DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INDEMNIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE CIVIL
Sumário

I. É de três anos, o prazo de prescrição do direito de regresso da seguradora sobre o culpado corresponsável pelo pagamento de indemnização ao lesado em acidente coberto por contrato de seguro (cfr. n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil).
II. Relativamente à indemnização paga em fracções ao mesmo sinistrado, o prazo da prescrição começa, em regra, a contar-se da data em que foi efectuado o último pagamento.
III. Esta regra comporta excepções, já que nos casos de indemnização sob a forma de renda, o início da contagem do prazo deve coincidir com o pagamento de cada renda individualmente considerada, e nos casos em que os pagamentos se dirijam a outros tipos de danos diferenciados, num critério que tenha em consideração a natureza da indemnização e o tipo de bens jurídicos lesados, tal início deve coincidir com o último pagamento de cada um dos diferentes tipos de danos.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Apelação n.º 1468/22.0T8PTG.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre - Juiz 3

*
***
Sumário (artigo 663.º n.º 7, do CPC):
(…)

Acordam os Juízes na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, sendo
Relator: Ricardo Miranda Peixoto;
1º Adjunto: António Fernando Marques da Silva;
2º Adjunto: Sónia Moura.
*
***
I. RELATÓRIO
*
A.
Companhia de Seguros (…), S.A. veio instaurar a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra (…) – Transportes de Mercadorias, S.A., peticionando a condenação da Ré no pagamento do valor de € 109.073,78 (cento e nove mil e setenta e três euros e setenta e oito cêntimos), acrescido dos montantes que vierem a ser pagos a título de pensões, nos termos e para os efeitos dos artigos 18.º e 79.º da Lei n.º 98/2009.
Para o efeito, invocando a existência de um direito de regresso, alega que, nos termos do disposto nos artigos 18.º e 79.º da Lei n.º 98/2009, em cumprimento do contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a Ré, e na sequência de um sinistro envolvendo (…), cuja responsabilidade foi atribuída à Ré em virtude da violação das regras de prevenção e segurança a que estava adstrita, suportou as seguintes despesas:
1) € 4.306,14 (quatro mil e trezentos e seis euros e catorze cêntimos), a título de pagamento de salários;
2) € 82.620,43 (oitenta e dois mil e seiscentos e vinte euros e quarenta e três cêntimos), a título de pagamento de tratamentos clínicos adequados (riscos traumatológicos);
3) € 22.116,21 (vinte e dois mil e cento e dezasseis euros e vinte e um cêntimos), a título de pagamento de pensões.
4) € 31,00 (trinta e um euros), a título de despesas de transportes.
*
B.
Regularmente citada para o efeito, a Ré apresentou contestação através da qual (i) impugnou a factualidade aduzida pela Autora relativamente à sua responsabilidade pelo sinistro e valores suportados por esta e (ii) deduziu a excepção da prescrição nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 498.º do C.C., de acordo com a autonomização do pagamento de cada parcela de indemnização referente a danos normativamente diferenciados.
*
C.
A Autora contraditou, discordando o entendimento da Ré quanto à prescrição, na medida em que o momento a ter em conta par ao início da contagem do prazo é o do último pagamento, realizado no dia 29.07.2022, para além de que os prazos de prescrição estiveram suspensos no período compreendido entre o dia 09.03.3020 e o dia 03.06.2020 e no período entre o dia 22.01.2021 a 06.4.2021, num total de 160 dias.
*
D.
Realizou-se audiência prévia, vindo a ser proferido despacho saneador no qual foram: admitida a ampliação do pedido da Autora em € 1.630,62, perfazendo um valor total de € 110.704,40; identificados o objecto do litígio e enunciados os temas da prova; proferido despacho sobre os meios de prova requeridos pelas partes; designada data para realização do julgamento.
*
E.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que:
a) Julgou procedente a excepção de prescrição relativamente às quantias pagas pela Autora Companhia de Seguros (…), S.A. em data anterior a 13.12.2019.
b) Julgou parcialmente procedente, por provada, a acção, condenando a Ré (…) – Transportes de Mercadorias, S.A. a pagar à Autora Companhia de Seguros (…), S.A., a quantia de € 7.872,88 (sete mil, oitocentos e setenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos);
c) Absolveu a Ré do restante pedido.
*
F.
Inconformada com o decidido relativamente à procedência parcial da excepção peremptória da prescrição, a Autora interpôs o presente recurso de apelação.
Concluiu as suas alegações nos seguintes termos (transcrição, mantendo as referências em itálico e sublinhado da origem):
“(…)
2. A Recorrente não aceita que as prestações reclamadas nos presentes autos sejam passíveis de autonomizar em núcleos diferenciados, nem tampouco se aceita que o prazo prescricional ocorra em função de cada pagamento individualmente considerado.
3. Conforme resulta dos factos provados, os valores despendidos pela Recorrente dizem respeito somente à regularização do acidente de trabalho que vitimou (…).
4. A Recorrente suportou o pagamento do montante total de € 82.620,43 com consultas e tratamentos médicos do Sinistrado, o montante total de € 4.306,04 a título de salários, o montante de € 16.300,58, a título de pensão anual e o valor de € 31,00 a título de transportes ao Sinistrado.
5. O critério de autonomização dos danos apenas se divide em danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial ou pelo tipo de bens jurídicos.
6. A Recorrente apenas tem como obrigação legal e contratual indemnizar danos de natureza patrimonial, inteiramente relacionados com as lesões de integridade física sofridas pelos sinistrados.
7. É patente que todas as verbas pagas com a regularização do acidente de trabalho em discussão nos autos apresentam natureza patrimonial.
8. A Recorrente subscreve integralmente o entendimento defendido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão datado de 06.07.2023, no âmbito do proc. n.º 6029/20.5T8LSB-L2-8, ao determinar que: “A autonomização dos danos em função do tempo e necessidade da efetivação dos pagamentos e da distinção de conceitos como pensão, incapacidade e subsídios, é inaceitável, sob pena de o último pagamento de cada categoria dessa classificação implicar o início da contagem de um prazo de três anos de prescrição, a implicar indesejável proliferação das ações de regresso/sub-rogação, no caso de pagamentos fragmentados por lapsos de tempo significativamente dilatados.
9. Considerando o fim a que se destinam os pagamentos efetuados pela Recorrente, entende esta que apenas será possível fixar um único núcleo indemnizatório, a saber: danos de natureza patrimonial.
Caso assim não se entenda,
10. Caso o douto Tribunal Superior tenha entendimento diferente do pugnado pela Recorrente, o que apenas se admite para meros efeitos de raciocínio e de patrocínio, sempre se dirá, que, no limite, poderão ser definidos os dois núcleos indemnizatórios seguintes:
(i) O montante total de € 103.227,05, referente aos pagamentos efetuados a título de indemnizações por incapacidades temporárias (€ 4.306,04), as pensões devidas a título de incapacidades permanentes (€ 16.300,58) e o a título de despesas médicas (€ 82.620,43);
(ii) O montante de € 31,00, a título de transportes.
11. Se, por um lado, os pagamentos de salários e de pensões destinam-se a compensar o sinistrado pelas lesões sofridas, também é certo que o pagamento de despesas médicas tem como escopo a recuperação das lesões do Sinistrado, inexistindo fundamento para distinguir as prestações que têm como principal fim ressarcir o Sinistrado pelas lesões sofridas.
