GARANTIA REAL
DIREITO DE RETENÇÃO
LISTA DE CREDORES
IMPUGNAÇÃO
Sumário

I - O credor que pretenda fazer-se valer de garantia de que o seu crédito sobre a insolvência beneficie deverá, no requerimento em que reclama a verificação do crédito, indicar tal garantia, conforme exigido pelo artigo 128.º, n.º 1, alínea c), do CIRE;
II – A falta de tal indicação no requerimento de reclamação do crédito, ou no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, impede o credor de fazer-se valer de eventual garantia, se não reconhecida pelo administrador da insolvência;
III - A impugnação da lista de credores reconhecidos só pode ter algum dos fundamentos indicados no artigo 130.º do CIRE, não permitindo o preceito a invocação de elementos novos, designadamente a indicação de garantia de que o crédito reconhecido eventualmente beneficie, anteriormente não indicada, e cuja consideração venha a determinar uma alteração da classificação do crédito;
IV – Não tendo o credor invocado o direito de retenção no prazo fixado para a reclamação de créditos, mostra-se extemporânea a respetiva invocação, acompanhada pela alegação de factualidade nova, em momento posterior à apresentação pelo administrador da insolvência da relação de créditos a que alude o artigo 129.º do CIRE, designadamente em sede de impugnação da lista de credores reconhecidos.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 1448/23.8T8PTG-B.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre
Juízo Local Cível de Portalegre


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

Nos autos que constituem o processo principal, por sentença de 28-11-2023, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de (…) e de (…), tendo sido designado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.
A credora (…), Unipessoal, Lda. reclamou, em 04-01-2024, a verificação de um crédito no montante de € 104.869,25, alegando que celebrou com os ora insolventes, no dia 26-07-2021, um contrato de empreitada, através do qual se obrigou a proceder à ampliação com reconstrução do prédio que identifica mediante o pagamento do preço que indica, tendo iniciado os trabalhos acordados, os quais suspendeu em abril de 2023, na sequência de comunicação pelos devedores de que não dispunham de meios que lhes permitissem proceder ao pagamento da totalidade da quantia acordada, encontrando-se em dívida o montante de € 101.267,99, a título de capital, acrescido do montante de € 3.601,26 relativo a juros, tendo declarado que a dívida não se encontra garantida.
Decorrido o prazo fixado para as reclamações, o administrador da insolvência apresentou relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, tendo incluído na lista de créditos reconhecidos, entre outros, o crédito reclamado pela credora (…), Unipessoal, Lda., no montante de € 104.869,25, que classificou como crédito comum.
A credora (…), Unipessoal, Lda. apresentou impugnação à lista de credores reconhecidos, invocando a incorreção da qualificação do crédito de que é titular como crédito comum, sustentando que o crédito se encontra garantido por direito de retenção sobre o bem imóvel apreendido a favor da massa insolvente, pelos motivos que expõe.
O administrador da insolvência apresentou resposta, sustentando que o crédito foi reconhecido nos exatos termos da reclamação apresentada, na qual não foi invocado o direito de retenção, nem feita qualquer menção à posse do bem pela credora impugnante ou à respetiva retenção para assegurar o pagamento da dívida, antes se tendo afirmado expressamente que a dívida não se encontra garantida, pelo que entende dever ser julgada improcedente a reclamação apresentada.
O credor Banco (…), S.A. aderiu aos fundamentos apresentados pelo administrador da insolvência na resposta à impugnação deduzida.
A credora impugnante pronunciou-se sobre a resposta apresentada pelo administrador da insolvência, sustentando, além do mais, que a reclamação de créditos que apresentou enferma de um lapso de escrita, ao se ter consignado que o crédito não se encontra garantido.
Notificados, o credor Banco (…), S.A. e o administrador da insolvência pronunciaram-se no sentido da improcedência da impugnação deduzida.
Por despacho de 31-05-2024, foi admitida a impugnação deduzida à lista de credores reconhecidos, nos termos seguintes:
O Administrador da Insolvência apresentou, em 9 de Janeiro de 2024, a lista dos credores reconhecidos e não reconhecidos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 129.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE.
Por requerimento que deu entrada em juízo em 22 de Janeiro de 2024, veio o Credor (…), Unipessoal, Lda., impugnar essa lista, com fundamento na indevida qualificação atribuída ao crédito que lhe foi reconhecido, sustentando que o seu crédito, contrariamente ao propugnado pelo Administrador de Insolvência que o graduou como crédito comum, tem a natureza de crédito garantido por força do direito de retenção que lhe assiste, enquanto empreiteiro, relativamente ao bem imóvel que se encontra apreendido para a massa insolvente.
