RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
PRESCRIÇÃO
Sumário

I - O regime especial de responsabilidade civil estabelecido no n.º 1 do artigo 59.º do CIRE pretende derrogar, no seu domínio específico, as normais gerais previstas na lei civil, porém, na sua construção, o legislador aproximou-se da cláusula geral de responsabilidade prevista no n.º 1 do artigo 483.º do CC, acolhendo, assim, uma responsabilidade de tipo extracontratual. Todavia, uma vez situados num domínio de responsabilidade profissional, onde se acentua o dever de diligência do agente e onde se estabelecem deveres de ação específicos, é questionável a demarcação em relação ao regime obrigacional.
II - Já no que tange à prescrição, para a responsabilidade extracontratual o prazo é muito curto - três anos desde o conhecimento pelo lesado do seu direito – art. 498.º -, mas o art. 59.º, n.º 5 reduz ainda mais este prazo, ao estatuir que “a responsabilidade do administrador da insolvência prescreve no prazo de dois anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete”, solução que tem a haver com a situação que se vive no seio de uma insolvência que exige esta redução do prazo, como uma garantia de estabilidade.
III - O mesmo art. 59.º/5, aplicando o prazo de dois anos de prescrição, prescreve ainda que “nunca depois de decorrido igual período sobre a data da cessação de funções”, o que significa que mesmo que o lesado não tenha tido ainda conhecimento do dano e, consequentemente, do direito que lhe assiste, a responsabilidade prescreve igualmente no prazo de dois anos da data da cessação de funções.
IV - Na situação judicativa, desde há muito, a A. (massa insolvente) sabia que o R. (administrador de insolvência) se havia apropriado de determinado valor pertencente àquela massa, assim, senão antes, pelo menos desde finais de 2009, tinha conhecimento o seu direito, pelo que o prazo de dois anos após o conhecimento do direito que lhe compete terminaria em 2011.
V- Em todo o caso, mesmo que não estivesse demonstrado em que momento é que a A. teve conhecimento do direito que lhe assistia, não sendo, portanto, possível saber quando se iniciou o primeiro prazo, esse dado é dispensável uma vez que quando a presente ação foi interposta, em 26 de setembro de 2023, já haviam decorrido muito mais de dois anos sobre a data da cessação das funções do administrador da insolvência, em 23 de maio de 2011.
VI - Este segundo prazo prescricional é, claramente, um prazo máximo, que fixa um limite absoluto e inultrapassável ao primeiro. Quer dizer: o lesado tem até dois anos a contar da data em que teve conhecimento do direito que lhe compete para exercer o seu direito mas este direito prescreve, inapelavelmente, quando se completem dois anos sobre a data da cessação de funções do administrador da insolvência.

Texto Integral

Proc. n.º 7284/23.4T8VNG-B.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:

………………………………

………………………………

………………………………


*

Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

A 26.9.2023, a massa insolvente de A... SA, aqui representada pelo atual administrador de insolvência (AI), AA, instaurou a presente ação especial de condenação contra o seu antigo administrador, BB, visando a condenação deste a pagar-lhe € 35.163,12, e juros, quantia que pertencerá à massa insolvente e de que o R., na sua qualidade de então administrador de insolvência, se terá apropriado indevidamente.

Alegou o seguinte que se explicita de forma exaustiva:

AA foi nomeado AI aquando da declaração de insolvência que teve lugar no processo 498/11.TBSTS, por despacho de 12.11.2011, pelo 4.º J. Cível de Santo Tirso (cfr. doc. 1 junto com a pi).

Antes disso, havia já corrido termos no mesmo tribunal um outro processo de insolvência (com o n.º 2644/07.0TBMTS) contra a mesma empresa onde foi nomeado AI o ora Réu, BB, que aí elaborou o relatório a que respeita o art. 155.º CIRE, concluindo pela apresentação de um plano de solução para a empresa (doc. 2 junto com a pi), tendo vindo a ter lugar assembleia de credores, a 29.11.2007, aprovando as suas propostas e prevendo-se que o AI apresentasse um inventário pormenorizado da pessoa coletiva (doc. 3), o que foi feito em dezembro desse ano (doc. 4), onde se previa: A) TRANSMISSÃO DO ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL, que incluía móveis em estado de uso, bens móveis em estado de sucata (que se propunha vender elo preço da avaliação), o negócio e trabalhadores.

B) prevê-se a constituição de uma nova sociedade destinada à exploração do estabelecimento industrial e alienação dos bens cujo anexo II identifica a identificação dos órgãos sociais;

C) o valor obtido pela venda do estabelecimento industrial será distribuído pelos credores em função da graduação de créditos;

D) O preço será pago de acordo com o tradicionalmente definido em cede de processo de liquidação, todavia, será exigida uma adjudicação de 30% e os restantes 70% serão pagos no acto da escritura definitiva.

Na ata de assembleia de credores de 3.4.2008 (doc. 5) exarou-se o seguinte:


Pelo doc. 6 junto com a pi, o aqui Réu comunicou aos autos de insolvência que à partida quem estaria interessado na aquisição do estabelecimento industrial seria a B... S.A, credora e Presidente da comissão de credores, através da constituição de uma sociedade veículo, mas ressalvou que dependia do valor que era atribuído ao estabelecimento, estabelecimento industrial esse que englobava o imóvel adquirido em leasing, equipamentos produtivos de acordo com os documentos que anexa no plano de insolvência; diversos equipamentos auxiliares e administrativos, viaturas, igualmente as que se encontram devidamente identificadas no plano, trabalhadores, negócio e créditos.

Mais tarde, o Réu comunicou e juntou aos autos de insolvência as condições de venda do referido estabelecimento industrial bem como o valor do mesmo que, segundo afirmava se quantificava na quantia de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros), quantia essa que incluía o imóvel sito no Lugar ... e que se encontrava em leasing e factoring, propondo com a aceitação da cedência da POSIÇÃO CONTRATUAL a favor da empresa a constituir, equipamentos produtivos, diversos equipamentos auxiliares, viaturas

Pelo doc.6 junto com a pi, o AI comunicou, entre o mais, o seguinte:

O plano em causa foi aprovado pela maioria dos credores, vindo a ser homologado por despacho judicial de 18.9.2008 (docs. 7 e 8).

Para entrar em vigor a 1.1.2009 (doc. 9), o R. juntou promessa de venda do imóvel à referida B..., por via do qual se previa:


Na cláusula 3.º/1 estipulou-se:

Na cláusula 3.ª/2:

A PROMITENTE COMPRADORA entregou ao Réu, na altura Administrador de insolvência da Sociedade A... –que mantinha relações com a B..., prestando-lhe serviços -, os três cheques referidos sendo o primeiro em 02-12-2008, o segundo em 05-01-2009 e o terceiro em 05-03-2009 (cláusula terceira n.º 1), cheques esses no valor de 15.000,00 € cada (quinze mil euros cada) à ordem da MASSA INSOLVENTE A..., tudo conforme documentos n.ºs 10 e 11.

Convencionaram, ainda, as partes que a escritura de compra e venda seria celebrada (cláusula quinta do contrato promessa de compra e venda) dentro de 90 dias contados da data da assinatura do presente contrato.

O contrato prometido não veio a realizar-se.

Desde finais de 2009, e apesar das inúmeras insistências do Meritíssimo Juiz a quo e das condenações em multa, não mais o Administrador de insolvência, ora Réu, comunicou o que quer que fosse aos presentes autos, remetendo-se ao total silêncio, pelo que, por despacho de 23.5.2011 (doc. 13), veio o R. a ser destituído de AI e nomeado em sua substituição CC.

Notificado pelo Tribunal para a apresentação de contas, uma vez que até àquela data nunca as apresentara, o Réu, em 09 de maio de 2012, juntou, assim e após insistência as despesas efetuadas no decorrer do processo bem como o seu pedido de remuneração no exercício das suas funções. Cfr documento n.º 15, dando aí conta do recebimento de €45.000, 00, a título de sinal do contrato de promessa.

Por despacho proferido a 29.4.2014, o MP manifestou intenção de instaurar procedimento criminal contra o R. (cfr. ofício junto à ação principal apensa, a 13.5.2024).

Do mesmo ofício consta que, a 20.3.2014, o atual administrador de insolvência apresentou no processo de insolvência 498/11 a sua impossibilidade de proceder à apreensão da contabilidade, dando conta, em sucessivos requerimentos aí apresentados, em 2014 e 2015, ter já sido extinto o processo de insolvência 2644/07, no qual havia sido nomeado administrador de insolvência em 23.5.2011.

Veio aí a ser proferido o despacho de 23.11.2016 (doc. 16), com, entre o mais, o seguinte conteúdo:

11) No processo n.º 2644/07.0TBSTS, do 4.º Juízo Cível do Tribunal de Santo Tirso, a 2 de Julho de 2012 foi proferido o seguinte despacho: “notifique o administrador da insolvência a fim de o mesmo apresentar as suas contas nos termos do disposto no artigo 62.º, n.º 3, do CIRE (o que não sucedeu com as contas apresentada a fls. 1384)”, tudo conforme termos do documento de fls. 257, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

A 21 de Novembro de 2012, o réu apresentou as despesas que teve no processo n.º 2644/07.0TBSTS, do 4.º Juízo Cível do Tribunal de Santo Tirso, que deu origem ao apenso de prestação de contas identificado pelas letras AL, no valor de 586,88€, tudo conforme termos do documento de fls. 262/263 (…)

Por sentença proferida no processo n.º 2644/07.0TBSTS-AL, do 4.º Juízo Cível do Tribunal de Santo Tirso, datada de 13 de fevereiro de 2013, foram julgadas validamente prestadas as contas apresentadas pelo réu, tudo conforme termos do documento de fls. 264 (…).

O que se discute nestes autos é a restituição à massa insolvente da quantia de 45.000€ que o réu recebeu, enquanto administrador da insolvência, a título de sinal no âmbito do contrato-promessa constante de fls. 1047/1050 do primeiro processo em que a autora foi declarada insolvente.

Não havendo dúvida quanto ao recebimento desse montante, o réu contrapõe que esse valor deverá servir para pagar a remuneração e reembolso de despesas enquanto administrador da insolvência nomeado naquele processo.

Expostos os factos, analise-se de direito.

O Senhor Administrador da Insolvência tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas, conforme decorre dos artigos 60.º, do CIRE, e 19.º, da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho (Estatuto do administrador da insolvência), diploma que em 2007 estava em vigor.

Mas não só. Tanto pela gestão do estabelecimento compreendido na massa insolvente, como pela elaboração de um plano de insolvência é ainda devida remuneração ao administrador da insolvência.