12. Admite-se, por mera cautela, que as despesas de transporte poderão não ter como fim primeiro e principal a recuperação das lesões, mas sim garantir que o Sinistrado se desloca, por exemplo, para o Tribunal, embora por causa do acidente de trabalho sofrido.
Caso assim não se entenda,
13. Caso não se concorde com o entendimento explanado, o que apenas se admite por mera cautela de raciocínio, sempre se dirá que se poderá admitir a individualização dos pagamentos efetuados em três núcleos, da seguinte forma:
(i) O montante total de € 20.606,62, referente aos pagamentos efetuados a título de indemnizações por incapacidades temporárias (€ 4.306,04), as pensões devidas a título de incapacidades permanentes (€ 16.300,58),
(ii) O montante de € 82.620,43, título de despesas médicas;
(iii) O montante de € 31,00, a título de transportes.
12. O pagamento dos salários e das pensões anuais e vitalícias têm um denominador comum: destinam-se a compensar monetariamente o sinistrado pelas incapacidades sofridas, em função da retribuição auferida, razão pela qual devem estar incluídas no mesmo núcleo.
13. Não se pode aceitar o entendimento de que o prazo começa a correr a partir de cada pagamento efetuado, conforme defendido pelo Tribunal a quo.
14. As prestações pagas pela Recorrente e peticionadas nos presentes autos devem ser consideradas como um todo, uma vez que respeitam a valores indemnizatórios decorrentes das lesões sofridas em consequência do acidente em causa nos presentes autos.
15. Entende a Recorrente que a corrente jurisprudencial, maioritária e mais recente, que pugna pelo entendimento de que o prazo de prescrição se inicia com a realização do último pagamento é a que tem aplicação no caso vertido nos autos.
16. O Supremo Tribunal de Justiça defendeu, em Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 1977/15.7T8VIS.C2.S1, em 04.07.2019, que “O princípio de que o prazo de prescrição começa a contar-se da data do último pagamento deverá ser restringido pela autonomização de núcleos indemnizatórios ou de parcelas indemnizatórias correspondentes a danos normativamente diferenciados”, disponível em www.dgsi.pt
17. O Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão datado de 12.03.2019, proferido no âmbito do processo n.º 1977/15.7T8VIS.C2, determinou que: “3.- Tendo a obrigação de indemnizar sido satisfeita fraccionadamente, o início do curso do prazo de prescrição deve ser reportado ao último pagamento efectuado, até porque o cumprimento daquela obrigação perdura até à recuperação do sinistrado, sendo como tal incompatível com o prazo curto de prescrição estabelecido no n.º 2 do artigo 498.º do CC”.
18. No mesmo sentido, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão datado de 14 de Julho de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 1305/12.3TBABT.E1.S1 e o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão datado de 23 de Janeiro de 2020.
19. Existindo um único responsável pelo pagamento das quantias que a Recorrente despendeu na sequência da regularização do sinistro e que todos os pagamentos reclamados nos presentes autos dizem respeito a único núcleo indemnizatório – danos patrimoniais –, carece de fundamento que o prazo de prescrição corresse individualmente em consideração a cada pagamento efetuado.
20. É imperativo concluir que todos os pagamentos efetuados pela Recorrente estão relacionados e derivam do mesmo facto, dizendo respeito a apenas um dano da mesma natureza – danos patrimoniais – constituindo, por isso, uma única prestação, pelo que a contagem do prazo prescricional só se inicia a partir do cumprimento da última prestação, porquanto só nesse momento se considera que a obrigação se encontra integralmente cumprida, o que ocorreu apenas em 2023.
21. Resulta do supra exposto que o direito que a Recorrente pretende fazer valer com a presente ação, no que concerne ao pagamento das quantias que totalizam de € 103.258,05 não se encontra prescrito.
Caso assim não se entenda,
22. Caso assim não se considere, o que apenas se admite por mera cautela de raciocínio, e se considere que os pagamentos reclamados podem ser autonomizáveis o prazo prescricional a considerar será sempre o do último pagamento de cada núcleo indemnizatório (apenas conforme se pugna por mera cautela atrás, nomeadamente da seguinte forma:
1ª hipótese:
(i) O montante total de € 103.227,05, referente aos pagamentos efetuados a título de indemnizações por incapacidades temporárias (€ 4.306,04), as pensões devidas a título de incapacidades permanentes (€ 16.300,58) e o a título de despesas médicas (€ 82.620,43);
(ii) O montante de € 31,00, a título de transportes.
2ª hipótese:
(i) O montante total de € 20.606,62, referente aos pagamentos efetuados a título de indemnizações por incapacidades temporárias (€ 4.306,04), as pensões devidas a título de incapacidades permanentes (€ 16.300,58),
(ii) O montante de € 82.620,43, título de despesas médicas;
(iii) O montante de € 31,00, a título de transportes.
23. Relativamente ao (i) núcleo da 1ª hipótese, é patente que o montante de € 103.227,05 não se encontra prescrito, face à data de entrada da presente ação.
24. Caso se considere que se deve ter em consideração a 2ª hipótese, igualmente, o início de prazo a considerar será em 2023, pelo que o montante referente ao (i) núcleo, no valor de € 20.606,62, não se encontra prescrito. (…)”
*
G.
A Ré respondeu. Concluiu as suas contra-alegações nos seguintes termos (transcrição, mantendo as referências em itálico, negrito e sublinhado da origem):
“(…)
5 – (…) o prazo de prescrição a aplicar nos autos é o prazo de 3 anos, nos termos do disposto no artigo 498.º do Código Civil, como decidido pela douta sentença ora recorrida e, que a ora Recorrente não impugna, aceita, como se infere do contexto e teor literal das suas doutas alegações de recurso.
6 – E, adianta-se desde já, esse prazo completou-se relativamente a vários pagamentos efetuados pela Recorrente no âmbito da responsabilidade que lhe foi assacada.
7- A Recorrente não aponta quaisquer normas jurídicas violadas pela douta sentença recorrida, pelo que aceita a aplicação do direito efetuada pelo Tribunal a quo.
8- Nesse sentido, a douta sentença recorrida efetuou a correta interpretação e aplicação do direito ao caso (artigos 307.º e 498.º do Código Civil), encontrando-se a fundamentação seguida respaldada pela jurisprudência dominante e maioritária sobre a temática, designadamente, os doutos arestos do Supremo Tribunal de Justiça de 7-04-2011, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego; de 4-11-2010, relatado pelo Conselheiro João Bernardo; de 26-11-2020, relatado pela Conselheira Maria do Rosário Morgado; assim como os da Relação de Lisboa de 17-02-2022, relatado pela Desembargadora Ana de Azeredo Coelho; da Relação de Évora de 11-05-2023, relatado pelo Desembargador Manuel Bargado, entre outros, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
9- A Recorrida suscitou a prescrição em sede de contestação e, como lhe competia, cumpriu o ónus de alegar e demonstrar que o conjunto de recibos ou facturas pagas pela seguradora até ao limite do período temporal de 3 anos que precederam a citação na presente acção, corresponderam a núcleos indemnizatórios, autónomos e bem diferenciados atentos os bens jurídicos envolvidos.
