal, Lda. interpôs recurso da decisão proferida pelo Juízo de Execução de Silves, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual tendo indeferido liminarmente a oposição à penhora, condenou o opoente nas custas do incidente de oposição à penhora.
1.2.
O recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«1. Por sentença de 17 de maio de 2024, veio o tribunal a quo indeferir liminarmente a oposição à penhora deduzida pelo recorrente, condenando-o nas custas.
2. O recorrente havia requerido em sede de petição inicial de oposição à penhora a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ou seja, em dispensa do pagamento da taxa de justiça correspondente ao valor superior a € 275.000,00, por entender que se verificam in casu os pressupostos para tal dispensa.
3. A sentença recorrida limitou-se à condenação em custas do recorrente, sem apreciar aquele pedido, padecendo de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
4. Resulta do n.º 1 do artigo 6.º do RCP, uma regra geral quanto ao critério a observar na fixação do quantum da taxa de justiça a pagar: o valor e complexidade da causa. E um segundo critério (constituindo uma verdadeira excepção), de que, sendo a causa de valor superior a € 275.000,00, o pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser dispensado pelo juiz se este entender que, designadamente, a complexidade da causa e conduta processual das partes o justifique.
5. É do pagamento desse “remanescente”, cuja concretização resulta da concatenação entre o n.º 7, do citado artigo 6.º do RCP e o prescrito no final da Tabela I, anexa ao RCP [para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”] que o Recorrente pretende ser dispensado.
6. No caso concreto, a causa tem, efetivamente, um valor muito elevado (€ 4.063.991,26), bem superior ao valor previsto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP e conduzirá a que a parte vencida suporte, só a esse título, um valor elevado.
7. Ora, estamos perante uma simples oposição à penhora, que em 1ª instância foi liminarmente indeferida. Matéria que não assumiu especial complexidade, sendo certo que, em termos processuais apenas houve a petição inicial e sentença.
8. A conduta assumida pelo recorrente em 1ª instância, não pode considerar-se num nível reprovável, tendo-se limitado à discussão da questão jurídica em causa nos autos, a qual não revela excepcional complexidade.
9. Nada obsta a que o Recorrente seja dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quer porque o circunstancialismo de facto preenche inequivocamente o quadro jurídico acima indicado, quer por assim o imporem os princípios da proporcionalidade e de promoção e garantia de acesso à justiça previstos nos artigos 16.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
10. Nestes termos, sendo fundada a pretensão agora requerida em matéria de custas no que respeita ao remanescente devido, deverá a mesma ser deferida, suprindo-se a nulidade arguida.
Termos em que V. Ex.ªs concedendo provimento ao recurso e alterando a douta decisão recorrida nos termos pugnados nas presentes alegações,
Farão inteira JUSTIÇA!».
I.3.
O Ministério Público apresentou resposta às alegações, que culmina com as seguintes conclusões:
«1.º - Quanto à questão do tempo e da forma, o MP é de parecer que o direito a pretextar perante o juiz a eventual dispensa do remanescente da taxa de justiça, deverá ser tempestivamente exercido no processo, com um pedido de reforma do segmento da sentença/acórdão, que se reporta à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não
podendo aguardar-se pela elaboração da conta para peticionar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa.
2.º - Os critérios poderão até ser mais estritos, face a certa jurisprudência, pois pode entender-se que o pedido de dispensa do remanescente, nos casos em que o juiz, na decisão final, omita qualquer pronúncia sobre essa questão, tem de ser requerido até ao trânsito em julgado dessa decisão final, mediante reclamação (quando a decisão final não admita recurso ordinário), ou através de recurso ordinário dessa decisão, quanto ao segmento da condenação em custas, quando esse recurso seja admissível.
3.º - Em termos de tempo e de forma, o recorrente cumpriu as exigências legais e em termos maximalistas: pediu a dispensa do remanescente da taxa de justiça logo com o petitório e, face à omissão da sentença quanto a essa matéria, seguiu a via do recurso ordinário dessa decisão, quanto ao segmento da condenação em custas, não tendo esperado pela elaboração da conta e pela eventual reclamação quanto ao seu teor, sendo que a discussão da questão (quanto ao tempo e à forma do pedido), atualmente, até pode ser encarada como bizantina, considerando que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2022, de 3 de janeiro, publicado no Diário da República n.º 1/2022, Série I de 2022-01-03, páginas 31-71, fixou jurisprudência no sentido que a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo (momento a que se antecipou o ora recorrente).
