I – Se é certo que no artigo 411º do Código de Processo Civil o legislador consagrou o princípio do inquisitório, a interpretação de tal preceito não pode conduzir a uma imposição absoluta daquele princípio, antes terá sempre o intérprete de ter presente que o mesmo coexiste com os princípios do dispositivo, da autorresponsabilidade e igualdade das partes e o da preclusão de direitos processuais probatórios, sem esquecer o dever de imparcialidade do juiz.
II – Não tendo a Recorrente pago atempadamente os encargos inerentes à perícia que havia requerido e foi deferida, apesar de ter sido advertida que aquela falta de pagamento implicaria a não realização da diligência, não pode depois invocar o disposto no artigo 411º do Código de Processo Civil para que o Tribunal ordene a realização de atos probatórios que ela deixou precludir.
III – Um facto não provado não se confunde com um facto negativo. Tendo o Tribunal a quo dado como não provado que “a autora tenha junto aos autos o original do contrato de crédito ... com o n.º ...100”, tal não significa que esse contrato original não tenha, na realidade, sido junto, apenas resulta dos autos que não foi feita prova de que o contrato junto fosse o original, mas uma coisa é a realidade do facto e outra é a prova do mesmo.
Recorrente: A... Slu
Recorrido: AA
Relatora: Teresa Pinto da Silva
1º Adjunto: Mendes Coelho
2º Adjunto: Ana Olívia Loureiro
Acordam na 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
Em 3.06.2022, A... Slu apresentou requerimento de injunção contra AA e BB, pedindo a notificação dos Requeridos para lhe pagarem a quantia de €15.102,00, sendo €15.000,00 de capital e €102 de taxa de justiça, fundamentando o pedido no não pagamento pelos Requeridos, desde 31.08.2011, das prestações para reembolso de crédito concedido pela B... (Sucursal da S.A. francesa B...) àqueles em 16.10.2007, tendo esta cedido o seu crédito à C... em 25.07.2015, a qual, por sua vez, o cedeu à Requerente em 1.02.2015.
Notificado, o Requerido apresentou oposição, na qual alega que, dado o tempo entretanto decorrido, desconhece ter celebrado o contrato de crédito com a B..., negando ter assinado, rubricado ou lido o alegado contrato de crédito, alegando que as assinaturas e rubricas que constem do mesmo e que sejam atribuídas à sua pessoa não foram lá colocadas pelo oponente, pelo que serão falsas. Alega também que nunca foi notificado das cessões de crédito invocadas pela Requerente, desconhecendo-as, bem como se a Requerente é ou não titular do alegado contrato de crédito, a existir. Mais alega que a ser verdade, que não é, ser devedor à Requerente, não será devedor de €15.000,00, pois que em 11 de maio de 2022, em carta enviada pelo mandatário da Requerente, é referido que “a minha cliente está disponível em perdoar o valor total de juros e ainda perdoar 30% de capital, fechando o processo pelo valor de 747,68€, com pagamento no máximo de 2 prestações, caso liquide até dia 25/05/2022”.
Nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 1, do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, foram os presentes autos apresentados à distribuição.
Em 20.09.2022, foi proferido despacho a declarar suspensa a instância, ao abrigo do disposto no artigo 279º, nº1, do Código de Processo Civil, atento o falecimento da Requerida BB em 1.04.2016.
Em 29.09.2022, a Autora requereu a desistência da instância quanto à Ré BB e a prossecução dos autos quanto ao Réu sobrevivo, desistência que veio a ser homologada por sentença proferida em 3.10.2022, julgando extinta a instância quanto à Ré. Nessa data o Tribunal a quo determinou também o prosseguimento dos autos somente quanto ao Réu AA e ordenou ainda a notificação da Autora para exercer o contraditório quanto à matéria de exceção aposta na oposição, em 10 dias, “juntando no mesmo prazo os suportes documentais originais que contenham os autógrafos cuja autoria o Requerido nega”.
Em 14.10.2022, a Autora veio, em articulado, pugnar pela sua legitimidade, reiterando a posição plasmada no requerimento de injunção, requerendo, a final:
a) Que seja julgada legítima para promover os presentes autos, porquanto a cessão de créditos operou e o Réu dela tomou conhecimento.
b) Que se dê por provado que o Réu celebrou um contrato com a B..., através do qual lhe terá sido mutuada a quantia de €15.000,00, que deveria ter sido liquidada em 48 (quarenta e oito) prestações mensais, iguais e sucessivas de € 405,00 (quatrocentos e cinco euros) cada, o qual foi resolvido por incumprimento definitivo em 31.08.2011, ficando nessa data em dívida o valor de €15.000,00.
c) Que seja ordenada a perícia à letra do Réu, com vista a dissipar todas as dúvidas.
d) Que seja julgado integralmente improcedente o alegado nos artigos 1.º a 11.º da oposição do Réu, por não corresponder à verdade material, processual e factual.
e) Que sejam os presentes autos julgados integralmente procedentes e, por conseguinte, o Réu condenado no pagamento dos valores peticionados no requerimento injuntivo.
Juntou 9 documentos, entre os quais um documento intitulado “Contrato de Crédito em Conta Corrente ...”, que faz parte dos que identificou como doc.7., e do qual constam duas assinaturas.
Em 21.10.2022, o Réu veio pronunciar-se quanto aos documentos juntos pela Autora, impugnando as rubricas e assinaturas quanto ao documento que identifica como documento nº8, mas que no Citius aparece como integrando o doc.7. Invocou ainda a prescrição da divida alegada pela Autora, atento o disposto no artigo 310º, al. e), do Código Civil.
Em 25.10.2022, o Réu apresentou requerimento com o seguinte teor:
“1º - Por douto despacho de 03 de Outubro de 2022, foi a A. notificada para: “Notifique a requerente para que exerça o contraditório quanto à matéria de exceção oposta na oposição, em 10 dias, juntando no mesmo prazo os suportes documentais originais que contenham os autógrafos cuja autoria o requerido nega.”
2º - Por requerimento entrado nos autos em 14 de Outubro de 2022, a A. veio juntar, em cópia, os suportes documentais alegadamente assinados pelo R.,
3º - não cumprindo com o doutamente ordenado,
4º - nem o R. aceita a veracidade de tais cópias, tendo-as já impugnado.
Assim, requer a V. Exa. se digne mandar notificar novamente a A. para cumprir o doutamente ordenado (“juntar os suportes documentais originais que contenham os autógrafos cuja autoria o requerido nega”).”
Em 26.10.2022, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“Admito o articulado de resposta, a convite do Tribunal, e documentos que o acompanham.