O Sr. Administrador da Insolvência e o Credor Banco (…), SA responderam a esta impugnação, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do C.I.R.E, ambos defendendo a improcedência da impugnação com fundamento na sua inadmissibilidade, para o que alegaram, em breve síntese, que o Credor Impugnante não alegou, no articulado da reclamação de créditos que apresentou, a natureza garantida do seu crédito. Outrossim, aduziu o Sr. Administrador da Insolvência que a Credor Impugnante não juntou à impugnação quaisquer documentos comprovativos da alegada posse ou a retenção do imóvel.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o preceituado no artigo 128.º, n.º 1, alínea c), do C.I.R.E, os credores da insolvência devem reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem a sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável.
No caso dos autos, mostra-se vertida no requerimento de reclamação de crédito apresentada pelo Credor (…), Unipessoal, Lda., a seguinte alegação: "Em 26-7-2021, por contrato de empreitada celebrado entre a credora declarante e os devedores, aquela, actuando no exercício da sua actividade empresarial, obrigou-se à ampliação com reconstrução do prédio (moradia) de acordo com o projecto aprovado pela Câmara Municipal contra o pagamento pelos devedores da quantia de € 137.564,00, acrescida de IVA a taxa de 23%, o que dava o valor de € 168.203,72. (...) em Abril de 2023 os devedores informaram a credora reclamante que estavam com dificuldade em continuar a pagar, porque o banco não lhes tinha concedido crédito suficiente para pagamento da totalidade da obra; por isso a credora reclamante suspendeu os trabalhos da obra. (…) a credora reclamante emitiu, com data de 8-9-2023, a factura n.° (…), do montante de € 101.267,99, correspondente aos trabalhos executados e não facturados e enviou-lha a eles acompanhada do descritivo do valor dos trabalhos. (…) A obra está, a presente data, tal corno estava em Maio de 2023, quase pronta apenas faltando executar os trabalhos descritos no ponto 7 do aludido documento no valor de € 6.070,00. (…) A dívida não se encontra garantida”. Concluiu, pedindo o reconhecimento do seu crédito e a sua graduação no lugar que lhe competir.
Do exposto decorre que a Credor não cuidou de indicar no requerimento de reclamação do seu crédito a natureza garantida do mesmo, nem alegou expressamente um pressuposto fáctico da garantia real do direito de retenção: a detenção (regular) sobre a obra construída.
Porém, salvo o devido respeito por opinião contrária, julga-se que a omissão de alegação quanto ao fundamento da garantia do crédito não tem um efeito irremediavelmente preclusivo e insanável, uma vez que nos movemos em sede insolvencial, no seio da qual existe um fortalecimento do princípio do inquisitório que resulta da norma contida no artigo 11.º do C.I.R.E, que prescreve que “no processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes”.
Na verdade, conforme explana o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.01.2014, processo n.º 1938/06.7TBCTB-E.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, a peculiar natureza do processo de insolvência e a possibilidade de se considerarem processualmente adquiridos factos que, embora não expressamente alegados pela partes, possam resultar da globalidade do processo de liquidação universal do património do insolvente, aliadas ao reforço do princípio do inquisitório, permitem a aquisição processual de factos que se devem qualificar como concretizadores ou complementares do núcleo essencial da causa de pedir invocada (veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.2009, processo n.º 605/04.0TJVNF-A.S1, disponível na base de dados supra citada).
Revertendo ao caso dos autos, e diante da alegação vertida no requerimento de reclamação de créditos, afigura-se-nos que a alegação factual em falta se apresenta como concretizadora do núcleo essencial da causa de pedir invocada pelo Credor Impugnante, sendo admissível a sua ulterior aquisição processual, em função dos resultados da instrução do processo (artigo 413.º do Código de Processo Civil).
Em face do exposto, admite-se a impugnação deduzida pela Credor (…), Unipessoal, Lda..
De seguida, foi dispensada a audiência prévia, fixado o valor à causa e proferido despacho saneador, após o que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual se julgou procedente a impugnação apresentada pela credora (…), Unipessoal, Lda., decidindo-se o seguinte:
a) Reconhecer que o crédito de (…), Unipessoal, Lda., no valor de € 104.869,25 (cento e quatro mil e oitocentos e sessenta e nove euros e vinte e cinco cêntimos), tem natureza garantida por direito de retenção relativamente ao prédio apreendido para a massa insolvente;
b) Homologar a lista de credores reconhecidos constante dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com a alteração resultante da decisão que apreciou a impugnação apresentada pela credora (…), Unipessoal, Lda.;
c) Graduar os créditos nos seguintes termos:
Pelo produto da venda do prédio constante do auto de apreensão que integra o apenso A, dar-se-á pagamento pela ordem seguinte:
- Em primeiro lugar, o crédito garantido por direito de retenção reconhecido à (…), Unipessoal, Lda.;
- Em segundo lugar, o crédito garantido por hipoteca reconhecido ao Banco (…), S.A.;
- Em terceiro lugar, os créditos comuns;
- Em quarto lugar, os créditos subordinados.
