ARRENDAMENTO
EXTINÇÃO
RESTITUIÇÃO DO LOCADO
MORA
INDEMNIZAÇÃO
MONTANTE
Sumário

(art.º 663º nº 7 do CPC) – Da responsabilidade exclusiva do relator)
1. A indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada, prevista no n.º 2 do Art.º 1045.º do C.C., é apenas devida a partir do momento em que o inquilino foi constituído em mora por interpelação do senhorio para proceder à entrega do imóvel arrendado, assente que ficou que o contrato de arrendamento havia chegado ao fim do seu termo objetivo, nos termos do Art.º 1051.º al. a) do C.C.).
2. Essa indemnização, correspondente ao dobro do valor da renda convencionada, é apenas devida relativamente ao período de ocupação ilegítima e efetiva do locado pelo arrendatário, contado desde o dia em que este se constituiu em mora e cessando no dia em que o mesmo entrega esse imóvel ao senhorio.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
AAA intentou o presente procedimento especial de despejo contra BBBB, peticionando:
a) Declarar a caducidade do Contrato celebrado com o R. com efeitos a 20.12.2023;
b) Condenar o R. ao despejo do locado e, consequentemente, a entregá-lo à A. livre e devoluto de pessoas e bens;
c) Condenar o R. no pagamento da quantia de €1.500,00, correspondente à indemnização devida pela mora na entrega na restituição do locado desde a data da cessação do contrato (20.12.2023) até à data da propositura da presente ação (23.01.2024);
d) Condenar o R. no pagamento da indemnização (€1.500,00) devida por cada mês de atraso na entrega e restituição do locado à A., a partir da data propositura da presente ação (23.01.2024) até à sua efetiva entrega e desocupação do locado à A., livre e devoluto de pessoas e bens.
Para o efeito, alegou sumariamente que é legítima proprietária da fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao primeiro andar esquerdo, sita na Rua …, Algés, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número …, freguesia de Algés, concelho de Oeiras e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia união de freguesias de Algés, Linda-a-Velha e Cruz Quebrada-Dafundo, concelho de Oeiras, que arrendou ao R., por contrato de arrendamento para fins habitacionais datado de 21/12/2022, pelo prazo de 1 ano, não renovável, com início em 31/12/2022 e termo em 20/12/2023.
O contrato terminou por conseguinte a 20/12/2023, mas o R. não desocupou o locado, ali permanecendo até à data, apesar das várias interpelações feitas pela A..
As referidas comunicações para desocupação do locado foram recebidas pelo R., que inclusivamente assinou o aviso de receção da carta registada com aviso de receção enviada em 21/12/2023.
Assim, o R. entrou em mora quanto à obrigação de entrega do locado, tendo a A. direito a receber uma indemnização correspondente ao valor do dobro da renda mensal por cada mês de atraso na desocupação e entrega efetiva do locado livre e devoluto de pessoas e bens, sendo aquele responsável pelo pagamento de uma indemnização correspondente ao dobro do valor da renda mensal (€1.500,00) por cada mês de atraso na entrega do locado até à sua entrega efetiva.
Regularmente citado, o R. deduziu oposição, alegando que celebrou em 1 de janeiro de 2013 um “Contrato de Arrendamento de Prazo Certo Para Habitação”, do mesmo locado, situado na Rua …, 1º Esq., em Algés com a anterior proprietária, mãe da A., pelo prazo de 5 (cinco anos) com início em 01/01/2013 e termo em 01/12/2017, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais, nos termos da cláusula Primeira.
Na sequência das negociações com a A., relativamente à renovação do Contrato de Arrendamento de Prazo Certo Para Habitação, o R. assinou contrato em 21 de dezembro de 2022, mas não foi fixada data de início, estando convencido de que o mesmo era renovável.
Sustentou assim que convencionou com a A. que o contrato seria renovável, sendo desconhecida a partir de que data ocorre a respetiva renovação, não tendo tido consciência de que o mesmo continha a menção “não renovável”.
Por outro lado, a A., ao contrário do alegado, na petição inicial, não interpelou o R. para proceder à entrega do locado, no termo do contrato. A Ilustre Mandatária da A., enviou uma carta para o R., mas não procedeu à junção da respetiva procuração a conferir poderes para o referido ato. Pelo que a carta enviada ao R. pela mandatária da A., sem procuração a conferir poderes para o ato e desconhecendo a data de início, não produz efeito, por ser ineficaz.
Não tendo havido interpelação para entrega, deveria ser considerado improcedente por não provado o pedido de entrega imediata do locado livre e devoluto de pessoas e bens.
Acresce que, que o R. efetuou o pagamento de todas as rendas mensais, pontual e integralmente, incluindo o mês de fevereiro de 2024, pelo que a A. reconheceu tacitamente a renovação do contrato de arrendamento.
Não tendo sido o R. interpelado validamente, na qualidade de inquilino, não se constituiu em mora, nos termos peticionados, pelo que o pedido deverá ser considerado totalmente improcedente, por não provado.
A A. exerceu o contraditório, respondendo à oposição, pugnando pela procedência da ação.
Entretanto, a 9 de Maio de 2024, o R. entregou o imóvel locado à A, livre e devoluto, tendo a A. informado os autos que o R. procedeu ao depósito de €750,00 nos dias 4/1/2024, 5/2/2024 e 11/3/2024.
Nessa sequência, foram as partes notificadas que se iria proceder à prolação de sentença, por se entender que os autos possuíam os elementos fácticos necessários para esse efeito (cfr. Art.º 595.º n.º 1 al. a) e Art.º 3.º, n.º 3 do C.P.C.).