A realização da perícia com vista a apurar a autoria dos autógrafos imputados ao réu, sugerida pela requerente, está dependente da junção, por ela, do suporte documental original, já determinada no despacho de 03/10/2022, e que não logramos descortinar nos autos.
Assim sendo, concede-se à requerente 10 dias adicionais para a junção dos referidos originais”.
Em 7.11.2022, a Autora requereu a prorrogação do prazo, “ porquanto se encontra a aguardar a receção do arquivo externo da documentação original do contrato dado que apenas dispõe da digitalização o que não permite cumprir com os termos exigidos”, o que foi deferido pelo Tribunal a quo que, em 10/01/2023, proferiu despacho a insistir pelo cumprimento do despacho de 26.10.2022 em 10 dias.
Em 23.01.2023, a Autora requereu a junção aos autos “do original do contrato de crédito sub judice”, tendo junto um documento composto por cinco folhas, sendo as três primeiras folhas relativas a um contrato de crédito em conta corrente ..., a quarta folha respeita a cópia do bilhete de identidade e do cartão de contribuinte alegadamente do Réu e a quinta folha respeita a cópia de bilhete de identidade e cartão de contribuinte alegadamente de BB.
Em 30.01.2023, o Réu exerceu o contraditório quanto ao documento junto pela Autora em 23.01.2023, onde alega que “ tendo sido notificado da junção de 1 contrato por parte da A., vem impugnar as assinaturas e rubricas que constem do mesmo e que lhe sejam imputadas, uma vez que não assinou nem rubricou tal contrato”.
Em 2.02.2023, o Tribunal a quo, por reporte ao requerimento da Autora de 23.01.2023, concedeu a esta o prazo de 10 dias para “junção do suporte papel original do contrato, com vista à realização da perícia, conforme despacho de 03/10/2022, sob pena de se considerar prejudicada a possibilidade de realização da dita perícia”, despacho que foi devidamente notificado às partes.
Em 1 de março de 2023, sem qualquer outro processado, foi designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, que veio a ter lugar em 20 de abril de 2023.
Na audiência, o Tribunal admitiu a prova documental junta aos autos, tendo as partes informado que não pretendiam indicar prova testemunhal. Nessa diligência, a Ilustre Mandatária da Autora declarou ter na sua posse o original do contrato de onde emerge o crédito que foi concedido, requerendo 10 dias para o juntar, ao que se opôs o Réu. Na sequência, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:
" Tendo-se considerado no passado prejudicada a realização da perícia pela não junção do contrato original, concede-se todavia o prazo requerido para a sua junção, atenta a alegada impossibilidade anteriormente comunicada e a circunstância de resultar dos autos que a ora requerente não foi parte contraente no mesmo, tendo apenas sido cedido o crédito.
Consigna-se que, caso não seja junto o contrato original no prazo ora concedido, o Tribunal proferirá de imediato decisão no âmbito da qual a requerente será condenada como litigante da má-fé.
Sendo junto o referido contrato, notifique de imediato o requerido para contraditório e findo o prazo do mesmo conclua para decisão, uma vez que as partes prescindiram de alegações orais.
Notifique."
Seguidamente foi dada por encerrada a audiência de julgamento.
Em 27 de abril de 2023, deu entrada em suporte de papel requerimento da Autora, no qual requer a junção aos autos “do Contrato em papel com o nº ...100 e que constitui a causa de pedir nos presentes autos. Junta: 1 Documento”.
Notificado desse requerimento e documento junto para exercer o contraditório, o Réu veio, em 12.05.2023, tomar posição, alegando que:
“- este contrato, alegadamente original, não passa de uma mera fotocópia a cores;
- tendo alegadamente o contrato sido celebrado no ano de 2007, há mais de 15 anos atrás, verifica-se, “a olho nu”, que a tinta que consta desta fotocópia não está envelhecida pelo tempo, mostrando-se brilhante e com aspecto de “tinta nova”, impressa há pouco tempo;
- o papel usado neste contrato mostra-se novo e duro e não com o desgaste natural do tempo entretanto passado;
- trata-se de papel duro, sem qualquer vinco ou marca do tempo passado;
- este contrato, alegadamente original, nada tem a ver com o contrato, também alegadamente original, que a A. enviou, via citius, a folhas 76 e seguintes dos autos;
- não consta desta nova fotocópia qualquer assinatura que possa ser assacada ao R..
- trata-se, pois, de uma fotocópia e não de um original de um contrato.
5º - Mas por via de dúvidas, o R. impugna qualquer assinatura e rubrica que constem desta fotocópia e que lhe possa ser atribuída.
6º - Face ao exposto, a A. continua a litigar com clara e evidente má-fé,
7º - litigância de má-fé esta a que a A. deve ser condenada,
8º - em multa e indemnização a favor do R., o que desde já se requerer, em valor nunca inferior a 5.000.00€”.
Em 6.06.2023, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “ Ref.ª 14553624: Tomei conhecimento da junção do suporte documental. Constatando que o mesmo não tem aposta qualquer assinatura autógrafa do requerido que permita sujeitá-lo a prova pericial, que os autos aguardam tal junção desde o despacho de 03/10/2022 e que ficaram a aguardar, após o julgamento, a protestada junção dos ditos originais, notifique-se a requerente para que exerça o contraditório, em 10 dias, relativamente à sua condenação como litigante de má-fé”.
Em 19.06.2023, a Autora veio tomar posição quanto a esse despacho, pugnando pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé, mais expondo e requerendo o seguinte.
“1. Veio a Autora requerer a junção aos autos do Contrato n.º ...100 - o que fez em 27 de Abril de 2023, referente ao contrato original subscrito pelos Réus,
2. Contudo, só agora deu conta que ocorreu um lapso – porquanto a digitalização que se encontra junta aos autos está incompleta,
3. O que foi junto aos autos foi o original em papel para realização da perícia,
4. Não obstante, vem requerer, mui respeitosamente, que V. Exa. admita a junção aos autos da fotocópia do contrato, devidamente assinado pelas partes (cfr. Doc. 1)
5. Não obstante, a Autora protesta juntar aos autos a cópia certificada do original do contrato.
6. Com efeito, requer-se a V. Exa que conceda novo prazo para a aqui Autora juntar aos autos a cópia certificada do original do contrato.
Junta: 1 (um) documento,
Protesta juntar 1 (um) documento”.
Em 26.06.2023, o Réu veio tomar posição quanto ao requerimento da Autora, opondo-se, alegando que tendo esta requerido a junção aos autos, em 27 de abril de 2023, do original do contrato, não se percebe o porquê de vir agora voltar a juntar cópia do mesmo (como juntou) e querer juntar uma cópia certificada daquele, pois que, na tese da Autora, o original do contrato já se encontra junto aos autos.