4.º - Quanto à questão substantiva (o mérito da pretensão do recorrente) somos do entendimento que os autos de oposição à penhora não comportaram qualquer diligência instrutória, nem qualquer audiência (não houve resposta e o incidente declarativo foi decidido liminarmente), sendo que, por outro lado, o caso submetido à análise do Tribunal
não tinha especial complexidade jurídica, nem exigia especial formação técnica em área não jurídica para ser decidido (daí a apreciação liminar).
5.º - Acresce que o comportamento do oponente, aqui recorrente, foi aparentemente regular, ou seja, adequado e justo à defesa dos respetivos interesses, não tendo sido levantadas questões não essenciais ou prolixas. Portanto, não se verifica qualquer facto índice dos previstos no n.º 7 do artigo 530.º do Código de Processo Civil que permita classificar os autos como tendo especial complexidade, pelo que, acompanhamos o pedido do recorrente, não se justificando a cobrança de uma taxa de justiça de valor extraordinariamente elevado como a que resulta da aplicação tabular dos critérios legais.
6.º - Consequentemente, deve o Tribunal (na superior instância recursiva ou nesta primeira instância, se se entender que houve nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC) exercer a final o poder previsto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento da Custas Processuais, dispensando o pagamento do valor remanescente da taxa de justiça.
Termos em que, se nos afigura, deverá a decisão recorrida (no segmento impugnado) ser objecto do aprimoramento ora preconizado.
Porém, V. Exas., como sempre, decidirão superiormente conforme for de Lei e de JUSTIÇA!».
I.4.
O julgador a quo recebeu o recurso.
No despacho de admissão do recurso, o julgador a quo tomou posição sobre a nulidade invocada, em conformidade com o disposto no artigo 617.º/1, do CPC, sustentando que a decisão não padece do vício que lhe é imputado.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC).
II.2.
No caso, as questões que importa decidir são as seguintes:
1 – Saber se ocorre a nulidade de decisão prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1ª parte, do CPC.
2 – Saber se o recorrente deve ser dispensado, neste momento do processo, do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
II.3. FACTOS
Resulta dos autos que:
1 – A ação principal – execução para pagamento de quantia certa – foi movida pela Caixa Geral de Depósitos, SA contra (…) e (…), ambos na qualidade de fiadores no empréstimo “reestruturado” que a primeira concedeu à sociedade (…), Sociedade de Construções, Lda..
2 – Aquela ação executiva encontra-se na fase da penhora, tendo sido realizada, no dia 2 de maio de 2024, a penhora da quota social do executado (…) na sociedade (…), Lda..
3 - No ponto n.º 33 do seu requerimento inicial do presente incidente de oposição à penhora executado (…) requereu «nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tendo em conta a diminuta complexidade dos presentes autos».
4 – Por apenso à ação executiva correram termos uns embargos de executado movidos pelo executado (…) (apenso C) nos quais foi proferida em 17.09.2028 sentença já transitada em julgado que julgou os embargos improcedentes e condenou o embargante nas custas respetivas.
5 – Por apenso à ação executiva correram termos uns embargos de executado movidos pelo executado (apenso A), nos quais foi proferido despacho saneador sentença já transitado em julgado que julgou totalmente improcedente a oposição à execução e condenou o embargante nas custas respetivas.
II.4. Apreciação do objeto do recurso
No presente recurso está em causa (apenas) o segmento decisório do despacho de indeferimento liminar do incidente de oposição à penhora que condenou o executado / opoente / apelante nas custas do incidente.
O vício imputado à decisão é o de omissão de pronúncia pelo facto de o julgador não ter ponderado e apreciado o pedido dedispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça que o opoente e ora apelante formulara logo em sede de petição inicial.
Vício esse que se mostra contemplado na primeira parte da alínea d) do artigo 615.º, n.º 1, do CPC, de acordo com o qual é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Aquele preceito legal tem de ser concatenado com o artigo 608.º/2, do mesmo diploma normativo, de acordo com o qual o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, ou seja, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e, ainda, de todas as exceções de conhecimento oficioso, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. In casu, resultando dos autos que houve um pedido expresso do opoente/executado no sentido de ser dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça, parece-nos evidente que a decisão recorrida padece da nulidade que lhe é imputada na medida em que o julgador a quo proferiu a condenação do executado/opoente em custas sem se pronunciar sobre a matéria do remanescente da taxa de justiça que foi expressamente suscitada pelo aqui apelante logo em sede de petitório inicial. Com efeito, na decisão sob recurso o julgador proferiu uma condenação relativa à responsabilidade do executado em termo de custas, tal como, aliás, o obriga o disposto no artigo 527.º/1, do CPC, pelo que era esse o momento para ponderar, naquele segmento decisório, o pedido expresso do opoente de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Não o tendo feito, há que julgar procedente a nulidade invocada e proceder ao conhecimento da questão em causa, atenta a regra da substituição contemplada no artigo 665.º do CPC. Apreciando o pedido do apelante.