Pelo produto da venda dos demais bens não garantidos constantes do auto de apreensão que integra o apenso A, dar-se-á o pagamento aos créditos comuns, em rateio, se necessário, e aos créditos subordinados.

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As dívidas da massa insolvente, incluindo as custas do processo de insolvência, são pagas prioritariamente sobre os créditos verificados e graduados, nos termos do disposto nos artigos 51.º e 172.º, n.º 1, todos do C.I.R.E..
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Sem custas (artigo 303.º do C.I.R.E.).
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Registe e notifique, incluindo o Sr. Administrador da Insolvência.

Inconformado, o credor Banco (…), S.A. interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que julgue improcedente a impugnação apresentada, terminando as alegações com as conclusões que se transcrevem:
«I. O prédio misto – composto por olival, sobreiros e solo subjacente-cultura arvense, morada de casas rés-do-chão, sito em (…), freguesia de (…), concelho de Portalegre, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…) foi apreendido para a massa insolvente;
II. O Banco (…), S.A. concedeu aos insolventes (…) e (…), um mútuo sob a forma de empréstimo a prazo, no valor de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros), a liquidar em 409 (quatrocentas e nove) prestações mensais e sucessivas, e remunerada de acordo com a taxa de juros fixada na cláusula sexta das condições gerais e da cláusulas décima quarta e seguintes das condições particulares do documento complementar ao Documento Particular Autenticado;
III. Por força do mútuo alegado no artigo anterior, foi reclamado um crédito no valor de € 117.741,32 (cento e dezassete mil, setecentos e quarenta e um euros e trinta e dois cêntimos);
IV. O crédito referido no artigo antecedente está garantido por hipoteca registada sobre o imóvel, identificado no antecedente I, através da apresentação 638 de 2021/12/31;
V. O credor (…), Unipessoal, Lda. reclamou um crédito no montante de € 104.868,25 referente à fatura n.º (…) não liquidada pelos insolventes, decorrente de um contrato de empreitada celebrado entre o credor e os insolventes.
VI. Na sua reclamação de créditos o credor (…), Unipessoal, Lda. referiu expressamente que a dívida reclamada não se encontra garantida.
VII. Na definitiva de credores reconhecidos elaborada pelo Ilustre Administrador da Insolvência nos termos do artigo 129.º do CIRE foram, entre outros, reconhecidos os seguintes créditos:
a. O crédito de € 117.741,32 (cento e dezassete mil, setecentos e quarenta e um euros e trinta e dois cêntimos) do Banco (…), SA qualificado como garantido por hipoteca sobre o imóvel descrito no antecedente I;
b. O crédito de € 104.868,25 do credor (…), Unipessoal, Lda., tendo sido qualificado com crédito comum;
VIII. A lista de credores reconhecidos elaborada pelo Ilustre Administrador da Insolvência nos termos do artigo 129.º do CIRE foi elaborada nos exatos termos em que os créditos referidos no artigo antecedente foram reclamados;
IX. O credor (…), Unipessoal, Lda. impugnou a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Ilustre Administrador da Insolvência nos termos do artigo 129.º do CIRE;
X. Na impugnação apresentada pelo credor (…), Unipessoal, Lda. foi alegado um direito de retenção sobre o imóvel descrito no antecedente I, tendo, por essa via, peticionado que o seu crédito seja qualificado como garantido;
XI. Por douta sentença com a ref.ª 33580137 foi julgada procedente a impugnação apresentada pelo credor (…), Unipessoal, Lda. e em consequência foi reconhecido que o crédito de (…), Unipessoal, Lda., no valor de € 104.869,25 (cento e quatro mil e oitocentos e sessenta e nove euros e vinte e cinco cêntimos), tem natureza garantida por direito de retenção relativamente ao prédio apreendido para a massa insolvente;
XII. Por douta sentença com a ref. 33580137 foi, pelo produto da venda do imóvel descrito no antecedente I, graduados os credores da seguinte forma:
a. Em primeiro lugar o crédito de (…), Unipessoal, Lda., no valor de € 104.869,25 (cento e quatro mil e oitocentos e sessenta e nove euros e vinte e cinco cêntimos);
b. Em segundo lugar o crédito garantido por hipoteca reconhecido ao aqui Recorrente Banco (…), S.A..
