RECURSO
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM AS ALEGAÇÕES
REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
INDEMNIZAÇÃO POR PERDA DE CHANCE
PRESSUPOSTOS
Sumário

I - A impugnação da matéria de facto em sede de recurso é mais do que uma manifestação de inconformismo inconsequente, exigindo – em conformidade - com seriedade, razoabilidade e proporcionalidade, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil:
i)- a indicação motivada (sintetizada nas Conclusões) dos concretos factos incorrectamente julgados – n.º 1, alínea a);
ii)- a especificação dos concretos meios probatórios presentes no processo, registados ou gravados (com a indicação das concretas passagens relevantes) – n.º 2, alíneas a) e b) – que imporiam uma decisão diferente quanto a cada um dos factos em causa, propondo uma redacção alternativa – n.º 1, alíneas b) e c).
II – Ao/À Recorrente cabe o ónus de concretizar qual(ais) a(s) concreta(s) passagem(ens) dos depoimentos gravados, que – em seu entender – imporiam decisão diversa relativamente a cada facto provado e não provado que pretende colocar em causa
III – O incumprimento desses ónus impõe a rejeição da impugnação, uma vez que a lei não prevê a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento dirigido à parte incumpridora.
IV – A indemnização por perda de chance não é nem um mero exercício especulativo, nem resulta da existência de um qualquer erro de um/a advogado/a, sem mais, e - muito menos - de uma simples análise de Direito (que é a que necessariamente se faz em todos dos processos judiciais, com o risco inerente que portam), implicando sim uma consistência factual que permita inferir minimamente que a ora Autora poderia ganhar a acção (pelo menos mais do que perdê-la).
V – Na linha do decidido no AUJ 2/2022, a apreciação da consistência concreta da oportunidade ou "chance" processual que foi comprometida, tem esta que ficar apurada/provada, pois - sem isso - não há dano, nem indemnização.
VI – Para o efeito, no processo em que é pedida a indemnização, tem de ser feito um "julgamento dentro do julgamento", procurando verificar (em termos de prognose póstuma) qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o acto lesivo (falta/erro do advogado), procurando estabelecer que essa acção tinha - no mínimo e face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução - uma probabilidade de sucesso superior à de insucesso, bem como o nexo causal entre o acto do advogado e tal dano.
VII – O lapso ou erro de um advogado, enquanto violador do mandato que lhe foi conferido, não pode passar incólume (com o argumento da incerteza do desfecho dos processos judiciais), mas a sua responsabilização tem de respeitar a segurança jurídica e passar pela imposição ao lesado do ónus de provar a verificação do dano (a consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida) e a suficiente probabilidade (no referido limiar mínimo) de obtenção de ganho de causa no processo em causa.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
M intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra J e A, S.A., peticionando a condenação solidária dos Réus no pagamento do montante de € 254.220, a título de danos patrimoniais, e do montante de € 25.000, a título de danos morais, acrescidos de juros vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
Alega, em suma, a Autora, que:
- outorgou procuração a favor do Réu para a representar no âmbito de uma acção de impugnação de despedimento colectivo;
- o Réu interpôs recurso “fora de prazo” e, dessa forma, ficou impedida de pugnar pelo seu direito de vir a ser reintegrada, assim como indemnizada, com todos os prejuízos financeiros, profissionais e pessoais daí decorrentes;
- tinha fundamentadas expectativas de receber uma indemnização em montante não inferior a € 254.220.
Citados, vieram os Réus apresentar Contestações:
- o Réu J omitiu o pagamento da taxa de justiça devida, tendo sido determinado o desentranhamento da sua Contestação;
- A Ré A, S.A veio excepcionar com a sua ilegitimidade.
 
A Autora requereu a intervenção principal provocada da X, a qual foi admitida por decisão de 20 de Abril de 2022.

Citada a X apresentou Contestação, onde invocou a excepção de prescrição e a falta de cobertura do contrato de seguro, concluindo pela sua absolvição do pedido.
Realizada Audiência Prévia, foi a Autora convidada “a suprir as insuficiências, concretizando, na exposição da matéria de facto as “fundamentadas expectativas de receber uma indemnização” e “em montante não inferior a € 229.220,00” e, por outro lado, quais os factos de onde retira a (sua) previsão de reintegração, nomeadamente concretizando quais as funções por si exercidas e as razões que a fazem crer que o (seu) recurso seria procedente, convite a que respondeu por articulado apresentado a 28 de Abril de 2023.
Proferido Despacho Saneador, nele foi julgada procedente a exceção de ilegitimidade passiva da Ré A, SA. (a qual foi absolvida da instância), e se relegou para final o conhecimento das demais excepções invocadas, se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
Realizada Audiência Final veio a ser proferida Sentença da qual consta a seguinte parte decisória:
“Pelo exposto, julgo improcedente a presente ação, e consequentemente, absolvo os Réus do pedido.
Custas pela Autora.
Registe e notifique”.
É desta Sentença que vem interposto Recurso de Apelação por parte da Autora, a qual apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
“I- A acção recorrida tinha como questões controvertidas se o despedimento da Autora foi ilícito, qual a indemnização a que tem direito, e o valor dos demais créditos laborais peticionados;
II- No entender do Apelante a sentença em crise:
A) Enferma de erros na apreciação da prova, mais especificamente na interpretação da prova testemunhal., como se verá adiante (cf. artigo 662 do CPC).
B) Incorre em violação do disposto nos artigos 562 e 562 do Código Civil.
C) Violação do disposto no art.º 662 nº 2, c), 1ª parte, do CPC)
III- Ora, está em causa apurar a Responsabilidade contratual (responsabilidade profissional) do 1ª Réu, Dr. J, no âmbito do processo nº 471/10.7TTCSC em que patrocinou a Apelante.
A sentença recorrida deu como não provado;
a) com o não conhecimento do recurso, a Autora viu-se privada de ser reintegrada profissionalmente;
b) em mais de 100 trabalhadores despedidos, muitos poderiam ser os trabalhadores a verem proceder o recurso, “com todas as consequências legais daí resultantes”, como é o caso da Autora;
c) de todos os funcionários da ---, M era uma das secretárias de administração com mais anos de experiência, daqui resultando, “per si” que não deveria ter sido incluída na lista de excedentários;
d) a Autora teve sempre um comportamento exemplar, não tendo averbada qualquer sanção disciplinar;
e) a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente a prova testemunhal, assim como a extensa prova documental permitiriam, com elevado grau de probabilidade, provar que a Autora nunca deveria ter sido abrangida pelo referido despedimento coletivo;
f) a Autora não reúne os critérios legalmente exigíveis para o despedimento coletivo;
g) a Autora é uma das funcionárias mais antigas;
h) as funções exercidas pela Autora continuaram a ser exercidas por outros funcionários;
i) o Réu J teve consciência da possibilidade de a sua atuação ser geradora de responsabilidade civil em momento anterior a 01/01/2018.
IV- No entender da Apelante, a sentença recorrida deu como não provada matéria que, face à prova produzida, deveria ter sido dada como provada.
V- A Recorrente entende que ficou mal julgado, nos termos e para os efeitos do artigo 640 do CPC, os pontos A, C, D, F, H e I, da matéria de facto dada como provada;
VI- Entende a Recorrente que, face à prova produzida deveria ter sido dado como provado;
A-Com o não conhecimento do recurso, a Autora viu-se privada de ser reintegrada profissionalmente;
B- Em mais de 100 trabalhadores despedidos, muitos poderiam ser os trabalhadores a verem proceder o recurso, “com todas as consequências legais daí resultantes”, como é o caso da Autora;
C- A Autora M era uma secretária experiente, e não deveria ter sido incluída na lista de excedentários;
D- A Autora teve sempre um comportamento exemplar, não tendo averbada qualquer sanção disciplinar;
E- A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente a prova testemunhal, assim como a extensa prova documental permitiriam, com elevado grau de probabilidade, provar que a Autora nunca deveria ter sido abrangida pelo referido despedimento coletivo por não reunir os critérios legalmente exigíveis para o despedimento coletivo;
F- Na presente data as funções exercidas pela Autora continuaram a ser exercidas por outros funcionários;
G- Réu J teve consciência da possibilidade de a sua atuação ser geradora de responsabilidade civil.
H- A Autora sentiu-se fortemente desgostosa e deprimida.
 VII-Entende a Recorrente que o depoimento de parte do Réu J, e os depoimentos das testemunhas N, S, foram mal avaliados, consistindo em erro na avaliação da prova produzida.
VIII- Assim requer-se a reavaliação do depoimento de parte de do Réu J, e os depoimentos das testemunhas N, S.
“In casu”, a responsabilidade do 1.º Réu é manifesta quanto à Responsabilidade Profissional e Responsabilidade Contratual em que se insere.
IX- Tal responsabilidade resulta da sentença “sub júdice”.
X- No entanto, o Tribunal “a quo” vem fundamentar a absolvição dos Réus da seguinte forma;
“Na verdade, os argumentos da Autora não iam além do que foi alegado por todos os trabalhadores: a falta de negociação da reestruturação e a não auscultação da Comissão de Trabalhadores. A questão da “injustiça” no critério de seleção dos trabalhadores despedidos, conforme expressamente feito constar do relatório da sentença, não tinha alicerce legal, sendo certo que, curiosamente, a alegação feita nestes autos foi a de que a antiguidade da Autora seria um critério a seu favor e naqueles autos foi alegado que havia outras secretárias, mas antigas! Contrariamente ao alegado (de forma, de resto, conclusiva), não resultou demonstrado que caso tivesse sido aceite o recurso e reapreciada a matéria de facto seria demonstrada a “ilicitude” do despedimento no que respeita à Autora. Ao caso apenas se poderia aplicar o conceito de "perda de chance", na medida em que, sendo impossível afirmar que a Autora seria reintegrada e receberia os salários que se teriam vencido desde a data do despedimento com base na pretendida reapreciação da prova (que, de resto, não se sabe qual ou quais os factos faria “alterar”), aquilo que poderia ser indemnizado é a ausência da possibilidade de a Autora ter visto a sua pretensão apreciada mas desde que isso se traduzisse num dano efetivo.