10- A Seguradora Recorrente efetuou pagamentos faseados de várias quantias indemnizatórias ao lesado e demais entidades/credores, tais como hospitais e outros prestadores de serviços, cuidados e tratamentos médicos, medicamentosos, fisioterapia, transportes, etc., sendo evidente que esses pagamentos tinham subjacente o mesmo critério funcional, ligado à natureza da indemnização e ao tipo de bens jurídicos lesados – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-04-2011 – ou seja, esses pagamentos indemnizatórios tinham como função ressarcir as consequências patrimoniais derivadas das lesões à integridade física do sinistrado.
11- A própria Recorrente, nos documentos internos por si elaborados e juntos aos autos, classifica e agrupa os vários pagamentos efetuados, de acordo com o critério funcional de ressarcimento patrimonial e de acordo com o tipo de dano ressarcido, dano biológico futuro, no caso das pensões vitalícias.
12- Assim, seguindo de perto a sobejamente citada jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça, no cumprimento da sua obrigação, conforme documentos juntos à p.i., conseguimos identificar que a Recorrente ressarciu tipos de danos normativamente diferenciados e autónomos, nomeadamente:
– Procedeu à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelas lesões à integridade física do trabalhador, consubstanciados nos pagamento das despesas hospitalares, médicas / medicamentos/ tratamentos/ transportes de ambulância ou outros, e pensões ao trabalhador devidas por incapacidade temporária absoluta.
- Procedeu à indemnização de danos que correspondem à lesão de bens ou direitos claramente diferenciados ou cindíveis de um ponto de vista normativo, desde logo os que correspondam à lesão da integridade física ou de bens da personalidade e os que decorram da lesão do direito de propriedade sobre coisas (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-04-2011, disponível em www.dgsi.pt.), consubstanciados estes no pagamento das pensões anuais vitalícias e despesas de transporte devidas ao trabalhador sinistrado, conforme determinado por douta sentença proferida na ação de processo especial emergente de acidente de trabalho (documento 2 junto à p.i.).
13- Em cada um dos referidos núcleos, o prazo prescricional teve o início da sua contagem igualmente diferenciado, iniciando após o último pagamento indemnizatório efetuado em cada um dos referidos núcleos, à exceção da pensão anual vitalícia, como se dirá infra, cujo prazo de prescrição do direito de regresso inicia-se e corre autonomamente em relação a cada pagamento parcelar, sob pena de ser quase imprescritível o direito da seguradora - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-05-2016.
14- De acordo com os documentos 4 e 6 da petição inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, no que respeita o primeiro núcleo indemnizatório temos:
1 salários – período 21/05/2013 a 11/11/2013 – valor 4.306,14 euros
2 riscos traumatológicos – período 06/05/2013 a 12/05/2014 – valor 82.620,43 euros.
15 - Face ao teor dos documentos 4 e 6, o último pagamento efetuado pela Recorrente relativo ao ressarcimento dos danos integrantes deste primeiro núcleo indemnizatório ocorreu em 12/05/2014, como o pagamento de 70.004,02 euros ao Centro Hospitalar de Lisboa Central EPE (vide documento 4 e documento 6, página 4 de 11), logo, a Prescrição deste crédito da Recorrente ocorreu em 12/05/2017, ou seja, muito antes da citação da Recorrida para a ação!
16 - Como decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no douto acórdão de 04.11.2010, em cujo sumário se concluiu: «Relativamente ao mesmo sinistrado e ressalvados (negrito e sublinhado nossos) os casos de indemnização sob a forma de renda, o prazo prescricional da seguradora para exercer o direito de regresso relativamente a indemnização que pagou, faseadamente, no âmbito do seguro obrigatório automóvel, começa a contar-se da data em que foi efectuado o último pagamento»;
17 – Por outro lado, o pagamento pela Recorrente de uma pensão anual e vitalícia ao lesado constitui o ressarcimento da necessidade de assistência vitalícia de que o mesmo padece; sendo um dano biológico e um dano patrimonial futuro, que é autonomizável dos demais, classificando-se o mesmo como um segundo núcleo indemnizatório que integra a pensão anual e vitalícia, devida pela incapacidade permanente parcial do sinistrado, que a Recorrente identifica nos seus documentos da seguinte forma:
12 pensão – período 25/05/2016 a 29/07/2022 – valor 21.242,91 euros.
15 - Também aqui se trata de um núcleo indemnizatório autónomo e distinto, normativamente diferenciado dos demais, porquanto esta pensão passou a ser devida no dia seguinte ao da alta do sinistrado, com causa na perda da capacidade de ganho do sinistrado, a qual somente se aferiu após consolidação das suas lesões físicas, logo, o seu apuramento resultou de forma cindida do apuramento dos demais danos, mediante aplicação de tabelas normativas e avaliações médicas, e não por mero cálculo aritmético como sucedeu nos danos integrantes do primeiro núcleo indemnizatório, sendo o seu pagamento faseado por imposição legal.
16 – Parafraseando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-05-2016, de que foi relatora a Conselheira Maria da Graça Trigo, disponível em www.dgsi.pt: (…) sempre seria de entender que, à semelhança dos casos de renda vitalícia, o prazo de prescrição do direito de regresso inicia-se e corre autonomamente em relação a cada pagamento parcelar, sob pena de ser quase imprescritível o direito da seguradora. (…).
17 - Cada pagamento mensal da pensão, constitui um pagamento autónomo e distinto dos anteriores e subsequentes.
18 – Tendo a Recorrida sido citada em 14-12-2022, prescreveram, igualmente, os pagamentos efetuados pela Recorrente há mais de 3 anos sobre a data da citação, isto é, todos os pagamentos de pensões que efetuou até 14-12-2019.
19 – O mesmo se diga em relação ao núcleo indemnizatório identificado pela Recorrente como:
18 transportes – 25/05/2016 a 25/05/2016 – valor 31,00 euros.
20 – Relativamente a esta despesa, o prazo de prescrição de 3 anos teve o seu início na data do pagamento efetuado pela Recorrente a que ocorreu em 25/06/2016, como a mesma reconhece nos documentos 4 e 6 juntos à p.i.
21 - Pelo que, decorridos três anos sobre o referido pagamento, concretamente em 25/06/2019, prescreveu o direito de reembolso da Recorrente quanto ao mesmo.
22 – Aqui chegados, após análise da matéria de facto provada e assente nos autos, concluímos que a tese sufragada pela Recorrente é, com o devido respeito, inadmissível, não podendo ser imputada à Recorrida a inércia a que aquela se votou a em pedir o regresso dos pagamentos que efetuou.
23- Porém, é igualmente indispensável proceder a um balanceamento ou ponderação dos interesses envolvidos, como o fez o Supremo Tribunal de Justiça no douto acórdão de 07.04.2011, para evitar a proliferação das acções de regresso, baseadas em cada fatura ou recibo dos pagamentos efetuados pela seguradora, ou, um excessivo retardamento no exercício da acção de regresso pela seguradora, manifestamente inconveniente para os interesses do demandado, razão pela qual, este aresto juntamente com o douto acórdão de 04.11.10, sensível a esta problemática, admitir que nos casos limite, em que a indemnização seja arbitrada em forma de renda – a prescrição se tem de iniciar antes do cumprimento global da obrigação de indemnizar – sob pena de, se assim não for, o direito de regresso ser pouco menos que «imprescritível», nos casos de renda vitalícia, ao revelar-se exercitável pela totalidade das rendas no momento em que cessasse a obrigação, a cargo da seguradora, de as pagar.