Em 26.06.2023, pronunciando-se quanto ao requerimento da Autora de 19.06.2023, o Tribunal proferiu o seguinte despacho: Ref.ª 14724174: Indefere-se o pedido de junção de cópia certificada do contrato pois, conforme já se deixou expresso, somente o suporte documental original, onde se encontre aposta assinatura autógrafa do requerido, pode ser sujeito a perícia.
Aguardem os autos por 10 dias a junção do dito original.
Nada vindo, conclua para proferimento de decisão.”
Em 10 de julho de 2023, deu entrada em suporte de papel requerimento da Autora, no qual requer a junção aos autos “do documento original, onde se encontram apostas as assinaturas autógrafas dos Réus AA e BB,”, tendo junto um documento composto por uma folha e fotocópias dos bilhetes de identidade e do número de contribuinte alegadamente daqueles.
Em 4.09.2023, no exercício do contraditório, o Réu veio manter a posição anteriormente assumida, reiterando que o documento alegadamente original que foi junto pela A. é uma fotocópia digitalizada, vulgo PDF, que apenas foi imprimida e enviada como original para estes autos, impugnando a sua originalidade e autenticidade, tal como as assinaturas e rúbricas que constam deste documento também não são assinaturas originais e verdadeiras. Entende, por isso, que esse documento junto pela Autora deve ser mandado extrair dos autos, pois nenhum valor probatório tem.
Em 7.09.2023 o Tribunal proferiu o seguinte despacho: “Considerando o vertido na acta de audiência final (cfr., acta de 24.04.2023), bem como os documentos anexos pela autora (cfr., requerimento de 10.06.2023 – afigura-se-nos haver lapso de escrita, pretendendo referir-se 10.07.2023, porquanto não existe qualquer requerimento da Autora datado de 10.06.2023) e com vista a evitar-se a prática de actos potencialmente inúteis, notifique-se a autora para, no prazo de 10 dias, informar os autos se mantém a pretensão da realização do exame pericial ao réu.”
Em 25.09.2023 a Autora veio confirmar que mantém a pretensão da realização do exame pericial, tendo, na sequência, em 28.09.2023, o Tribunal proferido o seguinte despacho: Defiro a perícia requerida pela autora, no que tange ao documento anexo ao requerimento de 10.07.2023, com a ref.ª 14820137, já que não se nos afigura impertinente, nem dilatória.
Com vista à apreciação da requerida perícia, ouçam-se as partes, em 10 dias, nos termos e para os fins aludidos no artigo 476.º n.º 1 e 468.º nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil.”.
As partes vieram pronunciar-se quanto ao objeto da perícia.
O Réu fê-lo por requerimento de 16.10.2023, sugerindo as seguintes questões:
1ª – O documento sobre o qual a perícia vai incidir é um documento original ou é uma fotocópia a cores?
2ª – Há quanto tempo é que este documento terá sido emitido? Há mais de 11 anos, ou terá sido emitido recentemente?
3ª – As assinaturas apostas no documento, são assinaturas originais ou são assinaturas fotocopiadas?
A Autora, por requerimento de 18.10.2023, sugeriu como objeto da perícia apurar se as assinaturas apostas no contrato original pertencem/foram feitas pelos “Réus”.
Em 24.10.2023, o Tribunal determinou a realização da perícia à letra e assinatura constante do documento anexo ao requerimento de 10.07.2023, com a ref.ª 14820137, tendo, no mesmo despacho, ordenado a remessa “dos articulados, incluindo os requerimentos de 16 e 18.10.2023, bem como o original do aludido documento, que deverá ser disponibilizado pela autora, no prazo de 10 dias”.
Em 14.11.2023, foi remetida à Autora guia no valor de 700,00€ para pagamento antecipado de encargos relativo à perícia à letra a realizar pelo LPC, pagável até 27.22.2023, bem como notificação quanto ao modo de pagamento e consequências da sua falta.
Por ofício que deu entrada nos autos em 22.11.2023, o Laboratório de Polícia Científica solicitou a remessa de escrita espontânea de BB e de autógrafos do Réu, adiantando que “a reduzida extensão e o traçado com escassas formas definidas e legíveis da assinatura questionada de que é titular pode obstar à obtenção de resultados esclarecedores quanto à sua autenticidade”.
Por despacho de 28.11.2023 foi designada data para a recolha de autógrafos do Réu para 13.12.2023.
Em 5.12.2023, o Réu apresentou requerimento através do qual, perante a falta de pagamento da guia relativa aos encargos da perícia por parte da Autora, que lhe havia sido remetida em 14.11.2023, considera que deve ser dada sem efeito a realização da perícia à letra e assinatura constante do documento anexo ao requerimento de 10.07.2023, com a ref.ª 14820137, marcada para o dia 13 de Dezembro.
Por despacho de 7.12.2023 foi determinado que, perante a falta de pagamento por parte da Autora dos encargos relativos à perícia, dava-se sem efeito a “requerida prova pericial à letra e assinatura constante do documento anexo ao requerimento de 10.07.2023, com a ref.ª 14820137, mais tendo sido dada sem efeito a realização da diligência designada para o dia 13 de dezembro de 2023 e ordenado que, após trânsito desse despacho, fosse aberta conclusão para prolação de sentença.
Em 20.12.2023, o Réu apresentou alegações por escrito.
Em 22.12.2023, a Autora veio aos autos informar que “a perícia foi liquidada através do depósito autónomo emitido em 5/12/2023”, juntando comprovativo da emissão de um DUC naquela data, no valor de €700,00.
Em 11.01.2023, invocando o trânsito em julgado do despacho de 7.12.2023 por um lado, e o não pagamento atempado por parte da Autora da guia relativa aos encargos da perícia por outro, veio o Réu alegar que o DUC junto pela Autora não pode ser considerado como pagamento para a realização da perícia por ela requerida, motivo pelo qual deve ser proferida sentença, condenando-se a Autora como litigante de má-fé.
Em 26.01.2024, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:
“ Considerando o teor do despacho proferido a 07.12.2023, mostra-se esgotado o poder jurisdicional (cfr. n.ºs 1 e 3 do artigo 613.º do Código de processo Civil).
Sem prejuízo do exposto, como resulta do referido despacho “a autora requereu a realização de uma perícia à letra e assinatura constante do documento anexo ao requerimento de 10.07.2023, com a ref.ª 14820137, tendo sido notificada, em 14.11.2023, para proceder ao pagamento dos encargos relativos a esta perícia, cujo pagamento teria que ser efectuado até ao dia 27.11.2023. Ora, a referida guia não foi paga pela autora, sendo que, resulta da notificação de 14.11.2023, a expressa advertência de que a falta de pagamento implica a não realização da diligência, nos termos do artigo 23.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais. Ademais, a referida guia não foi paga nos 5 dias posteriores (a 27.11.2023) mediante o pagamento de uma sanção igual ao montante em falta, com o limite máximo de 3 UC (cfr., artigo 23.º, n.º 2 do referido diploma legal).”