XIII. Nos termos do artigo 128.º do CIRE, os credores da insolvência devem, dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, reclamar a verificação dos seus créditos, no qual indiquem, entre outros, a sua natureza comum, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objeto da garantia e respetivos dados de identificação registral;
XIV. O credor (…), Unipessoal, Lda., na sua reclamação de créditos, não alegou a existência do direito de retenção sobre o imóvel, supra descrito, nem juntou qualquer documento referente a esse alegado direito;
XV. O credor (…), Unipessoal, Lda. não cumpriu o ónus de alegação imposto pela norma do artigo 128.º do CIRE ao não alegar na reclamação de créditos qualquer direito de retenção, pelo que não pode posteriormente ser reconhecido ao credor a referida garantia;
XVI. A impugnação da lista de credores reconhecidos só pode ter como fundamento os constantes no artigo 130.º do CIRE, isto é, a indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos;
XVII. “A impugnação da lista de credores reconhecidos só pode ter como fundamentos os indicados no artigo 130.º do CIRE, não permitindo o preceito a invocação de elementos novos, designadamente a indicação de garantia de que o crédito reconhecido eventualmente beneficie, anteriormente não indicada, e cuja consideração venha a determinar uma alteração da classificação do crédito” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 835/09.9TBPTM.C.E1.S1, disponível em dgsi.pt através do link https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2e608fff4e7abd07802583d700524e6e?OpenDocument;
XVIII. A invocação do direito de retenção do credor (…), Unipessoal, Lda. na sua impugnação à lista de créditos reconhecido e não reconhecidos, que não havia invocado na sua reclamação de créditos, é extemporânea, não sendo o meio processual próprio para reclamar uma garantia, nem corresponde a nenhum dos fundamentos taxativamente previstos no artigo 130.º do CIRE;
XIX. O Tribunal a quo não poderia ter apreciado a questão da existência deste direito, devendo ter sido mantida a lista de créditos reconhecido e não reconhecidos elaborada pelo Ilustre Administrador da Insolvência, e por via disso, mantendo-se a classificação do crédito do credor (…), Unipessoal, Lda. como comum;
XX. Consequentemente, deve ser igualmente alterada a graduação de créditos relativamente ao produto da venda do imóvel identificado no antecedente I, devendo ser graduado da seguinte forma:
- Em primeiro lugar, o crédito garantido por hipoteca reconhecido ao Banco (…) , S.A;
- Em segundo lugar, os créditos comuns;
- Em terceiro lugar, os créditos subordinados;
XXI. O Tribunal ao quo ao julgar procedente a impugnação apresentada pelo credor (…), Unipessoal, Lda. violou as normas dos artigos 128.º e 130.º do CIRE;
XXII. Sem prescindir, da factualidade provada nos autos não permite concluir que assistia ao credor (…), Unipessoal, Lda. o invocado direito de retenção;
XXIII. Consequentemente, deve ser igualmente alterada a graduação de créditos relativamente ao produto da venda do imóvel identificado no antecedente I, devendo ser graduado da seguinte forma:
- Em primeiro lugar, o crédito garantido por hipoteca reconhecido ao Banco (…), S.A.;
- Em segundo lugar, os créditos comuns;
- Em terceiro lugar, os créditos subordinados;
Termos em que, pelas razões aduzidas, deve ser concedido provimento ao recurso e, consequentemente, revogar-se a Sentença recorrida, sendo o crédito do Banco (…), SA, garantido por hipoteca sobre o imóvel apreendido para a massa insolvente graduado em primeiro lugar assim se fazendo JUSTIÇA!!!»
A credora (…), Unipessoal, Lda. apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido e invocando, a título de questão prévia, o trânsito em julgado do despacho que admitiu a impugnação deduzida à lista de credores reconhecidos, proferido em 31-05-2024, sustentando que o mesmo admitia apelação autónoma, a interpor no prazo de 15 dias, já decorrido, o que entende impedir a apreciação de parte do objeto do presente recurso, pelos motivos que expõe.
Por despacho proferido pela ora relatora, foi concedido contraditório ao apelante sobre a questão suscitada pela apelada nas contra-alegações, na parte relativa às consequências decorrentes da prolação do aludido despacho de 31-05-2024.
O apelante emitiu pronúncia, sustentando que o aludido despacho não impede a apreciação do objeto do recurso e defendendo que o mesmo não transitou em julgado, pelos motivos que expõe.
Face às conclusões das alegações do recorrente e à questão suscitada pela recorrida, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
i) da questão prévia: aferir se o despacho que admitiu a impugnação deduzida à lista de credores reconhecidos obsta ao conhecimento do objeto do recurso;
ii) da extemporaneidade da invocação do direito de retenção pela credora (…), Unipessoal, Lda.;
iii) da classificação do crédito desta credora.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. (…), Unipessoal, Lda. tem por objecto social a construção de edifícios; promoção imobiliária; construção de outras obras de engenharia civil não especificadas; demolição e preparação dos locais de construção.