24 – Por essa razão, foram conceptualizados núcleos indemnizatórios diferenciados, baseados em critérios funcionais e não aleatórios, sendo que os que estão em apreço nos Autos, supra identificados, são distintos e autónomos, foram claramente cindidos pela própria Recorrente na douta petição inicial e expressamente alegados pela Recorrente em cumprimento do ónus de alegação que se lhe impunha, conhecendo a douta sentença dos mesmos.
25 - A douta decisão recorrida decidiu de forma correta, ao autonomizar os seguinte núcleos indemnizatórios:
(i) € 86.926,47 (correspondente ao valor dos salários pagos, acrescidos das despesas com tratamentos) – ressarcimento de danos de cariz patrimonial sofridos pelo sinistrado;
(ii) € 16.300,58 (relativa ao pagamento das pensões anuais e vitalícias – compensação do sinistrado pela perda da contribuição que o seu vencimento representava para a sua subsistência (critério do tipo de bens jurídicos lesados); e
(iii) € 31,00 (despesas de transporte do sinistrado para o Tribunal – critério patrimonial) – ressarcimento do específico de dano patrimonial resultante da deslocação do sinistrado ao Tribunal.
26 – Sem olvidar que, no que tange os pagamentos das pensões anuais e vitalícias, tomou a douta sentença recorrida em devida conta, o disposto no artigo 307.º do Código Civil, para concluir, na senda da jurisprudência dominante, que deverão ser autonomizados os vários e sucessivos pagamentos parcelares, iniciando-se prazo de prescrição a partir de cada pagamento por parte da Recorrente, sob pena de protelar indefinidamente o direito de regresso da Recorrente, após o decesso do lesado, o que não se concebe nem se coaduna com a teleologia da norma.
27 - Nesta medida, o cálculo do prazo de prescrição de três anos relativamente a cada um destes núcleos indemnizatórios ressarcidos, previsto pelo artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, começou a correr no momento em que cada pagamento foi efectuado e, a partir dessa data, teria sido possível à Recorrente / Autora reclamar os seus eventuais créditos, tal como está consignado na douta sentença.
28 – Nesse conspecto, outra não poderia ser a decisão final do pleito, que não a plasmada na douta sentença recorrida, julgando procedente a excepção da prescrição relativamente às quantias liquidadas em momento anterior a 13-12-2022 pela Recorrente.
29 - Aplicando as regras previstas nos artigos 307.º e 498.º do Código Civil, constata-se, de forma evidente, pela prescrição do eventual direito da Recorrente ao pagamento dos encargos, despesas, salários e pensões alegadamente liquidados em data anterior a 13-12-2022 resultantes da regularização do sinistro laboral, como decidiu o Tribunal a quo.
30 – O juízo judicativo da douta decisão recorrida é claro, cumpriu as regras do silogismo judiciário e, segue a orientação jurisprudencial dominante, impulsionada pelos já citados doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04-11-2010 e 07-04-2011, como forma de mitigar os efeitos nefastos do protelamento indefinido da ação de regresso.
31 – Sendo a decisão alcançada a mais justa, coerente e consentânea com a teleologia das normas jurídicas aplicáveis, não merecendo qualquer reparo, devendo, assim, manter-se integralmente. (…)”
Pugnou pela improcedência do recurso.
*
H.
Colheram-se os vistos dos Sr. e Sr.ª Juízes Desembargadores Adjuntos.
*
I.
Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, sem prejuízo da sua ampliação a requerimento do Recorrido (artigos 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, parte final, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação.
Deste modo, são as seguintes as questões, exclusivamente jurídicas, em apreciação no presente recurso:
1. Qual o prazo de prescrição do direito de regresso titulado pela companhia seguradora sobre corresponsável solidária pelo pagamento de indemnização a lesado em acidente de trabalho.
2. Qual o momento em que deve iniciar-se a contagem do referido prazo de prescrição.
3. Se, sendo a indemnização ao lesado suportada em pagamentos fraccionados no tempo, o início da contagem do prazo de prescrição daquele direito de regresso deve reportar-se a apenas um, ou também a outros destes pagamentos.
*
***
II. FUNDAMENTAÇÃO
*
A. De facto
*
O recurso é exclusivamente de direito.
Uma vez que a matéria de facto não foi impugnada, nem há lugar à sua alteração, reproduzem-se, de seguida, os factos provados da decisão da 1ª instância (transcrição com as referências em itálico do texto de origem):
1. No dia 14 de março de 2013, por ordem da Ré, concretamente transmitida pelo Sr. (…), seu legal representante, (…), trabalhador daquela, no âmbito das suas funções de condutor de máquinas e outros serviços, subiu ao telhado da antiga Fábrica de Bagaço, para a verificação de uma infiltração de águas na cobertura do pavilhão, tendo em vista a subsequente reparação da cobertura do pavilhão.
2. A cobertura do pavilhão da referida fábrica encontrava-se a 7 (sete) metros de altura relativamente ao solo, sendo composta por placas de chapa / zinco e plástico / acrílico.
3. Para a realização da supramencionada tarefa, o Sinistrado montou-se sozinho na máquina denominada por “tesoura elevatória”, começando a circular a pé sobre o telhado, sem recurso a quaisquer tábuas de madeira sobrepostas sobre o telhado, plataforma de trabalho, andaime, cinto de segurança, corda amarrada à cintura, arnês de segurança ligado a um ponto fixo, ou capacete.
4. Após o que, uma das chapas de plástico/acrílico se partiu, dando origem à queda do Sinistrado de uma altura de 7 (sete) metros.
5. Na sequência da factualidade acima mencionada, foi instaurada a respectiva acção emergente de acidente de trabalho, que correu termos no Tribunal da Comarca de Portalegre, Juízo Central do Trabalho, sob o n.º 276/13.3TTPTG, que culminou com a prolação do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 11-06-2015, entretanto transitado em julgado no âmbito do qual foi fixada a seguinte matéria factual:
i. No dia 14 de Março de 2013, o A. exercia as funções de condutor de máquinas e outros serviços sob as ordens direcção e fiscalização da Ré (…) – Transportes de Mercadorias, S.A. e auferia pelo exercício das suas funções a remuneração anual de € 523,74 x 14 meses, acrescido de € 104,28 x 11 meses a título de subsídio de alimentação e de € 64.60 x 14 meses, a título de outros subsídios.
ii. A responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho sofridos pelo Autor no âmbito da relação laboral mencionada no ponto anterior encontrava-se, na referida dará, transferida pela entidade patronal para a Ré Companhia de Seguros (…), através do seguro titulado pela apólice n.º (…).
iii. No dia 14 de março de 2013, cerca das 14 horas, o Autor subiu ao telhado de um pavilhão pertencente à Ré (…), com a finalidade de verificar uma infiltração de água que atingia esse pavilhão, tendo em vista a subsequente reparação da mesma.
iv. Tendo caído desse telhado para o chão de uma altura aproximada de sete metros, o que lhe provocou as seguintes lesões e sequelas:
- Traumatismo craniano com perda de conhecimento, traumatismo cervical, traumatismo torácico e traumatismo de ambos os ombros.
v. A Ré (…) já pagou ao Autor a importância de € 4.306,14 a título de indemnizações por incapacidades temporárias.
vi. O Autor realizou a tarefa referida em 3. por ordem da Ré (…), concretamente transmitida pelo Sr. (…), representante legal daquela.
vii. Chovia em cima de um contador eléctrico existente no pavilhão referido em 3.
