PROCESSO EXECUTIVO
PRODUTO DA VENDA
IMPUTAÇÃO DO CUMPRIMENTO
PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
Sumário

I - O credor que na execução, além do capital, tenha direito a ser pago por despesas, indemnização ou juros, tem igualmente direito, em caso de insuficiência do produto gerado nessa execução para saldar todos os créditos, a ver respeitado o critério de imputação previsto no artigo 785.º, n.º 1, do Código Civil.
II - Essas regras de imputação valem no caso de execução judicial, mas não no âmbito do processo de insolvência, em relação ao resultado da liquidação dos bens nela especificamente apreendidos.
III - Quando os créditos reconhecidos numa execução tenham a mesma origem e sejam da mesma espécie dos que foram reconhecidos num processo de insolvência, devem considerar-se estes últimos satisfeitos na medida em que tenham sido pagos com o produto gerado na execução.

Texto Integral

Processo n.º 3987/19.6T8VNG.P2


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Sumário

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Relator: João Diogo Rodrigues;
Adjuntas: Márcia Portela;
Lina Castro Batista.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto,

I- Relatório

1- No processo de insolvência em que figura como devedora, AA, encerrada a liquidação, foi pelo Administrador da Insolvência apresentada a proposta de distribuição e rateio final, segundo a qual o produto de tal liquidação foi suficiente para pagar os créditos reclamados na íntegra e ainda sobra um saldo de 28.761,64€ que, no entender do referido Administrador, deve ser entregue à Insolvente. Isto porque, para além do mais sem interesse para este recurso, à sociedade A..., Ldª (habilitada como adquirente do crédito reclamado pela Banco 1..., S.A.) foi reconhecido um crédito de 109.458,45€ sobre a massa insolvente e a mesma já recebeu 108.081,40€ no processo executivo n.º 8979/08.8TBVNG, para saldar o mesmo crédito.

2- Tomando conhecimento desta proposta, veio a referida sociedade, no dia 14/07/2023, reclamar e pedir a retificação do mapa de rateio apresentado, de tal modo que lhe seja entregue o valor total de 27.755,83€, correspondente ao capital ainda em dívida, acrescido de juros, à taxa constante da reclamação de créditos apresentada.

3- Esta pretensão foi rejeitada por despacho proferido no dia 18/10/2023, mas por Acórdão proferido por este Tribunal no dia 20/02/2024, esse despacho foi revogado e determinado que se procedesse a ulterior instrução com vista a clarificar os diversos títulos que compõem o crédito reconhecido à referida credora naquela execução (n.º 8979/08.8TBVNG) e se o pagamento realizado no seu âmbito (108.081,40€) observou o critério legal de imputação previsto no artigo 785.º do Código Civil.

4- Regressados os autos ao Tribunal recorrido, foi, depois da audição do Administrador da Insolvência e da já aludida credora, bem como da instrução tida por conveniente, proferido, no dia 06/05/2024, o seguinte despacho:

“(…)

O tribunal deve obediência ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Fevereiro de 2024.

Não havendo dúvidas acerca da coincidência entre os títulos subjacentes aos créditos reconhecidos na acção executiva e nos presentes autos, há que ter em atenção a nota justificativa elaborada naquela, da qual consta um crédito a favor da credora/habilitada no montante global de 135.120,21 euros, sendo o montante de 33.591,71 euros relativo a juros de mora vincendos relativos ao período que mediou entre 21 de Fevereiro de 2017 e 22 de Maio de 2022, sobre o capital de 97.826,81 euros.

Nesse sentido, atenta a liquidação efectuada na acção executiva e o teor do Acórdão da Relação do Porto acima referido, a data da efectivação do pagamento não se nos afigura relevante.

Por outro lado, resultando dos documentos juntos que, no âmbito dos presentes autos, foram reclamados juros de mora vencidos e vincendos (cfr. documentos juntos com o requerimento de 19 de Abril de 2024), atento o pagamento realizado na acção executiva (os juros de mora foram calculados até 22 de Maio de 2022), afigura-se-nos que assiste razão à credora/habilitada, devendo, assim, considerar-se em dívida o montante de 27.038,81 euros, a título de capital, acrescido de juros de mora vencidos após 22 de Maio de 2022, à taxa indicada.