XI- Pese embora o devido respeito por diferente entendimento, não assiste razão ao Meritíssimo “Juiz a quo” Já que, no referido despedimento colectivo a posição dos trabalhadores era diferenciada.
XII- Daqui resultando a ilicitude do despedimento.
XIII- A Autora, ora recorrente, nunca reuniu os critérios legalmente exigíveis para o despedimento colectivo.
XIV- Acresce ainda que as funções exercidas pela Recorrente continuaram a ser exercidas por outros funcionários.
XV- Na redução dos postos de trabalho, a Recorrente (atenta a experiência, antiguidade e desempenho demonstrado) nunca deveria estar abrangida).
XVI- Importa recordar, que na sentença do processo n.º471/10.7TTCSC, foram reintegrados alguns trabalhadores!
XVII- Na sentença em crise resulta claro a violação dos deveres profissionais por parte do Réu J.
XVIII- Em sede de fundamentação pode ler-se ; “Ora, face ao mandato que lhe fora conferido pela Autora, impunha-se ao Réu ter apresentado recurso da decisão proferida em 1ª instância dentro do prazo legal para o efeito e, pretendendo a reapreciação da matéria de facto, cumprir o ónus de especificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, ato que omitiu e levou a que o recurso não fosse conhecido por intempestivo, já que não beneficiou do prazo acrescido de 10 dias. Nesta conformidade, conclui-se forçosamente pelo incumprimento dos deveres do mandato por parte do Réu no que toca ao contrato de mandato que com a Autora celebrou nos termos dos arts. 1157º e 1158º do Código Civil”.
XIX- Também resulta provado a responsabilidade da Segunda Ré.
XX- Atentemos na matéria provada;
Por via do referido contrato de seguro, a X assumiu, perante o Tomador de Seguro (Ordem dos Advogados), nos termos definidos nas condições particulares do contrato, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade de advocacia desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor).
24. Garantindo, até ao limite de capital seguro e nos termos previstos nas condições particulares da apólice, o pagamento de indemnizações pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente, responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados – cfr. artigo 2.º, n.º 1 das condições especiais do contrato.
25. O limite indemnizatório máximo contratado para o período de vigência/“período seguro” foi fixado em € 150.000,00, prevendo-se a aplicação de uma franquia contratual, a cargo dos segurados, cujo valor ascenderá à quantia de € 5.000,00 por sinistro – cfr. cláusula 9.ª das condições particulares da apólice.
26. A X foi citada para a presente ação em 05/05/2022.
27. Nos termos previstos na alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais do contrato de seguro “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações:
a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação.”
28. O contrato de seguro de grupo de responsabilidade civil profissional celebrado com a Seguradora X tem natureza “claims made”, correspondendo a data do sinistro à data da primeira reclamação.
XXI- A sentença em crise entendeu que;
“Contrariamente ao alegado (de forma, de resto, conclusiva), não resultou demonstrado que caso tivesse sido aceite o recurso e reapreciada a matéria de facto seria demonstrada a “ilicitude” do despedimento no que respeita à Autora. Ao caso apenas se poderia aplicar o conceito de "perda de chance", na medida em que, sendo impossível afirmar que a Autora seria reintegrada e receberia os salários que se teriam vencido desde a data do despedimento com base na pretendida reapreciação da prova (que, de resto, não se sabe qual ou quais os factos faria “alterar”), aquilo que poderia ser indemnizado é a ausência da possibilidade de a Autora ter visto a sua pretensão apreciada mas desde que isso se traduzisse num dano efetivo”.
XXII- Pese embora o devido respeito, o entendimento do julgador é errado, levando a uma decisão injusta.
XXIII- Já que parte do princípio que o recurso, a ser interposto em tempo, e admitido, não teria probabilidade de ser procedente.
XXIV- Como alegado pela Autora, ora Recorrente, na sua petição inicial;
- Resulta assim claro que de todos os trabalhadores com funções idênticas à Autora, pese embora os motivos invocados na acção de despedimento colectivo, apenas foram dispensados dois secretários, o Sr -- e M, ora Autora, vide 55.
- De todos os funcionários da ---, M era uma das secretárias de administração com mais anos de experiência, vide 56.
- A Autora teve sempre um comportamento exemplar, não tendo averbada qualquer sanção disciplinar, vide 57.
- Daqui resultando, “per si” que não deveria ter sido incluída na lista de excedentários, vide 58.
- A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente a prova testemunhal, assim como a extensa prova documental permitiriam, com elevado grau de probabilidade, provar que a Autora nunca deveria ter sido abrangida pelo referido despedimento colectivo, vide 59.
XXV- Convenhamos, para além da prova testemunhal as funções exercidas pela Apelante resultam do próprio processo de impugnação do despedimento colectivo.
XXVI- Por outro lado, a contratação posteriori ao transito em julgado da acção de impugnação do despedimento colectivo de secretárias de direcção e administração também prova a existência do posto de trabalho da Recorrente.
XXVII- Pese embora o devido respeito, as conclusões alcançadas na sentença recorrida decorrem de uma errónea interpretação da lei, mais concretamente do artigo 662º nº 2 c) do CPC.
XXVIII- A actuação ilícita e culposa do Réu teve como consequência directa a perda de uma avultada indemnização por parte da Autora, e uma possível reintegração laboral.
XXIX- Parece claro que a Recorrente perdeu a chance de se indemnizada e reintegrada.
XXX- Como é sabido, o dano traduzido na perda de chance goza de autonomia e é susceptível de indemnização autónoma.
XXXI- A procedência do pedido em sede de recurso, era possível e até provável, facto que foi alegado na petição inicial.
XXXII- Os Réus devem ser condenados a pagar indemnização para reparação dos danos causados, sendo que quanto à perda de chance da condenação, a indemnização deve ser liquidada segundo juízos de equidade, nos termos do n.°3 do artigo 566º do Código Civil.
XXXIII- A Recorrente tinha o direito de ver o seu Recurso apreciado, e tinha fundadas expectativas na procedência do mesmo.
XXXIV- Os fundamentos do Recurso, permitem concluir uma probabilidade de êxito suficiente e considerável.
XXXV- A Recorrente discorda em absoluto do entendimento preconizado na sentença recorrida, no sentido de “que não resultou demonstrado que caso tivesse sido aceite o recurso e reapreciada a matéria de facto seria demonstrada a “ilicitude” do despedimento no que respeita à Autora”.
XXXVI- Como já referido, no referido despedimento colectivo a posição dos trabalhadores era diferenciada.
XXXVII - Atentemos na fundamentação da sentença do processo de impugnação do despedimento colectivo, (vide 20 da sentença “em crise);
“Como consequência desta decisão da ---, deixou de se justificar a cedência dos dois secretários de direcção ao abrigo da qual vinham desenvolvendo a sua actividade na Direcção de Serviços Técnicos da ---, motivo pelo qual a Empresa e a --- puseram fim às cedências no passado dia 28 de Dezembro de 2009, tendo nesse mesmo dia comunicado aos 2 trabalhadores. A Empresa, por não dispor de postos de trabalho vagos adequados às funções de secretário dispensou, com início no próprio dia 28 de Dezembro, a secretária M e, com efeitos a partir do dia 01 de Janeiro de 2010, o secretário --, de comparência na Empresa, sem perda de retribuição, situação que se manterá até à data da cessação dos respectivos contratos no âmbito do presente processo de despedimento colectivo.”
XXXVIII - Ora, no documento ora junto, cuja autenticidade é inquestionável, o --- SA declara que relativameme a sociedade ---, S.A., pessoa coletiva N.º -, com sede na Av. ---, com o capital social de € 34.000.000,00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de   continua a existir no seu quadro de pessoal a categoria profissional de secretaria, com o seguinte descritivo funcional “Ocupa—se do secretariado especifico da Administração ou Direccao da Empresa. Entre outras, compete-lhe normalmente as seguintes funções; redigir documentos e proceder ao seu arquivo. Redigir actas das reuniões de trabalho do serviço que secretaria; assegura, por sua própria iniciativa, o trabalho de rotina diária do gabinete, providencia pela organização e arrumos dos locais onde se Irão realizar reuniões de trabalho, sejam de carácter sectorial sejam de natureza geral da Empresa.”
XXXIX - É o próprio --- que assume na presente data continuar a existir as funções de secretária.
XL - Acresce ainda que, as funções de secretária, numa sociedade com a estrutura e dimensão da ---, sempre justificariam uma reintegração em outras direcções, sem que a Apelante fosse integrada no despedimento colectivo.
XLI - Salvo melhor entendimento, o douto tribunal “a quo” faz uma interpretação errónea do conceito de “perda de chance”.
XLII - Como é sabido o termo chance utilizados pelos franceses significa, em sentido jurídico, probabilidade de obter um lucro ou de evitar uma perda.
XLIII - Há quem entenda que a perda de chance não se enquadra nem no conceito de lucro cessante, e tampouco no conceito de dano emergente. O autor Português Júlio Vieira Gomes afirma que: “os autores que defendem a existência da perda de chance como dano autónomo tendem a inseri-lo no dano emergente.” Uma grande questão que versa sobre a perda de chance justamente saber como enquadramos no momento da quantificação do valor pelo magistrado no processo judicial.
O autor citado por Júlio Vieira, Maurício Bocchiola, que é um jurista Italiano, afirma que a aceitação da perda de chance é uma modalidade de dano emergente, mas ainda assim este autor reconhece que o lucro cessante e a chance perdida apresentam características parecidas, e até certas analogias, até porque a certeza na reparação pelo lucro cessante é também uma certeza relativa e não absoluta vez que não é possível apurar o que exatamente a vítima deixou de lucrar para a aferição do lucro cessante.