viii. O pavilhão referido em 3 situa-se na antiga Fábrica do Bagaço, fora de sede da empresa.
ix. Para realizar a tarefa referida em 3. o Autor montou-se sozinho na máquina denominada “tesoura elevatória”, tendo-a posto a trabalhar e tendo-a guiado até a mesma o elevar à altura do telhado.
x. Após, desmontou-se da máquina e começou a circular a pé sobre o telhado.
xi. O A. iniciou o referido trabalho sem recurso a quaisquer tábuas de madeira sobreposta sobre o telhado, a uma plataforma de trabalho ou andaime.
xii. E sem se munir de qualquer cinto de segurança, corda amarrada à cintura ou arnês de segurança ligado a um ponto fixo.
xiii. E sem usar capacete de proteção.
xiv. O telhado do pavilhão é composto por placas de chapa/zinco e de plástico/acrílico.
xv. Foi uma de tais chapas de plástico/acrílico que se partiu e deu origem à queda do Autor mencionada em D) dos factos assentes.
xvi. (…)
xvii. (…)
xviii. Nunca foi dada ao A. pela R. (…) qualquer formação específica para o efeito de proceder à reparação de telhados.
xix. Não houve, por parte da entidade patronal, uma prévia planificação da tarefa de verificação da existência de infiltrações no telhado do pavilhão referida em 6.
6. No que concerne à fundamentação de direito, nomeadamente na matéria referente à violação de regras de segurança no trabalho por parte da aqui ré (ali entidade patronal) determinantes da produção do acidente dos autos e consequências jurídicas daí decorrentes, o Venerando Tribunal sufragou o seguinte entendimento:
«Contudo, nada disto se demonstrou, sendo que da matéria de facto provada, em particular a que anteriormente fizemos referência, o que claramente se pode inferir é que, tendo a R. “(…), S.A.”, através do seu legal representante (…), incumbido o seu trabalhador e aqui A. (…) de subir ao telhado de um pavilhão pertencente à empresa e que se encontrava situado numa antiga fábrica de bagaço, com a finalidade de verificar uma infiltração de água que atingia esse pavilhão, já que chovia em cima de um contador eléctrico aí existente, para além de se ter demonstrado não ter aquela ré procedido a uma prévia planificação dessa tarefa – o que, naturalmente e a nosso ver, implicaria uma prévia e cabal apreciação do estado de resistência dos elementos em chapa de zinco e em chapa de plástico / acrílico que compunham a cobertura do pavilhão da antiga fábrica – a mesma também não cuidou de, previamente, adotar quaisquer das já mencionas medidas de proteção coletiva (designadamente colocação de plataformas de trabalho ou tábuas de rojo) ou, caso estas não fossem viáveis, de proteção individual (fornecimento de cinto de segurança provido de cordas que permitissem ao sinistrado prender-se a um ponto resistente antes de iniciar o trabalho em causa), sendo certo que aquela R., enquanto titular do pavilhão do mencionado edifício, não poderia desconhecer que, para além da cobertura do mesmo se encontrar colocada a cerca de sete metros de altura, era constituída por placas em zinco e por placas plástico / acrílico, sendo que estas – como se sabe por constituir facto notório – se degradam significativamente com o passar dos anos e a sua exposição diária aos elementos da natureza (sol, frio, chuva e ventos, sujeitando-as, designadamente a enormes variações de temperatura e a um natural desgaste), tornando bastante perigosa a circulação de pessoas por cima das mesmas.
Para além disso, também se provou que a R. “(…), S.A.” não deu ao referido trabalhador qualquer formação específica para o efeito de reparação de telhados, onde, seguramente e estamos em crer, as questões de segurança não deixariam de ser suscitadas. (…)
Houve, pois, uma nítida relação de causa e efeito entre a inobservância das mencionadas regras de prevenção em termos de segurança e a produção do sinistro que vitimou o sinistrado e aqui A. em 14 de março de 2013 pelas 14 horas provocando-lhes as mencionadas lesões corporais que, por sua vez, determinaram a redução da sua capacidade de trabalho e, consequentemente, de ganho já que, como demonstrado também ficou, aquele, para além de ter sofrido de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) durante o período de 236 dias [entre 15-03-2013 e 05.11.2013 (data da alta médica), ficou portador de uma Incapacidade Parcial Permanente (IPP) com o coeficiente de desvalorização de 34,93% (23,29% x 1,5) desde 06.11.2013 (cfr. pontos 20 e 21 dos factos provados).
Assim e contrariamente ao que se decidiu na sentença recorrida, uma tal situação mostra-se geradora de responsabilidade para a R./empregadora “(…) – Transportes de Mercadorias, S.A.” nos termos do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09, mormente a que decorre do disposto no n.º 4, alíneas a) e c), deste normativo, não podendo deixar de ser alterada a sentença recorrida em conformidade e face à indisponibilidade e consequente irrenunciabilidade dos direitos em causa, pese embora o A. (…) não tenha deduzido qualquer impugnação sobre a sentença recorrida.
Face ao disposto no artigo 79.º, n.º 3, da referida Lei, deverá manter-se, no entanto, a responsabilização da R./seguradora nos termos fixados na sentença recorrida, sem prejuízo do direito de regresso que a esta possa assistir e a que aí se faz referência.»
7. Nessa sequência, foi a aqui autora condenada a pagar ao sinistrado … (i) uma pensão anual e vitalícia de € 2.294,44 (dois mil, duzentos e noventa e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos) devida a partir do dia 06.11.2013, a qual deverá ser paga adiantada e mensalmente até ao 3.º dia de cada mês correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo devidas duas prestações de idêntica proporção nos meses de Junho e de Novembro, acrescida tal quantia dos respectivos juros moratórios, contados, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento e (ii) pagar ao sinistrado a quantia de € 31,00 (trinta e um euros) relativa a despesas deslocação ao Tribunal.
8. A título de liquidação do valor do salário, a autora pagou ao sinistrado (…) uma quantia global de € 4.306,04, suportadas entre 21-05-2013 e 11-11-2013, cujos valores e datas de pagamento infra se descriminam:
21.05.2013…€ 937,96;
09.07.2013…€ 1.054,50;
31.08.2013…€ 492,10;
13.09.2013…€ 492,10;
08.11.2013…€ 352,60;
08.11.2023…€ 887,95;
11.11.2013…€ 88,83.