Contudo, tratando-se de juros vencidos após a declaração de insolvência, cremos que o crédito em causa (liquidado no montante de 3.341,86 euros no requerimento de 11 de Abril de 2024), corresponderá a um crédito de natureza subordinada.

Nestes termos, notifique o Sr. Administrador da Insolvência e a credora/habilitada para, no prazo de 5 dias, se pronunciarem, sendo que, caso nada seja dito em tal prazo, deverá o primeiro, no prazo de 10 dias, apresentar nova proposta de distribuição e de rateio final em conformidade com o acima exposto, notificando-se novamente para esse efeito”.

5- No mesmo dia 06/05/2024, veio, porém, a insolvente requerer que se ordene que em virtude da instrução realizada, não seja retificado o mapa de rateio final e por consequência não seja pago à Credora Reclamante, A..., S.A. o valor de 27.038,81, nem tão pouco o de 30.380,67€, pela mesma peticionado, mas somente o valor de 1.377,05€ (109.458,45€-108.081,40€).

6- Sobre este requerimento, recaiu, no dia 09/05/2024, o seguinte despacho:

“(…)

Uma vez que a posição assumida pela devedora não altera o despacho proferido a 6 de Maio de 2024, pelas razões constantes do mesmo, mantém-se tal despacho.

(…)”.

7- Inconformada com estes despachos, deles interpôs recurso a Insolvente, terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1. A douta decisão do tribunal a quo, agora em crise, determinou, a final e após instrução, que deve ainda ser pago à Credora/Habilitada, o montante de 27.038,81 euros, a título de capital, devendo ser apresentada nova proposta de distribuição e de rateio final em conformidade com esse valor.

2. A decisão de que se recorre foi proferida no cumprimento da “necessidade de ulterior instrução” ordenada pelo Tribunal da Relação por não elementos suficientes nos autos para determinar se foram aplicados os critérios de imputação do artigo 785º n.º 1 do C.C. no processo executivo e averiguada a coincidência dos títulos concretos no processo executivo e no processo de insolvência, ordenando nessa medida e com esse objetivo a revogação da decisão recorrida que tinha determinado em 1º instância que o valor ainda em dívida e a entregar à Credora/Habilitada estava conforme a lista de crédito definitivos homologada por sentença já transitada em julgado.

3. Todavia, a Insolvente considera que não se demonstrou provado em ulterior instrução, que assiste razão à Reclamante/Habilitada, e de acordo com o cumprimento do teor do Tribunal da Relação.

4. Ainda que o valor do capital em dívida coincida, e ainda que tenham sido reclamados pela credora os juros vincendos da quantia em dívida no âmbito dos presentes autos, estes não foram reconhecidos na proposta de rateio homologada por sentença, já há muito transitada em julgado e que não foi objeto de impugnação pelo Credora/Habilitada.

5. A lista definitiva de créditos e a proposta do mapa de rateio reconheceu à Credora/Habilitada nos presentes autos da insolvência de AA o valor global de 109.458,45.

6. Já na ação executiva, onde foi executada a Insolvente e o seu ex-marido, e ainda que tenha sido reconhecido o mesmo valor a título de capital, foram ainda reconhecidos pelo Exmo. Sr.º Agente de Execução, o valor 3.701,69 a título de juros vencidos e o valor de 33.591,71 euros a título de juros vincendos, perfazendo nessa ação o total reclamado e a ser pago de 135.120,21 euros.

7. Pelo que, ainda que o título subjacente do capital em dívida seja o mesmo, já não o é o título dos juros vincendos.

8. Ainda que se considera, o que mera hipótese se equaciona, que na ação executiva a Credora/Habilitada contabilizasse o valor recebido sob a tutela do artigo 785º do C.C., o que não se demonstrou provado, imputando-a à ordem presumida sucessiva de despesas, indemnização, juros e capital – sem que haja total correspondência de títulos, não poderá ser esse critério aplicado no âmbito da presente ação de insolvência, pois o título que diferencia e origina o valor global em ambos os processos, o dos juros vincendos, não coincide.

9. Pela nota de liquidação no processo de execução apenas se depreende que o valor a entregar ao à Credora, do valor global reclamado, é de 108.081,40 €.