2. (…), Unipessoal, Lda., no exercício da sua actividade, e os Insolventes acordaram que a primeira procederia à reconstrução de uma moradia edificada no prédio misto sito na Rua do (…), n.º 15, (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da freguesia dos (…), concelho de Portalegre e na matriz predial rústica sob o artigo (,…), da secção (…) da freguesia dos (…), concelho de Portalegre, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o n.º (…).
3. Os trabalhos foram iniciados em Maio de 2022.
4. (…), Unipessoal, Lda. procedeu à suspensão dos trabalhos em finais de Abril de 2023, quando a obra se encontrava praticamente concluída, por força da falta de pagamento dos trabalhos executados por parte dos Insolventes.
5. Na sequência da suspensão dos trabalhos, o sócio-gerente da sociedade (…), Unipessoal, Lda. bloqueou, por dentro, a porta mediante a qual os Insolventes tinham acesso à moradia.
6. Permanecendo, na obra, materiais da sociedade (…), Unipessoal, Lda..
7. O legal representante (…), Unipessoal, Lda. enviou aos Insolventes, por via postal registada com aviso de recepção, missiva datada de 8 de Setembro de 2023, endereçada para a ‘Rua (…), n.º 15, (…)’, com o seguinte teor: “Exmos. Senhores, No início do passado més de Março de 2023 transmitiram-me que estavam com dificuldade em conseguir dinheiro para efectuar o pagamento da obra. Nessa altura já estava em divida à minha empresa, (…), Unipessoal, Lda., a quantia de € 4.000,00, referente a factura n.° (…). Garantiram-me, todavia, que iriam pagar todo o trabalho e eu, convicto de que assim seria, continuei a obra. Em 17 de Abril de 2023 o Sr. (…) transmitiu-me que «O valor que falta receber do banco são cerca de € 56.000,00». Continuava por pagar a quantia de € 4.000,00 e, devido ao avanço nas obras, já havia por facturar quantia que rondava os € 100 mil euros. Preocupado, falei com o Sr. (…) e com o seu pai que me disse que estivesse descansado que iam arranjar o dinheiro, mas que, se fosse necessário, falamos um acordo de pagamento em que o pai se assumiria como fiador. Continuei a obra, mas chegado o final de Abril de 2023 ainda nem tinha sido paga a quantia € 4.000,00 em dívida do montante já facturado. Falei novamente com o Sr. (…) que admitiu que não tinha dinheiro para pagar, propondo um acordo de pagamento em prestações em que opal ficaria fiador. No dia 12 de Maio de 2023 pagaram a quantia de € 4.000,00, já facturada e ainda em divida. Durante o mês de Junho de 2023, já com a intervenção das nossas advogadas, chegou-se a um acordo que seria confirmado por escritura pública no Cartório Notarial de Nisa. No inicio de Julho de 2023, quando já estava tudo pronto para celebrar a escritura, o Sr. (…) e a sua advogada quebraram o acordo. Não foi apresentada, ate a data, factura do montante em divida correspondente ao trabalho já efetuado e não pago, porque eu aguardava que chegássemos a uma solução. Mas, sabem bem os Senhores que a obra está quase finalizada, que devem dinheiro a minha empresa e quanto devem, não tendo, por isso, justiça a invocação, pela advogada, de falta de factura como pressuposto da situação de dívida. Como corrido mais de um mês nada disseram, envio factura n.° (…) do montante em divida, a pagar no prazo de 15 dias, que tenho corno razoável e os Senhores certamente considerarão também. Se até lá o montante não for pago a empresa, de que sou único sócio e gerente, recorrerá a tribunal. Com os melhores cumprimentos, subscrevo-me.”
8. A referida missiva veio a ser levantada pelo Insolvente em 12 de Setembro de 2023 num papelaria que funciona como posto de correio.
9. Desde 2019, e até à declaração da insolvência, o domicílio fiscal dos Insolventes correspondia à morada da moradia em construção, pelo que aí se descolavam diariamente a fim de proceder à recolha da correspondência.
10. A caixa de correio situa-se no exterior da moradia.
11. Por requerimento dirigido ao Sr. Administrador da Insolvência, (…), Unipessoal, Lda. reclamou um crédito no valor de € 104.869,25, sendo € 101.267,99 a título de capital e € 3.601,26 respeitante a juros.
12. Em 9 de Janeiro de 2024, o Sr. Administrador da Insolvência apresentou a lista de credores reconhecidos, onde consignou o reconhecimento dos seguintes créditos: um crédito ao Banco (…), S.A. no valor de € 117.741,32, que qualificou como garantido; um crédito ao Banco (…), S.A. no valor de € 7.985,41, que qualificou como comum; um crédito ao Banco (…), S.A, no valor de € 9.143,21, que qualificou como comum; um crédito ao Banco (…), S.A, no valor de € 74,71, que qualificou como subordinado; um crédito a (…), Unipessoal, Lda. no valor de € 104.869,25, que qualificou como comum.