9. A autora suportou o valor referente ao acompanhamento clínico prestado a (…), nomeadamente consultas, tratamentos médicos e respectivo transporte, perfazendo a quantia global de € 82.620,43, suportadas entre 21-05-2013 e 04-06-2013, cujos valores e datas de pagamento infra se descriminam:
21.05.2013…€ 33,34;
21.05.2013…€ 52,50;
04.06.2013…€ 58,62;
04.06.2013…€ 62,50;
17.06.2013…€ 68,00;
17.06.2013…€ 6,00;
02.08.2013…€ 27,55;
31.08.2013…€ 160,00;
31.08.2013…€ 440,00;
31.08.2013…€ 11,10;
27.09.2013…€ 10,95;
27.09.2013…€ 10,95;
27.09.2013…€ 10,95;
27.09.2013…€ 18,70;
27.09.2013…€ 200,00;
27.09.2013…€ 80,00;
27.09.2013…€ 120,00;
27.09.2013…€ 120,00;
27.09.2013…€ 120,00;
29.10.2013…€ 6,00;
29.10.2013…€ 120,00;
02.12.2013…€ 160,00;
02.12.2013…€ 25,50;
02.12.2013…€ 18,00;
17.06.2013…€ 257,00;
07.06.2013…€ 248,00;
25.06.2013…€ 248,00;
09.07.2013…€ 203,76;
09.07.2013…€ 248,00;
09.07.2013…€ 248,00;
11.07.2013…€ 248,00;
29.07.2013…€ 84,90;
14.08.2013…€ 248,00;
14.08.2013…€ 138,40;
14.08.2013…€ 17,30;
27.08.2013…€ 248,00;
27.08.2013…€ 248,00;
13.09.2013…€ 253,50;
16.09.2013…€ 421,00;
10.10.2013…€ 455,60;
07.11.2013…€ 714,10;
07.11.2013…€ 506,00;
08.11.2013…€ 248,00;
21.05.2013…€ 509,50;
23.07.2013…€ 200,00;
17.06.2013…€ 60,00;
17.06.2013…€ 486,00;
23.07.2013…€ 243,00;
23.07.2013…€ 60,00;
21.05.2013…€ 60,00;
21.05.2013…€ 75,00;
17.06.2013…€ 160,00;
17.06.2013…€ 415,00;
17.06.2013…€ 5,18;
09.07.2013…€ 277,11;
11.07.2013…€ 1.468,95;
02.08.2013…€ 145,00;
13.09.2013…€ 6,44;
16.09.2013…€ 90,00;
24.09.2013…€ 75,00;
08.10.2013…€ 15,00;
07.11.2013…€ 86,00;
11.11.2013…€ 44,48;
16.01.2014…€ 39,27;
12.05.2014…€ 70.004,02;
06.05.2013…€ 108,00;
04.06.2013…€ 56,16.
10. A título de pagamento de pensões ao sinistrado (…), a Autora liquidou o valor global de € 16.300,58, suportado entre 2022 e 2023, cujos valores e datas de pagamento infra se descriminam:
2016…€ 1.326,27;
2017…€ 2.325,26;
2018…€ 2.369,26;
2019…€ 2.406,91;
2020…€ 2.422,24;
2021…€ 2.421,02;
2022…€ 2.446,96;
2023…€ 582,66.
11. Em 25-05-2016, a Autora suportou ainda o pagamento de € 31,00 a título de despesas de transporte do sinistrado (…).”
*
B. De direito
*
Vem o presente recurso interposto de decisão que julgou prescrito o direito de regresso, titulado pela Autora sobre a Ré, relativamente aos valores que aquela pagou a título de salários durante a incapacidade temporária de 21.05.2013 a 11.11.2013 do sinistrado, despesas com os seus tratamentos, pensões anuais e vitalícias para compensação da perda da contribuição que o seu vencimento representava para a sua subsistência e despesas de transporte do mesmo, em data anterior a 13.12.2019.
*
Da prescrição do direito de regresso da Recorrente
*
De acordo com a previsão do artigo 298.º, n.º 1, do Código Civil “[e]stão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, a norma em apreço estabelece a regra de que todos os direitos estão sujeitos a prescrição, com excepção dos direitos indisponíveis (i) e dos direitos que a lei declare isentos (ii). ([1])
No caso vertente, como resulta da sentença proferida em primeira instância, o direito de regresso da Autora sobre a Ré, referente às quantias que pagou em virtude do sinistro sofrido por (…), funda-se na circunstância do acidente ter resultado de violação das regras de segurança no trabalho por parte da Ré “(…), S.A.”, nos termos previstos pelos artigos 18.º, n.º 1 e 79.º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais. ([2]) ([3])
Tratando-se de um direito de regresso entre os responsáveis civis – a “(…), S.A.”, por um lado, como entidade empregadora do sinistrado, culpada pelo incumprimento de regras de segurança, e a “(…)”, por outro, como seguradora que contratou com a entidade empregadora o contrato obrigatório de seguro por acidente de trabalho -, é aplicável ao caso o disposto no n.º 2 do artigo 498.º do CC que prevê o prazo de três anos de prescrição daquele direito, “…a contar do cumprimento (…)”.
O “cumprimento” reporta-se ao momento em que o devedor realiza a prestação a que está obrigado (cfr. n.º 1 do artigo 762.º do Código Civil) e que, na situação em análise, corresponde ao pagamento, pela Autora, do montante indemnizatório sobre o qual incide o direito de regresso que vem exercer.
Embora, em regra, a prestação do devedor deva ser realizada integralmente, pode, por convenção das partes, por imposição legal ou pelos usos, ser fraccionada no tempo (cfr. n.º 1 do artigo 763.º do Código Civil).
Nos presentes autos, os valores liquidados pela Autora para reparação dos danos sofridos pelo lesado (…), são constituídos por:
a) € 4.306,04, a título de compensação por salários, paga entre 21.05.2013 e 11.11.2013;
b) € 82.620,43, a título de tratamentos clínicos pagos entre 06.05.2013 e 12.05.2014;
c) € 16.300,58, a título de pensões pagas desde 2016 até 2023 inclusive; e
d) € 31,00, a título de despesas de transporte pagas a 25.05.2016.
Cada uma das verbas a que aludem as alíneas a) a c), inclui vários montantes entregues parcelarmente pela Autora, em distintas datas.
Nas situações de fraccionamento do pagamento da indemnização, como a que se verifica quanto aos componentes da indemnização a cargo da Autora, discriminados nos factos provados números 8 a 10 (cfr. alíneas a) a c) supra) da presente acção, coloca-se a questão do momento a partir do qual (dies a quo) se deve contar o prazo da prescrição:
- se da primeira prestação;
- se de cada prestação individualmente considerada; ou
- se da última prestação prevista e paga?
O assunto vem sendo debatido na jurisprudência, explicando-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.11.2010, relatado pelo Conselheiro João Bernardo no processo n.º 2564/08.1TBCB.A.C1.S1, que o Professor Vaz Serra ([4]) chegou a opinar “…no sentido de que o início da contagem do prazo prescricional se situa na data do primeiro dos pagamentos (…)”, posição que hoje não é defensável devido à redacção do artigo 19.º do DL n.º 522/85, de 31.12 que previu a constituição de um direito de regresso, ex novo, a favor da seguradora, e também porque “… o início da contagem do prazo de prescrição com o primeiro dos pagamentos, redundaria num regime injustificadamente violento para a seguradora e pouco compreensível na perspectiva de eficácia de apreciação do caso pelos tribunais. Assim, por exemplo, pagando a seguradora, logo após um acidente de viação, um par de canadianas para o lesado, veria contra ela começar a correr todo o prazo prescricional, com inclusão das despesas normalmente feitas em momentos posteriores ou bem posteriores que constituíssem a parte mais importante da indemnização. Com frequência, cruzar-se-iam acções do lesado para haver indemnização e da seguradora para obter o direito de regresso do que pagou e havia de vir a pagar.” ([5])
No seguimento desta fundamentação, concluiu que o início do prazo da prescrição deve coincidir com o último pagamento e não com o de cada crédito parcial. ([6])
Não obstante, também do mesmo aresto deflui, desde logo no início do respectivo sumário, em termos claros, que afasta do entendimento aí seguido os casos em que o fraccionamento resulta do próprio regime de satisfação da obrigação, como acontece com a “…a indemnização em forma de renda, caso em que passaria a compreender-se muito mal o início do prazo prescricional só com o pagamento da última renda, sendo aqui de ponderar a aplicação do artigo 307.º do Código Civil” (sublinhados nossos).
