INJUNÇÃO
PRESSUPOSTOS
OPOSIÇÃO
Sumário

1. É pela pretensão formulada e pela causa de pedir invocada pelo requerente que se verifica a adequação do meio processual empregue.
2. A maior ou menor complexidade das questões controvertidas não configura um requisito autónomo de aplicabilidade do procedimento de injunção e da conexa ação declarativa regulada pelo DL 269/98, de 1 de setembro.
3. Por isso, o procedimento de injunção é o meio adequado para uma sociedade comercial demandar outra sociedade comercial, pedindo uma quantia em dinheiro que, segundo alega, corresponde a parte do preço acordado pela execução de uma empreitada que ambas celebraram.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 27883/23.3YIPRT
Sumário: (…)

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
1. Relatório
(…), Unipessoal, Lda., com sede em Palmela, apresentou requerimento de injunção, exigindo de Construções (…), Lda., com sede em Almada, o pagamento de € 6.000,00, acrescido de juros no valor de € 399,78 e outras quantias inerentes aos encargos com a ação, num total de € 6.701,78.
Alegou, no essencial, que, no exercício do seu comércio de construção civil, ajustou com a requerida, no âmbito do comércio desta – de construção e reabilitação de edifícios –, a execução de trabalhos em obra onde a requerida estava a intervir, em (…), pelo preço de € 15.000,00.
Sucede que ocorreram atrasos em obra, de outras especialidades, que inviabilizaram o desenvolvimento dos trabalhos adjudicados à Requerente, pelo que, por acordo entre as partes, foi reajustada a subempreitada, tendo sido reduzidos os trabalhos a realizar e o respetivo preço, para o valor de € 8.000,00.
A Requerente realizou, concluiu e entregou à Requerida os trabalhos adjudicados, tendo emitido a respetiva fatura datada de 30 de março de 2022, com data de vencimento no dia 29 de abril do mesmo ano, mas a requerida apenas pagou o valor de € 2.000,00, estando assim em falta € 6.000,00.
A requerida deduziu oposição. Alegou que o preço estipulado para a obra foi de € 28.500,00 e que apesar de a requerente não ter concluído os trabalhos acordados pagou-lhe € 27.000,00 e ainda mais € 2.000,00 quando confrontada com a fatura objeto dos autos.
Apresentou, ainda, pedido reconvencional, através do qual pediu a condenação da Autora no pagamento da quantia de € 4.800,00, referente aos trabalhos não executados (na sequência do abandono da obra) e que lhe foram pagos antecipadamente.
Concedido o contraditório à matéria de exceção, a Autora apresentou articulado através do qual reconheceu que houve lugar a um orçamento inicial de € 28.500,00 para a obra de (…), em setembro de 2020. Mas, em finais de 2021, início de 2022, em virtude de atrasos na obra, a requerente informou a requerida do desejo de cessar o contrato e sair da obra.
Nesta sequência, as partes acordaram, face os trabalhos já realizados e aos respetivos valores já pagos no valor de € 15.215,16, e aos trabalhos a concluir, que dos € 13.285,00 que a requerente deveria vir a receber, a requerida só pagaria oito mil, já que o valor de € 5.285,00 correspondia a trabalhos que não iriam ser efetuados.
Por isso e após realização dos trabalhos acordados, a requerente emitiu a fatura de € 8.000,00 que a requerida aceitou, mas não pagou na totalidade.
Mais referiu que dos valores entregues e referidos pela Requerida, 10 mil euros destinaram-se ao pagamento de outra obra, no Seixal, que a requerente realizou para a requerida.
Pronunciou-se ainda quanto ao pedido reconvencional, pedindo a sua improcedência.
Por despacho de 18 de janeiro de 2024 foi concedida às partes a possibilidade de tomarem posição sobre a eventual verificação da exceção dilatória inominada de desadequação do processo especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, o que ambas fizeram, tendo a requerendo pugnado pelo prosseguimento dos autos e a requerida pela verificação da exceção, com a sua absolvição.