Desta forma, é manifestamente intempestivo o pagamento a que se alude no requerimento de 22.12.2023.
Sem custas, dada a simplicidade da questão.
Notifique.
SENTENÇA”.
Nessa sentença consta a seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente, por não provada, termos em que decido:
A. Absolver o réu AA de todos os pedidos formulados pela autora A... SLU e
B. Condeno a autora A... SLU como litigante de má-fé na multa de €408,00 (quatrocentos e oito euros).
Custas a cargo da autora.”
1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Juízo Local Cível de Ovar do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, que julgou improcedente a presente ação, por não provada, absolvendo os Réus dos pedidos formulados e, ainda, condenou a aqui Requerente como litigante de má fé na multa de €408,00.
2. O Tribunal a quo fez má interpretação da Matéria de Facto e de Direito, fazendo uma errónea aplicação da lei e dos Princípios Normativos que a enformam ao absolver os Réus do pedido.
3. A matéria dada como não provada surge no entendimento perfilhado pelo Tribunal de que não existiu qualquer produção de prova à luz das regras de experiência, segundo juízos de normalidade e as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis, não constando nos autos o original do contrato de crédito ... com o n.º...100.
4. Para tanto, alegou aquele Tribunal que “Atenta a factualidade apurada (cfr., alíneas a. a c. da materialidade dada como não provada), dúvidas não subsistem de que A B... (Sucursal da S.A. francesa B...) e o réu não subscreveram o escrito denominado por contrato de crédito ... com o n.º ...100 e, nessa sequência, o alegado crédito não foi cedido à autora”.
5. Rematando de seguida que “a conduta da autora ao protelar os autos por mais de um ano e não juntar aos autos o original do contrato ajuizado e proceder ao respectivo pagamento das guias inerentes à realização da perícia requerida (cfr., alínea d. da materialidade dada como não provada) é reveladora de que a mesma omitiu, de forma consciente, o dever de cooperação.”
6. Concluiu, assim, prontamente o Tribunal a quo, que tanto a Autora não juntou aos autos o original do contrato, a fim de ser realizada a perícia às assinaturas, e por força disso, entendeu que os Réus não subscreveram o contrato em apreço, nem o crédito foi cedido à aqui Recorrente, como também não procedeu ao pagamento das guias inerentes à realização daquela perícia requerida.
7. Como ficou demonstrado, tão líquida conclusão não pode ser retirada, pois que a matéria alegada pelas partes e bem assim toda a prova que fora produzida, não logra obter tal facto conclusivo, senão vejamos:
8. No âmbito do solicitado pelo Tribunal, a fim de ser a perícia realizada, a aqui Recorrente direcionou o original do contrato solicitado, através de correio postal registado (RH ... 7PT) enviado no dia 07/07/2023, com Aviso de Receção assinado pelo Sr. CC, no dia 10/07/2023.
9. Ora, tendo sido o contrato original enviado através de correio, se não pode conceder que o Douto Tribunal não tivesse tido conhecimento do mesmo – quando, na verdade, o mesmo foi devidamente remetido!
10. Além do mais, entendeu também o Douto Tribunal que a aqui Recorrente não procedeu ao pagamento das guias inerentes à realização da perícia requerida.
11. Jamais a Recorrente se obstaria de entrega do original do contrato, como de liquidar o valor para a perícia ser realizada.
12. Acontece, que não obstante o pagamento da guia não ter sido efetuado – o que sempre se deixou referido, a Autora – ora Recorrente – emitiu um DUC no valor de €700,00, o qual foi devidamente pago!
13. E, para todos os efeitos, dirigiu um requerimento aos autos (ref.ª 15499899) a informar “que a perícia foi liquidada através do depósito autónomo, emitido em 05/12/2023 – o qual se junta como doc.1, tendo a referência ...23....”
14. Assim, e não tendo sido considerado efetuado o pagamento aludido não foi realizada a perícia à letra e assinatura dos Réus.
15. Sequer ficou precludida a possibilidade de mais tarde se renovar o ato – o que se imporia a um Tribunal responsável por qualquer prova que se mostre adequada a provar um facto que foi declarado não provado.
16. Deste modo, sendo o processo uma atividade dinâmica, que tem um ponto de partida e um ponto de chegada, a inobservância de uma prova pericial – que seria determinante, diga-se! – na circunstância em causa, a ter sido efetuada, seria útil.
17. É certo que foi inobservado o prazo de pagamento da guia, mas a Recorrente emitiu e liquidou dias depois um DUC com o valor da perícia, com o propósito de ser a mesma efetuada.
18. Sendo certo que a diligência constituía uma diligência relevante para a descoberta da verdade material e para a justa composição do litígio.
19. É o entendimento da Jurisprudência que vem sendo produzida nos tribunais, citando-se a título exemplar o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 2020/11/19: “Sucede, no entanto que, por despacho de 3-2-2020, o Tribunal recorrido determinou que “Por se considerar tal diligência relevante para a descoberta da verdade material (e não impertinente ou dilatória), no deferimento do requerido pelo executado/embargante, ao abrigo do disposto nos artigos 467, n.º1 e 476, n.º2 do Código de Processo Civil, determina-se a realização de uma perícia singular com o objeto indicado pelo executado/embargante a fls. 275/276, que aqui se dá por integralmente reproduzido”, tendo desta forma considerado, de forma inequívoca, que a perícia em causa constituía diligência relevante para a descoberta da verdade material e para a justa composição do litígio”.
20. Continuando aquele o seu raciocínio ao afirmar que “Ora, é entendimento do Recorrente o de que, consagrando o artº 411º, do NCPC, o princípio do inquisitório, nos termos do qual “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, poder-dever este que tem também consagração no artº 6º, nº 1, do NCPC, tendo determinado a realização da perícia singular pelo facto de considerar que a mesma constituía diligência relevante para a descoberta da verdade material, incumbia ao Tribunal a quo “realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio”, pelo que, tal perícia não podia deixar de ser oficiosamente ordenada, tendo em vista este mesmo desiderato.”
21. Porquanto, redunda manifesto que a condenação como litigante de má-fé, não se afigura como justa quando, e na verdade, a aqui Recorrente sempre manifestou interesse e cooperação ao longo de todo o enredo.