Nada tendo sido dito em oposição, veio a ser proferida sentença que declarou a caducidade do contrato celebrado entre A. e R. com efeitos à data de 20/12/2023, condenado o R. a proceder ao pagamento da quantia de €750,00 por cada mês decorrido desde Janeiro de 2024 até Maio de 2024 (inclusivamente), subtraído os pagamentos realizados de €750,00, por cada mês que não entregou a fração à Autora (meses de Janeiro, Fevereiro e Março); e a proceder ao pagamento da quantia de €750,00, por cada mês decorrido de Janeiro de 2024 até Maio de 2024 (inclusivamente), correspondente à indemnização devida pela mora na restituição do locado.
É dessa sentença que o R. vem agora interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações de recurso as seguintes conclusões* (*com numeração por nós aditada):
«1. Apreciação do mérito da sentença, quanto a saber: Se a Autora/ora Apelada tem direito a receber a indemnização pelo atraso na entrega do locado calculada nos termos do nº 2 do art.º 1045º do Código. Civil, em dobro ou se apenas lhes assiste o direito de receber a indemnização por aquele atraso em singelo, de harmonia com o disposto no nº 1 do mesmo artigo.
«2. In casu a indemnização deve ser calculada ao abrigo do n.º 1 do art.º 1045, do Código Civil, entre a data de declaração de caducidade, do contrato de arrendamento em 20 de dezembro de 2023 e a data de restituição efetiva do locado, no dia 09 de maio de 2024 e tendo por base o valor da renda contratada.
«3. Não ser exigível ao R., ora Apelante, o pagamento à A ora Apelada, da quantia de 750€, por cada mês decorrido desde Janeiro de 2024 até Maio de 2024 (inclusivamente)…
«4. Não ser exigível ao R., ora Apelante, o pagamento à A. ora Apelada o pagamento da quantia de 750€, por cada mês decorrido: Janeiro de 2024 até Maio de 2024 integralmente e inclusivamente, correspondente à indemnização devida pela mora na restituição do Locado, ao abrigo do art° 1045°, n° 2 do Código Civil.
«5. Resulta assente e provado nos autos que o locado foi entregue à Autora ora Apelada, em 09 de maio de 2024, data anterior à douta Decisão e respetivo transito em julgado.
«6. E ser considerado somente em falta o pagamento da renda de 750,00 (setecentos e cinquenta euros) correspondente ao mês de abril de 2024, em singelo e os nove dias do mês de maio, 01.05.2024 e 09.05.2024, em singelo e não o mês integral, conforme resulta da douta Decisão.
«7. Pelo que deverá haver lugar somente ao pagamento do mês de abril de 2024 e nove dias de maio de 2024, acrescidos de 20% que corresponde à compensação e desconto sobre o valor total da renda, a título de indemnização em singelo, devida pelo R. ora Apelante à A. ora Apelada.
«8. Ou seja, a obrigação do R. ora Apelante indemnizar a A. ora Apelada é em função do valor das rendas em singelo, cujo prazo de cumprimento ou vencimento é determinado em função da entrega efetiva, embora tardia do imóvel, nos termos do disposto no n° 1 do art° 1045° do Código Civil.
«9. Devendo o Réu ora Apelante ser totalmente Absolvido do pagamento da quantia de 750€, por cada mês decorrido: Janeiro de 2024 até Maio de 2024 integralmente e inclusivamente, correspondente à indemnização devida pela mora na restituição do Locado.
«10. Assim deve ser anulada a douta Decisão por deficiência daquela e substituída por outra».
Pede assim que seja dado provimento ao recurso e que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra, com a consequente absolvição do R..
A A. respondeu ao recurso, sobrelevando das suas contra-alegações, as seguintes conclusões:
1. O Recorrente veio interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo, tendo definido nas suas alegações como objeto do recurso se a “Autora/ ora Apelada tem direito a receber a indemnização pelo atraso na entrega do locado calculada nos termos do n.º2 do art.º 1045.º dobro ou se apenas lhes assiste o direito de receber a indemnização por aqueles atraso em singelo, de harmonia com o disposto no n.º 1 do mesmo artigo”.
2. Alega ainda que deve ser declarada a nulidade da sentença proferida, uma vez que, no caso concreto, a indemnização deve ser calculada ao abrigo do n.º 1 do artigo 1045.º entre a data de declaração de caducidade do contrato de arrendamento e a data de restituição efetiva do locado.
3. As nulidades da decisão previstas no artigo 615.º do CPC são deficiências da Sentença (e que não podem confundir-se com erro de julgamento).
4. O Recorrente invoca a existência de uma nulidade da sentença, ficando por compreender qual.
5. Do confronto da sentença e do disposto no artigo 615.º, n.º 1 do CPC conclui-se pela inexistência de qualquer nulidade.
6. Para além da inexistência de qualquer nulidade, o Recorrente erra na interpretação e aplicação da matéria de direito, designadamente no que respeita ao regime do artigo 1045.º, n.º 2 do CPC.
7. Uma vez cessado o contrato de arrendamento (por oposição à renovação), tal cessação impõe ao arrendatário a obrigação de restituição imediata do imóvel arrendado – dever esse a cumprir logo que cessa o contrato (cfr. artigos 1054º, 1055º, 1096º a 1098º, 1038.º, al. i), e 1081.º, n.º 1), todos do CC).