O Tribunal, por decisão de 29-02-2024, julgou verificada a exceção dilatória inominada de desadequação do processo especial e, como tal, absolveu a Ré da instância.

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A autora, inconformada com o decidido interpôs o presente recurso, finalizando as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões:
1. A maior ou menor complexidade das questões controvertidas não configura um pressuposto autónomo da aplicabilidade do regime do procedimento de injunção previsto no artigo 7.º do Anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro.
2. As questões de facto e de direito em discussão na presente causa não se revestem de especial complexidade, ou de complexidade incompatível com a tramitação da ação declarativa conexa com a injunção.
3. Os únicos requisitos que a lei prevê para a utilização do procedimento de injunção são apenas “o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00”, sendo despicienda, para esse efeito, a controvérsia que se venha a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa, quer com outros que venham a ser adquiridos por força da atividade das partes.
4. O recurso ao procedimento de injunção não está reservado para situações que não comportem relevante discussão de facto, já que tal limitação não resulta da lei.
5. Não se afigura possível como prever, em cada caso concreto, a medida da complexidade da oposição que possa ser apresentada, nem como poderia ser determinado um limite dessa complexidade a partir do qual não seria admissível o recurso à injunção, o que – a admitir-se essa possibilidade - implicaria, em última análise, que a sua utilização estaria, afinal, à mercê daquilo que cada julgador entendesse configurar uma complexidade incompatível com o objectivo visado pelo legislador do DL n.º 269/98.
6. A decisão recorrida viola os deveres de adequação formal e de gestão processual, sendo importante salientar que o próprio tribunal recorrido lança mão destes princípios quando convida a Requerente a pronunciar-se sobre a matéria de exceção, assim admitindo um terceiro articulado.
7. O princípio ou dever da adequação formal encontra consagração legal no artigo 547.º do CPC que prescreve que “O juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”.
8. Vem este dever na decorrência do dever de gestão processual previsto no artigo 6.º do CPC, que dispõe no seu n.º 1 que “Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”.
9. A possível maior complexidade das questões suscitadas do seguimento da Oposição à injunção, não leva a que se possa entender verificar-se erro na forma de processo, ou uma exceção dilatória inominada, que estribem uma absolvição do Réu da Instância.
10. Perante a dedução de oposição e tendo a Requerente e ora recorrente respondido à matéria de exceção, não existe qualquer inconveniente para a tramitação da causa com essa admissão.
11. Da douta sentença recorrida resulta a violação do dever de adequação formal e de gestão processual, consagrados nos artigos 6.º e 547.º do C.P.C..
12. Em consequência, no caso sub judice, estando tão somente em causa o cumprimento de obrigação pecuniária de valor não superior a € 15.000,00 – respeitante à parte do preço dos serviços que não foi pontualmente pago pela Requerida, no montante de € 6.399,78 – o recurso ao procedimento de injunção, transmudado, por efeito da oposição deduzida, em ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, deve ser considerado meio processualmente adequado para fazer valer uma pretensão desse tipo, não se verificando, pois, a exceção dilatória que o tribunal recorrido julgou procedente.
13. Daqui decorre que se impunha ao tribunal recorrido adequar a tramitação processual por forma a permitir a discussão da causa na sua plenitude, pelo não se verifica a excepção dilatória de desadequação processual que culminou na absolvição da instância da Requerida, que sustentou a douta sentença recorrida.
14. A sentença recorrida viola, também, o artigo 152.º, n.º 1, 1ª parte, porquanto não é razoável que o julgador se escuse do seu dever de administrar a justiça, o que, salvo o devido respeito, se verificou nos presentes autos, na medida em que o Tribunal a quo dispunha dos meios que lhe permitiriam conhecer do mérito da causa mas, ainda assim, decidiu pela extinção da instância por razões meramente formais.
15. Entende a recorrente, pelo exposto que, observadas que fossem as normas acima indicadas, o douto Tribunal a quo conheceria do mérito e não absolvia a Requerida da instância, como fez.
16. Pelo que a douta sentença deverá ser revogada, mais se ordenando o prosseguimento dos autos e assim se julgando procedente a apelação.