22. E, nesse conspecto também se não figura possível considerar-se o comportamento processual da aqui Recorrente como tal – não havendo qualquer juízo conclusivo que entenda a adoção pela Autora, de um comportamento doloso ou com negligência grave na prossecução de uma finalidade inadmissível e suscetível de afetar seriamente, de forma injustificada, os interesses da parte contrária.
23. Também não se verificou qualquer utilização desenfreada e sem critério de todos os meios e expedientes que prosseguiu se figurarem numa obtenção que a favorecesse.
24. Face ao exposto, não pode a Recorrente conformar-se com o entendimento do Tribunal Recorrido, devendo, por isso, e por tudo o quanto se deixou dito, ser a sentença recorrida revogada, e em consequência ser a mesma revogada, respeitando os princípios do Direito processual civil vigentes em matéria de produção de prova, possam os autos baixar à 1.ª Instância para ser realizada a prova pericial.
1ª – A sentença recorrida e proferida a folhas…não merece qualquer reparo, pois respeitou os principios do direito processual vigente em matéria de produção de prova e dos fundamentos explanados na douta sentença, pelo que deve proferir-se Acórdão que mantenha o prolatado na sentença recorrida.
2ª - A Recorrente requereu a realização de uma perícia à letra e assinatura constante do documento anexo ao requerimento de 10.07.2023, com a ref.ª 14820137, tendo sido notificada, em 14.11.2023, para proceder ao pagamento dos encargos relativos a esta perícia, cujo pagamento teria que ser efectuado até ao dia 27.11.2023.
3ª - Ora, a referida guia não foi paga pela Recorrente, sendo que, resulta da notificação de 14.11.2023, a expressa advertência de que a falta de pagamento implicaria a não realização da diligência, nos termos do artigo 23.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
4ª - Ademais, a referida guia não foi paga nos 5 dias posteriores (a 27.11.2023) mediante o pagamento de uma sanção igual ao montante em falta, com o limite máximo de 3 UC (cfr., artigo 23.º, n.º 2 do referido diploma legal),
5ª – pelo que foi dado sem efeito a realização da diligência da prova pericial à letra e caligrafia do Recorrido, conforme douto despacho que se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
6ª - Deste despacho já transitado em julgado, a Recorrente não reclamou nem interpôs recurso do mesmo, tendo-se conformado e acatado a decisão aí proferida.
7ª – A Recorrente, juntou aos autos, em 22.12.2023, um DUC de depósito autónomo, que alega ter liquidado em 05.12.2023, no valor de 700.00€, supondo o Recorrido que com tal guia a Recorrente quereria liquidar aquela quantia de 700.00€ que não pagou em prazo, pelo que tal pagamento – se concretizado a 05.12.2023 ou em data posterior – é extemporâneo e não pode ser aceite como válido.
8ª - A Recorrente também não juntou o respectivo comprovativo de pagamento, conforme decorre da própria guia que juntou e conforme portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, que determina a obrigação de se juntar tal documento comprovativo da liquidação, pelo que se desconhece se esta guia foi liquidada ou não.
9ª – Mas mesmo que esta guia tivesse sido liquidada conforme a Recorrente refere a 05.12.2023 – o que se desconhece e não se aceita -, a referida guia não foi paga nos 5 dias posteriores (a 27.11.2023) mediante o pagamento de uma sanção igual ao montante em falta, com o limite máximo de 3 UC (cfr., artigo 23.º, n.º 2 do referido diploma legal), pelo que foi determinado dar sem efeito a requerida prova pericial à letra e assinatura constante do documento anexo ao requerimento de 10.07.2023, com a ref.ª 14820137.
10ª - A Recorrente poderia ter liquidado até ao passado dia 04.12.2023 tal guia de pagamento de encargos, acrescida da multa de 306.00€, conforme referido no artigo 23º, nº 2 daquele diploma, o que não aconteceu.
11ª - Relativamente a esta mtéria, é vasta a jurisprudência emitida pelos nossos tribunais, citando-se a título exemplificativo o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos autos com o nº 2320/11.0YYLSB- B.L1-8, proferido a 11.02.2021, publicado in gdr.mj.pt, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, referindo seu sumário o seguinte: “1.– O não pagamento dos encargos devidos pela requerida realização de uma perícia, e a cargo do requerente do meio de prova, implica a não realização da diligência requerida; 2.– Não efectuado o pagamento referido em 1, pode a parte realizá-lo nos cinco dias posteriores ao termo do prazo inicial devido, devendo então proceder também ao pagamento de uma sanção de valor igual ao montante em falta, com o limite máximo de 3UC.”
12ª – Sem prescindir, a Recorrente nunca juntou aos autos o original do alegado contrato de crédito que alega existir, pelo que se desconhece se o mesmo existirá ou não.
13ª - Alega também a Recorrente que o Tribunal fez uma má interpretação da matéria de facto e de direito, o que se impugna e não se aceita.
14ª - O Recorrido contestou os fundamentos alegados pela Recorrente e impugnou todos os documentos que foram juntos por esta.
15ª - Cabia à Recorrente fazer a prova do que alegou,
16ª - Prova essa que não foi feita,
17ª - Pelo que o Tribunal recorrido duvidas não teve em elaborar a sentença nos termos em que a proferiu.
18ª – A Recorrente continua a litigar com manifesta e evidente má-fé, pelo que deve ser a mesma condenada no douto Acórdão a proferir como litigante de má-fé, em multa e em indemnização a favor do Recorrido, em valor a determinar por este Tribunal da Relação.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pela Recorrente nas suas alegações (arts. 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido.
Mercê do exposto, da análise das conclusões vertidas pela Recorrente nas suas alegações decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
- Se há fundamento para a sentença recorrida ser revogada e os autos baixarem à 1ª instância para ser realizada a prova pericial.
- Se se verificam ou não os pressupostos de condenação da Recorrente como litigante de má-fé.
1 – Se há fundamento para a sentença recorrida ser revogada e os autos baixarem à 1ª instância para ser realizada a prova pericial
A Recorrente sustenta que a decisão recorrida deve ser revogada para, respeitando os princípios do direito processual civil vigentes em matéria de produção de prova, possam os autos baixar à 1ª instância para ser realizada a prova pericial.
Alicerça essa sua pretensão em dois pontos essenciais:
1ª Considera que o Tribunal a quo fez má interpretação da matéria de facto e de direito, porquanto perante a matéria alegada pelas partes e a prova produzida, não poderia ter concluído, como fez, que a Autora não juntou aos autos o original do contrato de crédito ... com o nº ...100, e, por força disso, entendeu que o Réu não subscreveu o contrato em apreço.