Pretende o apelante/opoente ser dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 6.º/7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), argumentando com a «diminuta complexidade dos presentes autos» (cfr. artigo 33º do requerimento inicial).
O pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente em causa foi suscitado com efeitos limitados ao incidente de oposição à penhora.
De acordo com o disposto no artigo 1.º/1, do RCP todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados no Regulamento das Custas Processuais, considerando-se como tal, cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa originar uma tributação própria (artigo 1.º/2).
Por sua vez dispõe o artigo 3.º/1, do RCP que as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
O pagamento da taxa de justiça está correlacionado com o impulso processual (artigo 530.º do CPC), seja do lado ativo, seja do lado passivo, «como se fosse uma mera contrapartida de um pedido de prestação de um serviço»[1].
O artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais[2] estabelece que nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça[3] é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Por sua vez dispõe o artigo 14.º/9, do mesmo diploma legal[4] que nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do art. 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final.
No que respeita às causas de valor superior a € 275.000,00 não se exige logo o pagamento da taxa de justiça pelo valor total, ou seja, com referência ao valor base de tributação, ficando a parte dispensada temporariamente do pagamento da taxa de justiça que corresponde ao montante que excede aquele valor[5]; porém, como não se trata de uma verdadeira isenção, esse remanescente que ficou por pagar será depois exigido a menos que o juiz dispense aquele pagamento, nos termos previstos no artigo 6.º/7, do RCP. Como se diz no Ac. RC de 15.05.2018, processo n.º 3582/16.1TBLRA-B.C1, consultável em www.dgsi.pt., «na verdade, o citado n.º 7º do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais visa atenuar antes do termo da causa a obrigação de pagamento da taxa de justiça nas ações de mais valor e está conexionado com o que se prescreve no fim da tabela I (já mencionada atrás): o referido remanescente é considerado na conta final a realizar após o trânsito em julgado da decisão final».
O artigo 7.º/6 prevê, portanto, a possibilidade de dispensa (total ou parcial)do valor da taxa de justiça que resultaria da mera aplicação dos valores constantes das tabelas previstas no Regulamento das Custas Processuais (artigo 6.º/1, do RCP) evitando, dessa forma, uma eventual desproporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público da administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado[6]. Como se diz no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022, de 10-11-2021 (publicado no Diário da República n.º 1/2022, Série de 03-01-2022), «A ratio desta norma é, assim, evitar casos de disparidade clara entre o expediente do tribunal e a conta de custas, por uma questão de justiça material e do cumprimento dos princípios da proporcionalidade e adequação e ainda o livre acesso à justiça, todos plasmados na CRP».
No que se refere ao momento para a parte deduzir a dispensa/redução da taxa de justiça remanescente, o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão uniformizador de jurisprudência supra referido[7]decidiu que a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar, de acordo com o n.º 7 do artigo 6.º do RCP, com o trânsito em julgado da decisão final do processo.
Não é controvertido que é ao juiz que cabe apreciar, oficiosamente ou requerimento das partes, a verificação dos pressupostos de que a lei faz depender a dispensa, total ou parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Se não tiver sido dispensado tal pagamento, o remanescente da taxa de justiça deve ser considerado na conta final.
Resulta do disposto no artigo 6.º/7, do RCP que mesmo nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excecional a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo daquele normativo. Tal dispensa tem de resultar de uma avaliação empreendida pelo julgador no sentido da verificação dos respetivos pressupostos no caso concreto; nessa avaliação há que ponderar, no mínimo, a complexidadeda causa e a conduta processual das partes. O critério da “complexidade da causa” extrai-se do disposto no artigo 530.º/7, do CPC[8] e a conduta processual das partes deve ser apreciada tendo em consideração os deveres de conduta previstos nos artigos 7.º (dever de cooperação) e 8.º (dever de boa-fé processual). Na decisão sumária proferida em 20-12-2021, na Revista n.º 2104/12.8TBALM.L1.S1[9], escreveu-se que «(…) nada obsta a que se ponderem outros fatores associados, num sentido ou noutro, ao princípio da proporcionalidade, como seja, o valor dos interesses económicos em causa, os resultados obtidos, o facto de alguma ou de ambas as partes serem pessoas individuais ou coletivas ou de exercerem ou não uma atividade comercial empresarial ou prosseguirem outros fins. Também não está afastada a possibilidade de se ponderar a necessidade de contribuição das partes para os encargos inerentes à disponibilização de um sistema de justiça de acesso livre e universal, assim como a utilidade que os interessados pretendem extrair dos serviços prestados. Ou bem assim o facto de alguma das partes ter formulado pedidos com valor manifestamente excessivo relativamente ao que foi concedido, aspeto que, quando tal seja relevante, não deve penalizar a parte contrária».