XLIV - Ainda de acordo com esse autor: “A perda da chance não deve ser considerada como lucro cessante (ainda que haja uma diferença qualitativa, mas apenas quantitativa entre ambos), mas como dano emergente. A chance surge como uma espécie de lesão à propriedade anterior”.
XLV - Na sentença “em crise “, a questão será a de saber se tal preclusão, ou perda de oportunidade, deve ser qualificada como uma perda de chance, em sentido próprio, passível de fundamentar a responsabilidade civil pela omissão provada.
XLVI - Na situação em apreço, não estamos só perante uma perda de prazo, estamos perante um comportamento que não pode ser corrigido, o qual é determinante no resultado do processo.
XLVII - A Recorrente tinha fundamentadas expectativas de receber o valor em dívida de € 254.220,20 (duzentos e cinquenta e quatro mil, duzentos e vinte euros e vinte cêntimos) e ser reintegrada.
XLVIII - Discorda a Recorrente que não existisse séria probabilidade de ganho no Tribunal da Relação de Lisboa.
XLIX - Não se verifica a existência de nexo causal entre a motivação invocada para o despedimento e a seleção específica da Autora, sendo os argumentos expendidos na fundamentação a propósito dos critérios e prevalência de CC na empresa artificiosamente falsos, visando apenas uma opção de discriminação em função do sexo, idade e situação familiar da Autora, o que é proibido pelos artigos 24.º e 25.º do Código do Trabalho e indemnizável por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos do artigo 28.º do mesmo diploma.
LX - Entende o douto tribunal “a quo” que a Autora não tem direito a indemnização por danos morais.
LXI- Foi o seguinte o fundamento;
“Relativamente aos danos morais, refira-se que o facto de alguém se ver envolvido num processo judicial, seja em que condição for, é, por si só, naturalmente, gerador de ansiedade. O advogado assume um papel importante também na gestão dessa realidade, sendo nele depositada confiança para tal e sendo seu dever realizar os atos para os quais a parte é notificada. Nesta sede, todavia, o Réu não atuou com culpa. O Réu desde logo informou da decisão de não admissão do recurso por intempestividade e não deixou de tentar “reverter” essa decisão pelos meios de que dispunha,”
LXII- Salvo melhor entendimento, carece de fundamento o entendimento do Tribunal.
LXIV- Já que, não se trata de uma acção judicial ser geradora de ansiedade.
LXV- O que está em causa é o facto de a Autora ter sentido revolta, ansiedade e stress pelo facto de, por responsabilidade do Réu, se ter visto privada de uma decisão judicial justa.
LXVI- Desta forma, o douto tribunal “a quo”, por um lado desvaloriza o que foi a apresentação de um recurso intempestivo pelo Réu no Tribunal da Relação de Lisboa, por outro, sustenta que relativamente aos danos morais, “o facto de alguém se ver envolvido num processo judicial, seja em que condição for, não é, por si só, naturalmente, gerador de ansiedade”.
LXVII- Ou seja, salvo melhor entendimento, num processo em que o Réu perde um prazo de forma, no mínimo, negligente, e existe um seguro de responsabilidade civil (profissional), nenhuma consequência prática é extraída daí.
LXVIII- Citando o adágio popular a culpa morreu solteira!
LXIX- Pese embora o devido respeito por diferente opinião, entende a Apelante que tem direito a ser indemnizada por danos morais.
LXX- Tal como preconiza Arnoldo Medeiros da Fonseca o dano moral, na esfera do Direito, reflete todo sofrimento humano resultante de lesão de direitos estranhos ao património, encarado como complexo de relações jurídicas com valor económico. Configuram danos morais, a título de exemplo, a lesões aos direitos políticos, aos direitos inerentes à personalidade humana, aos direitos de família, bem como lesões causadoras de sofrimento moral ou dor física, sem atenção aos respectivos reflexos no campo económico.
LXXI- Em nosso entender resulta da prova produzida que a Apelante sofreu (e muito!) como consequência direta de se ver privada por pugnar pela reintegração laboral e a integração a que teria direito.
LXXII- O depoimento de S, revela, de forma clara, a forma como a Recorrente ficou afectada com o não conhecimento do recurso.
LXXIII - O depoimento de S, sem prejuízo de ser filha da Autora, é esclarecedor quanto ao sofrimento da Recorrente em virtude da situação criada pelo Réu J.
LXXIIII- S esclarece o douto tribunal sobre o sofrimento da progenitora, que viu goradas as suas expectativas de ser ressarcida, pelo facto de, por um erro técnico, o seu recurso não ter sido apreciado.
LXXIV- Considera o douto tribunal “a quo” que Não obstante, relativamente ao resultado pretendido pela Autora com a apreciação do recurso, não é possível chegar à conclusão de que havia “fundamentadas expectativas de receber uma indemnização e de vir a ser reintegrada”. Por outras palavras, não é possível chegar à conclusão de que, apresentado tempestivamente o recurso, com probabilidade, a ora Autora obteria ganho de causa e, como tal, não se conclui pelo nexo de causalidade entre a intempestividade do ato e a alegada verificação de dano. Na verdade, os argumentos da Autora não iam além do que foi alegado por todos os trabalhadores: a falta de negociação da reestruturação e a não auscultação da Comissão de Trabalhadores. A questão da “injustiça” no critério de seleção dos trabalhadores despedidos, conforme expressamente feito constar do relatório da sentença, não tinha alicerce legal, sendo certo que, curiosamente, a alegação feita nestes autos foi a de que a antiguidade da Autora seria um critério a seu favor e naqueles autos foi alegado que havia outras secretárias, mais antigas! Contrariamente ao alegado (de forma, de resto, conclusiva), não resultou demonstrado que caso tivesse sido aceite o recurso e reapreciada a matéria de facto seria demonstrada a “ilicitude” do despedimento no que respeita à Autora.
LXXV- O recurso apresentado pelo Réu, em representação da Ré e de dezenas de trabalhadores sindicalizados, atenta a extemporaneidade, não foi apreciado.
LXXVI- Daqui resulta, que o Recurso do Sindicato não foi apreciado, nem em matéria de direito, nem em matéria de facto.
LXXVII- E, foram vários os fundamentos invocados que poderiam, com boa probabilidade de êxito, ter levado à procedência da acção no Tribunal da Relação de Lisboa.
LXXVIII- No recurso extemporâneo o SINDICATO --- alegou;
-Quanto à decisão recorrida entendeu o tribunal a quo que não deveria tomar em consideração se terá ou não havido violação dos acordos de exploração do ---, que é apenas uma extensão
daquele, pois tal violação deverá ser do conhecimento da administração pública e não do tribunal. Não sufragamos este entendimento.
- A exploração do --- e da sua extensão, o --- foi concedido à Ré e ora recorrida por um acto legislativo.
- Se um contrato tem a forma de decreto-lei o tribunal não pode ignorar as normas jurídicas nele contidas se da sua aplicação ou violação resultar prejuízo para os trabalhadores abrangidos por um despedimento colectivo.
- Ora, se o contrato entre a Ré e o Estado tem a forma de Decreto-lei, não pode o tribunal eximir-se a verificar a racionalidade legal das decisões de gestão da Ré, quando estas violam o que o Decreto-Lei em causa determina.
- Não se está exactamente no âmbito da racionalidade económica das decisões de gestão. Muito menos na apreciação da racionalidade legal do cumprimento ou violação de um contrato administrativo.
- Está-se no âmbito da apreciação do cumprimento ou não de um decreto-lei.
- Repare-se, por exemplo, que na introdução ao decreto determina o legislador que Outra especificidade subjacente à instalação deste --- em Lisboa é a prudente ponderação de que, representando, na prática, uma mera extensão física do --- inserida no âmbito da mesma concessão, a sua capacidade, em termos de oferta de jogo, deverá ser limitada a níveis que não afectem o normal e expectável desenvolvimento do ---, face à respectiva proximidade geográfica e tendencial identidade de públicos e visitantes.
- Por outro lado também se discorda com a aplicação do direito em um outro aspecto que se prende com a transmissão dos estabelecimentos. Há várias áreas e sectores da Ré, com trabalhadores que foram abrangidos pelo despedimento colectivo, que passaram a empresas de outsourcing.
- A actividade continuou a existir, mas a ser explorada pro uma empresa externa. E os trabalhadores nesses sectores foram previamente despedidos. Entende o tribunal a quo que o regime contido no artigo 318.º do Código do Trabalho não se destina a proteger os trabalhadores.
- É entendimento expresso na sentença que a R. pode despedir os trabalhadores e depois passar esses sectores a empresa de outsourcing, daqui não resulta que quem cede o estabelecimento ou parte de empresa esteja impossibilitado de invocar a referida transmissão para recorrer ao despedimento colectivo. Isto é, o citado artigo 318.º reporta-se ao adquirente e não ao transmitente, tudo como se na sentença.
- Mais à frente também se lê: Não torna, pois ilícito o despedimento colectivo por ter havido, em relação a alguns dos autores, o recurso à externalização, através do outsourcing a terceiros, de certas actividades desempenhadas pro quem foi abrangido no despedimento sem eu o seu contrato se tenha transmitido para esses terceiros. Interpretação que não sufragamos, saldo o devido respeito, que é sempre muito.
- O art.º 318.º destina-se a proteger o trabalhador dos efeitos das transmissões do estabelecimento, seja em relação ao transmitente, seja em relação ao adquirente.
- E dizer que o adquirente já tem trabalhadores é uma mera afirmação - teórica.
- Pois pode não tê-lo. E se está a adquirir um novo estabelecimento pode não ter em quantidade suficiente para os colocar nesse novo estabelecimento.
- Mas essas “contas” deverão ser feitas pelo adquirente. Se lhe interessa adquirir ou não um estabelecimento, uma unidade funcional, uma secção, uma estrutura, de outra empresa com os trabalhadores que a ela estão afectos.
- Entendemos não estarem reunidos, de todo, os critérios que a lei exige, maxime, artigos 359.º nº2 e 367.º nº2, para a validação de um despedimento colectivo.