2ª Entende que o Tribunal a quo deveria ter ordenado a realização da perícia requerida pela Autora à assinatura aposta no original do contrato de crédito em causa nos autos, porquanto, por um lado, não obstante a Recorrente não ter respeitado o prazo de pagamento da guia inerente à realização dessa perícia, acabou por emitir e liquidar dias depois um DUC com o valor da perícia, com o propósito de a mesma ser efetuada e, por outro lado, sendo tal diligência relevante para a descoberta da verdade material e para a justa composição do litígio, incumbia ao Tribunal a quo realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, a perícia, tendo em vista aquele desiderato.
Começando pelo primeiro ponto da argumentação expendida, importa desde logo salientar que embora a Recorrente, no ponto 3. das suas alegações, comece por afirmar que “cuida o presente recurso, na sua essência em matéria de facto e de direito, da alteração da decisão plasmada na sentença recorrida”, parecendo, com esta afirmação, ser sua intenção impugnar a matéria de facto, a verdade é que posteriormente, escalpelizadas as suas conclusões de recurso e até as suas alegações, conclui-se que se tratou de uma afirmação isolada e inconsequente, pois que, na realidade, limita-se a discordar da apreciação da prova efetuada pelo Tribunal de 1ª instância.
Se era sua pretensão impugnar a matéria de facto, haverá que concluir que a Recorrente incumpriu o ónus de impugnação no artigo 640º, do Código de Processo Civil.
De acordo com este preceito, para que o Tribunal ad quem tenha de se pronunciar sobre a eventual pretensão de impugnação da matéria de facto, passando esta a ser uma das questões incluída no objeto do recurso, incumbe ao Recorrente:
- Indicar claramente os concretos pontos de facto constantes da decisão que considera afetados por erro de julgamento. Não cabe ao Tribunal escolher na matéria de facto provada e não provada os factos que o Recorrente pretenderia impugnar, atividade que, aliás, lhe está vedada por força do princípio do dispositivo.
- Fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios. O Recorrente tem que fundamentar os motivos da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos, constantes do processo ou da gravação que, no seu entender, implicam uma decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnada.
- Discriminar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
- Enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. O Recorrente deve deixar expressa a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada.
O citado artigo 640.º impõe, pois, um rigoroso ónus ao Recorrente, cujo incumprimento implica a rejeição imediata do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, rejeição essa que pode ser total ou parcial, conforme o caso, e que deverá ocorrer, como evidencia António Santos Abrantes Geraldes[1], em alguma das seguintes situações:
«a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc).
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de impugnação». Quanto a esta situação importa, no entanto, ter presente que o Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão nº 12/2023, de 17 de outubro de 2023[2], uniformizou a seguinte jurisprudência: «Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações».
Revertendo ao caso dos autos, como acima se salientou, afigura-se-nos ser de concluir que a Recorrente não recorreu da matéria de facto. Ainda que assim não se entendesse, sempre seria de rejeitar essa sua eventual pretensão de impugnar a matéria de facto, por incumprimento do ónus previsto no artigo 640º, do Código de Processo Civil.
Concretizando, a Recorrente nunca chegou a afirmar, clara e assertivamente, nas suas alegações de recurso, que concretos pontos de facto considera incorretamente provados, para o que deveria ter remetido para os únicos factos obrigatoriamente a considerar para esse efeito, quais sejam, os contidos na sentença recorrida, no elenco dos factos não provados, aí identificados pelas letras a) a d).
Para quem, perante as alegações, considere que se infere das mesmas que a Recorrente afirma que a primeira parte da alínea d), dos factos não provados, está incorretamente julgada, ainda assim seria de rejeitar o recurso quanto a essa matéria de facto, pois que a Recorrente:
- Não indicou os concretos meios probatórios que imporiam uma decisão diferente, limitando-se a afirmar que juntou aos autos o original do contrato de crédito ... com o nº...100, mas sem especificar quais os meios de prova que determinariam uma decisão diversa da tomada em primeira instância.
- Não indicou a decisão que no seu entender se impunha, não enunciou os factos que, no seu entender, terão resultado da produção de prova.
- Não indicou, nas conclusões das suas alegações de recurso, os concretos factos que pretenderia impugnar.
Haverá assim de concluir-se que se era pretensão da Recorrente impugnar a matéria de facto, não cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo artigo 640º, do Código de Processo Civil, pelo que sempre teria o respetivo e eventual recurso sobre a matéria de facto de ser rejeitado.
Mostra-se, por isso, definitivamente assente a fundamentação de facto constante da decisão recorrida, com a inexistência de factos provados e com a factualidade não provada descrita sob as alíneas a) a d).
Passando ao 2º ponto da argumentação da Recorrente, acima referido, relativo à realização da perícia, importa desde logo salientar que a Recorrente não questiona a falta do pagamento da guia no prazo legal (que, de acordo com o despacho de 07.12.2023 terminou em 27.11.2023, o que não é colocado em causa no recurso) tendo em vista a realização da perícia por ela requerida à letra e assinatura constante do documento anexo ao requerimento de 10.07.2023, com a ref.ª 14820137, nem no prazo suplementar de cinco dias (com sanção pecuniária) a que alude o nº2, do artigo 23º, do Regulamento das Custas Processuais, reconhecendo que foi notificada com a expressa advertência de que a falta de pagamento implicaria a não realização da perícia. O que a Recorrente defende é que, por um lado, do incumprimento desse prazo não resultou a preclusão da possibilidade de a Recorrente vir, mais tarde, a efetuar o pagamento em falta, o que fez, emitindo em 05.12.2023 um DUC no valor de €700,00, que pagou, com o propósito de a perícia ser realizada e, por outro lado, que o Tribunal a quo sempre deveria oficiosamente ter ordenado a realização da requerida perícia, por constituir diligência relevante para a descoberta da verdade material e para a justa composição do litígio. Na sequência, conclui que os autos devem baixar à 1ª Instância para ser realizada a prova pericial.
Antecipando a decisão, impõe-se referir que esta pretensão da Recorrente não pode proceder pelos seguintes motivos:
1º Desde logo, mostra-se transitado em julgado o despacho proferido pelo Tribunal de 1ª instância em 07.12.2023, nos termos do qual, perante a falta de pagamento por parte da Autora dos encargos relativos à perícia, foi indeferida a requerida prova pericial à letra e assinatura constante do documento anexo ao requerimento de 10.07.2023, com a ref.ª 14820137.