Para além das situações em que as indemnizações são fixadas sob a forma de renda, a jurisprudência vem evoluindo no sentido de acolher outras circunstâncias, não afloradas no referido acórdão do STJ de 04.11.2010, passíveis de, em atenção às concretas circunstâncias da indemnização paga e dos bens jurídicos lesados, alterar a orientação de que a contagem do prazo prescricional se inicia a partir da última fracção do pagamento.
Para compreender melhor a modulação aceite pela jurisprudência hoje maioritária, na orientação de que deve atender-se ao momento do último pagamento fraccionado para iniciar o prazo prescricional, vale a pena determo-nos com tempo na profunda análise constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.04.2011, citado na sentença recorrida, relatado pelo Cons. Lopes do Rego no processo n.º 329/06.4TBAGN.C1.S1 (transcrição com negrito e itálico da origem):
“.…importa reconhecer que a opção pela tese que, de um ponto de vista parcelar e atomístico, autonomiza, para efeitos de prescrição, cada um dos pagamentos parcelares efetuados ao longo do tempo pela seguradora acaba por reportar o funcionamento da prescrição, não propriamente à «obrigação de indemnizar», tal como está prevista e regulada na lei civil (artigos 562.º e segs.) mas a cada recibo ou factura apresentada pela seguradora no âmbito da ação de regresso, conduzindo a um – dificilmente compreensível – desdobramento, pulverização e proliferação das acções de regresso, no caso de pagamentos parcelares faseados ao longo de períodos temporais significativamente alongados.
Pelo contrário, a opção pela tese oposta – conduzindo a que apenas se inicie a prescrição do direito de regresso quando tudo estiver pago ao lesado – poderá consentir num excessivo retardamento no exercício da acção de regresso pela seguradora, manifestamente inconveniente para os interesses do demandado, que poderá ver-se obrigado a discutir as causa do acidente (…) muito tempo para além do prazo-regra dos 3 anos a que alude o n.º 1 do artigo 498.º do CC. (…)
Saliente-se, aliás, que o Ac. de 4/11/10, atrás citado, foi sensível a esta problemática, ao admitir que – num verdadeiro caso limite, em que a indemnização seja arbitrada em forma de renda – a prescrição se tem de iniciar antes do cumprimento global da obrigação de indemnizar – sob pena de, se assim não for, o direito de regresso ser pouco menos que «imprescritível», nos casos de renda vitalícia, ao revelar-se exercitável pela totalidade das rendas no momento em que cessasse a obrigação, a cargo da seguradora, de as pagar.
Afigura-se, todavia, que poderá não ser este o único caso em que a opção pela tese da unicidade da prescrição – como decorrência do carácter unitário da obrigação de indemnizar, inferível, desde logo, do modo como esta é, em regra, calculada, através da aplicação da «teoria da diferença» (…) conduz a uma desproporcionado alargamento do prazo da prescrição do direito de regresso: é o que poderá verificar-se quando a obrigação de indemnizar a cargo da seguradora abranja danos futuros, susceptíveis de se revelarem e desenvolverem ao longo de períodos temporais muito prolongados (…) não se vendo, neste caso, razão bastante para que a seguradora não deva exercitar a acção de regresso, referentemente à indemnização que satisfez e que cobre integralmente os danos actuais (…).
Por outro lado, a ideia base da unidade da «obrigação de indemnizar» poderá ser temperada pela possível autonomização das indemnizações que correspondam ao ressarcimento de tipos de danos normativamente diferenciados, consoante esteja em causa, nomeadamente:
- A indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo estes ressarcidos fundamentalmente através de um juízo de equidade, e não da aplicação da referida teoria da diferença;
- A indemnização de danos que correspondam à lesão de bens ou direitos claramente diferenciados ou cindíveis de um ponto de vista normativo, desde logo os que correspondam à lesão da integridade física ou de bens da personalidade e os que decorram da lesão do direito de propriedade sobre coisas.
E tal autonomização ou diferenciação, operada funcionalmente em razão da natureza dos bens lesados, poderá tornar razoável uma consequencial autonomização do início dos prazos de prescrição do direito de regresso (…).
Em suma: se não parece aceitável a autonomização do início de prazos prescricionais, aplicáveis ao direito de regresso da seguradora, em função de circunstâncias puramente aleatórias, ligadas apenas ao momento em que foi adiantada determinada verba pela seguradora, já poderá ser justificável tal autonomização quando ela tenha subjacente um critério funcional, ligado à natureza da indemnização e ao tipo de bens jurídicos lesados, com o consequente ónus de a seguradora exercitar o direito de regresso referentemente a cada núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado, de modo a não diferir excessivamente o contraditório com o demandado, relativamente à causalidade e dinâmica do acidente, em função da pendência do apuramento e liquidação de outros núcleos indemnizatórios, claramente cindíveis do primeiro.” ([7])
O acórdão do STJ de 07.04.2011, vindo de citar, impulsionou a jurisprudência no sentido, actualmente maioritário, de que a orientação da contagem do prazo da prescrição a partir do último pagamento fraccionado, deve ser autonomizada relativamente a parcelas do total indemnizatório, não apenas nos casos de indemnização paga sob a forma de renda – pela razão incontornável de que, se assim não fosse, estaríamos a reconhecer um direito imprescritível durante a vida do lesado –, mas ainda nos casos em que tais pagamentos se dirijam a danos normativamente diferenciados, em linha com o critério funcional aí sufragado, ligado à natureza da indemnização e ao tipo de bens jurídicos lesados.
Numa enumeração ampla, mas não exaustiva, no mesmo sentido se pronunciam, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.11.2020, relatado pela Conselheira Maria do Rosário Morgado no proc. n.º 2325/18-0T8VRL.G1.S1 ([8]), 03.07.2018, relatado pelo Conselheiro Pinto de Almeida no proc. n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1 ([9]), de 18.01.2018, relatado pela Conselheira Maria do Rosário Morgado no proc. n.º 1195/08.0TVLSB.E1.S1 ([10]), de 19.05.2016, relatado pela Conselheira Maria da Graça Trigo no proc. n.º 645/12.6TVLSB.L1.S1 ([11]).
Com o mesmo entendimento, ainda os recentes acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 09.05.2024, relatado pelo Desembargador Paulo Duarte Teixeira no proc. n.º 2505/23.6T8AVR-A.P1 ([12]), de 25.01.2024, relatado pela Desembargadora Ana Vieira no proc. n.º 21006/22.3T8PRT.P1 ([13]) e do Tribunal da Relação de Évora de 11.02.2021, relatado pelo Desembargador Tomé Ramião no proc. n.º 304/19.9T8ABF-A.E1 ([14]) para além do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.01.2012, relatado pelo Desembargador Henrique Antunes no proc. n.º 644/10.2TBCBR-A.C1 ([15]).
É também esta a posição que se perfilha na presente decisão, coincidente, neste particular, com o entendimento adoptado na sentença recorrida.
Resta, por isso, aferir se a decisão em crise fez correcta aplicação da eleita jurisprudência aos factos provados.