- Ora, no recurso rejeitado, foram invocadas violação de normas jurídicas, nomeadamente os citados artigos 318º, 359º nº2 e 36º7 do CT., as quais, no entender da Recorrente, tinham fundamento para levar à procedência do recurso.
LXXIX- No entender da Apelante, a apreciação do recurso teria sérias hipóteses de procedência para si, e inclusive muitos outros trabalhadores.
LXXX- Como é sabido, o recurso não foi apreciado, mas daí não se pode concluir pela probabilidade da sua improcedência, já que o recurso interposto, atenta a extemporaneidade, teve como consequência a não apreciação de matéria de direito absolutamente relevante, nomeadamente a violação dos citados artigos, 359º nº 2 e 367º do CT.
LXXXI- A admissão do recurso da sentença de primeira instância permitiria a apreciação de questões jurídicas de grande relevância, nomeadamente se terá ou não havido violação dos acordos de exploração do --- o qual é apenas uma extensão daquele.
LXXXII- Com efeito, pugnava o recurso pela prova que no despedimento colectivo, não estariam questões de racionalidade económica das decisões de gestão, como pretendiam o ---, mas a apreciação da racionalidade legal do cumprimento ou violação de um contrato administrativo.
LXXXIII- No recurso não apreciado, foi alegado que se estava no âmbito da apreciação do cumprimento ou não de um decreto-lei.
LXXXIV- Mais se citou, a titulo exemplificativo que na introdução ao decreto determinou o legislador outra especificidade subjacente à instalação deste --- em Lisboa “in casu” a prudente ponderação de que, representando, na prática, uma mera extensão física do --- inserida no âmbito da mesma concessão, a sua capacidade, em termos de oferta de jogo, deveria ser limitada a níveis que não afectassem o normal e expectável desenvolvimento do ---, face à respectiva proximidade geográfica e tendencial identidade de públicos e visitantes
LXXXV- Ou seja, em sede de recurso iria ser apreciada a legalidade do despedimento, desde logo do ponto de vista formal, sendo a questão de saber se o --- era, na prática, uma extensão física do ---, uma questão basilar, que foi sempre discutida, “ad initio” nos vários anos de litigância judicial em que decorreu o processo!
LXXXVI - Com a extemporaneidade do recurso, tal questão não foi apreciada!
LXXXVII- Outra questão crucial, devidamente alegada no recurso. foi a aplicação do direito relativamente à transmissão dos estabelecimentos, porquanto foram várias áreas e sectores do ---, com trabalhadores, que foram abrangidos pelo despedimento colectivo, e passaram a empresas de outsourcing.
LXXXIX- A actividade continuou a existir, mas a ser explorada pro uma empresa externa. E os trabalhadores nesses sectores foram previamente despedidos, com uma aplicação do tribunal de 1.ª instância que preconizou um entendimento minoritária na jurisprudência.
XC- E, face à discordância em matéria de direito, seria provável a procedência do recurso.
XCI- Como é sabido, o recurso não se destina a julgar de novo a matéria de facto, até porque a segunda instância não tem a seu alcance a atitude das testemunhas, as suas reacções gestuais, os embaraços, a maior ou menor firmeza que sustentam os olhares, etc.
XCII- Como resulta dos acórdãos do STJ de 30/04/2002, Processo nº 02A4324, in www.dgsi.pt e como escrevem Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, in "Dos recursos", pág. 258, "A Relação não procede à reconstrução ex novo dos factos em torno dos quais gravita o litígio, antes verifica se, na reconstituição da espécie de facto, não foram violadas pelo decisor do tribunal a quo as regras de avaliação prudencial.
XCIII- Ou seja, ao contrário do entendimento preconizado na sentença “em crise”, o recurso, caso tivesse sido apreciado, teria probabilidade de procedência essencialmente pela matéria de direito.
XCIV- Esteve mal o “tribunal a quo” ao dar como não provado A) e B) da matéria de facto dada como não provada;
a) com o não conhecimento do recurso, a Autora viu-se privada de ser reintegrada profissionalmente;
b) em mais de 100 trabalhadores despedidos, muitos poderiam ser os trabalhadores a verem proceder o recurso, “com todas as consequências legais daí resultantes”, como é o caso da Autora;
XCV- Note-se que em momento algum a sentença recorrida se pronuncia, ou transmite o seu entendimento sobre a possibilidade de procedência do recurso por via da procedência no Tribunal Superior em matéria de Direito, apenas fundamentando a decisão com a situação pessoal da Recorrente, no entender do Tribunal sem possibilidade de êxito.
XCVI- Aqui chegados, importa deixar claro que, também aqui, as declarações de parte do Réu J foram mal apreciadas.
XCVII- Sem prejuízo de ser inquestionável a responsabilidade do Réu J pela intempestividade do recurso, certo é que as suas declarações, conjugadas com o recurso extemporâneo, apresentado como doc. permitem esclarecer as reais possibilidades que procedência que teriam existido caso o recurso tivesse sido apresentado em tempo.
XCVIII- Sem prejuízo de ser inquestionável a responsabilidade do Réu J pela intempestividade do recurso, certo é que as suas declarações, conjugadas com o recurso extemporâneo, apresentado como doc. permitem esclarecer as reais possibilidades que procedência que teriam existido caso o recurso tivesse sido apresentado em tempo.
XCIX- Ora, resulta claro que o recurso interposto pelo Réu J, era essencialmente em matéria de direito.
[1]XCX- Salvo melhor entendimento, parece claro que, atenta a pertinência dos fundamentos jurídicos invocados, a ser apreciado teria boas probabilidades de êxito.
XCXI- A perda de oportunidade em que a Recorrente incorreu, por não ter sido interposto, no prazo, o recurso laboral a que tinha direito, causou inúmeros prejuízos à Autora (perda do direito a reintegração, indemnização laboral e danos morais).
XCXII- Nestes termos, vistos os artigos 562° e 564° do C.C., deve o acórdão recorrido ser revogado, para uma substituição em conformidade com o que fica proposto nestas conclusões.
XCXIII- A sentença recorrida, pese embora dê como provado a perda de um prazo processual pelo Réu, e a existência um seguro de responsabilidade civil (profissional) válido, absolve os Réus da totalidade do pedido, provando a Recorrente da indemnização a que teria direito.
XCXIV- Do supra exposto resulta, que a sentença recorrida deverá ser revogada.
XCXV- Como é sabido, “mesmo que não haja impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, não há ilegitimidade na actuação processual de iniciativa oficiosa, ao abrigo do disposto no artigo 662º, 1, e 2, c) (este interpretado a contrario sensu para a sanação de contradição factual), do CPC, quando o acórdão proferido pela Relação procede a uma análise da prova documental, testemunhal e pericial, na esteira do que constava da fundamentação da sentença de 1.ª instância, que levou a uma consideração global e racional para alinhar um novo conjunto factual e à eliminação de um facto não provado, traduzindo uma convicção própria, reflectida na forma e nas razões com que se funda a modificação e reconfiguração da matéria de facto provada e não provada”, nesse sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo, Nº 2755/20.7T8FAR.E1.S1 Convencional: 6.ª SECÇÃO.
XCXVI- “in casu”, a sentença recorrida (em que se impugna a matéria de facto e requer a junção de documento já em sede de recurso), impõe uma análise da prova documental e testemunhal, a qual justifica a revogação da sentença de primeira instância.
Termos em que deverá o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a sentença de primeira instância, e em consequência ser declarada procedente a acção, condenando-se as Rés ao pagamento das quantias peticionadas, tudo com as legais consequências, assim se fazendo, Justiça!”.

Em resposta, a Recorrida X apresentou Contra-Alegações, ampliando subsidiariamente o objecto do recurso, nos termos do artigo 636.º, n.º 1, do Código de Processo Civil:
- vindo referir que:
- a decisão recorrida assentou nos elementos constantes dos autos, bem como na análise conjugada da prova produzida, designadamente, da prova documental e testemunhal.