13. O crédito reconhecido a (…), Unipessoal, Lda. respeita aos trabalhos por si executados para a reconstrução da moradia edificada no prédio sito na Rua do (…), n.º 15, (…), obra essa que lhe foi adjudicada pelos Insolventes.
14. Mostram-se apreendidos para a massa insolvente os seguintes bens:
- Prédio misto sito na Rua (…), n.º 15, (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da freguesia de (…), concelho de Portalegre e na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção (…), da freguesia de (…), concelho de Portalegre, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o n.º (…);
- Quinhão hereditário a que a insolvente (…), tem direito na herança aberta por óbito de seu pai, (…);
- Produto da venda do veículo com a matrícula (…), no valor de € 6.110,00.
15. No registo predial figuram, quando ao prédio identificado em 2) e 14), as seguintes inscrições:
- Pela apresentação n.º (…), de 2019.06.19, a aquisição, por compra e cessão de quinhão hereditário, a favor de (…);
- Pela apresentação n.º (…), de 2021.12.31, hipoteca voluntária a favor do Banco (…), S.A. para garantia de empréstimo, pelo montante máximo assegurado de € 170.000,00;
- Pela apresentação n.º (…), de 2024.01.2016, declaração de insolvência.

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
a) A suspensão dos trabalhos da obra ocorreu em Maio de 2023.
b) A obra encontra-se protegida por uma rede.

2.2. Questão prévia
Nas contra-alegações que apresentou, a apelada, invocando a previsão dos artigos 644.º, n.º 1, alínea d) e 638.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sustenta que cabia apelação autónoma do despacho de 31-05-2024, que admitiu a impugnação deduzida à lista de credores reconhecidos, a intentar no prazo de 15 dias, o qual decorreu sem que tal recurso tenha sido interposto. Mais alega que o trânsito em julgado do aludido despacho impede a apreciação do presente recurso, na parte relativa à extemporaneidade da invocação do direito de retenção considerado reconhecido pela decisão recorrida.
Analisando o aludido despacho, transcrito no relatório supra, verifica-se que dele consta uma apreciação liminar sobre a matéria invocada pela apelada como fundamento da impugnação que deduziu à lista de credores reconhecidos e a decisão de admissão da impugnação, na sequência do que se determinou o prosseguimento do incidente, sendo proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Ora, a decisão interlocutória em causa não se insere no elenco dos despachos que admitem recurso autónomo estatuído nos n.ºs 1 e 2 do artigo 644.º do CPC.
O artigo 644.º do CPC, sob a epígrafe Apelações autónomas, distingue as decisões que admitem recurso imediato, elencando, designadamente, as decisões intercalares que admitem apelação autónoma e relegando a impugnação das demais para momento ulterior.
Dispõe este preceito o seguinte:
1 - Cabe recurso de apelação: a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente; b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância: a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz; b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal; c) Da decisão que decrete a suspensão da instância; d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova; e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual; f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo; g) De decisão proferida depois da decisão final; h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil; i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.
4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.
O supra indicado despacho configura uma decisão interlocutória de admissão da impugnação da lista de credores reconhecidos em processo de insolvência, a qual não se inclui em qualquer das situações em que o citado preceito admite apelação autónoma, designadamente na estatuída na alínea d) do n.º 2 do artigo – despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova –, invocada pela apelada, dado estar em causa a apreciação liminar do teor do próprio articulado e não a admissibilidade do mesmo.
Nesta conformidade, improcede a argumentação apresentada pela apelada, como fundamento do invocado obstáculo ao conhecimento do recurso.

2.3. Apreciação do objeto do recurso

2.3.1. Extemporaneidade da invocação do direito de retenção
O apelante põe em causa a decisão recorrida, na parte em que atendeu à invocação do direito de retenção pela credora (…), Unipessoal, Lda., no âmbito da impugnação que deduziu à lista de credores reconhecidos, sustentando que tal invocação, não tendo sido deduzida aquando da reclamação do crédito, deve ser desconsiderada.
Vejamos se lhe assiste razão.