A este propósito o artigo 22.º, do Estatuto do administrador da insolvência, para o que aqui interessa, previa que quando competir ao administrador da insolvência a gestão de estabelecimento em atividade compreendido na massa insolvente, cabe ao juiz fixar-lhe a remuneração devida até à deliberação a tomar pela assembleia de credores (n.º 1) e que caso os credores deliberem manter em atividade o estabelecimento compreendido na massa insolvente, devem, na mesma deliberação, fixar a remuneração devida ao administrador da insolvência pela gestão do mesmo (n.º 3).

Por seu turno, resultava do artigo 23.º, do mesmo diploma, que caso os credores deliberem, na assembleia referida no n.º 1 do artigo anterior, instruir o administrador da insolvência no sentido de elaborar um plano de insolvência, devem, na mesma deliberação, fixar a remuneração devida pela elaboração de tal plano.

Não se procedeu desta forma no processo n.º 2644/07.0TBSTS, do 4.º Juízo Cível do Tribunal de Santo Tirso, conforme resulta das atas da assembleia de credores de 17 e 29 de outubro de 2007, sendo igualmente certo que inexiste nesse processo um despacho judicial específico a fixar a remuneração ao réu ou a negá-la.

Aqui chegados, e agora noutro quadrante, julga-se que será de admitir que o administrador da insolvência possa retirar da massa insolvente os montantes relativos à sua remuneração e despesas (cfr., neste sentido, acórdãos da Relação do Porto de 14/09/2010 (processo n.º 2504/05.0TBPNF.P1 - que se refere mesmo à remuneração pela elaboração de um plano de insolvência) e de 03/07/2014 (processo n.º 1703/12.2TBPRD-G.P1, ambos consultados em www.dgsi.pt).

Verifica-se então a existência de uma causa prejudicial à apreciação do mérito desta ação, concretamente a remuneração que o réu, enquanto administrador da insolvência no processo n.º 2644/07.0TBSTS, do 4.º Juízo Cível do Tribunal de Santo Tirso, tem direito a receber, pois que apenas após essa decisão se poderá saber se, tendo recebido e retido aqueles 45.000€ a título de honorários, terá de entregar alguma quantia à massa insolvente.

Acresce que, salvo melhor opinião, este apuramento e decisão não deve ser efetuado nestes autos, mas sim naquele outro processo, pois que essa matéria a tal processo respeita.

Esta causa prejudicial configura-se como uma exceção dilatória inominada que não permite qualquer adequação processual ou convite a aperfeiçoamento e obsta ao prosseguimento e conhecimento de mérito desta ação, conduzindo nos termos do artigo 576.º, 2, do CPC, à absolvição do réu da instância.

Desta forma, atenta a exceção dilatória inominada referida, abstenho-me de decidir do mérito da ação e absolvo o réu BB da instância.

Mais tarde e apenas após a intervenção do AI. DR. AA, o Réu em resposta ao pedido de devolução do montante de 45.0000,00 € decorrente do contrato promessa de compra e venda apresentou, em maio de 2012 (no proc. 2644/07.TBSTS, uma nota de honorários em dívida no valor de 32.500,00 € (acrescido de IVA), referentes ao plano de insolvência, no valor de 7.500,00 € bem como o valor de 25.000,00 € referente a 20 meses de acompanhamento no valor de 1.250,00 €.

Para além desse valor de honorários – 32.500,00 €-, alega, ainda, como dívida da massa valores (despesas) que foram pagos, a saber:

a) Gabinete de contabilidade, no valor de 9.020,00 €;

b) Mandatário, no valor de 5.314,66 €;

c) Trabalhador no valor de 1.323,00 €, perfazendo, o total de 15.657,66 €;

Na ótica da Autora nenhum valor era devido e por conta disso intentou ação de condenação com base no enriquecimento sem causa exigindo que fosse entregue à Autora esse montante por entender que o valor em causa pertencia à massa insolvente, Autora (em representação dos seus credores).

Tal ação correu termos por apenso ao processo sob o apenso J processo 498/11.1TBCTS- J42. Contudo, aí Tribunal, entendeu, por decisão de 23.11.2016, que no processo 2644/07.0TBSTS do 3.º Juízo (processo anterior) não existia despacho judicial a fixar a referida remuneração do AI ou a negá-la, pelo que o valor deveria ser discutido não neste processo 498/07.0TBSTS do 2.º juízo mas sim no anterior, ou seja, no processo 2644/07.0TBSTS (doc. 16).

A massa insolvente, aqui Autora, apresentou requerimento – nomeadamente a 27.3.2018, no referido processo 2644/07 por forma a que o tribunal então proferisse uma decisão judicial quanto ao montante de 45.000,00 € (doc. 17).

Em 11 de outubro de 2022, foi proferida sentença tendo o tribunal de primeira instância dado razão à massa insolvente e condenando o Réu a proceder à entrega não de 45.000.00 € mas de 35.163.12 € - trinta e cinco mil cento e sessenta e seis euros e doze

cêntimos que é o valor correspondente retirando ao valor de 9.836,88 € referente à remuneração que lhe foi fixada à ordem do processo daquele processo (do. 20).

Em recurso, veio a ser proferido acórdão, por esta secção, a 6.2.2023, o qual decidiu:

Em consequência do exposto decide-se julgar parcialmente procedente o recurso apresentado, consequentemente mantendo-se o reconhecimento do crédito do recorrente no valor de € 9.836,88.

No mais revogando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente e recorrida na proporção do vencimento e decaimento.

Em contestação da presente ação, e entre o mais, o R. defendeu-se por exceção perentória, dizendo que, estando em causa apurar a sua responsabilidade enquanto AI da A., o prazo de prescrição do direito desta é de dois anos, a contar da data em que tomou conhecimento do direito que lhe compete, mas nunca depois dos dois anos após a cessação das funções de administração por parte do R., tudo isto nos termos do n.º 5 do art. 59.º do CIRE, sendo que o R. cessou as suas funções de administrador em 23.5. 2011, tendo a sua putativa responsabilidade prescrito em 23.5.2013.

Respondendo a esta exceção, disse a A. que a norma do art. 59.º CIRE só se aplica quando o lesado é o insolvente, ou o credor da insolvência ou da massa insolvente, o que aqui não sucede, sendo que só a partir do acórdão se tornou evidente que o R. se locupletou à custa da massa insolvente.

Em despacho saneador, proferido a 21.2.2024, escreveu-se não ser necessário saber qual o prazo de prescrição aplicável, pois que ocorreu a interrupção da prescrição com qualquer ato que exprima a vontade de o lesado exercer o seu direito, sendo certo que no acórdão desta Relação proferido nos autos 2644/07.0TBSTS, se entendeu que o apuramento ulterior das receitas deveria ocorrer em ação posterior.

Desta decisão recorre o R., visando a prescrição do direito da A., concluindo deste jeito:

1. O Recorrente foi destituído em 23/05/2011

2. O artigo 59 n.º 5 do CIRE dispõe que a responsabilidade do administrador da insolvência prescreve no prazo de dois anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, MAS NUNCA depois de dois anos da data de cessação de funções

3. Entre a data da destituição (23/05/2011) e a data da prescrição (23/05/2013) não ocorreu qualquer facto interruptivo da prescrição

4. A decisão do tribunal da relação do porto junto como documento 21 da Petição inicial proferida a 06 de fevereiro de 2023 (DEZ ANOS DEPOIS) não tem qualquer influência no prazo prescricional ocorrido dez anos antes.

5. O processo em que o recorrente foi administrador encerrou em 02/09/2013, isto é, dois anos e quatro meses depois da cessação de funções do ora recorrente sem que o administrador da insolvência que lhe sucedeu (Dr. CC) ou qualquer outro interessado tenha exigido qualquer responsabilidade ao ora recorrente pelos atos por si praticados

6. Em 14/01/2014 – mais de quatro meses depois do encerramento do processo 2644/07.0TBSTS – e mais de DOIS ANOS E OITO MESES depois da cessação de funções do recorrente é proferida novamente sentença de insolvência da A..., SA, sendo nomeado como administrador da insolvência o Ex.mo Dr. AA, processo que corre seus termos sob o número 498/11.1tbsts

7. A RECORRIDA representada pelo Sr. Dr. AA só em 27/03/2018, isto é, quase SETE ANOS DEPOIS da destituição do recorrente, praticou atos tendentes a exigir responsabilidade pelos atos praticados pelo mesmo.

8. A douta decisão recorrida violou o disposto no artigo 59 n.º 5 do CIRE.

A recorrida contra-alegou, opondo-se à procedência do recurso.

Objeto do recurso: da prescrição prevista no art. 59.º/5 CIRE.

FUNDAMENTAÇÃO

Matéria de facto provada

Para além dos factos que já ficaram expostos em relatório e com referência a documentos juntos com os articulados, damos ainda como provados os factos constantes do acórdão desta secção, datado de 6.2.2023 e transitado em julgado em 21.4.2023, nos autos 2644/07.0TBSTS.P1:

A)

A1) Por sentença proferida em 17/07/2007 foi declarada a insolvência de “A..., SA” nos presentes autos de insolvência em que foi requerente “B..., S.A.”. Então tendo sido nomeado BB como administrador da insolvência.

Quanto a pagamentos ao mesmo tendo sido inicialmente proferido o seguinte despacho:

“Nos termos conjugados do disposto no artº 60º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, no artº 26°, nºs 5 e 6, do Decreto-Lei nº 32/04 de 22/07 (Estatuto do Administrador da Insolvência) e no artº 3°, nºs 1 e 2, da Portaria nº 51/2005, de 20/01, dê-se pagamento ao Sr. Administrador, logo que este manifeste a aceitação, a adiantar pelo CGT e a reembolsar pela massa insolvente logo que disponha de recursos:

- € 250,00 a título de primeira prestação de provisão para despesas.

A segunda prestação de provisão para despesas, no montante de € 250,00, será paga imediatamente após a elaboração do relatório previsto no art? 155°, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa”.

Tendo em conformidade sido emitida em 24/07/2007 uma nota de despesas, no montante de 250 euros (vide fls. 176 e o posteriormente informado em 05/01/2018 a fls. 1610 destes autos).

A2) Em 11/10/2007, o AI nomeado e ora recorrente apresentou nos autos (fls. 277 a 291) o relatório a que alude o artigo 155º do CIRE.