8. Ou seja, o Recorrente (arrendatário) tinha a obrigação de restituir o imóvel à Recorrida (senhoria) logo no dia 21.12.2023.
9. O incumprimento de tal obrigação gera, nos termos da lei, obrigação de indemnizar.
10. O Apelante entende não ter incorrido em mora, sendo-lhe apenas exigido o pagamento do valor da indemnização em singelo (1045.º, n.º 2 do CC). Entende ainda que apenas entraria em mora caso não procedesse à desocupação do locado na sequência do trânsito em julgado da decisão condenatória proferida no âmbito dos presentes autos.
11. O Recorrente constituiu-se em mora em 21.12.2023 – dia seguinte à data da cessação do contrato de arrendamento (por caducidade).
12. Tendo o negócio jurídico em causa (contrato de arrendamento) prazo certo e porque sobre o Recorrente incumbia a obrigação de restituição do locado, crê-se não existirem dúvidas de que a mora ocorreu logo no dia 21.12.2023 - de harmonia com o disposto nos citado artigo 805º nº 2 al. a) do CC.
Em qualquer caso,
13. Resulta provado que o Recorrente foi interpelado pela Recorrida para a entrega e restituição do locado (facto provado l).
14. Motivo pelo qual, independentemente da interpretação do número 2.º do artigo 1045.º do CC, não existem dúvidas de que, no caso concreto, o Recorrente se encontra obrigado a pagar à Recorrente uma indemnização correspondente ao dobro da renda.
15. Termos em que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura, devendo ser mantida in totum.
16. O Recorrente encontra-se obrigado a pagar à Recorrida uma indemnização correspondente ao dobro do valor da renda, indemnização essa que é calculada entre o momento da cessação do contrato (20.12.2023) e a data da sua restituição (09.05.2024).
17. Pelo que, conforme peticionado e decidido pelo Tribunal a quo, a título de indemnização pela mora na restituição do locado, o Recorrido é devedor da quantia de €4.500,00.
Pede assim a total improcedência do recurso.
O tribunal a quo, ao abrigo do Art.º 617.º n.º 1 do C.P.C., veio deixar consignado que: «salvo melhor opinião, o Tribunal não verifica a existência de qualquer nulidade (alegada ou outra)».
*
II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) A nulidade da sentença; e
b) O valor da indemnização devida pelo atraso na restituição do locado.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
a. A A. é dona e legítima proprietária da fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao primeiro andar esquerdo, sita na Rua …, Algés, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número …, freguesia de Algés, concelho de Oeiras e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia união de freguesias de Algés, Linda-a-Velha e Cruz Quebrada-Dafundo, concelho de Oeiras – conforme documento junto a fls. 16 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
b. A A. e o R., a 21.12.2022, celebraram um contrato de arrendamento para fins habitacionais, figurando aquela na qualidade de senhoria e este na qualidade de inquilino, tendo por objeto a fração identificada em a. – conforme documento junto a fls. 10/15 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
c. Consta da Cláusula 5 do acordo identificado em b:
d. “Pelo presente contrato, a senhoria a dá de arrendamento ao arrendatário que toma de arrendamento a fração, para sua residência própria e permanente. (…)” – conforme documento junto a fls. 10/15 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
e. Consta da Cláusula 6 (Prazo) do acordo identificado em b:
f. “6.1 O arrendamento da fração é celebrado ao abrigo do disposto nos artigos 1095º e seguintes do Código Civil, pelo período de 1 (um) ano, com inicio em 31 de Dezembro de 2022 e termo em 20 de Dezembro de 2023, não renovável.” – conforme documento junto a fls. 10/15 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
g. Consta da Cláusula 7 (Renda) do acordo identificado em b:
“7.1. A renda mensal devida pelo presente arrendamento é de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) …/…
7.3. Na falta total ou parcial de pagamento pontual da renda, a senhoria poderá exigir ao arrendatário, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 20% do valor das rendas em divida, nos termos do nº 1 do artigo 1041º do Código Civil”
7.4. Com a assinatura do presente contrato, o arrendatário entrega à senhoria a quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) correspondente à renda do mês de Janeiro de 2023, e de que por esta forma se dá a competente quitação.” – conforme documento junto a fls. 10/15 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
h. Consta da Cláusula 14 (Acordos Anteriores) do acordo identificado em b:
i. “O presente contrato revoga e substitui todos os anteriores acordos, compromissos e entendimentos entre as Partes, verbais ou escritos, sobre o arrendamento da fração.” – conforme documento junto a fls. 10/15 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
j. O presente contrato identificado em b) encontra-se registado junto da Autoridade Tributária, conforme comprovativo de comunicação e comprovativo de pagamento do Imposto de Selo – conforme documento junto a fls. 35/36 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
k. O R. desocupou o locado a 9.05.2024.
l. Por carta registada com aviso de receção assinado pelo R. a 23.12.2023, este foi “interpelado para entrega do locado, pagamento de indemnização pelo atraso na entrega do locado” – conforme documento junto a fls. 18/21 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
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Mais consignou o tribunal que inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabelecidas as questões suscitadas na apelação cuja apreciação importará fazer, cumprirá então que sobre elas nos debrucemos, respeitando no seu conhecimento a ordem de precedência lógica, começando inevitavelmente pela alegada nulidade da sentença.
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1. Nulidade da sentença.
Sustentou o Recorrente, no decurso da exposição da sua motivação do recurso que:
«Deve(…) assim ser declarada a nulidade da douta Decisão.