10. Continuando a desconhecer-se a que título foi pago esse valor, nada se depreendendo dos documentos instrutórios juntos agora aos autos que esse valor se imputa a juros, despesas e a que parte do capital.

11. Não havendo tal correspondência de títulos (no que toca aos juros vincendos reconhecidos), entende-se que não é de aplicar os critérios elencados na decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação e cuja obediência foi cumprida pelo tribunal a quo, após a instrução ordenada, e considerar coincidentes os títulos subjacentes aos créditos reconhecidos em ambos os processos.

12. E pela não correspondência dos títulos reconhecidos - os juros vincendos, que ainda que reclamados conforme o comprovativo da reclamação de créditos junto aos autos em 11-04-2024 pela Credora/Habilitada, no âmbito da instrução ordenada, não foram reconhecidos nos presentes autos nem impugnada a sentença que homologou a lista de créditos definitivos - não se deverá considerar, com todo o devido respeito, que pode agora nos presentes autos ver reconhecido cômputo da quantia global apenas reconhecida no processo executivo – e que se diferencia em muito da quantia global reconhecida no processo de insolvência - tendo como consequência imediata, o prejuízo dos restantes credores e da Insolvente, que vêm abalada agora, a certeza jurídica conferida pela sentença de homologação dos créditos reconhecidos com data de 05-01-2021.

13. Pois o valor do crédito global reclamado e reconhecido no processo de insolvência foi de 109.458,45 euros e valor do crédito global reclamado e reconhecido no processo de execução foi de 135.120,21 euros.

14. Ainda que o título do valor do capital seja o mesmo, e portanto, o título do capital em dívida coincida, o título do valor global de ambos os processos e por efeito dos juros vincendos reconhecidos, já assim não o é, assim como não o é o título dos juros vincendos.

15. E por tudo isto, só poderá ser esse o valor global a deduzir no processo de Insolvência ao crédito reconhecido de 109.458,45€, devendo a Credora/Habilitada ser considerada credora do valor remanescente de 1.377,05€.

16. O produto da venda conjunta do imóvel não pode ser distribuído no processo de insolvência de acordo com as regras do processo de execução, mas sim o pagamento do valor global do crédito reconhecido no processo de Insolvência é realizado conforme a douta sentença de graduação de créditos, e por sua referência.

17. E por isso se entende, que não foi se demonstrou provado, que o valor pago no processo de execução foi imputado primeiramente aos juros, e só depois ao capital.

18. Para além disso, ainda que tal se demonstrasse provado em cumprimento da instrução ordenada pelo Tribunal da Relação, teria de existir total coincidência de títulos, o que mais uma vez reitera, a Insolvente entende que não se verifica.

19. Ao acolher tal entendimento, o tribunal decidiu contrariamente às normas dos artigos 91º, 140º e 172º do C.I.R.E.

20. Não se considera que foi demonstrado provado que o título dos juros vincendos reclamados e reconhecidos coincidem, nem tão pouco que o valor recebido no processo de execução se imputa de acordo com o critério do artigo 785º C.C. pelo que a decisão do tribunal a quo não pode pois proceder, sob pena de subversão do princípio da descoberta da verdade material como princípio basilar do sistema jurídico.

21. Ao acolher a decisão do tribunal a quo, desrespeita-se ainda o princípio de igualdade estipulado no artigo 4.º do C.P.C e o princípio da segurança e certeza jurídica ao prejudicar os credores que vêm a sua graduação na lista de créditos definitiva homologada por sentença datada de 05-01-2021 e transitada em julgado agora alterada, bem assim como a Insolvente”.

Termina pedindo que se julgue procedente o presente recurso e que se revogue o despacho a final proferido após a instrução ordenada e se ordene o pagamento do valor de 1.377,05€, proposto no rateio final datado de 12/10/2023 para ser entregue à Credora/Habilitada e a entrega do valor remanescente à Insolvente, por referência e em cumprimento da sentença de verificação e graduação dos créditos, já transitada em julgado.

8- A credora, A..., Ldª, respondeu pugnando pela confirmação do julgado.

9- Recebido o recurso nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la.