Neste afirmou:

- ser a “insolvente em termos económicos (…) francamente viável: tem qualidade no que produz, dispõe de meios técnicos, embora na sua grande maioria, os equipamentos sejam pertença de terceiros”;

- “(…) tendo em atenção as análises já efetuadas, parece-nos que o estabelecimento industrial tem viabilidade económica”;

- “Em face do exposto, a manutenção da empresa parece-me a melhor solução, pelo que a empresa deve manter-se, no seu todo, sendo conveniente a elaboração de um Plano de Insolvência que tenha em atenção o saneamento técnico e financeiro. Também para os Srs. Credores a viabilização do Estabelecimento Industrial é a melhor solução, pois o desmantelamento da unidade e a venda dos seus ativos nunca permitirá a satisfação dos seus créditos, o que poderá ser minimizado num cenário de continuidade”.

Concluindo propondo (p. 291)

“Solução proposta:

Manutenção do Estabelecimento Industrial no seu todo;

Elaboração no prazo de sessenta dias, de um Plano de Insolvência a apresentar aos credores para eventual aprovação;

Manutenção em função dos Administradores, com supervisão do Administrador da Insolvência”.

Sob a al. G) de tal relatório (p.290) e sob a epígrafe “Remuneração estimada pela administração dos estabelecimentos compreendidos na massa insolvente e pela elaboração do Plano de Insolvência (nº 3 do art. 22º e art. 23, ambos do Estatuto do Administrador da Insolvência e al. d) do artigo 155 do CIRE” indicou o AI

“Para a elaboração do Plano supra referido será necessária, no mínimo, sessenta dias e o custo proposto é de 7.500,00 euros atento o trabalho a desenvolver e a dimensão da empresa.

Pelo acompanhamento da gestão do estabelecimento compreendido na massa insolvente, proponho auferir a remuneração mensal de 1.250 euros.”

A3) Em assembleia de credores realizada a 29/10/2007, “as propostas de fls. 291 foram todas aprovadas por unanimidade” [cfr. ata de fls. 371 dos autos].

Em seguida, nessa mesma diligência “pelo Ilustre Mandatário do Instituto de Segurança Social foi pedida a palavra e sendo-lhe concedida foi proposto que a Assembleia de Credores se pronunciasse quanto aos valores avançados pelo Sr. Administrador de Insolvência a fls. 290, tendo desde logo adiantado pretender abster-se de qualquer pronúncia sobre os mesmos.

Seguidamente, dada a palavra à Assembleia ninguém desejou manifestar-se.

Após, pelo Ilustre Mandatário do Instituto de Segurança Social foi requerido que fosse notificado o Sr. Administrador de Insolvência para juntar aos autos um inventário mais elucidativo e discriminado do ativo da empresa em prazo que se repute adequado pelo Tribunal que dada a palavra ao Sr. Administrador de Insolvência foi dito que como referido a fls. 283 dos autos se encontra a realizar um trabalho denso que visa repor os elementos patrimoniais da contabilidade e que não correspondem à realidade, necessitando contudo de um prazo de 30 dias para juntar aos autos novo inventário mais desenvolvido e completo pelo que de seguida foi dada a palavra à Comissão de Credores para se pronunciarem sobre o requerido prazo não tendo nenhum dos presentes apresentado qualquer oposição ao mesmo.

Após o que foi proferido pelo tribunal a quo o seguinte despacho:

“Face à pertinência do requerido e ao informado pelo Sr. Administrador de Insolvência defere-se o requerido prazo de 30 dias para a junção de novo inventário nos termos requeridos.

Face aos resultados da votação considero aprovadas as propostas submetidas a aprovação da Assembleia.”

A4) Em 02/01/2008 o AI recorrente remete aos autos parte do plano de insolvência.

vxzA5) Tendo a 17/01/2008 apresentado nos autos o plano de insolvência integral, propondo o saneamento por “Transmissão do Estabelecimento Industrial.” a outra empresa de acordo com o previsto no artigo 199 do CIRE.

- “(…) prevê-se a constituição de uma nova sociedade destinada à exploração do estabelecimento industrial e alienação dos bens em estado de sucata”

- “Forma de pagamento aos credores (…)

O valor obtido pela venda do Estabelecimento será distribuído pelos credores em função da graduação de créditos

(…)”

- “O cumprimento do definido e das políticas estratégia trançadas permitirão a viabilização do estabelecimento comercial/industrial a manutenção da criação de riqueza e dos postos de trabalho”;

- Proponho que a empresa “seja saneada por transmissão, prevendo-se a constituição de uma nova sociedade destinada a explorar o Estabelecimento Comercial da A...”;

E quanto às condições do saneamento por transmissão do Estabelecimento Industrial, ao abrigo do previsto no artigo 199 do CIRE, declarando não desonerar o cumprimento do plano o devedor e os responsáveis legais da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes (197 do CIRE), propôs o AI como forma de pagamento do estabelecimento a alienar:

“1. O preço será pago de acordo com o tradicionalmente definido em sede de processo de liquidação;

- “2. Será exigida uma adjudicação de 30%” e

- “3. os restantes 70% (…) pagos aquando da escritura”.

Este plano viria a ser retificado conforme requerimento de 05/05/2008 (fls. 763 e segs.), concretizando então as condições de venda do EI e nomeadamente o preço de venda do EI em “150.000,00 euros ou seja 75% do valor dos ativos”, mantendo quanto ao pagamento do preço a proposta de “uma adjudicação de 30%” e “os restantes 70% (…) pagos aquando da escritura”.

A6) Por decisão de 18/09/2008 foi decidido homologar o plano de insolvência nos termos do artigo 214º do CIRE.

A7) Em 05/11/2008 o AI, ora recorrente, junta aos autos cópia de minuta de contrato-promessa de compra e venda do EI, nos termos do qual o 1º outorgante (o AI ora recorrente na sua qualidade de AI) promete vender à 2ª outorgante “B... S.A.” pelo preço de 150 mil euros o EI da massa insolvente.

Acordando serem pagos 15 mil euros no ato de assinatura do contrato e os restantes 135 mil euros no ato da escritura definitiva (cfr. doc. de fls. 1033 a 1035).

A 5/12/2008 informando o AI que o contrato promessa já foi assinado.

Contrato de que junta cópia e do qual consta então (vide cláusula 3ª nº 1) que no ato de assinatura do contrato a promitente compradora paga a quantia de 45 mil euros em 3 cheques como sinal e princípio de pagamento, do que dá o AI quitação.

Mais constando da cláusula 3ª nº 2 que na mesma data

“o primeiro outorgante entrega as chaves, bem como todos os direitos e obrigações do respetivo estabelecimento industrial à segunda outorgante, a fim de a mesma proceder à continuidade do negócio, ficando esta autorizada a dar inicio à sua gestão, no seu interesse e sob a sua responsabilidade, suportando por isso e a partir da presente data todas as despesas, encargos e taxas relativas a essa mesma ocupação e laboração” (cfr. doc. inserto a fls. 1047 a 1050).

A8) Por decisão de 23 de maio de 2011 foi o AI ora recorrente destituído do cargo e substituído pelo AI CC.

A9) Em 30/08/2011 o AI nomeado em substituição do inicial e removido, requer que este venha prestar contas nos termos do artigo 62º 1 do CIRE

A10) Em 08/05/2012 o AI recorrente junta a estes autos um requerimento declarando “apresentar as despesas efetuadas no decorrer do processo bem como efetuar pedido de remuneração no exercício das minhas funções”

Requerimento que aqui deixamos reproduzido o seu teor:

A11) Por despacho de 2 de julho de 2012 foi determinada a notificação do AI removido para " apresentar as suas contas nos termos do disposto no artigo 62.º, n.º 3, do CIRE (o que não sucedeu com as contas apresentada a fls. 1384)" (fls. 1393 destes autos).

A12) A 21 de Novembro de 2012 o AI ora recorrente apresentou requerimento autuado como prestação de contas sob o apenso W1.

Então tendo apenas identificado as despesas “em conta corrente” que contabilizou no valor global de € 586,88 [num total de 70 verbas que descriminou como despesas de correspondência e fatura/recibo INCM].

E nenhuma verba a crédito foi identificada, na “conta corrente apresentada pelo AI”.

A13) Cumprido o disposto no artigo 64 do CIRE foi proferida sentença em 13/02/2013, do seguinte teor:

“Nestes autos de insolvência de A..., SA veio o Sr. Administrador da Insolvência prestar contas.

Determinou-se a efetivação das legais notificações.

Não foi deduzida qualquer reclamação.

O MP, em vista, nada opôs.

As contas mostram-se devidamente elaboradas, com a discriminação das despesas efetuadas.

Em face do exposto, julgo validamente prestadas as contas apresentadas pelo Sr. Administrador da Insolvência.

Custas pela massa.

Registe e notifique.”

A14) Por decisão de 02/09/2013, transitada em julgado a 23/09/2013, foi declarado encerrado o processo nos termos do artigo 230º nº 1 al. b) do CIRE (fls. 1528 destes autos principais).

E, subsequentemente, arquivado.

B)

B1) Por requerimento de 27/03/2018 a Massa Insolvente vem expor e requerer o seguinte:

A Massa Insolvente intentou ação declarativa de condenação contra BB, ação essa cujo pedido era a restituição de 45.000,00€ de que aquele se havia apropriado indevidamente no âmbito do contrato de promessa de compra e venda celebrado entre a massa insolvente e a promitente compradora B... S.A.

Na referida ação, a qual foi atribuído o apenso “ J “ foi proferido saneador/sentença julgando a ação improcedente porquanto os honorários do então Sr. Administrador não haviam sido fixados, exigindo-se primeiro que assim o fosse no processo 2644/07.0TBSTS - Juízo de Comércio – Juiz 4, Tribunal Judicial de Santo Tirso.

Assim, face ao exposto em requerimento anterior com a referência supra verifica-se que os honorários não foram fixados apenas consta uma nota emitida no valor de 250,00 € respeitante a primeira prestação de despesas.

Neste aresto requer-se que sejam devolvidos à MASSA INSOLVENTE pelo então Sr. Administrador a quantia de 45.000.00 € e sejam fixados os seus honorários devidos.”

B2) Em 11/02/2019 é notificado o AI ora recorrente do seguinte despacho:

“Atendendo a todos os elementos que têm sido juntos aos autos mesmo após o seu encerramento e arquivo, e as questões suscitadas e relacionadas com a remuneração a fixar, ou não, devida, ou não, ao Sr. Administrador de insolvência que exerceu tais funções inicialmente nestes autos, BB, e ainda por causa de tais funções nestes autos, com cópia de fls. 1612 e seguintes, notifique aquele para que, em 10 dias, esclareça, pormenorizadamente, todas as funções que efetivamente exerceu nestes autos, e em que período concreto (início e termo) de tempo acompanhou, de facto, o plano de recuperação elaborado.”