- o documento junto com as alegações não deve ser admitido, porquanto a presente acção deu entrada em Tribunal em Maio de 2020, dispondo a Autora de cerca de 4 anos para instruir os autos – o que não fez – vindo só agora, numa derradeira tentativa de alterar o sentido da decisão proferida, alegar que apenas entrou na posse do referido documento já depois de ser proferida a decisão da 1.ª instância;
- (depois de transcrever um extracto do depoimento de parte do Réu J onde este refere que indicou o local da gravação olhe cada depoimento de uma das pessoas tinha sido prestado, como lhe pareceu adequado, tendo o Tribunal da Relação tido outro entendimento, onde concluiu que, pretendendo a reapreciação da matéria de facto, devia ter cumprido o ónus de especificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e indicar com exatidão as passagens da gravação em que se fundava o seu recurso, levando a que este não fosse conhecido por intempestivo, o que traduz um incumprimento dos deveres de mandato - para com a Autora - nos termos dos artigos 1157.º e 1158.º do Código Civil), não é possível chegar à conclusão de que, mesmo que tempestivamente apresentado, havia fundamentadas expectativas de haver ganho de causa, receber uma indemnização e vir a ser reintegrada, inexistindo nexo de causalidade entre a intempestividade do acto e a alegada verificação de dano;
- os argumentos da Autora não iam além do que foi alegado por todos os trabalhadores: a falta de negociação da reestruturação e a não auscultação da Comissão de Trabalhadores. A questão da “injustiça” no critério de seleção dos trabalhadores despedidos, conforme expressamente feito constar do relatório da sentença, não tinha alicerce legal (…) Contrariamente ao alegado (de forma, de resto, conclusiva), não resultou demonstrado que caso tivesse sido aceite o recurso e reapreciada a matéria de facto, seria demonstrada a “ilicitude” do despedimento no que respeita à Autora;
- em relação ao depoimento prestado pela testemunha N em nada ele poderia alterar o sentido decisório da sentença recorrida, para se considerar provado o nexo de causalidade entre a actuação do Réu J e o dano alegado pela Autora (apenas se extraindo que os trabalhadores foram informados da possibilidade de apresentar recurso da decisão da 1.ª instância no processo laboral em causa, daí não se podendo daí retirar que existia uma considerável probabilidade de alcançar os objectivos dos trabalhadores, considerando-se ilícito, desse modo, o despedimento);
- jamais poderia resultar provada a matéria de facto pretendida pela Autora, designadamente, quanto à consistência da probabilidade de a mesma ter sido reintegrada, caso o recurso fosse tempestivamente interposto;
- conforme o depoimento de parte prestado pelo Réu Dr. J, não se tratou de um recurso interposto já ultrapassado o prazo legalmente previsto para o efeito, mas antes do facto de a Relação ter entendido que não se encontravam devidamente identificadas as passagens dos depoimentos cuja reapreciação se pretendia, motivo pelo qual não foram considerados os 10 dias suplementares concedidos pela lei;
- as referidas passagens objecto da pretendida reapreciação, encontravam-se devidamente identificadas na acta de julgamento, pelo que o causídico entendeu que tal circunstância bastava para que se considerasse cumprida a imposição legal de admissão do recurso;
- é notório de que não estamos perante um ilícito grave e culposo por parte do Réu J, mas apenas perante aquilo que é a interpretação da lei por parte do advogado (como técnico jurídico apenas vinculado à obrigação de meios), na sua total e livre convicção de estar em perfeito cumprimento dos dispositivos legais que regulam a interposição, oportunidade e admissão do recurso;
- ainda que se admita existir um ilícito, jamais esse facto resulta na prova da factualidade pretendida pela aqui Autora, de que o desfecho da acção sempre lhe seria favorável, com a sua consequente reintegração (esta nem sequer alega em que medida tal poderia suceder, com a articulação na PI dos fundamentos de facto e de direito que, levados à reapreciação do Tribunal da Relação que julgou a causa, poderiam alterar o mérito de tal decisão);
- a Autora se limitou a alegar que o Réu J incumpriu a lei processual, apresentando um recurso fora de prazo – o que, alegadamente, terá resultado num dano para aquela;
- a Autora alega que a trabalhadora C foi reintegrada, mas não resultou provado que esta trabalhadora estivesse numa situação equiparável à sua (sendo certo que, apesar de a Relação ter decido pela readmissão dessa trabalhadora, em sede de recurso para o STJ, esta instância suprema veio a concluir pela manutenção da decisão da 1.ª instância, ou seja, pela licitude do despedimento);
- está em causa uma questão meramente de direito, que, apreciada por três instâncias judiciais, resultado provado ter-se tratado de um despedimento lícito, não havendo lugar a qualquer reintegração, quer da referida C, quer da aqui Autora;
- a “perda de chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, para se traduzir num dano autónomo, efetivo, tem que ter “consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados em cada caso concreto!;
- no mandato forense o Advogado assume uma obrigação de meios e não de resultado, não sendo possível afirmar, nem que essa reintegração era certa, segura, inequívoca, nem os autos contêm os autos elementos suficientes que permitam sequer concluir-se que da sentença proferida, nos termos em que o foi, advieram diretamente para a ora Autora prejuízos (sendo certo que a mesma foi indemnizada com a quantia de € 28.567,29);
- quanto aos danos morais, o facto de alguém se ver envolvido num processo judicial, seja em que condição for, é, por si só, naturalmente, gerador de ansiedade, sendo que o advogado assume um papel importante também na gestão dessa realidade, sendo nele depositada confiança para tal e sendo seu dever realizar os atos para os quais a parte é notificada, mas o Réu não actuou com culpa e, desde logo, informou da decisão de não admissão do recurso por intempestividade e não deixou de tentar “reverter” essa decisão pelos meios de que dispunha;
- a presente acção não visa penalizar o Réu, mas sim e apenas ressarcir a Autora dos eventuais danos que haja sofrido, não permitindo os elementos constantes dos autos chegar à conclusão de que esta sofreu os danos peticionados e muito menos que, a existirem, tivessem decorrido de uma conduta daquele;
- o relevante para a consideração da perda de chance passa por que se possa afirmar que o lesado tinha uma chance [uma probabilidade, séria, real, de não fora a actuação que lesou essa chance], de obter uma vantagem que, probabilisticamente, era razoável supor que almejasse e/ou que a atuação omitida, se o não tivesse sido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão danoso como o que ocorreu (há perda de chance quando se perde um proveito futuro, ou se não se evita uma desvantagem por causa imputável a terceiro);
- nestes casos não se visa indemnizar a perda do resultado querido, mas antes a da oportunidade perdida, como um direito em si mesmo violado por uma conduta que pode ser omissiva ou comissiva; não se trata de indemnizar lucros cessantes ao abrigo da teoria da diferença, não se atendendo à vantagem final esperada;
- não obstante o incumprimento imputável ao advogado Réu, não era verosímil que a Autora obtivesse, por via da admissão do recurso, a almejada reintegração ou sequer a indemnização peticionada, ou seja, a probabilidade de a Autora obter vencimento no recurso considerado extemporâneo não é superior à probabilidade do seu insucesso;
- não está demonstrada com um grau suficiente de probabilidade, a causalidade (adequada/jurídica ou física/probabilística) entre o facto ilícito e culposo e o dano da perda de chance ou de oportunidade;
- a decisão recorrida está bastante bem fundamentada no que diz respeito à inexistência de perda de chance atendível no caso concreto, motivo pelo qual, ainda que alterada fosse a matéria considerada provada e não provada, sempre deveria manter-se a absolvição da aqui Recorrida e, bem assim, do Réu J;
 - culminando as Alegações, no que à ampliação do objecto do recuso se reporta, com as seguintes Conclusões:
“1 - Nos termos previstos na alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais do contrato de seguro em apreço “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações:
a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação.”
2 - O contrato de seguro de grupo de responsabilidade civil profissional celebrado com a Seguradora X tem – à semelhança do que ocorre com os anteriores contratos de seguro celebrados com outras seguradoras que antecederam a presente – natureza “claims made”, correspondendo a data do sinistro à data da primeira reclamação.
3 - Desde que os factos ou circunstâncias passíveis de gerar a responsabilização civil do segurado, não sejam pelo mesmo conhecidas (pré-conhecidas) em data anterior à data de início do período seguro – cf. alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais da apólice.
4 - Com efeito, e conforme prevê o artigo 42.º, n.º 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (D.L. n.º 72/2008 de 16 de abril – doravante RJCS), sob a epígrafe “Cobertura do Risco”, “…as partes podem convencionar que a cobertura abranja riscos anteriores à data da celebração do contrato, sem prejuízo do disposto no artigo 44.º”.
5 - Prevendo, contudo, expressamente, o aludido artigo 44.º, n.º 2 da RJCS, que “O segurador não cobre sinistros anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data”.
6 - Independentemente da data de ocorrência dos factos, as mesmas garantem os sinistros reclamados durante a sua vigência, desde que os segurados não tivessem consciência – em data anterior à sua contratação – da possibilidade/razoabilidade de tais factos poderem conduzir à sua responsabilização civil.
7 - A evidência do distinto âmbito de aplicação destas disposições resulta, desde logo, da constatação de que, mesmo que os factos e circunstâncias conhecidos do segurado e que pudessem vir a gerar reclamação, fossem reclamados durante a vigência da apólice, o sinistro em causa encontrar-se-ia sempre excluído da cobertura das apólices, porque pré-conhecido.
8 - A interposição alegadamente extemporânea de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa foi pela primeira vez reclamada junto desta Seguradora em 29.05.2018.
9 - Em 2016, quando foi notificado da decisão do Tribunal da Relação da Lisboa, o R. Advogado, Dr. J, terá sido confrontado com a extemporaneidade do recurso que subscreveu.
10 - O que terá sido confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, por decisão notificada ao R. Advogado, Dr. J, em 2017.
11 - O R. Advogado sabia – o mais tardar – em 2016 ou 2017, que a interposição do recurso que havia subscrito teria sido extemporânea.
12 - E, consequentemente, o R. Advogado não podia desconhecer que tais factos poderiam ser eventualmente geradores de responsabilidade civil, ainda em 2016/2017.
13 - Estes factos ocorreram, inequivocamente, em data anterior a 01.01.2018 (data de início dos primeiros contratos de seguro celebrados com esta Seguradora Interveniente/Recorrida),
14 - E o R. Advogado sabia/consciencializou, pelo menos, desde 2016/2017, que a sua atuação poderia ser geradora de responsabilidade civil profissional.
15 - O mesmo é dizer que o R. Advogado conheceu e consciencializou a possibilidade de a sua atuação ser geradora de responsabilidade civil em momento anterior à contratação do seguro de grupo junto da ora Interveniente Seguradora, i. é 01.01.2018.
16 - Sem prejuízo do até agora exposto relativamente à boa decisão de mérito da presente causa e, bem assim, sem conceder quanto à inatacabilidade da sentença recorrida, sempre se encontraria o alegado sinistro excluído das coberturas e garantias previstas na apólice de seguro grupo tituladas pela Interveniente X, nos termos expressamente previstos no artigo 3.º, alínea a) das Condições Especiais da apólice.
Pelo que, por tudo quanto se encontra exposto, e, ressalvando o devido respeito por melhor e douta opinião de V. Exas., sempre deverão improceder as conclusões da Recorrente, não merecendo a Douta Sentença recorrida qualquer censura, mantendo-se, assim, a decisão recorrida. Ou, caso assim não se entenda, sempre deverá considerar-se que o sinistro em causa se encontra excluído das coberturas e garantias previstas na apólice de seguro de grupo tituladas pela Interveniente Recorrida, nos termos expressamente previstos no art.º 3.º, al. a) das Condições Especiais da apólice, pelo que sempre deverá a seguradora ser absolvida do pedido, só assim se fazendo, VERDADEIRA JUSTIÇA!”.