No final, e tudo ponderado, o julgador tem de formular um juízo de proporcionalidade da taxa de justiça a pagar em função do valor da causa.
No que respeita à abrangência de tal decisão, coloca-se a questão de saber se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser requerida (e concedida) relativamente a determinados atos ou fases processuais com base numa avaliação parcelar do processo, ou se, pelo contrário, aquela avaliação só deve ser realizadacom a decisão final pois que só esta permite “abarcar toda a tramitação” e, assim, alcançar “uma valoração global do processo”. Neste último sentido se decidiu, a título de exemplo, nos acórdãos desta Relação datados, respetivamente, de 12.09.2024[10] - no qual se faz notar que a avaliação a que se reporta o artigo 6.º/7, do RCP deve «ter lugar uma única vez, reportando-se consequentemente à globalidade do processo» – e de 29.09.2022[11] – no qual se refere que «a decisão sobre as custas deve ser única e não indexada individualmente a cada um dos eventuais recursos ou incidentes, pois essa determinação deve ter um efeito transversal a todo o processo. (…) o tribunal ao apreciar um recurso meramente interlocutório não tem acesso a todas as peças processuais e desconhece qual irá ser a evolução dos autos e isso não lhe permite formular um juízo sobre a matérias agora chamada à colação».
Também no mesmo sentido se vem orientando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Assim, por exemplo, na decisão sumária na Revista n.º 2104/12.8TBALM.L1.S1[12] se escreveu que «(…) parece mais correta a tese segundo a qual o último órgão jurisdicional que intervém deve apreciar não apenas a dispensa ou redução da taxa de justiça no respetivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes (…) Aliás, esta é a única solução que se harmoniza com o regime da taxa de justiça remanescente que agora emerge do n.º 9 do artigo 14.º do RCP que recentemente foi introduzido, nos termos do qual a parte totalmente vencedora na ação – o que apenas se revela com o trânsito em julgado da decisão – fica desonerada do pagamento da taxa de justiça remanescente. Este preceito revela que a condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das instâncias, com efeitos designadamente na exigibilidade da taxa de justiça remanescente, assume sempre natureza provisória, ficando a sua exigibilidade ou a sua quantificação dependente de resultados futuros. Por isso, terminando o processo na Relação ou, depois, no Supremo, o apuramento da quantia devida a título de taxa de justiça remanescente, assim como a identificação do interessado a quem é de imputar a responsabilidade pelo seu pagamento estão condicionados pelo resultado que a final vier a ser declarado. (…) Acresce que a possibilidade de diferir a apreciação da dispensa ou da redução da taxa de justiça remanescente para a decisão do recurso na Relação ou no Supremo é a que melhor garante que sejam ponderados de uma “forma fundamentada” os fatores previstos no n.º 7 do artigo 6.º, procedendo a uma avaliação global da “especificidade da situação” tendo em conta designadamente a complexidade da causa, a conduta processual das partes, os resultados que foram alcançados e todos os demais aspetos relevantes. É, ademais, a solução que melhor se conjuga com os artigos 29.º, n.º 1 e 30.º do RCP, segundo os quais, a conta é elaborada depois do trânsito em julgado da decisão final, sendo efetuada de harmonia como julgado em última instância. Com efeito, sendo a conta elaborada apenas depois de o processo ser remetido ao tribunal de primeira instância deve ser seguido na sua elaboração o que decorra do que foi definitivamente decidido, atendendo, designadamente, à dispensa automática prevista no n.º 9 do artigo 14.º relativamente à parte que seja totalmente vencedora» (negritos nossos). Esta orientação foi seguida também no Ac. STJ de 30-05-2023, processo n.º 903/13.2TBSCR.L2.S1, no Ac. STJ de 12.04.2023, processo n.º 18932/16.2T8LSB.L3.S1 e no Ac. STJ de 29.03.2022, processo n.º 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1 em cujo sumário se escreveu que «cabe ao último grau de jurisdição a apreciação da dispensa/redução da taxa de justiça devida não só nesse órgão (no caso de revista, o STJ) mas também na dos graus precedentes, abarcando toda a tramitação», todos consultáveis em www.dgsi.pt.
No caso em apreço o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foi apresentado no âmbito do incidente de oposição à penhora deduzido por um dos co-executados, o ora apelante, e restrito àquele incidente.