B3) Em resposta de 13/03/2019 o Sr. AI ora recorrente expõe o seguinte:

1. Certamente que aquando da realização da Assembleia de Credores que aprovou o Relatório a que alude o art.º 155 do CIRE todas as questões relacionadas com o mesmo foram postas à consideração e votadas, tendo sido aprovadas nos exatos termos que foram apresentados;

2. Desta forma, resulta claramente do ponto “G”, página 14 do relatório o seguinte:

3. Ou seja, com o devido respeito, a remuneração fixada em sede de Assembleia de Credores nada tem a ver com pedido de remuneração efetuado em 07 de maio de 2012;

4. Na verdade, no “Fax” enviado faltou, inclusivamente, pedir a remuneração devida, 2.000,00 da componente fixa (tendo apenas recebido 250,00 euros do IGFSS), ou sejam faltam 1.750,00 euros respeitantes a esta componente e,

5. Nada foi pedido no que diz respeito à componente variável;

6. Mais, dos valores apresentados em forma de conta corrente ficaram por pagar 11.039,54 euros;

7. Ou seja, apenas recebi o valor do Plano de Insolvência – devidamente elaborado e aprovado pela Assembleia de Credores – e uma parte, reduzida como resulta da simples aritmética, da componente de acompanhamento de gestão;

8. E ainda se questionam as contas apresentadas?

9. Só se for porque constataram que estou prejudicado e querem que sejam corrigidas a meu favor.

10. Foram muitos meses de acompanhamento processual, sem nunca ter assumido a gestão do mesmo, que esteve sempre confiada ao devedor e, conforme aprovado em sede de Assembleia de Credores, supervisionada por mim – o valor fixado dizia respeito ao acompanhamento e supervisão, certamente que se a gestão me estivesse confiada o valor mensal não seria de 1.250,00 euros (trabalho barato, mas não estou, nem nunca estive, em saldo);

11. Acresce, como resulta do mapa de despesas apresentado (586,88 euros), que não apresento qualquer despesa de deslocação ao estabelecimento, limito-me a apresentar despesas suportadas com correspondência e anúncios da INCM;

12. Ou seja, o valor fixado pela Assembleia de Credores não foi apenas utilizado para pagar honorários, também foi utilizado para colocar combustível no automóvel, pagar portagens, pagar a manutenção do carro, etc., afinal de Vila Nova de Gaia à sede da Insolvente ainda são umas dezenas de quilômetros e as deslocações eram correntes e periódicos;

13. Já no que respeito às funções efetivamente exercidas, cumpre dizer o seguinte:

a. Conforme referi inicialmente os credores, em sede de Assembleia, antes de aprovar a remuneração proposta, fizeram a mesma questão, a qual foi respondida, de outra forma não teriam aprovado;

b. O acompanhamento de gestão, conforme consagrado no CIRE no que respeita à logica estatuída no - TÍTULO X, Administração pelo devedor, artigos 223 e seguintes, aparece plasmado no art.º 226 do CIRE, que no seu n.º 1 diz “O administrador da insolvência fiscaliza a administração da massa insolvente pelo devedor.....”

c. Para além de poder exigir, de acordo com o n.º 3, que fiquem a seu cargo todos os recebimentos em dinheiro e todos os pagamentos, o que nunca exigi....

d. Até porque, como referi, para o poder fazer ver-me-ia obrigado a estar permanentemente na empresa, o que não se verificou;

e. Ademais, existem muitas outras funções inerentes, na maioria de fiscalização e de impedimento à prática de determinadas operações (como venda dos bens compreendidos no acerbo patrimonial à exceção dos circulantes, naturalmente inerentes ao giro comercial e à atividade funcional da empresa);

f. Análise contabilística e manutenção das obrigações fiscais, etc.....

14. Certo é que, dez anos volvidos não é fácil pormenorizar, mas também é certo que a lógica a fiscalização não diverge muito de caso “para” caso, e quem o faz correntemente tem presente as suas obrigações.

Desta forma, e face ao exposto,

Resulta, de forma fácil, que,

15. a remuneração fixada em sede de Assembleia de Credores nada tem a ver com pedido de remuneração efetuado em 07 de maio de 2012;

16. A Assembleia Geral de Credores é o órgão máximo dentro do processo de Recuperação Judicial, assim como no de Falência;

17. A assembleia de credores é presidida pelo juiz, art.º 74 do CIRE, e “A não ser nos casos em que este Código exija para o efeito maioria superior ou outros requisitos, as deliberações da assembleia de credores são tomadas pela maioria dos votos emitidos...”;

18. Foi o que aconteceu quando foi aprovado o relatório a que alude o art.º 155 do CIRE, incluindo a remuneração do AI para elaboração do Plano de Insolvência e para o acompanhamento da gestão;

19. A remuneração do AI é uma dívida da massa e, de acordo com o n.º 1 do art.º 172 do CIRE, “Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta...”;

20. O n.º 3 do mesmo artigo é muito claro, “O pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respetivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo”;

21. As contas prestadas pervertem por defeito, como ficou cabalmente demonstrado, estando ainda pendente o recebimento da quantia de 11.039,54 euros, o que desde já se peticiona e requer que seja pago no mais curto espaço de tempo possível.

22. Caso não seja feito num curto espaço de tempo ver-me-ei obrigado a intentar a competente ação judicial contra a massa insolvente da “A..., S.A., processo n.º 498/11.1TBSTS;

23. Ponderando, de igual forma, apresentar processos-crime a quem tem litigado contra mim, sem conseguir demonstrar qualquer desrespeito pelo CIRE, nem irregularidades, tentando apenas fazer prevalecer ideias e conceitos incabíveis, sustentados em desconhecimento legal, pondo em consideração o meu bom nome.

Sem outro assunto de momento, subscrevo-me com elevada estima e consideração.”

B4) Em 15/05/2019 e após notificados os demais interessados para se pronunciarem, foi proferida a seguinte decisão:

“Temos vindo a entender que só nos casos de encerramento “provisório” de um processo de insolvência, nomeadamente nas situações em que o encerramento teve apenas como efeito o início da contagem do período de cessão (questão que foi solucionada pela recente alteração legislativa), pode aquele ser reaberto (até para efeitos de apreensão de qualquer valor conhecido entretanto, por exemplo), e por entendermos que tal encerramento é limitado e provisório e não tem os efeitos previstos no artigo 233.º do CIRE.

Porém, nos casos em que há despacho definitivo de encerramento do processo, temos entendido que não é possível a sua reabertura, designadamente porque, como aludido no Ac. daRelação de Guimarães, de 25-06-2013 (disponível em www.dgsi.pt), “os bens que não integravam o património dos devedores à data da declaração de insolvência, nem na pendência de tal processo, antes vieram à sua esfera jurídica numa data posterior, quando o processo de insolvência estava encerrado, não integram a massa insolvente, não sendo por isso permitida a reabertura do processo de insolvência, com vista à apreensão e liquidação de novos bens”.

No entanto, na situação em apreço, não se trata de elementos novos que são carreados para os autos para “forçar” a sua reabertura, mas tão só atender a todos os elementos que do mesmo já constavam, e aferir se é possível concluir que todos os atos devidos foram praticados no mesmo, designadamente no que concerne à remuneração do Sr. Administrador da insolvência aqui inicialmente nomeado.

Porém, da exposição feita supra, propositadamente pormenorizada, afigura-se-nos que aquando do encerramento do processo, e atendendo aos referidos elementos que do mesmo constam, faltava prestar vários esclarecimentos e praticar diversos atos, designadamente:

- Saber se todos os elementos relevantes, que vinham sendo reclamados pelo Sr. Administrador da insolvência em funções, tinham sido efetivamente transmitidos pelo Sr. Administrador da insolvência inicialmente nomeado ao seu substituto e se este, em face de tais elementos concluía que nada mais era possível fazer para concluir a execução do plano de insolvência apresentado e votado nestes autos;

- Saber se os restantes atos que constam do plano, como a venda de bens móveis, se tinha concretizado e que valor tinha sido obtido;

- Apesar De resultar claro, das próprias informações prestadas pelo Sr. Administrador da insolvência inicialmente nomeado nos autos, que recebeu valor aquando da celebração do contrato promessa, nunca juntou os extratos da conta da massa insolvente, nem juntou aos autos os documentos justificativos dos valores que apresentou e que referiu ter retirado da massa insolvente, valores esses que nunca chegaram a ser apreciados;

- Acresce que atendendo ao tipo de atos efetivamente praticados pelo Sr. Administrador da insolvência e o que constava do relatório que elaborou ao abrigo do disposto no artigo 155.º do CIRE, e referente a remuneração, afigura-se-nos que a remuneração proposta de € 1.250,00 para acompanhamento na gestão do estabelecimento compreendido na massa insolvente, não parecer corresponder aos atos que foram praticados – ou pelo menos ao que consta dos autos, em que se limitou a relevar que estava a praticar atos tendentes a verdadeira liquidação, designadamente do estabelecimento industrial (não se vislumbra, dos elementos dos autos, que tenham sido efetivamente praticados atos de acompanhamento da gestão do estabelecimento, até porque no plano de insolvência o que propôs foi a venda do estabelecimento a terceiro e foi sempre com esse objetivo que terá praticado atos enquanto exerceu funções);

- Pelo que, e ainda que o valor de € 7.500,00 para elaboração do plano possa entender-se que tenha sido aprovado pelos credores face à posição que assumiram e supra aludida, já quanto à remuneração mensal, a contar desde a data do trânsito da decisão que homologou o plano e a data em que o Sr. Administrador da insolvência inicialmente nomeado deixou de prestar qualquer informação aos autos, mesmo apenas sobre a aludida venda do estabelecimento, não decorreram os invocados 25 meses, nem que em algum de tal período tenha sido efetuado o acompanhamento da gestão;

- Acresce que não resulta dos autos que as custas do processo tenham sido pagas, assim como nada é referido quanto ao pagamento quer de eventual remuneração fixa, quer de despesas, incluindo as aprovadas.