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II- Mérito do recurso

A- Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto deste recurso, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações da Recorrente [artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)], resume-se a saber:

a) Em que medida se deve julgar extinto o direito de crédito reconhecido, no apenso de reclamação de créditos, à Banco 1..., S.A. (e, presentemente, na titularidade da sociedade, A..., Ldª), devido ao valor que esta recebeu no âmbito do processo n.º 8979/08.8TBVNG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Execução - Juiz 7;

b) Se a decisão recorrida viola os princípios indicados pela Apelante.


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B- Para a resolução destas questões é útil levar em consideração os seguintes factos, que resultam da consulta do histórico eletrónico deste processo e demais apensos ao processo de insolvência:

a) Por sentença proferida no dia 13/05/2019, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência da Devedora, AA.

b) No dia 16/07/2019, para além de outros, foi apreendido à ordem do processo referente a essa insolvência o seguinte bem: “Direito à meação do prédio urbano, correspondente a uma casa com cave e r/chão e andar com logradouro sito na Rua ..., da freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...([1]) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...”.

c) No apenso de reclamação de créditos, o Administrador da Insolvência reconheceu à Banco 1..., S.A., um crédito global de 109.458,45€, vencido no dia 14/05/2019, assim constituído: 97.826,81€, a título de capital; 11.132,20€, a título de juros; e 499,44€, a outros títulos.

d) Posteriormente, por sentença proferida no dia 05/01/2021, o referido crédito foi reconhecido e graduado em primeiro lugar para ser pago pelo produto da venda do direito referido em b).

e) Esta sentença foi notificada às partes por ofício expedido no dia 06/01/2021 e não foi impugnada.

f) No processo de execução n.º 8979/08.8TBVNG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Execução - Juiz 7, foi penhorada a outra metade indivisa do prédio mencionado em b).

g) A totalidade desse prédio (mencionado em b)), foi vendida no dia 10/05/2022, mediante escritura pública celebrada nessa data, pelo preço de 222.688,70€, tendo sido depositados, em virtude de tal venda, 111.260,00€ à ordem do aludido processo de execução (n.º 8979/08.8TBVNG) e 111.428,70€, à ordem deste processo de insolvência.

h) No mesmo processo de execução n.º 8979/08.8TBVNG, a Banco 1..., S.A., reclamou créditos no montante de 101.528,50€, reportados à data de 20/02/2017, juros vincendos e eventuais despesas.

i) O referido valor de 101.528,50€ corresponde à soma de 97.826,81€, a título de capital; 3.202,25€, a título de juros vencidos até ao dia 20/02/2017; e, 499,44€, a título de comissões.

j) Na liquidação final realizada na mesma execução, os créditos da Banco 1..., S.A. (atualmente, detidos pela sociedade, A..., S.A), foram contabilizados no montante global de 135.120,21€, sendo que 33.591,71€, correspondem a juros vincendos à taxa de 6538% de 21/02/2017 até 22/05/2022, sobre o capital de 97.826,81€.

k) Por sentença proferida no dia 08/10/2020, já transitada em julgado, a sociedade, A..., S.A., foi habilitada para intervir no processo principal e seus apensos em substituição da credora, Banco 1..., S.A..

l) A sociedade, A..., S.A., recebeu no aludido processo de execução (8979/08.8TBVNG) a quantia de 108.081,40€.


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C- Análise dos fundamentos do recurso

Como vimos, importa saber, em primeiro lugar, em que medida se deve considerar extinto o direito de crédito reconhecido no apenso de reclamação de créditos desta insolvência, à Banco 1..., S.A. e, presentemente, detido pela sociedade, A..., Ldª (que foi habilitada em substituição daquela). Isto porque a Apelante considera, em síntese, que todo o valor recebido por esta sociedade, no âmbito do processo n.º 8979/08.8TBVNG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Execução - Juiz 7, ou seja, 108.081,40€, deve ser abatido ao crédito reconhecido nesta insolvência à Banco 1..., S.A., no montante de 109.458,45€, só sendo devido à referida sociedade, (que veio substituir a Banco 1...) o restante (1.377,05€) e não, como se decidiu nos despachos recorridos, “o montante de 27.038,81 euros, a título de capital, acrescido de juros de mora vencidos após 22 de Maio de 2022”.

Como veremos, no entanto, ressalvada a questão destes juros de mora (vencidos após 22/05/2022) – matéria que abordaremos mais adiante – a Apelante não tem razão.