«Isto porque
«- In casu a indemnização deve ser calculada ao abrigo do n.º 1 do art.º 1045, do Código Civil, entre a data de declaração de caducidade, do contrato de arrendamento em 20 de dezembro de 2023 e a data de restituição efetiva do locado, no dia 09 de maio de 2024 e tendo por base o valor da renda contratada».
No final, formula-se a seguinte conclusão: «10. Assim deve ser anulada a douta Decisão por deficiência daquela e substituída por outra».
Perante isto, a Recorrida sentiu-se na necessidade de sustentar que a sentença não enferma de qualquer vício previsto no Art.º 615.º do C.P.C. e o Tribunal a quo foi obrigado a, nos termos do Art.º 617.º n.º 1 do C.P.C., a repetir esse mesmo entendimento.
Apreciando, cumpre-nos dizer que não parece que o Recorrente tenha expresso uma verdadeira e efetiva intenção de invocar quaisquer das nulidades prevista no Art.º 615.º do C.P.C., pois nem sequer mencionou esse preceito legal, nem nenhuma das alíneas constantes do seu n.º 1.
Mais, toda a argumentação posteriormente aduzida na motivação do recurso tem por finalidade última pôr em crise a apreciação sobre o mérito da sentença recorrida, evidenciando-se alegados erros de julgamento na interpretação das normas aplicáveis em função dos factos provados.
Ora, nunca é demais relembrar o que a este propósito escrevia Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil A Anotado”, Vol. V, pág. 122): «Temos (…) dois tipos de sentença viciada: a sentença injusta e a sentença nula. A primeira enferma de erro de julgamento; a segunda de erro de atividade (erro de construção ou formação)». Em complemento desta distinção, realçava Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Ed., revista e atualizada, pág. 686) que: «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário».
Dito isto, sobre o que não existe a mínima divergência doutrinal ou jurisprudencial, fica claro que só as situações que caem no “erro de atividade” ou “erro de construção ou formação” da sentença podem ser reconduzidas às invalidades hoje previstas no Art.º 615.º do C.P.C.. O “erro de julgamento” é vício de sorte diferente, pois tem a ver com o acerto do julgamento de mérito, tendo como consequência, não a nulidade formal do ato decisório, mas sim a eventual revogação, ou alteração da decisão recorrida, conformando-a com o direito aplicável.
Em suma, se nulidade da sentença foi invocada pelo Recorrente – o que, diga-se, não nos parece ser muito claro –, ela sempre teria de ser julgada por não verificada, porquanto os vícios alegados não são reconduzíveis à previsão de nenhuma das alíneas do n.º 1 do Art.º 615.º do C.P.C..
Em face do exposto, mais nada se nos afigura haver a dizer ou decidir sobre este tema.
2. Do valor da indemnização devida pelo atraso na restituição do locado.
Passando agora ao mérito da sentença recorrida, temos de recordar que a A. instaurou um processo especial de despejo fundado na caducidade do contrato de arrendamento que vinculava ambas as partes, porquanto esse contrato havia sido estabelecido pelo prazo de 1 ano, não renovável, sendo que findo o termo, assim convencionado, o R. não restituiu o locado como era sua obrigação.
Foi nesse pressuposto que a A. pediu o reconhecimento da caducidade do contrato, com efeitos a 20.12.2023, com o consequente despejo, devendo o R. ser condenado ao pagamento duma indemnização pela mora na entrega na restituição do locado, nos termos do Art.º 1045.º n.º 2 do C.C., correspondente ao dobro do valor da renda convencionada entre as partes, contado desde a data da cessação do contrato (20.12.2023) até à entrega efetiva do locado, livre e devoluto de pessoas e bens.
A sentença recorrida veio, no essencial, a julgar a ação por procedente, relevando complementarmente o facto de o R., na pendência da ação, ter entregue voluntariamente o locado à A. no dia 9 de Maio de 2024, aí se referindo ainda ao pagamento à A., por depósito, de €750,00 nos dias 4/1/2024, 5/2/2024 e 11/3/2024.
Assim, a sentença decidiu declarar a caducidade do contrato de arrendamento com efeitos à data de 20/12/2023 e condenou o R. a proceder ao pagamento da quantia de €750,00, por cada mês decorrido desde Janeiro de 2024 até Maio de 2024 (inclusivamente), subtraído dos pagamentos realizados pelo R. de €750,00 por cada mês, tudo acrescido da indemnização por mora na entrega do locado, correspondente ao pagamento da quantia de €750,00, por cada mês decorrido de Janeiro de 2024 até Maio de 2024 (inclusivamente).
Por outras palavras, condenou o R. no pagamento da indemnização prevista no Art.º 1045.º n.º 2 do C.C., desde a data fixada como eficaz para o termo do contrato de arrendamento, por caducidade, até à data da entrega voluntária do locado, deduzidos os alegados pagamentos feitos pelo R., entre janeiro e março de 2023, que, curiosamente, não deu efetivamente por provados, apesar de terem sido confessados pela A. no seu requerimento de 24 de maio de 2024 (Ref.ª n.º 25712455 - p.e.).
Neste momento, já não é posto em causa, porque não faz parte sequer do objeto deste recurso, que o contrato de arrendamento a que os autos se reportam cessou por caducidade, que se operou objetivamente no dia 21 de dezembro de 2023 (cfr. Art.º 1051.º n.º 1 al. a) do C.C.), o que foi sustentado na consideração de que o Art.º 1096.º n.º 1 do C.C. ressalva explicitamente, da regra da renovação automática, a possibilidade de haver estipulação contratual em contrário, como se verificava no caso dos autos.