Face a tudo o exposto, e porque se mostram de essencial importância que sejam prestados os aludidos esclarecimentos, a fim de se definir o valor da remuneração do Sr. Administrador da insolvência inicialmente nomeado, antes de mais, determino:

- Que a secção informe que quantias, e a que título, foram pagas até ao momento através do IGFEJ ao Sr. Administrador da insolvência inicialmente nomeado;

- Que a secção informe se as custas deste processo foram pagas;

- Que seja notificado o Sr. Administrador da insolvência inicialmente nomeado nos autos deste despacho e para, em 10 dias, juntar aos mesmos os extratos da conta da massa insolvente, onde terão sido depositados os € 45.000,00 a que alude e de onde terá retirado os valores a que também fez referência nos autos;

- Que seja notificado o Sr. Administrador da insolvência inicialmente nomeado nos autos para que, no mesmo prazo, e em face de todas as datas supra aludidas, esclareça que concretos atos praticou e que considerou integrados no invocado acompanhamento da gestão dos estabelecimentos da insolvente, atendendo ao supra aludido e designadamente que dos autos apenas constam referências a atos de tentativa de venda de um estabelecimento, e já que o próprio referiu logo no plano de insolvência que elaborou que a insolvente era inviável financeiramente (e os atos que constam dos autos, como se disse, estão todos relacionados com liquidação do estabelecimento);

- Que seja notificado o Sr. Administrador da insolvência inicialmente nomeado nos autos para que, em 10 dias, junte aos mesmos os documentos comprovativos das despesas a que aludia nos elementos juntos aos autos principais a fls. 1412, remetendo-se cópia para melhor esclarecimento, designadamente os referentes a pagamentos que terá efetuado a gabinete de contabilidade (descriminando os serviços prestados, nota de honorários e recibo), a mandatário (descrevendo os serviços prestados, nota de honorários e recibo), de valor pago a trabalhador (e de que trabalhador se trata); e dos motivos pelos quais não indicou tais valores na prestação de contas que apresentou no apenso “W”; comprovativos do recebimento da remuneração a que alude, bem como do IVA faturado;

- Notificar o Sr. Administrador da insolvência substituto para que, em 10 dias, esclareça nos autos acerca dos motivos pelos quais não terminou as diligências de execução de tal plano de insolvência; se o estabelecimento em causa ainda existe ou que destino teve, e se houve, ou não, outros atos de liquidação por si praticados uma vez que tal também não resulta claro destes autos.

Após, será cumprido o contraditório e vão os autos ao Ministério Público.”

B5) Em 30/07/2019 o Sr. AI ora recorrente responde à notificação enviada, onde entre o mais reitera o antes afirmado e requer o que infra se reproduz (reprodução parcial do seu requerimento):

“g) A assembleia teve que tomar posição sobre a manutenção do estabelecimento, conforme resulta do art. 156º/2 CIRE (DL 52/2004 de 18/03, na redação do DL 200/2004 de 18/08, atualizado pela Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro) e optou pela manutenção em funcionamento do estabelecimento, conforme requerido pelo AI;

h) A remuneração foi, igualmente, requerida e fixada;

i) Cumpria à assembleia fixar a remuneração do administrador.

j) Dispõe a Lei que na atribuição da remuneração deve o Juiz atender ao critério enunciado no art. 22º/2 do Estatuto do Administrador da Insolvência e por isso cumpre-lhe considerar:

o volume de negócios do estabelecimento;

a prática das remunerações seguida na empresa;

o número de trabalhadores;

dificuldade das funções compreendidas na gestão do estabelecimento.

k) Não se entende, desta forma, como é possível mais de 10 anos volvidos colocar-se esta questão;

l) No presente processo sequer se coloca a questão enunciada no art.º 25º/2 do Estatuto do Administrador da Insolvência, ou seja, se coloca a necessidade de ponderar e apreciar os seguintes pontos de factos:

- se o administrador foi nomeado pelo Juiz para o exercício das funções de gestor do estabelecimento ou pela assembleia;

- quando iniciou as funções;

- que tipo de tarefas executou;

- qual o volume de negócios do estabelecimento;

- quantos trabalhadores tinha a seu cargo;

- prática das remunerações seguida na empresa;

- dificuldade das funções compreendidas na gestão do estabelecimento;

m) Afinal o valor requerido já se encontrava ponderado de todos os referidos pontos de factos, além de ainda ter em consideração as necessidades subjacentes à análise de elementos contabilísticos, reuniões com trabalhadores, mandatário da insolvente, ex. Administrador, etc.;

38. Dispõe o art.º 29º/6 do Estatuto do Administrador da Insolvência que “A remuneração pela gestão de estabelecimento integrado na massa insolvente, nos termos do n.º 1 do artigo 25.º, é suportada pela massa insolvente e, prioritariamente, pelos proventos obtidos com a exploração do estabelecimento.”;

39. Na verdade nunca retirei dinheiro da gestão corrente, devendo, no final, o saldo da conta também ser apreendida para a massa insolvente (não sei o que se passou depois da minha destituição, como tal não sei o que foi feito, se foi feito – tenha a nítida sensação que nada foi feito até porque, como facilmente se percebe, ninguém sabe o que anda a fazer);

40. Vejamos,

41. Estando o estabelecimento em funcionamento dever-se-á no final do período de exploração apurar os resultados (inflows deduzidos dos outflows) que deverão estar plasmados na conta bancária, devendo o saldo ser adicionado ao produto da venda;

42. Note-se que em certos casos isto não se aplica, nomeadamente quando a manutenção do estabelecimento em funcionamento se verifica à custa da cessão do mesmo a terceiros, sendo que, neste caso, apenas se aproveitará, caso exista, o “fee” de exploração;

43. No processo a exploração prolongou-se sem razão, devido à recusa do comprador em concluir o negócio, sendo certo que seria indiferente eu ter recebido periodicamente ou no final;

44. Se tivesse recebido mensalmente a conta estaria diminuída desses valores, mas o resultado final tinha que ser o mesmo;

45. A venda foi retardada, o processo prolongou-se;

46. Eu, para além de também ter efetuado o Plano de Insolvência que foi aprovado, ainda tive que avaliar o Estabelecimento, e ainda tive a meu cargo a fiscalização e a gestão do estabelecimento durante vinte meses;

Desta forma, e face ao exposto

1) Não me resta alternativa a deixar claro que não está aqui em questão fixar qualquer remuneração, a mesma já foi fixada pela Assembleia de Credores, órgão máximo do processo falimentar.

2) A única componente de remuneração que poderia ser fixada seria respeitante à componente variável devida pelo apuro da venda em sede de liquidação.

3) Esta componente de remuneração não foi pedida porque, do meu ponto de vista, não é devida.

4) Apenas seria devida se a venda do estabelecimento fosse feita em sede de liquidação, o que não se verifica neste processo.

5) Neste processo a liquidação é feita ao abrigo de um Plano de Insolvência.

6) Os efeitos práticos são os mesmos, mas a remuneração está considerada no custo da elaboração do Plano.

Ademais,

47. Conforme a minha exposição datada de 2 de março de 2019, com o devido respeito, a remuneração fixada em sede de Assembleia de Credores nada tem a ver com pedido de remuneração efetuado em 07 de maio de 2012;

48. Na verdade, no “Fax” enviado faltou, inclusivamente, pedir a remuneração devida, 2.000,00 da componente fixa (tendo apenas recebido 250,00 euros do IGFSS), ou sejam faltam 1.750,00 euros respeitantes a esta componente e,

49. Nada foi pedido no que diz respeito à componente variável;

50. Mais, dos valores apresentados em forma de conta corrente os valores depositados não chegaram para cobrir as despesas incorridas;

51. Ou seja, apenas recebi o valor do Plano de Insolvência – devidamente elaborado e aprovado pela Assembleia de Credores – e uma parte, reduzida como resulta da simples aritmética, da componente de acompanhamento de gestão;

52. E ainda se questionam as contas apresentadas?

53. Só se for porque constataram que estou prejudicado e querem que sejam corrigidas a meu favor.

54. Foram muitos meses de acompanhamento processual, sem nunca ter assumido a gestão do mesmo, que esteve sempre confiada ao devedor e, conforme aprovado em sede de Assembleia de Credores, supervisionada por mim – o valor fixado dizia respeito ao acompanhamento e supervisão, certamente que se a gestão me estivesse confiada o valor mensal não seria de 1.250,00 euros (trabalho barato, mas não estou, nem nunca estive, em saldo);

55. Acresce, como resulta do mapa de despesas apresentado (586,88 euros), que não apresento qualquer despesa de deslocação ao estabelecimento, limito-me a apresentar despesas suportadas com correspondência e anúncios da INCM;

56. Ou seja, o valor fixado pela Assembleia de Credores não foi apenas utilizado para pagar honorários, também foi utilizado para colocar combustível no automóvel, pagar portagens, pagar a manutenção do carro, etc., afinal de Vila Nova de Gaia à sede da Insolvente ainda são umas dezenas de quilômetros e as deslocações eram correntes e periódicos;

57. Já no que respeito às funções efetivamente exercidas, cumpre dizer o seguinte:

a. Conforme referi inicialmente os credores, em sede de Assembleia, antes de aprovar a remuneração proposta, fizeram a mesma questão, a qual foi respondida, de outra forma não teriam aprovado;

b. O acompanhamento de gestão, conforme consagrado no CIRE no que respeita à lógica estatuída no - TÍTULO X, Administração pelo devedor, artigos 223 e seguintes, aparece plasmado no art.º 226 do CIRE, que no seu n.º 1 diz “O administrador da insolvência fiscaliza a administração da massa insolvente pelo devedor...”

c. Para além de poder exigir, de acordo com o n.º 3, que fiquem a seu cargo todos os recebimentos em dinheiro e todos os pagamentos, o que nunca exigi....

d. Até porque, como referi, para o poder fazer ver-me-ia obrigado a estar permanentemente na empresa, o que não se verificou;

e. Ademais, existem muitas outras funções inerentes, na maioria de fiscalização e de impedimento à prática de determinadas operações (como venda dos bens compreendidos no acervo patrimonial à exceção dos circulantes, naturalmente inerentes ao giro comercial e à atividade funcional da empresa);

f. Análise contabilística e manutenção das obrigações fiscais, etc.....

58. Certo é que, dez anos volvidos não é fácil pormenorizar, mas também é certo que a lógica da fiscalização não diverge muito de caso “para” caso, e quem o faz correntemente tem presente as suas obrigações.

Desta forma, e face ao exposto,

Resulta, de forma fácil, que,

59. a remuneração fixada em sede de Assembleia de Credores nada tem a ver com pedido de remuneração efetuado em 07 de maio de 2012;

60. A Assembleia Geral de Credores é o órgão máximo dentro do processo de Recuperação Judicial, assim como no de Falência;

61. A assembleia de credores é presidida pelo juiz, art.º 74 do CIRE, e “A não ser nos casos em que este Código exija para o efeito maioria superior ou outros requisitos, as deliberações da assembleia de credores são tomadas pela maioria dos votos emitidos...”;

62. Foi o que aconteceu quando foi aprovado o relatório a que alude o art.º 155 do CIRE, incluindo a remuneração do AI para elaboração do Plano de Insolvência e para o acompanhamento da gestão;

63. A remuneração do AI é uma dívida da massa e, de acordo com o n.º 1 do art.º 172 do CIRE, “Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta...”;

64. O n.º 3 do mesmo artigo é muito claro, “O pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respetivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo”;

65. As contas prestadas pervertem por defeito, como ficou cabalmente demonstrado, estando ainda pendente o, o que desde já se peticiona e requer que seja pago no mais curto espaço de tempo possível.