2ª Em segundo lugar, não colhe o argumento da Recorrente de que acabou por proceder ao pagamento dos encargos, ainda que fora do prazo legal, pagamento esse que deveria ter sido levado em consideração pelo Tribunal a quo, uma vez que o não pagamento atempado daqueles encargos não precludiu a possibilidade de mais tarde se renovar o ato. Decorre do disposto nos artigos 20º, nº1 e 23º, ambos do D.L. nº 34/2008, de 26 de fevereiro (Regulamento das Custas Processuais) e nº3 do artigo 139º do Código de Processo Civil, que a produção de prova pericial depende do prévio e atempado pagamento do respetivo custo, sob pena de não se realizar e, não se realizando no momento processualmente determinado, fica precludida a possibilidade de mais tarde se renovar o ato. Os prazos previstos no artigo 23º, do Regulamento das Custas Processuais são perentórios e, como decorre do nº3, do artigo 139º, do Código de Processo Civil, o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato.
3ª Também improcede a argumentação da Recorrente quando sustenta que a realização da perícia devia ter sido ordenada oficiosamente pelo Tribunal a quo, atento o disposto no artigo 411º do Código de Processo Civil, nos termos do qual «Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer».
Se é certo que nesta norma o legislador consagrou o princípio do inquisitório, a interpretação de tal preceito não pode conduzir a uma imposição absoluta daquele princípio, antes terá sempre o intérprete de ter presente que o mesmo coexiste com os princípios do dispositivo, da autorresponsabilidade e igualdade das partes e o da preclusão de direitos processuais probatórios, sem esquecer o dever de imparcialidade do juiz. Todos estes princípios existem / coexistem para serem cumpridos no processo em todos os seus momentos. Vale isto por dizer, no que ao caso concreto importa, que a Recorrente não atuou com a diligência devida quanto ao pagamento atempado da guia tendo em vista assegurar os encargos inerentes à perícia que havia requerido e que até tinha sido deferida. Consequentemente, não poderá agora vir invocar o disposto no artigo 411º do Código de Processo Civil para superar a falha de instrução que lhe é imputável quanto àquele não pagamento. Se o Tribunal o tivesse feito, substituindo-se à Recorrente., estaria a violar o princípio da preclusão e o da autorresponsabilidade das partes conjugado com o princípio da igualdade das partes no processo, pois estaria a permitir a prática de um ato já precludido, a esvaziar a autorresponsabilidade de uma das partes e eventualmente a favorecer a Autora e, nessa medida, a desfavorecer o Réu. Em síntese, a Recorrente teve tempo e oportunidade processual para proceder ao pagamento dos encargos inerentes à realização da perícia que requereu e, não o tendo efetuado, não pode pretender que o Tribunal a quo tivesse praticado atos probatórios que ela deixou precludir. Improcede, por isso, esta pretensão recursiva da Recorrente.
4ª Finalmente, haverá ainda que salientar que neste momento, conforme decorre da decisão acima, mostra-se definitivamente assente a fundamentação de facto constante da decisão recorrida, com a inexistência de factos provados e com a factualidade não provada descrita sob as alíneas a) a d). Como tal, determinar nesta fase que os autos baixassem à 1ª instância para ser realizada a prova pericial revelar-se-ía um ato inútil e irrelevante, pois que não seria possível retirar das conclusões dessa perícia qualquer resultado probatório suscetível de modificar a decisão da matéria de facto.
Por todo o exposto, improcede a pretensão da Recorrente para os autos baixarem à 1ª instância para ser realizada a prova pericial.
Diz-se litigante de má-fé, segundo o disposto pelo artigo 542º, n.º 2 do Código de Processo Civil, «quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente, reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
A má-fé, de que trata o n.º 2 do art. 542º do Código de Processo Civil, pode ser substancial (ou material) ou instrumental (ou processual). A má-fé substancial diz respeito ao fundo da causa e abrange os casos de dedução do pedido ou de oposição cuja falta de fundamento se conhece [al. a)] e a alteração consciente da verdade dos factos ou omissão de factos essenciais [al. b)]; será má-fé instrumental se a sua atuação se reconduzir a omissão grave do dever de cooperação [al. c)] ou se disser respeito ao uso reprovável do processo, ou de meios processuais para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a ação da justiça, impedir a descoberta da verdade ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão [al. d)] e, ainda, nos termos do n.º 1 do art. 670º, se a parte «com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente».
O art. 542º, n.º 2, do citado diploma legal, oriundo da revisão de 1995, alargou o conceito de má-fé à negligência grave, consagrando a condenação como litigante de má-fé quando a parte tenha uma atuação dolosa, mas também quando tenha uma conduta caracterizadora de negligência grave (lides temerárias e comportamentos processuais gravemente negligentes).
O elemento subjetivo da litigância de má-fé foi, por conseguinte, ampliado pelo legislador, passando a sancionar não apenas o comportamento intencional, mas também aquele que, de modo gravemente negligente, não obedece aos deveres de cuidado impostos pelo dever de correção processual, acabando por não tomar consciência de factos que, de outro modo, teria conhecimento.
A conclusão pela atuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, só devendo ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que se está perante uma atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, manifestamente reprovável.
Revertendo ao caso dos autos, e com vista à condenação da Recorrente como litigante de má-fé, o Tribunal “a quo” aduziu a seguinte fundamentação:
“Um dos princípios norteadores do processo civil é o princípio da cooperação, que não constitui uma mera enunciação vaga e genérica, mas é concretizável, impondo às partes a adopção de determinados comportamentos (activos ou omissivos).
Com efeito, para além de o mesmo ser exequível por si mesmo como cláusula geral, encontra-se o mesmo densificado no Código, designadamente, no artigo 417.º que, sob a epígrafe “Dever de cooperação para a descoberta da verdade”, se estatui que todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados, admitindo-se apenas como fundamento de recusa a violação da integridade física ou moral das pessoas, a intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações e a violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado (cfr., Miguel Resende, in “Balanço do Novo Processo Civil”, Colecção Formação Contínua, CEJ, Março de 2017, acessível in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Balaco_NPCivil, pdf, páginas 19 e seguintes).
Ora, a conduta da autora ao protelar os autos por mais de um ano e não juntar aos autos o original do contrato ajuizado e proceder ao respectivo pagamento das guias inerentes à realização da perícia requerida (cfr., alínea d. da materialidade dada como não provada) é reveladora de que a mesma omitiu, de forma consciente, o dever de cooperação.
A sua conduta omissiva preenche, na nossa perspectiva, a previsão das alíneas b), ao omitir factos relevantes para a decisão da causa e c), ao ter violado o dever de cooperação que sobre a mesma impendia, do n.º 1 do artigo 542.º, do Código de Processo Civil.