Assim, o tema central do recurso apresentado pelo R. cinge-se à interpretação e aplicação ao caso do Art.º 1045.º do C.C. e ao conteúdo material da obrigação de pagamento da renda e, eventualmente, das indemnizações aí previstas. Mas, desta feita, aceitando o pressuposto de que o contrato de arrendamento efetivamente caducou no dia 21 de dezembro de 2023, tendo-se verificado a entrega do locado no dia 9 de maio de 2023. Isto para além de estar demonstrado nos autos o pagamento à A. pelo R. do valor de €750,00, nos dias 6/12/2023, 4/1/2024, 5/2/2024 e 11/3/2024, respetivamente, tal como a própria A. oportunamente admitiu (cfr. artigo 3.º do “Requerimento” de 24/05/2024 - Ref.ª n.º 25712455 - p.e.).
Resumidamente, o R. entende que apenas é devido o pagamento das rendas em singelo e, consequentemente, em função dos pagamentos feitos por conta dessas rendas, nada mais deve até ao dia em que entregou o locado, defendo ainda que, relativamente ao mês de maio de 2024 só seria devida renda na proporção devida até ao dia 9. Já pelo contrário, a A. pugna pela manutenção da decisão recorrida, sendo devida a indemnização pelo valor da renda em dobro, nos termos do Art.º 1045.º n.º 2 do C.C..
Visto isto, estabelece o Art.º 1045.º do C.C. que:
«1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.
Há que ter em atenção que a mora que comprovadamente se verificou refere-se unicamente à obrigação de entrega do locado (cfr. Art.º 1038.º al. i) do C.C.). Nada se provou sobre a existência de mora do locatário relativamente à obrigação de pagamento da renda. Pelo que, não tem aplicação ao caso o disposto no Art.º 1041.º do C.C., nomeadamente quanto ao que se dispõe no n.º 1, quando aí se prevê que a mora do locatário determina que o locador tenha direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20 % do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.
As consequências da mora no cumprimento da obrigação de entrega do locado decorrente da verificação do termo do contrato são especificamente reguladas no Art.º 1045.º do C.C..
Esse preceito, conforme transcrevemos, tem duas consequências distintas: ou o pagamento duma indemnização correspondente ao valor da renda (em singelo) contado da data em que o contrato finde; ou o pagamento do valor da renda em dobro a contar da data em que o locatário se constituir em mora.
Daqui decorre que o legislador distingue a mera verificação objetiva do termo do contrato, da constituição do locatário em mora, como realidades juridicamente não coincidentes.
Por outras palavras, findo o contrato de locação, o locatário fica obrigado a entregar o locado (cfr. Art.º 1038.º al. i) do C.C.), mas não existe prazo legal para cumprir essa prestação. Logo, se nada tiver sido convencionado em contrário pelas partes, estaremos apenas perante uma obrigação pura, sem prazo de cumprimento, dependendo o seu vencimento de interpelação por parte do credor (cfr. Art.º 805.º n.º 1 do C.C.). Se o credor interpelar o devedor para cumprir essa obrigação (cfr. Art.º 805.º n.º 1 do C.C.), constitui-se então o devedor em mora, com as consequências legais estabelecidas no n.º 2 do Art.º 1045.º do C.C..
Escreviam, a este propósito, Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 3.ª Ed., pág. 406) que: «se findo o contrato, não houver mora do locatário quanto à obrigação de restituição da coisa locada (…), o contrato prolonga-se até à entrega da coisa, devendo o locatário continuar a pagar, agora a título de indemnização, a renda ou aluguer convencionado. Indemnização justa, visto que ele continua a usar a coisa em prejuízo do locador - mas indemnização de natureza claramente contratual.”. Havendo mora do locatário, continuam os mesmos Autores: «a sua responsabilidade aumenta, fixando a lei como indemnização o dobro da que resultaria no caso previsto no número anterior».
Pedro Romano Martinez (in “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos”, 2ª Ed., pág.s 202 a 203) veio precisar que: «O vencimento da obrigação de entrega da coisa não se dá, de imediato, no momento em que termina o contrato. / Extinto o contrato de locação, se o locatário não restituir imediatamente a coisa locada, nos termos do art.º 1045º, n.º 1 CC, deve continuar a pagar a renda ou aluguer ajustadas. Por conseguinte, prevê-se que, extinta a relação contratual, se o locatário não restituir a coisa locada, subsiste uma relação contratual de facto que lhe impõe o dever de continuar a pagar a renda ou aluguer ajustado, como se o contrato continuasse em vigor. / Contudo, se o locador interpelar o locatário para este proceder à entrega da coisa, não a restituindo, entra em mora. Assim, o locatário, extinto o contrato de locação, só entra em mora, relativamente à obrigação de restituir a coisa, depois de ter sido interpelado para a entregar. Extinto o contrato, torna-se necessário que o locador interpele o locatário, após o que, se este não restituir a coisa, entra em mora e tem de pagar o dobro da renda ou aluguer devido contratualmente (art.º 1045º, n.º 2 CC)».
Menezes Leitão (in “Arrendamento Urbano”, 6.ª Ed., pág. 111), debruçando-se também sobre este tema, escreve: «Da formulação destas disposições legais resulta que a obrigação de restituição não se vence automaticamente no fim do contrato de arrendamento urbano (…), dado que o decurso desses prazos apenas torna exigível essa restituição, cujo vencimento depende, nos termos gerais, de interpelação à outra parte (art.º 777.º n.º 1). Consequentemente, é apenas a partir dessa interpelação que o arrendatário entra em mora quanto à restituição (art.º 805.º, n.º 1), com as respetivas consequências legais em termos de indemnização (art.º 804.º, n.º 1) e inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa (art.º 807.º)».