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Questões a Decidir
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[2]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará verificar se
A – verificar da admissibilidade da junção do documento apresentado com as Alegações da Recorrente;
B – verificar se alguma da factualidade apurada se mostra adequadamente colocada em causa e, na afirmativa, se existe algo a alterar:
I-. quanto à necessidade de alteração dos Factos não provados A, C, D, F, H e I;
II-. quanto à necessidade de acrescentar à Factualidade apurada os seguintes Factos:
A- Com o não conhecimento do recurso, a Autora viu-se privada de ser reintegrada profissionalmente;
B- Em mais de 100 trabalhadores despedidos, muitos poderiam ser os trabalhadores a verem proceder o recurso, “com todas as consequências legais daí resultantes”, como é o caso da Autora;
C- A Autora M era uma secretária experiente, e não deveria ter sido incluída na lista de excedentários;
D- A Autora teve sempre um comportamento exemplar, não tendo averbada qualquer sanção disciplinar;
E- A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente a prova testemunhal, assim como a extensa prova documental permitiriam, com elevado grau de probabilidade, provar que a Autora nunca deveria ter sido abrangida pelo referido despedimento coletivo por não reunir os critérios legalmente exigíveis para o despedimento coletivo;
F- Na presente data as funções exercidas pela Autora continuaram a ser exercidas por outros funcionários;
G- Réu J teve consciência da possibilidade de a sua actuação ser geradora de responsabilidade civil.
H- A Autora sentiu-se fortemente desgostosa e deprimida.
C – quanto à correcta subsunção jurídica dos factos apurados.
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Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
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Da Junção de Documentos em sede de Recurso
A Autora-Recorrente junta com as suas Alegações, nos termos do artigo 651.º do Código de Processo Civil, um documento (declaração da “---”, datada de 13 de Maio de 2024), afirmando que só nessa data o conseguiu obter, com ele pretendendo “fazer prova de que o posto de trabalho da Apelante continuou, e continua a existir na presente data”, e que a “admissão deste documento é legalmente admissível, ao abrigo do disposto nos artigos 423º n.º3, 424º e 425º todos do CPC, justificando-se por, no entender da Recorrente, só ter sido possível obter em data posterior à sentença”.
Cumpre decidir.
E para isso, começam por ser fundamentais as duas premissas sublinhadas por João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa:
- “o direito português consagra o modelo do recurso de ponderação, pelo que a lei só permite a utilização de documentos supervenientes quanto a factos já alegados que não tenham sido dados como provados por falta do documento”;
- “em consonância com o modelo de reponderação, também para os tribunais de recurso vale o disposto no art.º 611.º n.º 1: a decisão do recurso deve reflectir a situação de facto existente no momento do encerramento da discussão em 1.ª instância”[3].
Assentes estas premissas, constata-se a regra estabelecida no artigo 423.º do Código de Processo Civil, no sentido de que os documentos para prova dos factos alegados devem ser juntos ao processo com os articulados (excepcionalmente, podendo sê-lo até 20 dias antes da audiência de julgamento).
Na mesma linha restrictiva, o artigo 425.º vem afirmar que “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”, assim estabelecendo uma regra de impossibilidade de apresentação de prova documental nos recursos (a não ser nesse caso de impossibilidade de apresentação anterior e no previsto no artigo 651.º, n.º 1).
Como assinala Luís Filipe Espírito Santo, esta limitação “é totalmente compaginável e coerente com o facto de na instância recursiva não serem apreciadas questões novas, não submetidas à análise e à discussão no tribunal de 1ª instância.
Deverão ser, em princípio, os mesmos elementos de prova sobre os quais o juiz a quo proferiu a sua decisão (neles se fundando), que serão agora, em fase de recurso, reapreciados no acórdão final.
Não podem ser valorados elementos documentais novos que, por isso mesmo, escaparam à análise e ao crivo do julgador de 1ª instância e ao exercício do contraditório pelo recorrido.
Se a parte podia ter juntado os documentos no momento processual próprio e não o fez – arcando com as consequências no âmbito da apreciação pelo juiz a quo daquele material probatório apresentado e não outro –, não lhe é concedida segunda oportunidade para a junção dessa documentação aquando da interposição do recurso, como bem se compreende e está em conformidade com os ditames de lealdade e lisura processuais”[4].
É, portanto, em duas situações - base que a junção pode ocorrer:
- o não poder ter sido junto antes (por não existir, por não estar disponível ou encontrável);
- o ter-se feito justificar a sua apresentação em face do exposto na Sentença/Decisão.
Em qualquer dos casos, cabe ao/à apresentante/recorrente o ónus de alegar e provar que preenche uma dessas situações.
Como refere a Conselheira Catarina Serra no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2019 (Processo n.º 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2), “da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância”[5].
“O primeiro elemento referido – a impossibilidade de apresentação anterior – legitima as partes a utilizar no recurso, juntando-os com a motivação deste, documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento (até ao julgamento em primeira instância), o que pressupõe aquilo que se refere como superveniência objectiva ou subjectiva do documento pretendido juntar.
Ora, sendo superveniente (objectivamente superveniente) o que só ocorreu historicamente depois de um determinado momento considerado, ou (superveniência subjectiva) o que justificadamente só foi conhecido por alguém depois desse momento, vale a asserção de superveniência aqui relevante – vale, portanto, como integração positiva da facti species do nº 1 do artigo 651º do CPC – pela constatação da ocorrência da situação revelada pelo documento só posteriormente à decisão recorrida (superveniência objectiva, pressupondo esta a criação posterior do documento) ou pela justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante a sua existência ser anterior ao momento considerado, só teve lugar posteriormente, por razões que se prefigurem como atendíveis, no sentido de serem razões aptas a demonstrar a impossibilidade daquela pessoa (quer o artigo 423º, nº 3 como o artigo 425º, ambos do CPC, falam em “não [ter] sido possível”), num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido conhecimento anterior da existência do documento. Estas razões, todavia – rectius, a atendibilidade delas – pressupõem à partida a respectiva invocação e a prova da não possibilidade (da impossibilidade) de um conhecimento anterior e abrem caminho, quando alegadas, à respectiva indagação.
Note-se que o artigo 651º, nº 1 do CPC também admite, no seu trecho final, a junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento. Pressupõe esta situação, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum[6].

Ora, neste contexto factual e de Direito, a junção do documento junto carece de fundamento legal.
Embora datado de 13 de Maio de 2024, não se vislumbra – nem tal é alegado ou explicado, sequer por tentativa – o porquê de não ter sido junto antes do proferimento da decisão objecto de recurso (datada de 13 de Março de 2024), não sendo possível dizer que tal junção só se tenha revelado necessária por virtude do decidido, por - acompanhando Abrantes Geraldes – ter sido “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”[7].
“Nesta situação muito particular é a própria superveniência da justificação da apresentação do documento que explica, pela sua pertinência e necessidade, que o mesmo venha a ser admitido na fase de recurso, em termos absolutamente excepcionais.
Este preceito legal não visa conceder uma nova oportunidade à parte para suprir a falta de prova documental que poderia e deveria ter sido oportunamente apresentada, e não o foi”.
Dispondo o artigo 651.º, n.º 1, que as “partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”, a junção de documentos em sede de recurso, como também afirmam Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, “só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja interpretação ou aplicação as partes não contavam”[8].
Como se vê, nada disso sucede: a decisão não é surpreendente, mas minimamente expectável, e da sua própria fundamentação não resulta sequer que a junção de tal documentação tivesse alterado o que quer que fosse, sendo que, a ora Recorrente, tinha de ter feito mais para sustentar a sua posição processual, alegando (e provando) os pressupostos que lhe permitissem juntar documentos nesta fase de recurso, carecendo de sentido qualquer segunda oportunidade, em sede de alegações, para complementar probatoriamente as suas eventuais insuficiências anteriores.
Não foi para este tipo de situação que a previsão legal do artigo 425.º (e do 651.º, n.º 1) foi criada!
Assim sendo, a junção do documento junto com as alegações tem de considerar-se extemporânea, impondo-se o seu desentranhamento e devolução à Recorrente.
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Nestas circunstâncias, por extemporaneidade, impertinência e inadmissibilidade legal, nos termos dos artigos 615.º, nº 1, 425.º e 443.º do Código de Processo Civil, não se admite a junção aos autos do documento apresentado com as Alegações de recurso, determinando-se a sua devolução à apresentante Autora-Recorrente, o que implicará a sua condenação em multa (artigo 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais).
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Fundamentação de Facto
O Tribunal considerou provada a seguinte factualidade[9]:
1. O Sindicato ---l, como Autor, em representação de diversos dos seus Associados, entre os quais a Autora, intentou acção de impugnação de despedimento colectivo contra --- – Processo n.º 471/10.7TTCSC, que correu termos no Tribunal do Trabalho de -, sendo Mandatário do Autor, o Dr. J, Advogado, titular da Cédula Profissional n.º -.
2. No âmbito do processo judicial, foi proferida Sentença, em 15 de Dezembro de 2015, a qual determinou a licitude do despedimento de vários trabalhadores e a reintegração de outros, e cujo teor se considera aqui incorporado.
3. A Autora, à semelhança de algumas dezenas de trabalhadores do ---, informou o Dr. J que estava inconformada com a decisão e pretendia a interposição de recurso.
4. Da referida decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
5. Por Despacho da 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Julho de 2016, foi determinado não se conhecer do Recurso por o mesmo ser intempestivo, com fundamento no facto de as referências à prova testemunhal não cumprirem os critérios de impugnação da matéria de facto com recurso à prova gravada, entendendo o Tribunal que, assim, não caberia fazer uso dos 10 dias adicionais que a lei determina para o efeito.
6. Por Acórdão da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, de 09 de Fevereiro de 2017, foi deliberado negar a revista e confirmar o Acórdão recorrido.
7. Na sequência de reclamação para a conferência, por deliberação de 23 de Fevereiro de 2018, foi indeferido o recurso extraordinário de Uniformização de Jurisprudência, por ter sido, o mesmo, considerado extemporâneo.