No essencial, a problemática que está subjacente à citada divergência é a de saber se, por um lado, a indicada credora tem direito a que seja seguido na satisfação dos créditos que lhe foram reconhecidos na execução o critério plasmado no artigo 785.º, do Código Civil e, por outro lado, se há ou não coincidência de títulos entre os créditos de que é titular nesta insolvência e nessa execução.

Quanto à primeira questão, este Tribunal já teve oportunidade de assumir posição sobre ela no anterior Aresto que proferiu nestes autos. E assim, como aí se referiu, o credor que na execução, além do capital, tenha direito a ser pago por despesas, indemnização ou juros, tem igualmente direito, em caso de insuficiência do produto para saldar todos os créditos, a ver respeitado o critério de imputação previsto no artigo 785.º, do Código Civil. Isto, obviamente, pressupondo, como é o caso, que não há lugar a imputação por acordo ou imputação pelo devedor (artigos 783.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil)[2].

Na referida hipótese, portanto, de imputação legal, “a prestação deve começar por ser imputada nas despesas relacionadas com a dívida que devam ser suportadas pelo devedor. Em seguida, far-se-á a imputação nos juros remuneratórios em falta. Subsequentemente devem extinguir-se as indemnizações moratórias, onde se incluem naturalmente os juros moratórios e as cláusulas penas moratórias. Só no final, se pode imputar a prestação no capital”[3].

Ora, no processo executivo já referido, (n.º 8979/08.8TBVNG), a Banco 1..., S.A., reclamou créditos no montante de 101.528,50€, reportados à data de 20/02/2017, juros vincendos e eventuais despesas.

Este valor de 101.528,50€ corresponde à soma de 97.826,81€, a título de capital; 3.202,25€, a título de juros vencidos até ao dia 20/02/2017; e, 499,44€, a título de comissões.

Porém, em virtude dos juros vencidos posteriormente, esse montante foi aumentando, a ponto de, na liquidação final realizada na mesma execução, os créditos antes detidos pela Banco 1..., S.A., terem sido contabilizados no valor global de 135.120,21€, sendo 33.591,71€, de juros vencidos de 21/02/2017 até 22/05/2022, sobre o capital de 97.826,81€.

Neste contexto, assim, sabendo nós que à atual credora, ou seja, a sociedade, A..., Ldª, foram afetos 108.081,40€, resultantes da venda da meação do aí Executado, BB, no prédio já antes referenciado, é inequívoco que esse valor deve ser imputado, de acordo com o critério previsto no artigo 785.º, do Código Civil, nos termos seguintes: primeiro às comissões, no montante de 499,44€; depois, aos juros vencidos até ao dia 20/02/2017, no valor de 3.202,25€; em seguida, aos juros vencidos entre 21/02/2017 e 22/05/2022, equivalentes a 33.591,71€; e, finalmente, ao capital de 97.826,81€, ficando, portanto ainda em dívida 27.038,81€, a título de capital [97.826,81€ - (499,44€ + 3.202,25€ + 33.591,71€)].

É este valor, de 27.038,81€ de capital, que está assim, por pagar à credora já indicada, nesta insolvência. Os demais créditos que nela foram reconhecidos à aludida credora, ou seja, 11.132,20€, a título de juros vencidos até 14/05/2019 e 499,44€, de comissões, já se devem considerar pagos com o produto obtido na execução, uma vez que nela também foram reclamados e pagos. Isto pressupondo, naturalmente, como todos estão de acordo, que a dívida que deu origem às reclamações de créditos apresentadas em ambos os processos, ou seja, nesta insolvência e na predita execução, têm a mesma origem contratual.

Só que, é importante deixá-lo claro, embora a venda do prédio que era pertença da Insolvente e do dito Executado tenha sido concretizada no mesmo ato, isto é, através de escritura pública celebrada no dia 20/05/2022 (cfr. escritura pública junta com o requerimento inicial do incidente de liquidação), nessa venda foram alienadas, por um lado, a meação do Executado, BB, e, por outro lado, a meação da Insolvente, que estava apreendida à ordem desta insolvência.

O produto obtido com essa venda foram 222.688,70€, tendo sido depositados 111.260,00€ à ordem do aludido processo de execução (n.º 8979/08.8TBVNG) e 111.428,70€, à ordem deste processo de insolvência.