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Contra-alegou a requerida, apresentando as conclusões que se transcrevem:
a) Dos factos supra elencados e da análise da ação em causa, resulta claro não estarmos, sem mais, perante um mero ou simples incumprimento de uma obrigação pecuniária emergente do contrato de empreitada descrito de forma simplificada no Requerimento Injuntivo, sendo disso sintomático, não só o teor da oposição, mas a própria resposta que a Recorrente ofereceu às invocadas exceções.
b) Do confronto da causa de pedir com as invocadas exceções, resulta que está, praticamente, tudo posto em causa, já que, é discutido o valor do(s) próprio(s) negócio(s) ajustado(s) entre ambas as partes; é discutida a existência de uma ou mais empreitadas; é discutido o âmbito dos trabalhos acordados (já que nem quanto à integridade do documento indicado como orçamento estão de acordo); é discutido se a Recorrente abandonou, ou não, a obra (se houve ou não acordo para a cessação do acordo firmado, já que a Recorrente assume não ter realizado todos os trabalhos a que se obrigou, mas que houve acordo para a sua saída da obra, o que a Recorrida contesta; é discutido se a Recorrente executou, ou não, todos os trabalhos que se obrigou; São discutidos quais os trabalhos não realizados dentro dos inicialmente programados; É discutida a envolvente sobre o acordo de medição da obra e existência de um acordo onde se firmou a existência de um crédito a favor da Recorrente.
c) Analisando o quadro conflitual supra exposto, forçoso é concluir que não estamos apenas perante a simples cobrança de uma dívida de fácil balizamento ou delimitação, nem está apenas em equação o mero incumprimento de obrigações pecuniárias.
d) A simplicidade - ou não - da relação jurídica, não se mede pela emissão de uma fatura, já que não é esta que fundamenta a existência do crédito – ou que dele faz prova - antes importando discernir a relação jurídica subjacente à emissão dessa fatura.
e) No caso sub judice, com o devido respeito e salvo melhor opinião, forçoso é concluir que o litígio se reporta à discussão do invocado mútuo incumprimento do contrato de empreitada.
f) Pelo que, a relação contratual em crise, tem afetados um conjunto de direitos e deveres entre as partes, que divergem substancialmente.
g) Logo, a relação material controvertida em causa não se reconduz, desta forma, à mera celebração de um contrato e da existência de uma quantia a pagar decorrente diretamente desse contrato, já que para se concluir se essa quantia reclamada é devida ou não, o Tribunal haverá de conhecer os factos em que se baseiam as exceções invocadas.
h) A ação reveste alguma complexidade e levanta uma panóplia de questões que não se coadunam com o âmbito de um procedimento simplificado como o decorrente do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
i) Pelo que, o processo de injunção não é o meio processualmente adequado à resolução de situações factuais em que como causa de pedir emerge uma eventual obrigação pecuniária, mas reportada ao incumprimento, cumprimento defeituoso ou indemnização decorrente do incumprimento.
j) É pacífico na jurisprudência que não sendo o procedimento adequado, existe um obstáculo que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa, o que se configura como uma exceção dilatória, dando lugar à absolvição da instância.
k) Pelo que, a douta sentença recorrida não viola qualquer normativo legal.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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2. Âmbito do Recurso:
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC), a única questão a apreciar é a de saber se ocorre nos autos a exceção dilatória de “inadequação processual” declarada pelo tribunal a quo, com fundamento no facto de a requerente ter feito uso do processo especial de injunção, numa ação que “reveste alguma complexidade (dentro do esquema da AECOP) e levanta uma panóplia de questões que não se coadunam com o âmbito de um procedimento simplificado como o decorrente do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro(…)”.
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3. Fundamentação de facto:
Os factos alegados e as ocorrências processuais relevantes para a decisão do presente recurso são os acima referidos no relatório.