Sob a epígrafe Reclamação de créditos, dispõe o artigo 128.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, no seu n.º 1, o seguinte: 1 - Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem: a) A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros; b) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas; c) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objeto da garantia e respetivos dados de identificação registral, se aplicável; d) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes; e) A taxa de juros moratórios aplicável; f) O número de identificação bancária ou outro equivalente. Acrescenta o n.º 2 que o requerimento é endereçado ao administrador da insolvência e apresentado por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 17.º e esclarece o n.º 5 que a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
Decorre deste preceito que a reclamação de créditos constitui um ónus do credor, o que se extrai do n.º 1, ao afirmar que os credores da insolvência devem reclamar os seus créditos, e do n.º 5, ao esclarecer que mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento. É certo que o n.º 1 do artigo 129.º do citado código admite o reconhecimento, pelo administrador da insolvência, não apenas dos créditos reclamados, mas também daqueles que constem dos elementos de contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento. Porém, tal não dispensa o credor de reclamar o seu crédito, se quiser obter pagamento no processo de insolvência, dado que o crédito pode não ser apreciado caso não tenha sido reclamado.
Conforme explica Catarina Serra (Lições de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 268), “só os créditos reclamados são necessariamente apreciados para efeito do processo de insolvência; os créditos não reclamados podem sê-lo ou não – sê-lo-ão apenas na eventualidade de o administrador os conhecer”. Esclarece a autora (ob. cit., pág. 272) que “sem reclamação não há, em regra, um interesse atendível do credor, ou seja, não há interesse que justifique as diligências oficiosas dirigidas à verificação do crédito, compreendendo-se o seu não atendimento no processo como um resultado natural da inércia do credor. Daí que (…) a reclamação de créditos seja vista, não exactamente como um poder, mas como um ónus”.
Assente que compete aos credores reclamar os seus créditos, estatui o n.º 1 do citado artigo 128.º que o ato deverá ser praticado no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, através de requerimento no qual sejam indicados os elementos elencados nas várias alíneas do preceito, destinados a individualizar e classificar o crédito, designadamente a sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável, conforme decorre da alínea c).
Da análise deste regime decorre que o credor que pretenda fazer-se valer de alguma garantia de que o seu crédito beneficie deverá, no requerimento em que reclama a verificação do crédito, indicar tal garantia, conforme exigido pela citada alínea c).
Neste sentido, afirmam Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 3.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2015, pág. 258) que resulta do artigo 128.º, n.º 1, alínea c), que “os credores sempre deverão informar o administrador da insolvência das garantias de que beneficiam, se quiserem delas tirar partido”. Esclarecem os autores (ob. cit. pág. 521) que a reclamação se faz por requerimento, devendo nele os credores da insolvência “fornecer todos os elementos para individualizar e caracterizar o crédito, exigidos nas várias alíneas do n.º 1” do artigo 128.º, acrescentando (ob. cit., pág. 525) que “a falta ou insuficiência desses elementos pode, na prática, consoante a sua relevância, determinar o não reconhecimento do crédito ou o seu reconhecimento com características que, de facto, não correspondam ao crédito em causa”.
A apreciação da questão suscitada na apelação impõe se atenda à tramitação processual seguinte:
- na sequência da declaração de insolvência de (…) e de (…), a credora (…), Unipessoal, Lda. reclamou a verificação de um crédito no montante de € 104.869,25, correspondente à parte não liquidada do preço emergente de contrato de empreitada que celebrou com os ora insolventes, no âmbito do qual se obrigou a proceder à ampliação com reconstrução do prédio que identifica, trabalhos que iniciou mas não concluiu, tendo-os suspendido na sequência de comunicação pelos devedores de que não dispunham de meios que lhes permitissem proceder ao pagamento da totalidade da quantia acordada, sendo certo que não invocou a existência de qualquer garantia, designadamente o direito de retenção sobre o imóvel em causa, antes tendo declarado que a dívida não se encontra garantida.
- o administrador da insolvência apresentou relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, fazendo constar da lista de créditos reconhecidos o crédito reclamado pela aludida credora, no montante de € 104.869,25, que classificou como crédito comum.
- posteriormente, em sede de impugnação que apresentou à lista de credores reconhecidos, a credora alegou que o crédito se encontra garantido por direito de retenção sobre o bem imóvel apreendido a favor da massa insolvente, invocando a incorreção da qualificação do crédito de que é titular como crédito comum, peticionando que tal direito de retenção seja considerado na graduação de créditos.
- notificados do aludido requerimento, o administrador da insolvência e o credor apelante pronunciaram-se no sentido do indeferimento do reconhecimento do direito de retenção aí invocado, sustentando que tal direito só pode ser invocado no requerimento de reclamação de créditos, pugnando pela improcedência da impugnação deduzida.
- a sentença recorrida atendeu à invocação do direito de retenção, apreciou a existência de tal direito e reconheceu que o crédito em causa tem natureza garantida por direito de retenção relativamente ao prédio apreendido para a massa insolvente.