Trazemos à colação apenas dois arestos que, julgamos, possuem considerações acerca de comportamento semelhante e que foi sancionado com a litigância de má-fé: “Viola o princípio da cooperação processual (sendo, por isso, passível de incorrer em multa), a parte que, apesar de responder à solicitação do Tribunal, o faz de forma manifestamente desajustada, fugindo à questão, apenas para que não se diga que não respondeu” (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25/06/2015, processo n.º 2168/09.1TBSTR, in www.dgsi.pt ) e “I - O princípio da cooperação constitui, a partir da reforma do CPC, um princípio fundamental e angular do processo civil, com expressão no art. 266º do Código, no sentido de fomentar a colaboração entre os magistrados, os mandatários e as próprias partes, com vista a obter-se, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. II - Como reflexo e corolário deste princípio, obteve também expressa consagração, com a reforma, o princípio da boa fé processual (art. 266º-A). III - A litigância de má-fé, é censurável como omissão grave do dever de colaboração, do uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem sério fundamento, o trânsito de julgado da decisão (artigo 456º, nºs 1 e 2, alíneas c) e d), Código de Processo Civil). IV - Age com negligência grosseira a parte que, por falta de colaboração, permite que o tribunal forme uma convicção distorcida da realidade e por si, então, já conhecida, não observando o dever de cooperação a que por lei estava vinculada. O dever de cooperação impunha, pelo menos, que a parte diligenciasse por esclarecer o tribunal, impedindo o protelamento, sem fundamento, da marcha processual” (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20.09.2007, processo n.º 6114/2007-6, in www.dgsi.pt).
Impõe-se, por conseguinte, a condenação da autora como litigante de má-fé.
A maior ou menor intensidade do dolo de litigante de má-fé é susceptível de ser revelada pela maior ou menor consciência da sua falta de razão, bem como pela gravidade das consequências prováveis da sua conduta, sendo que esta, por seu turno, pode expressar-se nos riscos de lesão patrimonial causados ao litigante de boa fé. Como índice da avaliação desses riscos sempre podemos socorrer-nos do valor da acção.
Nos termos do artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais (aplicável in casu), nos casos de condenação por litigância de má-fé, a multa é fixada entre 2 UC´s e 100 UC´s.
Ora, conforme supra explanado e do conjunto dos factos provados, ressalta sem qualquer dúvida que a autora omitiu factos relevantes à boa decisão da causa.
Quanto à situação económica da autora nada há que reter dos autos, posto que nenhum elemento deles consta que a evidencie.
Assim, sopesando todos estes elementos, afigura-se-nos proporcional e adequado fixar a multa a aplicar à autora em 4 UC’s, o que perfaz o montante de 408,00 euros (4 x €102,00), sem lugar ao pagamento da indemnização peticionada pelo réu.”
Com o devido respeito por tal entendimento, afigura-se-nos que o mesmo não poderá subsistir.
Em primeiro lugar, porque o Tribunal de 1ª instância invoca como um dos fundamentos para essa condenação a circunstância de a Autora não ter junto aos autos o original do contrato, sendo certo que essa factualidade não resulta provada. Note-se que um facto não provado não se confunde, não é o mesmo que um facto negativo. Ou seja, a consideração de um facto como não provado não implica que o facto negativo simétrico ao facto não provado esteja assente. Uma coisa é a realidade do facto e outra é a prova do mesmo. Como se evidencia no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de abril de 2023, proferido no âmbito do processo nº 979/21.9T8VFR.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt, “Um facto não provado não se confunde com um facto negativo, não se pode extrair da factualidade não provada que esteja assente o facto negativo que lhe seja simétrico. Não se pode extrair do facto não provado o seu oposto, ou seja, o facto provado”. No caso concreto, não se ter provado que a Autora tenha junto aos autos o original do contrato de crédito ... com o nº ...100, tal não significa que esse original não tenha, na realidade, sido junto, apenas resulta dos autos que não foi feita prova de que o contrato junto fosse o original, mas uma coisa é a realidade do facto e outra é a prova do mesmo. Aliás, no caso em análise, o próprio Tribunal acabou, num primeiro momento, por enviar o documento em causa para o Laboratório de Polícia Científica para a perícia ser efetuada, como decorre do processado descrito no relatório, e o próprio Réu sugeriu como um dos pontos do objeto da perícia apurar se o documento junto pela Autora era um documento original ou uma fotocópia a cores. Por conseguinte, a afirmação efetuada pelo Tribunal a quo para fundamentar a condenação da Autora como litigante de má-fé, segundo a qual a Autora não juntou aos autos o original do contrato ajuizado, não é correta. Na mesma linha de argumentação, também não se pode concluir que a Autora e o Réu não celebraram o contrato, nos exatos termos invocados pela Autora, apenas não se provou que tal celebração tenha ocorrido. Por conseguinte, para efeitos de aferição dos pressupostos de litigância de má-fé, a não demonstração daquela facticidade também é inapta para alicerçar o juízo condenatório em causa.
Acresce que a circunstância de a Autora ter protelado por mais de um ano a junção daquele documento não pode ser imputada apenas à sua conduta. Essa demora, claramente excessiva, resultou sobretudo da condução que o Tribunal de 1º instância fez da tramitação processual, concedendo por sete vezes prazo à Autora para junção do documento original, ao longo de um ano (em 26.10.2022; em 7.11.2022; em 10.01.2023; em 2.02.2023; em 1.03.2023, em plena audiência de discussão e julgamento; em 26.06.2023; em 24.10.2023, conforme discriminado no relatório que faz parte integrante do presente acórdão). O Tribunal a quo optou por um processado em que sucessivamente foi notificando a Autora para juntar o original do documento, sem, inexplicavelmente, aplicar o disposto no artigo 417º, nº2, do Código de Processo Civil, com a sua condenação em multa e, após uma segunda notificação, apreciar livremente o valor da recusa para efeitos probatórios. Tendo o Tribunal permitido essa demora na tramitação processual, não pode agora pretende imputar tal atraso exclusivamente à Autora com o intuito de a responsabilizar ao abrigo do disposto no artigo 542º, do Código de Processo Civil, considerando que esta omitiu, de forma consciente, o dever de cooperação.
Nesta conformidade, entende-se que os elementos disponíveis nos autos não permitem sancionar civilmente a Recorrente como litigante de má-fé.
Consequentemente, procede nesta parte a apelação, mantendo-se, no demais, a sentença recorrida.
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do Código de Processo Civil, as custas são a cargo da Autora.
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão da 5ª Secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Apelante A... Slu, com o que alteram a sentença recorrida, revogando a condenação da Autora / Apelante como litigante de má-fé na multa de €408,00 (quatrocentos e oito euros). No mais, acordam em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 21 de outubro de 2024
Os Juízes Desembargadores
Teresa Pinto da Silva
Mendes Coelho
Ana Olívia Loureiro