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4. Fundamentação de direito:
Na decisão recorrida, para fundamentar a exceção dilatória inominada de desadequação da forma processual utilizada que conduziu à absolvição do Réu da instância, o Tribunal a quo considerou que:
“(…) da análise da acção em causa, resulta claro não estarmos, sem mais, perante um mero ou simples incumprimento de uma obrigação pecuniária emergente do contrato de empreitada descrito de forma simplificada no R.I., sendo disso sintomático, não só o teor da oposição, mas a própria resposta que a Autora ofereceu às invocadas excepções.
Daí que o confronto da causa de pedir com as invocadas excepções, está praticamente tudo posto em causa:
i) É discutido o valor do(s) próprio(s) negócio(s) entre ambas ajustado(s);
ii) É discutida a existência de uma ou mais empreitadas;
iii) É discutido o âmbito dos trabalhos acordados fazer entre as partes (já que nem quanto à integridade do documento indicado como orçamento estão de acordo);
iv) É discutido se a Autora abandonou, ou não, a obra (se houve ou não acordo para a cessação do acordo firmado, já que a Autora assume não ter realizado todos os trabalhos a que se obrigou, mas que houve acordo para a sua saída da obra, o que a Ré contesta);
v) É discutido se a Autora executou, ou não, todos os trabalhos que se obrigou;
vi) São discutidos quais os trabalhos não realizados dentro dos inicialmente programados;
vii) É discutida a envolvente sobre o acordo de medição da obra e existência de um acordo onde se firmou a existência de um crédito a favor da Autora.
Ou seja, analisado o quadro conflitual exposto, não estamos apenas perante a simples cobrança de uma dívida de fácil balizamento ou delimitação, nem está apenas em equação o mero incumprimento de obrigações pecuniárias.
Com o devido respeito, não podemos acompanhar as asserções da Autora, segundo a qual, os factos e a configuração do procedimento “não podem estar dependentes de manobras usadas pela parte requerida, que se pretende eximir ao cumprimento da obrigação trazendo aos autos factos que, em sede de apreciação jurisdicional da prova, se verificará nada terem a ver com o pedido da Requerente”, tanto mais que esta não estava legitimada a apresentar reconvenção.
Com efeito, independentemente da admissibilidade da reconvenção, a defesa por excepção não está coartada na AECOP, onde se encontra suscitada, de uma ou outra forma, a miríade de questões supra elencadas. E é lógico e evidente que o Tribunal está obrigado a conhecer não só os fundamentos constitutivos da acção, mas também daquele outros impeditivos, modificativos ou extintivos em que se baseia a defesa.
A acção simplificada tem de oferecer garantias a ambas as partes, não podendo assentar apenas na simplicidade que aparenta ter na perspectiva de uma delas.
Convém que fique claro que a simplicidade – ou não – da relação jurídica, não se mede pela emissão de uma factura, já que não é esta que fundamenta a existência do crédito (ou que dele faz prova), antes importando discernir a relação jurídica subjacente à emissão dessa factura.
E, a ver pela resposta apresentada após a oposição, tornou-se claro que a relação jurídica estabelecida entre as partes não é tão simples quanto transparece do requerimento inicial e, para ser esclarecida, carece da clarificação do seu enquadramento – o qual é tudo menos pacífico entre as partes.
Efectivamente, o litígio reporta-se à discussão do invocado mútuo incumprimento do contrato de empreitada, quer no que concerne ao alegado não pagamento do preço acordado (na perspectiva da Autora), quer ainda, para além do mais, no que se refere ao seu não cumprimento ou conclusão por parte do empreiteiro e não eliminação de desconformidades (na perspectiva da Ré).
É assim claro que a relação contratual em crise, tem afectados um conjunto de direitos e deveres entre as partes, que divergem substancialmente quanto à existência e amplitude do imputado incumprimento (já que não se trata apenas da mera falta de pagamento do preço).
A relação material controvertida em causa não se reconduz, desta forma, à mera celebração de um contrato e da existência de uma quantia a pagar decorrente directamente desse contrato, já que para se concluir se essa quantia reclamada é devida ou não, o Tribunal haverá de conhecer os factos em que se baseiam as excepções invocadas.