Decorre destes elementos que o direito de retenção não foi invocado pela credora apelada no requerimento de reclamação de créditos, nem no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, o que não vem questionado na apelação. Tal direito apenas veio a ser invocado pela credora em momento posterior à apresentação pelo administrador da insolvência da relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, na qual foi o crédito reclamado classificado como crédito comum, sem qualquer menção a uma eventual garantia.
Impondo o regime legal supra exposto, ao credor que pretenda fazer-se valer de alguma garantia de que o seu crédito beneficie, o ónus de a indicar no requerimento em que reclama a verificação do crédito, cumpre concluir que a falta de tal invocação no aludido requerimento, ou no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, impede o credor de fazer-se valer dessa eventual garantia, por incumprimento do indicado ónus.
O artigo 130.º do CIRE, sob a epígrafe Impugnação da lista de credores reconhecidos, permite, no seu n.º 1, a qualquer interessado, nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.
Analisando este preceito, verifica-se que a impugnação da lista de credores reconhecidos só pode ter algum dos fundamentos aí indicados, a saber: a indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou a incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos. Não permite o preceito a invocação de elementos novos, designadamente a indicação de alguma garantia de que o crédito reconhecido eventualmente beneficie, anteriormente não indicada, e cuja consideração venha a determinar uma alteração da classificação do crédito.
No caso presente, a falta da tempestiva indicação pela credora apelada do direito de retenção em causa determinou o reconhecimento do crédito como comum, sem menção a qualquer garantia, em conformidade com os elementos constantes do requerimento de reclamação de créditos. Ora, não invoca a apelada, no requerimento em que deduz a impugnação da lista de credores reconhecidos, qualquer incorreção quanto à qualificação do seu crédito, nos termos em que foi reconhecido na lista de credores, pretendendo fazer alterar a classificação operada por via da alegação de elementos anteriormente não apresentados, concretamente através da invocação de uma garantia de que pretende fazer-se valer. Porém, não tendo a credora cumprido o ónus de indicação de tal garantia no prazo fixado para a reclamação de créditos, não poderá fazer-se valer da mesma.
Como tal, não tendo o direito de retenção sido invocado no prazo fixado para a reclamação de créditos, mostra-se extemporânea a respetiva invocação, acompanhada pela alegação de factualidade nova, em momento posterior à apresentação pelo administrador da insolvência da relação de créditos a que alude o artigo 129.º do CIRE.
Nesta conformidade, mostrando-se extemporânea a invocação pela credora do direito de retenção, assiste razão à apelante, ao sustentar que não deveria o tribunal ter apreciado a questão da existência de tal direito. Efetivamente, não tendo os elementos integradores do direito de retenção sido tempestivamente indicados, antes se mostrando extemporânea a respetiva invocação, e não constando os mesmos da lista de créditos reconhecidos, não poderia o tribunal ter apreciado a questão da existência de tal direito, considerando que não se trata de questão de conhecimento oficioso.
Procede, nesta parte, a apelação.

2.3.2. Classificação do crédito da credora (...), Unipessoal, Lda.
A procedência da questão apreciada em 2.3.1., com a conclusão de que o tribunal não poderia ter apreciado a questão da existência do direito de retenção invocado pela credora apelada, importa se revogue a decisão recorrida, na parte em que julgou verificada a existência desse direito e, em consequência, alterou a classificação, como comum, do crédito em causa constante da lista de créditos reconhecidos, tendo-o classificado como garantido por direito de retenção relativamente ao prédio apreendido para a massa insolvente.
Conforme supra exposto, consta da lista de créditos reconhecidos o crédito da credora recorrida, no montante de € 104.869,25, aí classificado como crédito comum.
A decisão recorrida, por seu turno, classificou tal crédito como garantido por direito de retenção relativamente ao prédio apreendido para a massa insolvente.
Tendo-se concluído, em 2.3.1., que não poderia o tribunal ter apreciado a questão da existência de tal direito de retenção, cumpre revogar a decisão recorrida, na parte em que considerou verificada a existência desse direito e, em consequência, alterou a classificação do crédito em causa constante da lista de créditos reconhecidos, classificação essa, como crédito comum, que cumpre manter.
Procede, assim, a apelação.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, em consequência do que se decide:
a) revogar a decisão recorrida, na parte em que julgou procedente a impugnação deduzida pela credora (…), Unipessoal, Lda. à lista de credores reconhecidos e, em consequência, classificou o crédito desta credora como garantido por direito de retenção relativamente ao prédio apreendido para a massa insolvente e o graduou em primeiro lugar para pagamento pelo produto da venda desse prédio;
b) manter a classificação, constante da lista de créditos reconhecidos, do crédito em causa como crédito comum.
Custas pela apelada.
Notifique.
Évora, 25-10-2024
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Mário Branco Coelho (1.º Adjunto)
Vítor Sequinho dos Santos (2.º Adjunto)