Como tal, os já referidos 108.081,40€ entregues à credora, A..., S.A., no âmbito daquela execução, resultam, não da alienação da meação que pertencia à Insolvente, mas da meação do dito Executado.

Ao observar-se, pois, em relação à distribuição do produto resultante da alienação da meação desse mesmo Executado, o prescrito no artigo 785.º, do Código Civil, não se está a contender com nenhum dos princípios invocados pela Apelante (princípio da descoberta da verdade material, princípio de igualdade e o princípio da segurança e certeza jurídica), mas, antes, a dar cumprimento rigoroso à lei e, nessa medida, a respeitar todos os princípios que a informam.

É certo que as referidas regras de imputação não valem para a distribuição dos resultados obtidos com a liquidação dos bens apreendidos à ordem do processo de insolvência. Vigoram aí, diversamente, regras específicas, constantes dos artigos 172.º e segts. do CIRE[4], mas, repetimos, ao distribuir-se, neste caso concreto, os já referidos 108.081,40€, pelas várias espécies de créditos de que é titular a sociedade, A..., S.A., está-se não a dar destino ao produto obtido com a alienação do direito apreendido à ordem desta insolvência, mas à ordem da dita execução. Nessa medida, não são aquelas regras específicas as aplicáveis.

É de sufragar, portanto, o entendimento adotado pelo Tribunal recorrido nos despachos impugnados, no que diz respeito ao valor do capital ainda em dívida à credora, A..., S.A.

Já o mesmo não se pode dizer, porém, em relação aos juros vencidos após o dia 22/05/2022, liquidados no montante de 3.341,86€, no requerimento da mesma sociedade, apresentado no dia 11/04/2024, que o Tribunal recorrido considerou tratar-se de um crédito de natureza subordinada.

Com efeito, embora a Banco 1..., S.A. tivesse reclamado, no apenso de reclamação de créditos a esta insolvência, um crédito global de 109.458,45€, vencido no dia 14/05/2019 (97.826,81€, a título de capital; 11.132,20€, a título de juros vencidos; e 499,44€, a outros títulos), acrescido de “juros vincendos até integral e efetivo pagamento”, o Administrador da Insolvência só lhe reconheceu aqueles créditos (97.826,81€, a título de capital; 11.132,20€, a título de juros vencidos; e 499,44€, a outros títulos, créditos que se devem julgar extintos na medida já indicada) e não os ditos juros vincendos, o que sucedeu igualmente com a sentença proferida nesse apenso, que, apesar de notificada às partes, por ofício expedido no dia 06/01/2021, não foi, oportunamente, impugnada.

Assim, pois, porque os referidos juros são subsequentes, inclusive, a esta última data referida, já que se reportam ao período subsequente a 22/05/2022, não são de contemplar no rateio a realizar nestes autos.

Em resumo, procede este recurso quanto a este específico aspeto, mas improcede quanto a tudo o mais, devendo o decidido pelo Tribunal recorrido ser mantido e alterado em conformidade.


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III – Dispositivo

Pelas razões expostas, concede-se parcial provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogam-se parcialmente as decisões recorridas, na parte em que reconheceram em dívida à sociedade, A..., S.A., no processo de insolvência, os juros de mora vencidos após o dia 22 de maio de 2022 e, quanto ao mais, julgam o recurso improcedente, mantendo o restante que aí foi decidido.


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- Em função deste resultado, as custas deste recurso serão pagas por Apelante e Apelada/sociedade, A..., S.A., na proporção do respetivo decaimento – artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC.


Porto, 22/10/2024
João Diogo Rodrigues
Márcia Portela
Lina Batista
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[1] E não 2731 como consta do auto de apreensão, conforme despacho proferido no dia 09/10/2020 no apenso de apreensão de bens.
[2] No mesmo sentido, por exemplo, Ac. RP de 22/10/2019, Processo n.º 562/19.9T8OAZ.P1, consultável em www.dgsi.pt, de que o ora relator foi também subscritor.
[3] Ana Taveira da Fonseca, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCP, pág. 1076.
[4] Neste sentido, Ac. STJ de 31/01/2017, Processo n.º 519/10.5TYLSB-CE.L1.S1 e Ac. RG de 23/01/2020, Processo n.º 1629/13.2TBGMR-B.G1, consultáveis em www.dgsi.pt.