Desta forma, torna-se claro que a acção reveste alguma complexidade (dentro do esquema da AECOP) e levanta uma panóplia de questões que não se coadunam com o âmbito de um procedimento simplificado como o decorrente do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, (…)”.
Na sentença em causa é citada a jurisprudência e doutrina, para sustentar o decidido: os Acórdãos do TRL de 27-11-2014 (proc. 1946/13.3TJLSB.L1-8), de 24-04-2019 (proc. 73674/18.4YIPRT.L1-2) e de 14-05-2020 (proc. 60038/19.1YIPRT.L1-6) todos publicados in www.dgsi.pt ; Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª edição, 2008, pág. 172 e Paulo Duarte Teixeira, Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção, Themis, VII, n.º 13, págs. 169-212).
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Para apreciação do recurso – apreciação da desadequação do pedido ao meio processual empregue - importa apreciar e decidir as seguintes questões:
i. Do âmbito objetivo (ou de aplicação) do procedimento de injunção e do processo simplificado em que aquele se transmuta quando, como sucedeu, in casu, seja deduzida oposição.
ii. Da adequação da pretensão da requerente com esse âmbito objetivo.
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i. Do âmbito de aplicação do procedimento de injunção:
O procedimento de injunção está previsto no artigo 7.º do Regime anexo ao DL 269/98, de 1 de setembro, diploma que tem sofrido inúmeras alterações, tendo a última ocorrido com a Lei n.º 117/2019, de 13/09.
No citado art. 7.º designa-se de injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.
Este diploma – o Decreto-Lei n.º 32/2003 – estabeleceu um regime especial relativo aos atrasos de pagamento em transações comerciais.
O Decreto - Lei n.º 32/2003 veio a ser revogado, com exceção dos artigos 6.º e 8.º, pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, que “Estabelece medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais, e transpõe a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011” e que no art. 10.º prevê sob a epígrafe “Procedimentos Especiais” que:
“1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação.”
Conforme resulta da alínea b) do artigo 3.º do referido DL, por transação comercial entende-se a “(…) transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração.”.
Do exposto resulta que o procedimento de injunção pode ser utilizado para cobrança de:
a) obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a € 15.000,00;
b) obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL. 32/2003, de 17.02, independentemente do valor.
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Na decisão recorrida, entendeu-se, como já referido, que “a relação jurídica estabelecida entre as partes não é tão simples quanto transparece do requerimento inicial (…) para se concluir se a quantia reclamada é devida ou não, o Tribunal haverá que conhecer os factos em que se baseiam as exceções invocadas.
Desta forma, torna-se claro que a ação reveste alguma complexidade (dentro do esquema da AECOP) e levanta uma panóplia de questões que não de coadunam com o âmbito de um procedimento simplificado (…)”.
A questão que importa, assim, decidir é de saber se a simplicidade das questões a apreciar constitui também um requisito para se poder recorrer ao procedimento de injunção, devendo assim considerar-se, como entendeu o tribunal a quo, que a complexidade e a panóplia de questões suscitadas consubstanciam um motivo para se concluir pelo uso indevido do procedimento de injunção.
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-04-2019, proferido no Processo n.º 73674/18.4YIPRT.L1-2, disponível in www.dgsi.pt , citado na decisão recorrida, decidiu-se, efetivamente, que para a determinação da forma do processo não basta olhar e ponderar se estamos ou não perante o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não inferior a € 15.000,00 urge igualmente “indagar se o pedido formulado está em consonância com o fim para qual foi estabelecida ou criada a forma processual a que o autor recorreu, bem como ter em atenção e ponderação se o litígio subjacente e natureza do contrato/relação obrigacional em causa implica o conhecimento de questões complexas e carecidas de um desenvolvimento e trato mais exigente, de forma a acautelar os direitos das partes em litígio”, pois “a complexidade das questões apreciandas podem ilegitimar o uso, por parte do Requerente, do procedimento de injunção”.