Olinda Garcia (in “Arrendamentos para Comércio”, pág. 59) defende igualmente que o n.º 1 do Art.º 1045.º do C.C. não prevê uma sanção para o não cumprimento, dado o arrendatário não estar em mora, mas antes uma compensação pecuniária que afasta a disciplina geral do enriquecimento sem causa, sendo a previsão do n.º 2 do mesmo preceito uma sanção, aplicável em caso de mora, pelo atraso na restituição do locado.
Já Menezes Cordeiro (in “Tratado do Direito Civil”, Vol. XI, pág.s 788 a 789) admite que a não-restituição será lícita quando, por causa não imputável ao locatário, ela não corre no momento em que cesse o contrato, o que pode suceder: «(a) quando o locatário ilida a presunção de culpa pela não-restituição; (b) caso o locador, a título de mera tolerância, admita a manutenção do gozo, na esfera do locatário; (c) quando exista uma situação controvertida (ação de nulidade ou de anulação, ação de resolução ou situação de caducidade), não provocada pelo locatário e enquanto ela não se solucionar, desde que continue a pagar a renda ou aluguer; (d) quando a restituição não possa ter lugar por causa imputável ao locador e, não obstante, o locatário continue no gozo da coisa, sem recorrer à consignação em depósito». Acrescentando, mais à frente que: «fora dos casos apontados e não havendo restituição por culpa do próprio locador (…) a presunção de culpa do locatário implica a da mora, por via do artigo 805.º/2, a). Não é necessário nenhuma interpelação (805.º/2), uma vez que há prazo certo. Apenas quando o termo dependa duma iniciativa do locador (denúncia, resolução ou declaração de anulação) se poderia situar o início da mora no da eficácia da competente declaração. Logo que haja mora, a “indemnização” é elevada ao dobro (1045.º/2)».
Pereira Coelho (in “Arrendamento – Lições ao Curso do 5º ano de ciências jurídicas de 1986/87”, pág. 192) considerava que existem três hipóteses a considerar, conforme a causa da não restituição pontual do locado: (i) tratando-se de causa imputável ao inquilino, este constitui-se em mora, nos termos do art.º 804º, nº 2, e fica obrigado a pagar o dobro da renda até ao momento da restituição: é a hipótese do Art.º 1045.º nº 2 do C.C.; (ii) tratando-se de causa imputável ao senhorio, há fundamento para a consignação em depósito do prédio, conforme o art.º 841º, nº 1: é a hipótese prevista na parte final do n.º 1 do Art.º 1045º, caso em que o inquilino nada deve ao senhorio a título de indemnização pelo atraso na restituição do arrendado; (iii) devendo-se a não restituição do imóvel a qualquer outra causa, aplica-se a solução da 1ª parte do nº 1 do art.º 1045º: o locatário é obrigado a continuar a pagar a renda acordada, “a título de indemnização”, até ao momento da restituição do prédio.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, podemos destacar o acórdão de 20/11/2012 (Proc. n.º 1587/11.8TBCSC.L1.S1 – Relator: Garcia Calejo, disponível em www.dgsi.pt), de cujo sumário resulta o seguinte entendimento: «III - Tendo o negócio prazo fixo e porque à arrendatária incumbia a restituição do locado findo o contrato (art.º 1038.º, al. i)), a mora ocorreu no dia 01-01-2010, de harmonia com o disposto no art.º 805.º, n.º 2, al. a), do CC. IV - Não seria necessária a interpelação da arrendatária para a entrega da coisa locada, dado que este art.º 805.º, n.º 2, al. a), exclui a necessidade de interpelação a que alude o n.º 1 deste artigo (todos os arts. do CC)».
Mas num acórdão de 12 de dezembro de 2023 (Proc. n.º 7895/20.0T8LSB.L1.S1 – Relator: Ricardo Costa, disponível no mesmo sítio) admitiu-se posição diversa, conforme sumário que aqui se reproduz: «I- Surgindo para o locatário a obrigação de restituição do locado por oposição lícita à renovação do contrato de arrendamento, o atraso relativamente ao dever de entrega que configure uma situação de mora por causa que não lhe seja imputável a título de culpa (mora consentida por causa justificativa legítima: «por qualquer causa») faz aplicar o n.º 1 do art.º 1045º do CCiv. e a correspondente indemnização por ato lícito; ao invés, a “mora” pressuposta no n.º 2 do art.º 1045º implica omissão de entrega voluntária e culposa, conduzindo a uma indemnização por ato ilícito (em conjugação com os arts. 804º, 2, e 805º, 2, a), do CCiv.). II- O adiamento da restituição da coisa locada prevista no n.º 1 do art.º 1045º do CCiv. afigura-se como ato lícito em referência a essa mora consentida, numa espécie de prolongamento da relação locatícia por causa sem culpa do locatário (uma vez autorizado, tolerado ou admitido pelo ordenamento jurídico, por ocorrência de litígio judicial relevante ou decisão de tribunal ou pelas partes), que funda o pagamento das rendas vencidas até à restituição em singelo».
No acórdão do STJ de 5/6/2007 (Proc. n.º 07A1186III – Relator: Nuno Cameira), defendeu-se mesmo que a obrigação de indemnização estabelecida no n.º 2 do Art.º 1045.º do C.C. para compensar os senhorios pelo atraso na entrega do imóvel só seria de aplicar «depois de transitada a sentença que decretou o despejo».