66. Caso não seja feito num curto espaço de tempo ver-me-ei obrigado a intentar a competente ação judicial contra a massa insolvente da “A..., S.A., processo n.º 498/11.1TBSTS;

67. Ponderando, de igual forma, apresentar processos-crime a quem tem litigado contra mim, sem conseguir demonstrar qualquer desrespeito pelo CIRE, nem irregularidades, tentando apenas fazer prevalecer ideias e conceitos incabíveis, sustentados em desconhecimento legal, pondo em consideração o meu bom nome.

NOTA IMPORTANTE:

O valor pendente de recebimento deverá ser suportado pelo produto da venda da massa, nos moldes já plasmados. Não reclamo este valor se não existir produto da massa, ou seja, não reclamo este valor aos cofres dos tribunais.

Se não existir produto da venda (o que será vergonhoso) prescindo do pedido.”

B6) Após diligências várias operadas pelo tribunal a quo e perante informações bancárias prestadas aos autos, veio o AI ora recorrente prestar as seguintes informações, na sequência de notificação para tanto:

“(…)

Os valores apurados e apresentados,

12. O aqui AI quando foi afastado do processo apenas era responsável pelo recebimento de 45.000,00 euros, conforme já ficou claro e devidamente comprovado;

13. A gestão corrente a cargo da devedora certamente que teria uma conta corrente, que deveria ter sido apresentada aquando do encerramento da referida gestão, que iria ocorrer com a venda do estabelecimento industrial;

14. Tudo, de acordo com o plano de insolvência que foi apresentado e aprovado em sede de Assembleia de Credores;

15. Foi aprovado o Saneamento por Transmissão do Estabelecimento Industrial, assumindo a empresa adquirente os cerca de 50 trabalhadores existentes;

16. Tudo conforme resulta da simples consulta do plano de insolvência aprovado;

17. O preço que veio a ser fixado para o Estabelecimento Industrial foi de 150.000,00 euros, assumindo a adquirente B... (através de uma sociedade veículo que seria constituída para esse fim), principal credora da sociedade insolvente e entidade que assegurava paralelamente a gestão da insolvente, a aquisição e comprometendo-se a pagar o preço da seguinte forma:

a) O preço será pago de acordo com tradicionalmente definido em sede de processo de liquidação;

b) Será exigida uma adjudicação de 30%;

c) Os restantes 70% serão pagos aquando da escritura.

18. O grande problema é que, após ter pago o sinal de 30%, em três tranches de 15.000,00 euros cada a B... nunca mais mostrou disponibilidade para concluir o negócio;

19. Mais, começou a afirmar que os equipamentos que foram considerados como integrantes do estabelecimento da A... já eram seus e que não teria de os pagar novamente;

20. De realçar o fato do Plano também deixava claro que, o imóvel onde a empresa laborava não era da empresa e os bens móveis, para além de não serem suficientes, não deixavam de responder, em primeiro lugar, pelos créditos dos trabalhadores;

21. O imóvel fazia parte de um contrato de Locação Financeira que, naturalmente, foi cedido;

22. Ou seja, verificou-se uma cedência da posição contratual a favor da B...;

23. Após a cedência o aqui AI passou a ter muita dificuldade em aceder à empresa e também deixou de aceder aos elementos diários da gestão da insolvente;

24. De tal forma que, pese embora o grande objetivo fosse concluir a transmissão do Estabelecimento e solicitar a prestação de contas finais resultado da gestão corrente do estabelecimento assegurada pela devedora, a verdade é que o Aqui Expoente foi afastado do processo e, para além de não lhe ter sido possível confrontar as pessoas responsáveis com estas questões, ainda mais confundido ficou ao ver ser decretada uma nova insolvência do A... –processo 498/11.1TBSTS.

25. O Ilustre AI nomeado, certamente perfeitamente a leste de tudo isto, em vez de se preocupar com o recebimento do valor pendente e de assegurar o recebimento dos valores devidos à massa pela B... respeitantes ao período em assumiu o papel de cliente único do trabalho realizado pela A..., limitou-se, pelo que me foi dado a perceber, em exigir ao aqui AI a entrega dos 45.000,00 euros recebidos a título de sinal, exigindo, na verdade 50.000,00 euros;

26. Inclusivamente, a massa insolvente de A..., SA, intentou a uma ação declarativa comum contra o aqui BB dizendo, em síntese, que a autora foi objeto de um anterior processo de insolvência, que correu termos no processo n.º 2644/07.0TBSTS, do 4.º Juízo Cível do Tribunal de Santo Tirso, no qual o réu foi nomeado como administrador da insolvência, tendo celebrado um contrato promessa de compra e venda do estabelecimento comercial/industrial da autora no qual recebeu a título de sinal a quantia de 45.000C, da qual se apropriou, peticionando a condenação do réu a restituir esse montante;

27. O aqui AI, réu, contestou dizendo, no essencial, que a quantia cuja entrega é peticionada serviu para pagamento da sua remuneração, e pugnou pela improcedência da ação

28. O que viria a ser sentenciado, sendo o aqui AI e Réu na ação, absolvido da instância.

Dos valores pagos com os 45.000,00 euros,

29. Desde logo repito, como já ficou claro inclusivamente na ação declarativa intentada pela Massa Insolvente, que apenas recebi o que me é devido, tratava-se de uma dívida da massa respeitante à elaboração do plano de insolvência e do acompanhamento de gestão do estabelecimento, valores aprovados pela Assembleia de Credores;

30. Ademais, os restantes valores pagos, resultam de honorários por serviços prestados à insolvente – note-se que, em momento algum existiu, enquanto o aqui AI foi administrador judicial da A... massa insolvente, já que a gestão corrente continuava confiada à devedora, as diligências de venda do estabelecimento foram efetuadas no âmbito de um plano de insolvência aprovado, que consistia num saneamento por transmissão, que culminaria na distribuição pelos credores dos valores finais que fossem apurados na transmissão desse mesmo estabelecimento e no apuro final da gestão corrente;

31. Os valores pagos são muito claros:

a) Cheque de 4.820,00 euros foi devidamente apresentado nas contas e respeita a honorários pagos pelos serviços de contabilidade;

b) Cheque de 10.000,00 euros foi devidamente apresentado nas contas e respeita a honorários pagos pelos serviços de acompanhamento de gestão por parte do AI e elaboração do plano de insolvência;

c) Transferência de 11.958,20 euros foi devidamente apresentado nas contas e respeita a honorários pagos pelos serviços de acompanhamento de gestão por parte do AI e elaboração do plano de insolvência;

d) Transferência de 1.200,00 euros foi devidamente apresentado nas contas e respeita a honorários pagos pelos serviços de contabilidade;

e) As demais transferências dizem respeito a valores pagos de honorários ao mandatário da insolvente, a um trabalhador e restantes valores devidamente justificados nas contas prestadas há 10 anos atrás – Mandatário 5.314,66 euros (os valores da transferência podem não coincidir porque existe o efeito fiscal), trabalhador 1.323,00 euros;

f) Conforme foi referido o valor total pago aos serviços de contabilidade ascenderam a 9.020,00 euros e o total pago ao aqui AI ascendeu a 32.500,00 euros, deduzidos de 250,00 euros recebidos do IGFSS a título de despesas, aos quais acrescem IVA no montante de 7.025,00 euros (dos quais, conforme já foi referido 3.000,00 já foi pago e 4.025,00 encontra-se por pagar);

g) Tudo, de acordo com requerimento remetido ao processo datado de 7 de maio de 2012;

h) Os valores pagos foram em tranches e não correspondem a valores exatos já que, em algumas situações eram acrescidas as despesas correntes suportadas pelo AI e que foram retiradas posteriormente da conta da massa.

32. Não resta qualquer dúvida que os valores recebidos foram devidamente apresentados nas contas prestadas;

33. Afinal não seria possível retirar de onde não existia, e o valor que foi recebido não deixa dúvidas a ninguém.

34. Conforme o aqui AI já mencionou em anteriores requerimentos, sequer o valor fixado inicialmente (remuneração fixa) foi considerado nestas contas.”

B7) Na ação intentada pela massa insolvente e mencionada em B1) foi proferido despacho saneador sentença, na qual após se ter dado como assente que o ali R. e aqui recorrente recebeu a quantia de € 45.000,00 enquanto AI, que o mesmo contrapôs que tal valor deverá servir para pagamento de remuneração e reembolso de despesas; ainda que ali se teve como certo que inexiste nestes autos despacho judicial específico a fixar a remuneração ao R. ou a negá-la, entendeu-se constituir a existência de tal despacho – a proferir nestes autos – causa prejudicial ao conhecimento do mérito da questão enquadrada como exceção dilatória com a consequente decisão de absolvição da instância do ali R. e aqui recorrente (cfr. certidão junta pela massa insolvente com o requerimento de 25/05/22 junta a fls. 1897 a 1900).

C)

C1) Por decisão de 11/10/2022, foi decidido “deverá o Sr. Administrador da insolvência inicialmente nomeado nestes autos, Dr. BB, depositar à ordem destes autos o valor de € 35.163,12, no prazo máximo de 15 dias.”

Despacho que o tribunal a quo fundou nos seguintes termos:

“De tudo o que acima, propositadamente, pormenorizadamente se expôs acerca dos elementos que constam destes autos, a sucessão de atos praticados e não praticados e tramitação seguida, a primeira conclusão a retirar é que o Sr. Administrador Judicial inicialmente nomeado nestes autos, principalmente a partir da altura em que apresentou um plano, que veio a ser homologado, agiu nos autos como bem entendeu, praticou uns atos e omitiu outros, atuando sempre como se não estivesse obrigado a seguir quaisquer regras e sujeito a fiscalização, e obrigado a praticar os necessários atos ao bom andamento do processo e, no caso, à execução do plano que o próprio elaborou, apresentando o preço que entendeu e ainda apresentando uma remuneração mensal para o que designa de acompanhamento da gestão do estabelecimento, sem se perceber em que consistia tal acompanhamento e, essencialmente, sem resultar dos autos que tenha feito qualquer efetivo acompanhamento de tal gestão. Pelo contrário, tal acompanhamento, que como se disse, não resulta ter sido feito, foi impugnado expressamente por quem teve intervenção direta, designadamente a sociedade que pretendia adquirir o estabelecimento.