Todavia, a jurisprudência tem evoluído sendo hoje praticamente unânime no sentido de que a maior ou menor complexidade das questões controvertidas não configura um pressuposto autónomo da aplicabilidade do procedimento de injunção e da conexa ação declarativa prevista e regulada pelo DL 269/98, com argumentos incontestáveis, com os quais concordamos integralmente. Assim, neste sentido, com sublinhados nossos, os seguintes acórdãos, todos publicados in www.dgsi.pt:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23-11-2023 (Processo n.º 107053/22.2YIPRT.E1):
“Tais procedimentos com a linearidade de tramitação prevista no diploma só são compagináveis quando os pressupostos que presidiram à criação destes expedientes céleres e simples de cobrança de dívidas se verifiquem efectivamente.
No caso, verificam-se sem quaisquer dúvidas: o contrato de empreitada como fonte do crédito reclamado e a natureza pecuniária da obrigação dele decorrente, pagamento do (remanescente) do preço ajustado.
Ainda que secundemos o entendimento jurisprudencial de que o uso indevido e inadequado do processo de injunção consubstancia uma excepção dilatória inominada, o certo é que no caso em apreço tal uso indevido e inadequado não existe!
O que acontece é que a linearidade factual pressuposta no processo de injunção foi largamente ultrapassada em consequência da oposição deduzida pela requerida mas essa circunstância demandará apenas o recurso ao mecanismo da adequação formal consagrado no artigo 547.º do CPC”.
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-02-2022 (Processo n.º 52737/21.4YIPRT.P1):
“(….) independentemente da complexidade que assumam as questões a discutir/apreciar nestes autos (o que de antemão não pode sequer ser afirmado), a mesma é irrelevante para a determinação da forma de processo, visto que - repise-se - os únicos requisitos que a lei prevê para a utilização do procedimento de injunção são, no caso, apenas “o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00”, sendo despicienda, para esse efeito, a controvérsia que se venha a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa, quer com outros que venham a ser adquiridos por força da atividade das partes.
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-02-2024 (Processo n.º 47882/23.1YIPRT.G1):
“A maior ou menor complexidade das questões controvertidas, emergentes da oposição deduzida, não configura um pressuposto autónomo da aplicabilidade das referidas formas processuais”. Porquanto:
“Em primeiro lugar, a lei não limita o âmbito de aplicação da injunção com base na simplicidade do procedimento ou no tipo de contrato invocado pelo demandante. (…) O entendimento de que o recurso ao procedimento de injunção está reservado para situações que não comportem relevante discussão de facto, constitui uma restrição à utilização de tal procedimento que não resulta da lei.
Em segundo lugar, (…) O que releva para verificar da adequação da forma do processo escolhida pelo autor é o pedido e a causa de pedir, apreciados no seu conjunto, e não os desenvolvimentos subsequentes do processo. (….)
Em terceiro lugar, (….) As questões suscitadas na oposição não influem na determinação da forma processual adequada à tramitação da causa, pois, por um lado, inexiste norma legal que sustente um tal entendimento e, por outro, isso daria azo à possibilidade de o demandado se eximir, através da absolvição da instância, a um procedimento de injunção apenas com base na complexidade e no número das questões que é possível suscitar e dos meios probatórios suscetíveis de produção, em último caso provocando artificialmente a verificação da exceção dilatório inominada do uso indevido do processo por parte do requerente.
Em quarto lugar, a utilização do procedimento de injunção (….) ficaria dependente do que cada julgador entendesse configurar uma complexidade incompatível com o objetivo pretendido pelo legislador do DL nº 269/98. Sendo certo que a complexidade da causa é um conceito indeterminado e que inexiste qualquer referencial que permita operar essa qualificação, nem sequer seria possível prever, em cada caso concreto, a medida da complexidade da oposição suscetível de ser apresentada e muito menos se poderia determinar um limite dessa complexidade a partir do qual não seria admissível o recurso a esse procedimento.