Resulta dos autos que já houve decisão em matéria de custas processuais quer no apenso A de embargos de executado deduzido pelo co-executado (…), quer no apenso C de embargos de executado deduzido pelo co-executado (…), tendo ambos sido, respetivamente, condenados nas custas respetivas; resulta igualmente dos autos que em nenhum daqueles apensos foi apreciada a questão da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente[13], pelo que não existe decisão com eficácia de caso julgado sobre a dispensa (total ou parcial) do pagamento da taxa de justiça remanescente.
Contudo, a execução – relativamente à qual estes autos constituem um incidente – não se mostra finda e conforme resulta do exposto supra a apreciação da dispensa ou da eventual redução da taxa de justiça remanescente implica uma avaliação global do processo a qual apenas pode ser feita no final do mesmo, após o que será elaborada , em conformidade com aquela avaliação global (efetuada oficiosamente ou suscitada por alguma das partes) uma conta por cada sujeito processual responsável pelas custas, multas, e outras penalidades, que abranja o processo principal e os apensos (artigo 30.º/2, do RCP).
Donde, encontrando-se a ação principal (ação executiva) ainda na fase da penhora, a questão da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente foi suscitada precocemente pelo apelante; dito de outra forma, ainda não é chegado o momento de avaliar se se verificam, ou não, os pressupostos da dispensa, total ou parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça, não fazendo sentido fazê-la neste momento com efeito restrito ao presente incidente.
Em face do exposto, deve ser indeferido o requerido pelo opoente, julgando-se improcedente a apelação.
Sumário: (…)
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, indeferindo o requerido pelo apelante no sentido de o dispensar, neste momento processual, do pagamento do remanescente da taxa de justiça no âmbito do incidente de oposição à penhora tramitado perante a primeira instância.
As custas na presente instância de recurso são da responsabilidade do apelante nos termos previstos no artigo 527.º/1, parte final, do CPC, mas nenhum pagamento é devido a esse título porquanto o apelante procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual e não há lugar ao pagamento de encargos ou de custas de parte.
Notifique.
DN.
Évora, 25 de outubro de 2024
Cristina Dá Mesquita
Mário João Canelas Brás
José Manuel Tomé de Carvalho
__________________________________________________
[1] Salvador da Costa, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2017, 6.ª Edição, Almedina, pág. 17.
[2] Resultante da alteração introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02.
[3] O referido “remanescente”, considerando o disposto na parte final da tabela I anexa ao Regulamento das Custas Judiciais, consubstancia-se no seguinte: nas ações de valor superior a € 275.000,00 ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por € 25.000,00 ou fração, 3 UC, no caso da coluna I-A, 1,5 UC, no caso da coluna B, e 4,5 UC, no caso da coluna C.
[4] Dispositivo legal que resultou da Lei n.º 27/19, de 28.03.
[5] O referido “remanescente”, considerando o disposto na parte final da tabela I anexa ao Regulamento das Custas Judiciais, consubstancia-se no seguinte: nas ações de valor superior a € 275.000,00 ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por € 25.000,00 ou fração, 3 UC, no caso da coluna I-A, 1,5 UC, no caso da coluna B, e 4,5 UC, no caso da coluna C.
[6] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15.07.2013.
[7] Acórdão n.º 1/2022, publicado no DR, I série, de 03-01-2022.
[8] De acordo com este normativo legal, para efeitos de condenação no pagamento da taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
[9] Relator Abrantes Geraldes, consultável em www.dgsi.pt.
[10] Processo n.º 68/20.3T8RDD.E1, relator Vítor Sequinho, consultável em www.dgsi.pt.
[11] Processo n.º 1638/18.8T8LLE-C.E1, relator José Manuel Tomé de Carvalho, consultável em www.dgsi.pt.
[12] Relator Abrantes Geraldes, consultável em www.dgsi.pt.
[13] No apenso A, foi decidida uma reclamação da conta ali elaborada, tendo sido a decisão proferida o indeferimento «por falta de fundamento legal e por preclusão do direito a peticionar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça». Nesta decisão, já transitada em julgado, apreciou-se uma reclamação da conta onde era alegado que o acórdão que confirmou a decisão da primeira instância era omisso quanto ao responsável pelo pagamento total ou parcial do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º/7, do RCP. O tribunal de primeira instância considerou que «não cabia ao tribunal de primeira instância suprir pretensos vícios ou nulidades ou omissões de deliberações de um tribunal superior e que não tem cabimento arguir ilegalidade na realização da conta de custas com o argumento da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça a qual o embargante não havia requerido em prazo».