8. Entre a X, enquanto entidade autorizada para exercer a actividade seguradora em Portugal em regime de livre prestação de serviços, na qualidade de seguradora, e a Ordem dos Advogados, na qualidade de tomador de seguro, foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice n.º ES00013615EO18A.
9. Em 29 de Maio de 2018, foi remetida participação de sinistro à X, através da Corretora de Seguros ---.
10. Em 22 de Abril de 2019, veio a X declinar a responsabilidade.
11. O Réu J representou quase todos os trabalhadores na impugnação do despedimento colectivo da ---, enquanto mandatário do Sindicato -.
12. Apenas dois trabalhadores, L e C, foram representados por outro advogado.
13. A trabalhadora C recorreu da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa.
14. Em 13 de Setembro de 2017, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o qual julgou procedente o recurso da trabalhadora e, em consequência, condenou a --- a reintegrar e indemnizar a trabalhadora.
15. Posteriormente, o Supremo Tribunal de Justiça revogou a decisão da segunda instância.
16. A trabalhadora C era funcionária do bengaleiro do ---.
17. Na sentença recorrida, nenhum dos funcionários do bengaleiro foi reintegrado.
18. A Autora desempenhava as funções de Secretária da Administração.
19. Na acção de impugnação de despedimento colectivo foi peticionada a reintegração da Autora, assim como todas as retribuições que se vencessem, desde a data do despedimento até à reintegração.
20. Consta da fundamentação da decisão, no que à Autora concerne:
“No despedimento da autora M, plasmado nos documentos de fls. 500 a 502 dos autos principais e 200 a 203 do apenso A, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, consta como “motivos de redução” «A Empresa, na sequência de reestruturações que foi fazendo ao longo dos anos que se traduziram em encerramento de diversas estruturas de direcção, ficou com dois secretários de direcção/administração excedentários, o Sr. --- e a Sra. M. Quando em 2002 a empresa --- foi objecto de transformação jurídica e passou a ser uma sociedade gestora de participações sociais, alterando a sua designação para --- SGPS e, por seu lado, para dar continuidade à exploração do ---, assumindo o respectivo estabelecimento, foi criada a ---) S.A. para a qual se transferiram os contratos de trabalho dos dois colaboradores acima referidos bem como os de todos os colaboradores da --- com excepção dos contratos do Auditor Interno, do director dos Serviços Técnicos e dos motoristas dos administradores. A SGPS por força da sua nova estrutura jurídica e do seu objecto social, manteve apenas assim um reduzidíssimo número de trabalhadores nos seus quadros, como já referido, indispensáveis para o seu funcionamento, e de entre as estruturas antes existentes permaneceu na SGPS a Direcção de Serviços Técnicos dirigida pelo Eng. ---, que manteve sob a sua responsabilidade a organização e gestão dos motoristas do grupo. Na prática aquela direcção, que em tempo constituía dentro da organização da --- uma importante organização, passou a dirigir os motoristas, em média 7, bem como a gerir a frota automóvel de todo o grupo. Continuou a ter a seu cargo a gestão dos Armazéns de Alcoitão pertencentes a empresas do Grupo, mas agora desprovidos de actividade própria na ---, ocupados por arrendatários que, entretanto, também já abandonaram as instalações, servindo estas actualmente como mero repositório do arquivo morto das empresas do grupo. Este arquivo também de si obsoleto, foi sendo progressivamente destruído no que respeita aos objectos materiais, e no que respeita à documentação, foi esta progressivamente digitalizada, senda actualmente residual, e para o seu acondicionamento foram criados espaços no edifício do ---, na área administrativa, para onde essa documentação está a ser transferida. Aquela direcção tinha também a seu cargo o apoio na gestão do património imobiliário do Grupo, outrora vasto, composto por prédios e terrenos que, entretanto, foram sendo alienados ou cuja alienação está apenas dependente de aprovação camarária eminente, como é o caso do antigo Hotel --- e dos armazéns de Alcoitão, já prometidos vender. Esta Direcção não tinha qualquer intervenção sobre os edifícios dos ---. A direcção dos serviços técnicos passou então a ser constituída pelo director e por um secretário, Sr. --- que, na sequência da sua passagem para a ---, passou a estar cedido à SGPS pela ---, permanecendo nos quadros de pessoal desta última empresa. Em Agosto de 2007, na sequência de limitação progressiva da actividade do Sr. ---, secretário do Eng. ---, e uma vez que a D. M se encontrava desocupada, por ter sido extinta a Direcção de Projectos e Obras e perante a impossibilidade de lhe atribuir funções de forma permanente, por inexistirem vagas, ou, nos casos em que existiram por se ter recusado a aceitar diversas propostas de recolocação — por alegar não ser compatível com a sua categoria profissional (foi o caso da vaga na Direcção de Relações Exteriores em 2004), ou por não pretender praticar o horário inerente a tais vagas (casos das vagas de secretária na Direcção de Jogos em 2004) —, bem como propostas de rescisão por mútuo acordo, que lhe foram sendo sucessivamente apresentadas, foi esta colocada a secretariar o Eng. …, em regime de cedência, mantendo o seu vinculo laboral para com a ---. Após o regresso do Sr ---, tendo-lhe sido apresentadas novas propostas de transferência e de rescisão, ambas recusadas, manteve-se a D. M no exercício destas últimas funções, embora passassem a ser substancialmente redundantes dado o regresso daquele colaborador. Ao longo dos anos, a Direcção de Serviços Técnicos esta Direcção, como já se referiu, sofreu uma profunda transformação com a consequente redução das diversas actividades que lhe estavam afectas, pelos motivos que a seguir se explicitam: O volume de trabalho realizado no armazém decresceu de forma radical por consequência da externalização progressiva dos trabalhos de oficina que ali se realizavam (carpintaria, pintura e mecânica) sendo que, actualmente, nenhum trabalho é ali executado bem como todo o seu recheio tem vindo a ser objecto de destruição ou doação, por se encontrar obsoleto; O apoio na gestão do património imobiliário foi drasticamente reduzido, com a alienação progressiva das diversas instalações que eram propriedade do Grupo --- sendo que presentemente, para além dos --- — que se encontram em plena operação, apenas subsiste o Armazém de Alcoitão que será entretanto alienado; A transformação dos processos de arquivo, designadamente os sistemas de digitalização de documentos, permitiram a redução dos arquivos físicos ao mínimo indispensável, eliminando a necessidade de dispor de um espaço físico que albergasse as respectivas pastas de arquivo. Concretamente, nesta altura, o arquivo físico que é necessário manter por motivos legais reduziu radicalmente o respectivo volume o que permite que aquele esteja a ser conservado nos escritórios onde funcionam as áreas de “back office”; A actividade de gestão da frota de automóveis do grupo sofreu nos últimos anos alterações substanciais profundas, passando de frota de automóveis próprios, para contratos de leasing e actualmente sob a forma de aluguer operacional, cabendo à empresa locadora fazer toda a gestão da frota, as revisões, reparações, substituições de viaturas, operações relacionadas com o abastecimento de combustíveis, reduzindo-se a actividade da Direcção dos Serviços Técnicos ao mero acompanhamento à renovação do parque existente. Face a este enquadramento, a --- decidiu extinguir a Direcção de Serviços Técnicos, por estar praticamente esvaziada de funções, estando a decorrer negociações com o Director com vista à rescisão do seu contrato de trabalho, tornando-se, consequentemente, desnecessário o exercício das funções de secretário. Como consequência desta decisão da ---, deixou de se justificar a cedência dos dois secretários de direcção ao abrigo da qual vinham desenvolvendo a sua actividade na Direcção de Serviços Técnicos da ---, motivo pelo qual a Empresa e a --- puseram fim às cedências no passado dia 28 de Dezembro de 2009, tendo nesse mesmo dia comunicado aos 2 trabalhadores. A Empresa, por não dispor de postos de trabalho vagos adequados às funções de secretário dispensou, com início no próprio dia 28 de Dezembro, a secretária M e, com efeitos a partir do dia 01 de Janeiro de 2010, o secretário ---, de comparência na Empresa, sem perda de retribuição, situação que se manterá até à data da cessação dos respectivos contratos no âmbito do presente processo de despedimento colectivo.”
21. A Autora, à data do despedimento, auferia o vencimento mensal ilíquido de € 1.307, acrescido de subsídio de alimentação no valor de € 138,40, da quantia de € 326,75, a título de isenção de horário de trabalho, e de € 76,40 de prémio de línguas.
22. O referido contrato de seguro teve início às 00H00 de dia 01.01.2018 e termo às 00H00 de dia 01.01.2019, tendo sido renovado para os períodos de seguro seguintes correspondentes aos anos civis de 2019, 2020 e 2021.
23. Por via do referido contrato de seguro, a X assumiu, perante o Tomador de Seguro (Ordem dos Advogados), nos termos definidos nas condições particulares do contrato, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da actividade de advocacia desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor).
24. Garantindo, até ao limite de capital seguro e nos termos previstos nas condições particulares da apólice, o pagamento de indemnizações pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente, responder no desempenho da actividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados – cfr. artigo 2.º, n.º 1 das condições especiais do contrato.
25. O limite indemnizatório máximo contratado para o período de vigência/ “período seguro” foi fixado em € 150.000, prevendo-se a aplicação de uma franquia contratual, a cargo dos segurados, cujo valor ascenderá à quantia de € 5.000 por sinistro – cfr. cláusula 9.ª das condições particulares da apólice.
26. A X foi citada para a presente acção em 05/05/2022.
27. Nos termos previstos na alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais do contrato de seguro “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações:
a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação.”
28. O contrato de seguro de grupo de responsabilidade civil profissional celebrado com a Seguradora X tem natureza “claims made”, correspondendo a data do sinistro à data da primeira reclamação.