Entendeu o Sr. Juiz da 1ª instância autonomizar os seguintes três núcleos indemnizatórios:
(i) € 86.926,47 (correspondente ao valor dos salários pagos, acrescidos das despesas com tratamentos) – ressarcimento de danos de cariz patrimonial sofridos pelo sinistrado;
(ii) € 16.300,58 (relativa ao pagamento das pensões anuais e vitalícias – compensação do sinistrado pela perda da contribuição que o seu vencimento representava para a sua subsistência; e
(iii) € 31,00 (despesas de transporte do sinistrado para o Tribunal) – ressarcimento do específico de dano patrimonial resultante da deslocação do sinistrado ao Tribunal.
A Recorrente discorda, considerando, em primeira linha, não haver razões para os diferenciar ou, se assim se não entender, apenas dever o pagamento das despesas de transporte ser separado dos demais ou, ainda subsidiariamente, que sempre deverão constituir-se numa unidade os pagamentos efectuados a título de indemnização por incapacidades temporárias e as pensões devidas a título de incapacidades permanentes.
Com o devido respeito, não nos parece de acolher qualquer das pretensões da Recorrente.
É que, desde logo, a verba de € 16.300,58 entregue desde 2016 até 2023, referente à pensão anual e vitalícia que a Recorrente foi condenada a pagar ao lesado, não pode, à luz do critério da jurisprudência que aqui se sufraga, deixar de ter tratamento diferenciado relativamente às demais verbas, considerando-se que o início do prazo prescricional se conta a partir de cada uma das prestações anuais liquidadas e não da última, sob pena de, como se deixou expresso, estarmos a reconhecer, na prática, um direito de reembolso à seguradora, imprescritível durante toda a vida do lesado. ([16])
Está, assim, correcta a análise feita pela sentença da 1ª instância quando considerou:
- prescritas as rendas anuais pagas anteriormente a 13.12.2019, na medida em que a presente acção foi proposta a 14.12.2022, mais de três anos depois; e
- devido pela Ré reembolso da quantia de € 7.872,88, relativa às liquidadas durante os anos de 2020 a 2023.
Quanto aos outros montantes reclamados pela Recorrente, por respeitarem a pagamentos concretizados até 11.11.2013, 12.05.2014 e 25.05.2016 (respectivamente, € 4.306,04 a título de compensação por salários, € 82.620,43 a título de tratamentos clínicos e € 31,00 a título de despesas de transporte), mostrava-se já decorrido o prazo de prescrição de 3 anos contado desde a data mais próxima das três – o dia 25.05.2016 – quando, em Dezembro do ano de 2022, foi proposta a presente acção. Donde, para o efeito visado pela Recorrente, resulta irrelevante a composição que dos mesmos tenha sido feita na sentença recorrida como danos normativamente diferenciados.
*
Fenecem, pelas razões apresentadas, os argumentos esgrimidos pela Recorrente, nenhum reparo merecendo a sentença recorrida.
*
***
Custas
*
Não havendo norma que preveja isenção (artigo 4.º, n.º 2, do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (artigo 607.º, n.º 6, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC).
No critério definido pelos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito.
A parte decaída no presente recurso foi a Recorrente que viu mantida a decisão primeira instância. Deve, portanto, ser condenada no pagamento das custas.
*
***
III. DECISÃO
*
Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o colectivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em:
Julgar improcedente a presente apelação, confirmando a sentença recorrida.
Condenar a Recorrente no pagamento das custas do presente recurso.
Notifique.
*
***
Évora, 25 de Outubro de 2024
Relator: Ricardo Miranda Peixoto
1º Adjunto: António Fernando Marques da Silva
2º Adjunto: Sónia Moura
__________________________________________________
[1] In “Código Civil Anotado”, Volume I, 4ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 272, onde prosseguem com seguinte explicação:
i. “Entre os primeiros estão os direitos de personalidade, como o direito ao nome, e, de uma maneira geral, todos os direitos relativos ao estado da pessoa, como os direitos de família.”».
ii. “Entre os segundos estão compreendidos todos os direitos referidos nos n.ºs 2 e 3. O n.º 2 considera, em princípio, de caducidade os prazos fixados na lei ou por vontade das partes para o exercício de direitos. Prevê-se, no entanto, que a própria lei os sujeite ao regime da prescrição. (…) O n.º 3 refere-se a direitos reais que, embora não sujeitos a prescrição, podem extinguir-se pelo não uso, sendo, neste caso, aplicável o regime da caducidade. (…) Este n.º 3 do artigo 298.º não abrange todos os direitos reais. Todos aqueles que não se encontram mencionados neste número estão sujeitos à regra da prescrição, formulada no n.º 1, salvo quando, para o seu exercício, a lei fixe um prazo, como acontece com o exercício do direito de preferência de natureza real”.
[2] Nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009: “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
[3] O n.º 3 do artigo 79.º do mesmo diploma legal prevê que: “Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.»
[4] In “Revista de Legislação e Jurisprudência”, Ano 96º, pág. 182.
[5] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ce974f6f2123e8dc802577d80053f95b?OpenDocument
[6] No sentido oposto, de que o prazo prescricional corre, sem outros requisitos, a partir de cada pagamento que foi efectuado pela seguradora, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.05.2015, relatado pela Desembargadora Octávia Viegas no processo n.º 1960/11.1TCLRS.L1-8.
Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/4d97cb5e223d0e0980257ea6004d2dea?OpenDocument
[7] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3d388744791b19cc802578720048bc7a?OpenDocument
[8] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/08767b834e5f23a880258219004f8a7a?OpenDocument
[9] O qual para além de extensa indicação da doutrina e da jurisprudência, apresenta o seguinte sumário:
“(…) V. No caso de fraccionamento do pagamento da indemnização, deve atender-se, por regra, ao último pagamento efectuado, sendo porém de admitir que essa regra possa ser temperada nos casos em que seja possível a "autonomização da indemnização que corresponda a danos normativamente diferenciados". V. Esta autonomização de núcleos da indemnização, para este efeito de contagem do prazo de prescrição, será admissível apenas em relação a danos autónomos e consolidados, de natureza claramente diferenciada e inteiramente ressarcidos.”
Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8c874902c76321fd802582c00046541a?OpenDocument
[10] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/08767b834e5f23a880258219004f8a7a?OpenDocument
[11] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/364e3f86f40a713e80257fbd003db8e4?OpenDocument
[12] Cujo sumário reza:
I - O prazo de prescrição do direito de regresso da seguradora tem o seu termo inicial na data em que for feito o pagamento da última parcela da indemnização, excepto quando a indemnização global possa ser fraccionada em prestações individuais e autónomas. (…)
III - Integram essa autonomia as indemnizações líquidas em 2018 a vários lesados do mesmo acidente ocorrido em 2011 e duas entidades hospitalares que lhe prestaram assistência, tanto mais que o direito de regresso quanto à principal lesada só foi acionado em 2023 (…)”.
Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/6ceef6feb426b50c80258b3b0046c52a?OpenDocument
[13] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/b8ead3c933629cc480258ad3003e774e?OpenDocument
[14] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/e183fe4278713b3d8025868800764261?OpenDocument
[15] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/30164ffc25ccea18802579990053ccfe?OpenDocument
[16] Com maior enfoque na questão da indemnização em renda vitalícia, para além dos acórdãos do STJ de 04.11.2010 e 07.04.2011 cujos fundamentos se transcreveram parcialmente, v. também o mencionado acórdão do STJ de 19.05.2016, relatado pela Juíza Conselheira Maria da Graça Trigo no processo n.º 645/12.6TVLSB.L1.S1.