Como já sustentámos anteriormente, o que resulta do Art.º 1038.º al. i) do C.C. é apenas a obrigação de o locatário restituir a coisa locada depois de findo o contrato. É certo que o Art.º 1081.º n.º 1 do C.C. estabelece que a cessação do contrato «torna imediatamente exigível» a desocupação do locado e a sua entrega. Mas uma coisa é a “exigibilidade”, traduzida no nascimento imediato do poder conferido ao senhorio de obrigar o inquilino a cumprir uma obrigação legal, outra é o “vencimento” ou constituição em “mora” do devedor, que pressupõe a iniciativa do credor, nos termos do Art.º 805.º n.º 1 ou do Art.º 777.º n.º 1 do C.C..
Veja-se ainda que, nos termos do Art.º 1056.º do C.C., se o locatário se mantiver no gozo da coisa locada por mais de um ano, sem haver oposição do locador, apesar da caducidade do arrendamento, o contrato considera-se renovado.
Portanto, a obrigação de restituição da coisa locada, findo o prazo estipulado pelas partes e manifestada a oposição à renovação, não tem como consequência necessária a constituição em mora por parte do inquilino, pois pode até vir a acontecer uma renovação legal do contrato de arrendamento, ainda que no pressuposto (não verificado no caso) de não haver oposição do senhorio e a situação se protelar por mais de um ano.
É legítimo, por isso, concluir que, com a cessação do contrato nasce apenas a obrigação de restituição da coisa locada (cfr. Art.º 1038.º al. i) do C.C.), a qual pode ser cumprida pelo inquilino a qualquer momento e exigida pelo senhorio assim que o bem entenda (cfr. Art.º 777.º n.º 1 do C.C.).
Estamos assim perante uma obrigação pura, sem prazo certo (cfr. Art.º 805.º n.º 2 al. a) do C.C.), em que o vencimento da mesma fica dependente da efetiva interpelação para cumprimento, seja por via judicial, seja extrajudicial (cfr. Art.º 805.º n.º 1 do C.C.).
Em conclusão, a mora constituir-se-á pela mera comunicação ao devedor da exigência efetiva do cumprimento da obrigação de entrega da coisa.
No caso, a A. teve o cuidado de exigir a entrega do locado por carta registada com aviso de receção, assinado pelo R. a 23.12.2023, assim se declarando que o tinha por “interpelado para entrega do locado” e para o “pagamento de indemnização pelo atraso na entrega do locado” (cfr. doc. de fls. 18 a 21 – idem facto provado na al. l) da sentença recorrida).
Pelo que, desde 23/12/2023 que o R. deve ser tido como constituído em mora, sendo devida a indemnização prevista no Art.º 1045.º n.º 2 do C.C. pelo atraso no cumprimento da obrigação de entrega do locado, findo que se mostrava o contrato de arrendamento.
Essa interpelação, pela literalidade, diga-se, pouco espaço de manobra dava ao locatário para discutir a efetividade da caducidade verificada.
Julgamos assim concordar com o sentido expresso na sentença de que, no caso, seria devida a indemnização prevista no n.º 2 do Art.º 1045.º do C.C., pelo menos desde a constituição em mora pela receção da carta a que se reporta a al. l. dos factos provados na sentença recorrida.
Portanto é devida uma indemnização pelo atraso na entrega do locado correspondente ao valor em dobro da renda convencionada entre as partes (cfr. Art.º 1045.º n.º 2 do C.C.). Sendo que, a esse valor devem ser descontados, por compensação (cfr. Art.º 847.º do C.C.), os montantes que o R. foi depositando na conta da A., de €750,00 de cada vez, conforme admitido por esta no artigo 3.º do Requerimento de 24/05/2024 (Ref.ª n.º 25712455 - p.e.).
Tendo o contrato deixado de estar em vigor no dia 21 de dezembro de 2023 (cfr. cláusula 6.1 do contrato de arrendamento – doc. a fls. 12) e tendo-se o R. constituído em mora quanto à obrigação de entrega do locado à senhoria no dia 23 de dezembro de 2023 (cfr. facto provado l. da sentença recorrida – doc. a fls. 20 verso), sendo que a renda convencionada ascendia a €750,00 por mês (cfr. cláusula 7.1 do contrato de arrendamento – doc. a fls. 12), a indemnização seria igual a €1.500,00 por mês.
Realce-se, no entanto, que o que está em causa no Art.º 1045.º do C.C. não é a obrigação de pagamento da renda, mas sim duma indemnização pelo atraso na restituição do locado. Nessa medida, o valor da indemnização é determinado pelo tempo do atraso na restituição da coisa e não pelo vencimento da obrigação de pagamento da renda.
Na verdade já não se pode sequer falar em “vencimento” da renda, porque essa obrigação deixou de existir por força do termo do contrato de arrendamento.
Por isso, o Art.º 1045.º n.º 1 do C.C. (para o qual nos remete o n.º 2, por interpretação sistemática do preceito), estabelece que o locatário fica obrigado a pagar, a título de indemnização, a renda (no caso do n.º 2: em dobro) «até ao momento da restituição». O que quer dizer que, pelo facto de ter passado o dia 1 de cada mês, na continuação da ocupação ilegítima do locado, tal não implica que seja devido o valor integral correspondente à renda desse mês, tal como se estivesse em vigor o contrato de arrendamento.