Outra conclusão a retirar, e que é confirmada por todos os documentos recolhidos, mesmo após o levantamento do sigilo bancário, e pelo próprio Sr. Administrador da insolvência, é que foi entregue para a massa insolvente, já após a aprovação do plano, e no âmbito das diligências de venda do estabelecimento, o valor de pelo menos € 45.000,00, a título de princípio de pagamento daquele.

E, como o Sr. Administrador da insolvência deixou de prestar quaisquer informações nos autos e, consequentemente, deixou de cumprir qualquer das funções para as quais foi nomeado, foi destituído de tais funções antes de concluir tal venda, e numa altura em que nem se percebe que diligências foram pelo mesmo feitas, se é que foram, e o que concretamente estava a suceder há longos meses e mesmo anos no sentido de concretizar a venda do estabelecimento.

Certo é que a venda do estabelecimento não se concretizou e os autos foram encerrados, sem que tivesse sido esclarecido o destino dado a tal valor.

Ora, como resulta de tudo o que acima já se aludiu, a deduzir a tal receita obtida de € 45.000,00, haveria apenas os valores referentes à elaboração do plano, bem como a remuneração fixa e as despesas aprovadas em sede própria (com a redução do valor de € 250,00 de provisão adiantada).

Na verdade, como se disse, a elaboração do plano proposta pelo Sr. Administrador da insolvência, com o custo de € 7.500,00, resulta da referida ata da assembleia de credores que foi aprovada.

Já quanto à remuneração mensal de € 1.250,00, prevista para acompanhamento na gestão do estabelecimento compreendido na massa insolvente, não se percebe que seja devida, pois os escassos atos que foram sendo aludidos nos autos pelo Sr. Administrador da insolvência durante o muito longo período de tempo decorrido desde a homologação do plano até à sua destituição, referem-se a atos tendentes a verdadeira liquidação, designadamente do estabelecimento industrial em causa. Não se vislumbra, como já referido, que tenham sido efetivamente praticados atos de acompanhamento da gestão do estabelecimento, até porque no plano de insolvência o que propôs foi a venda do estabelecimento a terceiro e foi sempre com esse objetivo que terá praticado atos enquanto exerceu funções. E, como também aludido, os restantes intervenientes negam a prática de qualquer ato de acompanhamento da gestão e o Sr. Administrador da insolvência não juntou qualquer elemento que o comprovasse.

Aliás, a fazer as contas da remuneração por tais alegadas funções, como faz o Sr. Administrador da insolvência, ou seja, sem mais, e sem dar conta do que efetivamente estava a acompanhar na gestão, e arrastando, como sucedeu, durante longos meses e anos, sem nada definir ou informar, caso não tivesse sido destituído, ainda hoje poderia estar a exigir os referidos € 1.250,00mensais (!), sem fim, sem justificações, sem atos concretos praticados nem descriminados, sem qualquer fundamento.

Ora, tal nunca poderia ser considerado razoável nem aceitável.

O facto de se ter aprovado uma remuneração mensal por tal acompanhamento, nunca poderia significar que houvesse lugar ao seu efetivo pagamento em quaisquer circunstâncias, designadamente caso não fosse cumprido efetivamente tal acompanhamento.

Pelo que, só o valor de € 7.500,00 aprovado para a elaboração do plano pode ser admitido e deduzido no valor da receita.

Para além deste valor, haverá a atender à remuneração fixa, de € 2.000,00, atento o período de tempo em que esteve nomeado como administrador da insolvência nos autos.

Quanto a remuneração variável, o próprio Sr. Administrador da insolvência reconhece não ter direito a ela, até porque não terminou as suas funções nem concretizou a venda do estabelecimento, o que só veio a suceder em nova insolvência da mesma sociedade.

E, quanto a despesas, há a considerar as despesas aprovadas no respetivo apenso “W”, no valor de € 586,88, e abater a este valor o já pago ao Sr. Administrador da insolvência, de € 250,00 de provisão para despesas. Ou seja, há a considerar e a abater na receita, as despesas de € 336,88.

Ao contrário do que foi sendo referido pelo Sr. Administrador da insolvência, após ter sido suscitada a questão da sua remuneração e de ter feito seu, indevidamente, o valor obtido com o referido princípio de pagamento do estabelecimento, como já acima salientando, nunca foi feita qualquer prova das outras despesas que o Sr. Administrador da insolvência invocou, tidas com gabinete de contabilidade, com mandatário, com pessoas que nem o próprio identificou (!).

Ou seja, todas as transferências e levantamentos que fez da conta da massa insolvente para as mais diversas entidades, e para fazer pagamentos a si próprio, de elevados valores por curtos períodos de tempo de alegado “acompanhamento de gestão”, não estão comprovados nos autos e nem o próprio prestou tais contas na altura em que foi, insistentemente, notificado para prestar contas nos autos, pois apenas prestou as que constam do apenso “W”, nem sequer alegou outras e muito menos juntou documentos, faturas, recibos ou quaisquer justificações para fazer tais pagamentos a terceiros.

Face ao exposto, ao valor de € 45.000,00 que deveria estar na conta da massa insolvente, haverá que deduzir o valor total de € 9.836,88 (€ 7.500,00+ € 2.000,00+ € 336,88).

Pelo que, deverá o Sr. Administrador da insolvência inicialmente nomeado nestes autos, Dr. BB, depositar à ordem destes autos o valor de € 35.163,12, no prazo máximo de 15 dias.”

Na fundamentação deste acórdão, e o que tange ao invocado esgotamento do poder jurisdicional – despacho de 11.10.2022 e sentença de 13.2.2013, referiu-se o seguinte:

“Do exposto e no confronto com a decisão que julgou as contas validamente prestadas, temos que sobre tal decisão se formou caso julgado formal e material.

Não sendo possível discutir-se ou reapreciar de novo o dever de prestar contas por parte do AI nestes autos.

O mesmo é dizer, neste ponto se reconhecendo razão ao recorrente, que com a prolação da decisão proferida no apenso de prestação de contas se esgotou o poder jurisdicional do tribunal relativamente à validação das contas apresentadas, consequentemente não podendo agora e de novo serem consideradas nestes autos quer receitas que então não foram consideradas quer despesas.

As despesas ou receitas que então não foram apresentadas, não podem posteriormente sê-lo, pois precludiu-se o direito para tal.

Tal como se precludiu o direito de qualquer interessado impugnar as despesas aprovadas ou receitas não reportadas.

Esse é o efeito do caso julgado material que importa respeitar.

Assim só não seria caso fosse situação de revisão nos termos do artigo 696º, o que manifestamente não é o caso que se aprecia.

Como consequência do assim afirmado, não pode a questão das despesas adicionais, que agora alega foram por si igualmente suportadas, ser considerada. Pois que sobre tal questão existe caso julgado material.

Pelo que e quanto a esta questão nada mais cumpre dizer ou apreciar”

Em contrapartida, quanto às demais superior às despesas e remunerações apuradas, agora no montante de € 35.163, 12, entendeu que tal deveria suceder em ação própria.

Fundamentos de direito

Está em causa a nomeação de administrador de insolvência no já longínquo ano de 2007.

O AI, entre o mais, outorgou contrato de promessa com credora englobando, entre o mais, um imóvel pelo preço de € 150.000, 00, tendo recebido € 45.000, 00, em três tranches, a última delas em 5.3.2009.

Desde finais de 2009, não mais informou nos autos quaisquer diligências, nem depositou o valor recebido, tendo sido destituído das funções por despacho de 23.5.2011.

Logo aí foi nomeado administrador de insolvência o atual representante da mesma.

Sem dúvida ter o AI, aqui R., faltado ao cumprimento dos seus deveres, violando o disposto nos arts. 167.º (então vigente) e 150.º/6 CIRE, também na redação então vigente.

Existe, assim, responsabilidade cível por parte do AI que uns consideram contratual e outros extracontratual.

Como escreve Vanessa Velez Garcia, na dissertação de mestrado apresentada à FDUL, em 2011, sob o título A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA (disponível em A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA): “Pese embora a instituição de um regime especial de responsabilidade civil no n.º 1 do artigo 59.º do CIRE, que pretende derrogar, no seu domínio específico, as normais gerais previstas na lei civil, a verdade é que, na sua construção, o legislador aproximou-se nitidamente da cláusula geral de responsabilidade prevista no n.º 1 do artigo 483.º do CC, acolhendo, assim, uma responsabilidade de tipo extra-obrigacional. Porém, uma vez situados num domínio de responsabilidade profissional, onde se acentua o dever de diligência do agente e onde se estabelecem deveres de acção específicos, é questionável a demarcação em relação ao regime obrigacional. A responsabilidade extra-obrigacional (delitual ou aquiliana, como pode ser indistintamente designada) deriva da violação de um dever geral de respeito a que todo e qualquer cidadão está sujeito. A Ordem Jurídica visou através da sua implementação tutelar direitos subjectivos (v.g. direitos sobre bens da personalidade, como a vida ou o nome; direitos reais, como a propriedade ou o usufruto; direitos pessoais de gozo, como a posse ou o arrendamento; entre outros) e interesses alheios (salvaguardados por via de normas de protecção, i.e., normas exclusivamente criadas e destinadas à protecção de certos interesses, frequentes, por exemplo, no Direito das Contra-Ordenações). Habitualmente, ao fazer-se referência a essas situações jurídicas activas tituladas pelos sujeitos de direito, fala-se em direitos absolutos por inexistir uma relação subjectiva prévia (neste caso, entre lesante e lesado, sujeitos da subsequente (ao dano) relação patológica de responsabilidade civil). A responsabilidade obrigacional, por sua banda, provém da violação de um dever decorrente de uma relação inter-subjectiva previamente existente, ou seja, de um direito relativo primário a que o ordenamento dá protecção em nome do princípio pacta sunt servanda. Subjaz-lhe a pretensão de restabelecimento do equilíbrio ou equivalência relacional. Contudo, ambas se fundam no princípio jurídico neminem laedere, não obstante terem origem em situações jurídicas díspares. Em resultado dessa distinta fonte jurídica, a doutrina nacional e estrangeira preconizou desde sempre uma teoria dualista da responsabilidade. Na realidade, também a não coincidente natureza da obrigação de indemnizar, que os sequazes do dualismo consideravam (e consideram) existir, contribuiu para a diferenciação. Segundo a sua orientação, na responsabilidade extra-obrigacional o dever de reparar o dano constitui um dever primário de prestação, enquanto na responsabilidade obrigacional figura como um dever secundário, sucedâneo da obrigação negocial incumprida. Por suposto, desconsideram que, tanto num caso, como noutro, a responsabilidade assenta no princípio da ressarcibilidade dos danos, decorrente do dever de não prejudicar ou não causar danos a outrem. Além de que valorizam as diferenças de regime. Contudo, cotejados os regimes legais vigentes no nosso Código Civil, verifica-se que não diferem substancialmente” (ps. 123 e 124).