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-05-2021 (Processo n.º 37398/20.6YIPRT.L1-7): “III.– Uma sociedade comercial que pretende demandar outra sociedade comercial, pedindo uma quantia em dinheiro que segundo alega corresponde a parte do preço ajustado pela execução de um contrato de empreitada que ambas outorgaram pode lançar mão do procedimento de injunção.” Para além de todos os argumentos já referidos, diz-se ainda que:
ao consagrar, em moldes tão generosos a aplicabilidade do regime jurídico da injunção e da conexa ação declarativa aos créditos comerciais, sem qualquer limite quanto ao valor dos créditos em discussão, o legislador prescindiu da simplicidade como princípio inspirador desse regime jurídico, o que fez em nome da celeridade do trato comercial (vide preâmbulo do DL n.º 62/2013)”.
Concluímos, assim, em consonância com a jurisprudência maioritária que: a) por não ter fundamento na letra da lei;
b) relevar o momento da propositura da ação e não os desenvolvimentos do processo;
c) não ter cabimento, o meio estar dependente dos argumentos da oposição;
d) Ou do que cada julgador entenda como complexo – conceito indeterminado;
e) O legislador ter prescindido da simplicidade ao aceitar estar em causa um crédito sem qualquer valor limite,
a maior ou menor complexidade das questões controvertidas não configura um pressuposto autónomo da aplicabilidade do procedimento de injunção e da conexa ação declarativa prevista e regulada pelo DL n.º 269/98, de 01/09.
Agora, que conhecemos o âmbito do procedimento de injunção, atentemos no caso concreto:
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ii. Da adequação da pretensão da autora com esse âmbito objetivo
É pela pretensão formulada e pela causa de pedir invocada pelo requerente que se verifica a adequação do meio processual empregue.
A autora apresentou requerimento de injunção identificando desde logo a obrigação em causa como emergente de transação comercial, nos termos do DL 62/2013, de 10 de maio.
Por ter sido deduzida oposição e atento valor em causa, foi o requerimento de injunção, em cumprimento do citado artigo 10.º do DL 62/2013, apresentado à distribuição passando a seguir os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, prevista no DL 269/98, de 1 de setembro.
Olhando à pretensão formulada e à causa de pedir invocada verifica-se que a requerente reclama da requerida o pagamento do valor de € 6.399,78, com fundamento em trabalhos realizados no âmbito de um contrato de empreitada, celebrado entre duas sociedades comerciais, no âmbito das suas atividades.
Estando em causa uma obrigação emergente de transação comercial abrangida pelo DL. 32/2003, de 17.02, a requerente podia, como o fez, lançar mão do procedimento de injunção para cobrar o crédito, por ser este o meio processualmente adequado para fazer valer uma pretensão deste tipo.
Na oposição, a requerida, não obstante não ter especificado quaisquer exceções, defendeu-se invocando quer o pagamento, quer a não exigibilidade em virtude do invocado abandono da obra/não conclusão dos trabalhos acordados. Porém, conforme supra se concluiu, a maior ou menor complexidade das questões suscitadas, designadamente na oposição deduzida, é irrelevante para aferição da adequação da providência escolhida pela requerente.
Assiste, por isso, total razão ao recorrente quando defende que “A não admissão do procedimento de injunção, decorrente da apresentação de oposição, a contratos que originem questões eventualmente mais complexas carece de fundamento”.
Acresce que, como também refere o recorrente, o Mmo. Juiz a quo, por forma a permitir a discussão da causa na sua plenitude, pode adequar a tramitação processual às especificidades da causa, nos termos do disposto nos artigos 6.º, 7.º e 547.º do CPC. Aliás, neste sentido, decidiu precisamente o supra citado acórdão deste tribunal da Relação de Évora de 23-11-2023.
Termos em que se conclui que não se verifica a exceção dilatória inominada que oficiosamente foi sustentada no despacho recorrido, razão pela qual cumpre revogar o mesmo e ordenar o prosseguimento da causa,
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5. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogar a decisão recorrida, e, em consequência, determinar o prosseguimento dos autos.
Custas pela autora/recorrida.
Évora, 25 de outubro de 2024
Susana da Costa Cabral (Relatora)
Maria Adelaide Domingos
Filipe Aveiro Marques