A indemnização prevista no Art.º 1045.º n.º 1 ou n.º 2 do C.C. é uma compensação legal devida pela ocupação efetiva do locado até ao cumprimento da obrigação de entrega, como resulta da literalidade da norma.
Podem perfeitamente existir outros danos suscetíveis de reparação, decorrentes do facto da desocupação não ter ocorrido antes do início de um novo mês sem cumprimento da obrigação prevista no Art.º 1038.º al. i) do C.C.. Só que, esses danos, a existirem, teriam, no mínimo, de ser alegados autonomamente, sendo que objetivamente não estão compreendidos na previsão do Art.º 1045.º do C.C..
Não sendo alegados, nem provados, outros danos, sujeitar o inquilino à obrigação do Art.º 1045.º n.º 2 do C.C. até ao final de determinado mês, quando entregou o locado no dia 9, pode constituir o reconhecimento duma situação de enriquecimento sem causa, que a lei não admite (cfr. Art.º 473.º do C.C.).
Julgamos assim que, nesta parte, assiste razão ao Recorrente, relativamente ao mês de maio de 2024, pois só pode ser devida a renda (em dobro) na medida do que for proporcional ao tempo efetivo em que o R. esteve em mora no cumprimento da obrigação de restituição do locado. Ou seja, até ao dia 9 de maio de 2024.
No entanto, há que relevar que a mora foi constituída em 23 de dezembro de 2023 e, de 23 de dezembro de 2023 a 9 de maio de 2024, decorreram 137 dias (7 dias em dezembro de 2023 + 31 dias do mês de janeiro de 2024 + 29 dias do mês de fevereiro de 2024 + 31 dias do mês de março de 2024 + 30 dias do mês de abril de 2024 + 9 dias do mês de maio de 2024). Ou seja, o equivalente a 4 meses de 30 dias completos (4x30=120), acrescidos de mais 17 dias (120+17=137).
Pelo que, a indemnização em dobro será igual à soma de €6.000,00 (4meses x 1500 de indemnização mensal (correspondente ao dobro de 750) = 6.000) com €850,00 de indemnização proporcional equivalente a 17 dias (1500 de indemnização mensal x 17 dias : 30 dias = 850).
Portanto, a indemnização prevista no Art.º 1045.º n.º 2 do C.C. equivale, no caso, a €6.850,00, a que se deverão deduzir €3.000,00 já pagos pelo R. (4 x 750), continuando em dívida €3.850,00 (6850 – 3000 = 3850).
Explicitando melhor o motivo pelo qual devem ser deduzidos €3.000,00, cumprirá esclarecer que está assente no processo que o R., durante a pendência do contrato de arrendamento, não tinha rendas em atraso, tendo assim cumprido pontualmente com o seu pagamento na data do respetivo vencimento.
Por outro lado, está provado que, de acordo com a cláusula 7.2 do contrato de arrendamento, a renda era paga no 1.º dia útil do mês anterior àquela a que dissesse respeito (cfr. cit. doc. a fls. 12).
Assim sendo, a renda do mês de dezembro de 2023, mês em que cessou o contrato de arrendamento por caducidade, por força da cláusula 6.1 do contrato, venceu-se, e terá sido liquidada, a 1 de novembro de 2023.
Ora, a A. admitiu que recebeu €750,00 no dia 6 de dezembro de 2023 (cfr. artigo 3.º do “Requerimento” de 24/05/2024 - Ref.ª n.º 25712455 - p.e.). O que corresponde a um pagamento que, em rigor, já não era devido por força da vigência do contrato de arrendamento.
Assim, a A. recebeu 4 pagamentos mensais de €750,00, que não correspondiam ao cumprimento do contrato de arrendamento, devendo os mesmos ser imputados, atento à falta de causa justificativa desses depósitos feitos pelo R. na conta bancária da A., ao pagamento, por compensação, da indemnização que o primeiro deve à segunda, por força do Art.º 1045.º n.º 2 do C.C..
Resumindo e concluindo, o R. é agora apenas responsável pelo pagamento do montante líquido de €3.850,00, devendo a sentença ser alterada, na parte dispositiva, em conformidade.
Quanto à responsabilidade por custas ela deve ser fixada na proporção do respetivo decaimento (cfr. Art.º 527.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.), que se fixa em 3% para a Apelada e 97% para o Apelante.
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V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a presente apelação parcialmente procedente, por provada, alterando a sentença recorrida na sua parte dispositiva, quanto aos pontos 2 e 3 da “Decisão”, que são substituídos pela condenação do R. a pagar à A., nos termos do Art.º 1045.º n.º 2 do C.C., uma indemnização igual ao dobro do valor mensal da renda convencionada, relativa ao período em que o R. se constituiu em mora na obrigação de entrega do locado, livre e devoluto de pessoas e bens, decorrido entre o dia 23 de dezembro de 2023 e 9 de maio de 2024, num total de €6.850,00, ao qual devem ser deduzidos €3.000,00, depositados pelo R. na conta bancária da A., os quais já não correspondiam ao cumprimento da obrigação de pagamento da renda, subsistindo assim em dívida €3.850,00, quantia essa em que o R. é condenado pagar à A..
- Custas do recurso pelo Apelante e pela Apelada, na proporção do respetivo decaimento (Art.º 527º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.), que se fixa em 97% do valor tributário do recurso para o Apelante, e 3% para a Apelada.
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Lisboa, 22 de outubro de 2024
Carlos Oliveira
Edgar Taborda Lopes
João Bernardo Peral Novais