Por outra parte “no que toca a prescrição, para a responsabilidade extracontratual o prazo é muito curto - três anos desde o conhecimento pelo lesado do seu direito – art.º 498.º. No entanto, o art. 59º, n.º 5 reduz ainda mais este prazo, ao estatuir que “a responsabilidade do administrador da insolvência prescreve no prazo de dois anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete”. Será que tal fará sentido? Se pensarmos somente do ponto de vista do lesado chegaremos à conclusão que não será muito vantajoso esta redução de prazo. No entanto, se amplificarmos os pontos de vista, chegaremos à conclusão que tal fará sentido. A situação que se vive no seio de uma insolvência exige esta redução do prazo, como uma garantia de estabilidade, ou seja, permitir um prazo alargado de prescrição somente faria arrastar a situação numa situação de tão grande fragilidade. Além disso, podemos afirmar que o lesado rapidamente toma conhecimento do dano que o afeta, pelo que não se justifica um prazo mais alargado. Assim sendo, o prazo de prescrição de dois anos para invocar a responsabilidade do administrador da insolvência mais do que aceitável, faz todo o sentido. Continuando na leitura do referido preceito, aplica-se o prazo de dois anos de prescrição, “mas nunca depois de decorrido igual período sobre a data da cessação de funções”. Significando isto que mesmo que o lesado não tenha tido ainda conhecimento do dano e, consequentemente, do direito que lhe assiste, a responsabilidade prescreve igualmente no prazo de dois anos da data da cessação de funções. Ora, tal como nos diz JOÃO LABAREDA e CARVALHO FERNANDES “isto que é facilmente entendível no caso de a cessação ocorrer com o termo do processo, ou mesmo com a destituição baseada em facto respeitante à atuação do administrador, já se compreenderá com maior dificuldade nas restantes hipóteses de cessação de funções”. Ainda quanto à prescrição, resta-nos analisar se o disposto neste n.º 5 do art.º 59º também se aplica à responsabilidade por atos dos seus auxiliares. Claramente que entendemos que sim, este n.º 5 abrange toda a responsabilidade do administrador da insolvência, incluindo aqui a disposta no n.º 3. Não há qualquer razão para não se aplicar o “prazo de dois anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, mas nunca depois de decorrido igual período sobre a data da cessação de funções” também à responsabilidade por atos dos seus auxiliares. Além disso, “o objetivo da lei não é outro senão o do tratamento unitário, em sede de prescrição de todos os casos de responsabilidade do administrador, exatamente a benefício da estabilidade” (Sílvia Marina Oliveira, dissertação de mestrado apresentada à FDUC, em 2017, sob o título A Responsabilidade do Administrador da Insolvência, ps. 48-49, disponível em TESE FINAL PDF.pdf (uc.pt)).

Ora, a presente ação de responsabilidade do AI pelos danos causados à massa e aos credores deu entrada em 26.9.2023.

O AI de insolvência aqui R. foi destituído em 23.5.2011, tendo logo aí sido substituído pelo atual representante da A.

Apesar de muita insistência, veio a apresentar contas – onde refere a existência dos € 45.000,00, tendo sido proferida sentença datada de 13.2.2013 e encerrados os autos em 23.9.2013.

Apesar de nomeado AI em 23.5.2011, apenas em 2016 e noutros autos de insolvência (498/11), mais de cinco anos após ter sido nomeado AI no proc. 2644/07, veio o AI suscitar a questão da devolução de € 45.000,00, o que fez no apenso J, tendo aí obtido decisão de indeferimento datada de 23.11.2016, ou seja, mais de três anos após o encerramento das contas e mais de cinco anos após a destituição do AI anterior.

Disse-se nessa decisão existir uma questão prejudicial que impedia a devolução dos € 45.000,00 – apurar se a remuneração do AI lhe permitia reter aquela quantia o que deveria ser feito no processo em que foi destituído.

De modo que, se em 2016, se interrompeu (art. 323.º CC), a verdade é que, desde há muito a A. sabia da existência desse direito e, mesmo a não sabê-lo (por faltar a decisão sobre a tal questão prejudicial), começaria aí de novo a contar novo prazo de dois anos – 326.º/1 e 2 CC.

Além disso, o art. 59.º/5 considera como período máximo para obter responsabilidade do AI o de dois aos após a cessação das suas funções.

Ora, tendo as funções sido cessadas em 2011, cabia ao novo AI, no processo no qual agora fora nomeado (2644/07) e não em qualquer outro (o tal apenso J do processo onde o R. não teve intervenção – 498/11), suscitar devidamente a questão, no prazo de dois anos após aquela cessação, isto é, até 23.5.2013.

Só em 2016 – e no processo errado – veio o AI suscitar a questão e, nessa altura, já o direito da massa se achava prescrito.

Depois disso, só a 27.3.2018, a massa insolvente retornou ao processo 2644/07, com novo requerimento, vindo a obter decisão que condenou o R. a devolver à massa grande parte daquela quantia.

Revogando esta decisão, o acórdão desta Relação já mencionado, afirmou ter havido contradição de julgados, não podendo a segunda decisão revogar a primeira (a que considerou bem prestadas as contas) por esgotamento do poder jurisdicional, porquanto as contas foram validamente prestadas, originando-se caso julgado formal e material, de modo que as receitas e as despesas não podem ser de novo prestadas neste processo.

Abriu a possibilidade de a A. o fazer numa outra ação autónoma.

Porém, o R. defendeu-se aqui nesta nossa ação, invocando a prescrição que vimos ser curta. Ora, carece de qualquer relevo afirmar, como o faz a recorrida, que o facto de nunca antes o R. se ter feito valer desta exceção dilatória torna o prazo de prescrição no prazo ordinário mais longo (?).

Vemos que esta ação entrou em juízo mais de três anos após a data da cessação de funções do R., enquanto administrador de insolvência (e do ingresso nelas do atual AI), pelo que já tinha decorrido o prazo previsto no art. 59.º/5 CIRE, quando, por fim, se pediu na ação incorreta a devolução do dinheiro e, só cinco depois, se veio a suscitar a mesma questão na sede própria.

Vemos igualmente que há muito a A. sabia que o R. se havia apropriado do valor em questão, senão antes, pelo menos desde finais de 2009, pelo que o prazo de dois anos após o conhecimento do direito que lhe compete terminaria em 2011. Em todo o caso, como se escreve no ac. STJ, de 24.5.2022, adiante citado, “têm os autores razão quando dizem que não resulta da factualidade provada em que momento é que tiveram conhecimento do direito que lhes assistia, não sendo, portanto, possível saber quando se iniciou o primeiro prazo. A verdade é que esse dado é dispensável uma vez que quando a presente acção foi interposta, em 25 de Março de 2018, já haviam decorrido dois anos sobre a data da cessação das funções do administrador da insolvência, em 1 de Março de 2016. Perante isto, torna-se irrelevante aferir e ponderar a data do conhecimento, dado que, nos termos acima explicados, aquele segundo prazo fixa um limite absoluto”.

Finalmente, é errado entender-se que só com o acórdão de 2023 se dá como provada a inexistência de fundamento para retenção do valor em causa.

Pelo contrário, o acórdão refere expressamente que com a aprovação das contas de 13.2.2013, a A. sabia e podia ter agido tendo em vista a devolução do valor, apodando o aresto como não já cognoscíveis as receitas, tal como se precludiu aqui o direito a impugnar despesas aprovadas ou receitas não aprovadas, de modo que neste apenso não se pode considerar a existência dessa receita.

Sendo assim, o acórdão de 2023 faz-se reportar à decisão de aprovação de contas de fevereiro de 2013, sendo que, se aí se interrompeu o prazo de prescrição de dois anos, logo ali se iniciou um novo prazo e dois anos que decorreu até 2015 (326.º/1 C)).

De modo que abusivo – seja dolosamente intencional no sentido de prejudicar a posição da A., seja pela supressio – não é o recurso do R. a um dos meios de defesa que a lei lhe permite (a prescrição), mas, ao invés, aguardarem-se vários anos após conhecer o facto do não depósito do sinal e, desde então, se ter incompreensivelmente aguardado pela destituição do administrador em 23.5.2011[1], com contas aprovadas em 13.2.2013 e, apenas em 2016 e/ou 2918 se ter vindo suscitar no processo a questão da fixação dos honorários e a devolução dos € 45.000,00, à massa insolvente.

Termos em que se julga procedente o recurso e se revoga a decisão recorrida.

Dispositivo

Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso procedente e, em consequência, revogando a decisão recorrida, considerar prescrito o direito da A., absolvendo o R. do pedido.

Custas pela A.


Porto, 21.10.2024
Fernanda Almeida
Eugénia Cunha
Manuel Domingos Fernandes
___________________
[1] Como se escreve no ac. do STJ, de 24.5.2022, Proc. 12548/6T8LSB.L1.S1: A regra que está no centro da discussão é a do n.º 5 do artigo 59.º do CIRE, onde se fixa o prazo de prescrição. O funcionamento do prazo especial do artigo 59.º, n.º 5, do CIRE pressupõe, em rigor, uma coordenação entre dois prazos. Estabelecem-se, por um lado, o prazo de dois anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete e, por outro lado, o prazo de dois anos a contar da data da cessação de funções do administrador da insolvência. Por si só, o primeiro prazo já é mais curto do que o prazo de prescrição do regime geral da responsabilidade delitual (cfr. artigo 498.º do CC), o que pode imputar-se à necessidade de garantir a estabilidade das relações jurídicas criadas e à presunção de que o conhecimento da lesão é mais rápido aqui do que na generalidade das situações. O segundo é, claramente, um prazo máximo, que fixa um limite absoluto e inultrapassável ao primeiro. Quer dizer: o lesado tem até dois anos a contar da data em que teve conhecimento do direito que lhe compete para exercer o seu direito mas este direito prescreve, inapelavelmente, quando se completem dois anos sobre a data da cessação de funções do administrador da insolvência – quer dizer: seja qual for o tempo decorrido daquele primeiro prazo, ou, como dizem Carvalho Fernandes e João Labareda, “mesmo que, então, o lesado não tivesse tido ainda conhecimento do direito que lhe compete”.