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Entendendo que a restante matéria constitui factualidade de cariz instrumental, conclusiva ou de Direito o Tribunal considerou Não Provados os seguintes factos com relevância para a decisão proferida:
a) com o não conhecimento do recurso, a Autora viu-se privada de ser reintegrada profissionalmente;
b) em mais de 100 trabalhadores despedidos, muitos poderiam ser os trabalhadores a verem proceder o recurso, “com todas as consequências legais daí resultantes”, como é o caso da Autora;
c) de todos os funcionários da ---, M era uma das secretárias de administração com mais anos de experiência, daqui resultando, “per si” que não deveria ter sido incluída na lista de excedentários;
d) a Autora teve sempre um comportamento exemplar, não tendo averbada qualquer sanção disciplinar;
e) a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente a prova testemunhal, assim como a extensa prova documental permitiriam, com elevado grau de probabilidade, provar que a Autora nunca deveria ter sido abrangida pelo referido despedimento coletivo;
f) a Autora não reúne os critérios legalmente exigíveis para o despedimento colectivo;
g) a Autora é uma das funcionárias mais antigas;
h) as funções exercidas pela Autora continuaram a ser exercidas por outros funcionários;
i) o Réu J teve consciência da possibilidade de a sua atuação ser geradora de responsabilidade civil em momento anterior a 01/01/2018.
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Apreciação da Matéria de Facto
O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
Neste momento processual releva ainda o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que começa por afirmar que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”[10].
Como, aliás, assinala o Conselheiro Tomé Gomes no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Setembro de 2017 (Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1) é “hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”.

Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[11], nos termos do artigo 640.º, n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de:
1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a);
2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c).
Está aqui em causa, como sublinha com pertinência Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[12], sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade[13], sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)”[14].
Como pano de fundo da apreciação a fazer dos factos que estejam em causa, também a circunstância de não se proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação “não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)” (Acórdãos da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1 - Maria João Matos[15] e da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2019, Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2 - Carlos Castelo Branco).
Assim, caberá ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e que “o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta”, pelo que “o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância[16] (sublinhado e carregado nossos).
Ana Luísa Geraldes sublinha mesmo que, em “caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte»[17].
O Tribunal da Relação deve usar aquilo a que Miguel Teixeira de Sousa chama de “um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação”[18].
Verificadas as Alegações e Conclusões do Recorrente importa começar por verificar se existe mesmo uma verdadeira impugnação dos factos e se se mostra correctamente efectuada.
Compulsadas as ditas Alegações da Autora-Recorrente salta a vista que esta reproduz a sua insatisfação com o decidido pelo Tribunal a quo, mas ignora olimpicamente as exigências acima transcritas decorrentes do artigo 640.º, n.º 1.

De facto, as suas longas Alegações e não menos longas Conclusões (55 páginas espraiadas entre 139 artigos e 106 conclusões), correspondem a uma confusa amálgama de divergência sobre a apreciação dos factos e do Direito, mas sem respeitar as aludidas exigências.
A Recorrente - em momento algum - cumpre os ónus que se lhe impunham para impugnar de forma adequada e processualmente relevante qualquer dos factos considerados provados e não provados na Sentença proferida pelo Tribunal a quo (in casu, os Factos não provados A, C, D, F, H e I), uma vez que se limita-se a discordar, fazer comentários, tecer considerações, apresentar narrativas, misturar apreciação de factos, com a apreciação de Direito, sem ter o cuidado - que se lhe exigia – não só identificar expressamente os pontos de factos que impugna, mas de explicar porquê e baseada em quê e reportados a quê.
E era o mínimo que se lhe exigiria: o legislador pretende a já assinalada responsabilização das partes e faz exigências processuais sérias, para evitar que os recursos se tornem comentários, desabafos ou “achismos” sobre a prova produzida: como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Março de 2018 (Processo n.º 290/12.6TCFUN.L1.S1-Tomé Gomes), a “natureza e estrutura da decisão de facto, bem como a economia da sua sindicância pelo tribunal ad quem, justificam o ónus, por banda do impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso e o sentido da pretensão recursória nesse particular”, sendo que, “os requisitos formais de admissibilidade da impugnação da decisão de facto, mormente os constantes do artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC, têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objeto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso”.
A Autora não faz uma individualização por facto concreto, nem faz uma análise crítica perante essa individualização.
Convém, aliás, lembrar, que em face do n.º 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, quando “os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. O que, não sendo feito, implica a imediata rejeição do recurso.
Certo que a Autora faz duas transcrições (de um depoimento de parte e de uma testemunha), mas nem os reporta expressamente a qualquer facto, nem à análise crítica feita pelo Tribunal a quo.
O normativo do artigo 640.º é claro e é assim que tem vindo a ser interpretado também pelo Supremo Tribunal de Justiça, como por exemplo:
- no Acórdão de 10 de Dezembro de 2020 (Processo n.º 3782/18.0T8VCT.G1 - Manuel Capelo): “Não cumpre o ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto previsto no art.º 640 nº2 .al. a) do CPC o recorrente que, para lá de indicar os concretos pontos daquela decisão que considera incorretamente julgados e apontar que resposta deveria ter sido dada se limita a alegar que a sua discordância decorre, para lá dos documentos que enumera, também dos depoimentos e testemunhos que indica apenas nos seus nomes remetendo para a totalidade dos mesmos sem qualquer indicação das partes ou das expressões que nesses depoimentos considera decisivas para se proceder à alteração da decisão da matéria de facto”;
- no Acórdão de 05 de Setembro de 2018 (Processo n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2 - Gonçalves Rocha), onde expressamente se afirmou que a “alínea b), do nº 1, do art.º 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos” e se concluiu que não “cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em vários blocos de factos e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”;
- nos Acórdãos de 06 de Novembro de 2019 (Processo n.º 1092/08.0TTBRG.G1.S1) e 20 de Fevereiro de 2019 (Processo n.º 1338/15.8T8.PNF.P1.S1) - ambos relatados pelo Juiz Conselheiro Chambel Mourisco - onde se voltou a assumir que não “cumprem o ónus imposto pelo art.º 640.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil os recorrentes que não concretizaram, por referência a cada um dos mencionados factos que impugnaram, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância, não indicando também a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre a matéria de facto, relativamente a determinados factos impugnados”.
O mesmo entendimento tem sido assumido nos Tribunais da Relação, como sucede, por exemplo:
- no Acórdão da Relação do Porto de 04 de Novembro de 2011 (Processo n.º 3319/17.8T8PRT.P1 - Jerónimo Freitas): o “recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas”;
- no Acórdão da Relação de Guimarães de 22 de Outubro de 2020 (Processo n.º 5397/18.3T8BRG.G1 - Maria João Matos): o “ónus de impugnação previsto no art.º 640º, nº 1, al. b) do C.P.C. exige que o recorrente: especifique os meios probatórios que determinariam decisão diversa da tomada em primeira Instância para cada um dos factos que pretende impugnar, não sendo suficiente a genérica indicação dos ditos meios de prova (isto é, desacompanhada do reporte a cada um dos facto sindicados, e antes oferecida para a totalidade da matéria de facto sob recurso); a decisão que deve ser proferida sobre cada um dos factos impugnados, esclarecendo sobre o seu exacto teor (isto é, a exacta redacção que pretende para cada um deles); e a indicação das passagens da gravação em que funda a sua sindicância, de novo para cada um dos depoimentos em causa” e a “falta de cumprimento do ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1 do CPC implica a rejeição imediata do recurso na parte afectada, uma vez que a lei não prevê a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento dirigido à parte incumpridora”;
- no Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Setembro de 2023 (Processo N.º 18829/21.4T8SNT.L1 - Edgar Taborda Lopes[19]): ao “Recorrente cabe o ónus de concretizar qual(ais) a(s) concreta(s) passagem(ens) dos depoimentos gravados, que – em seu entender – imporiam decisão diversa relativamente a cada facto provado e não provado que pretende colocar em causa”, sendo que, o “incumprimento desse ónus impõe a rejeição da impugnação, uma vez que a lei não prevê a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento dirigido à parte incumpridora” e que não “se cumpre tal ónus quando um/a Recorrente indica os factos que considera incorrectamente julgados, mas remete para a transcrição de um depoimento sem indicar as partes ou as expressões que nesses depoimentos considera decisivas para se proceder à alteração desses concretos factos, nem fazendo essa indicação individualizadamente para cada um deles”.
A lei impõe a quem recorre específicos ónus de impugnação da decisão de facto, que tem de ser individualizada, para permitir que não tenha a parte contrária e, posteriormente o Tribunal superior, de andar a tentar adivinhar que concretos factos são impugnados, com base em quê e em que é que a concreta fundamentação do Tribunal para esses mesmos factos falha[20].
Como se diz de forma linear no Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Setembro de 2017 (Processo n.º 3310/11.8TBALM.L1-7 - Luís Filipe Pires de Sousa), cabe “ao apelante actuar numa dupla vertente:  
(i) rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo,
(ii) tentando demonstrar que a prova produzida inculca outra versão dos factos.
Assim, não chega sinalizar a existência de meios de prova em sentido divergente, cabendo ao apelante aduzir argumentos no sentido de infirmar directamente os termos do raciocínio probatório adoptado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente. Em suma, não observa o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida o apelante que se abstém de desconstruir a apreciação crítica da prova feita pelo tribunal a quo, limitando-se a assinalar que existem meios de prova em sentido diverso do aceite como prevalecente pelo tribunal a quo; ou o apelante que sustenta apenas que o tribunal a quo faz uma incorreta valoração da prova produzida”.

Repare-se, por outro lado, que não só existe prova gravada, como o Tribunal a quo produziu uma fundamentação que, embora sumária, é clara e congruente:
“A decisão do Tribunal quanto à matéria de facto teve por base a análise conjugada e crítica da prova produzida, nomeadamente os documentos juntos aos autos (despacho do Tribunal da Relação de Lisboa referente ao não conhecimento do recurso; decisões do STJ e decisão da 1ª instância) e os depoimentos das testemunhas ouvidas, a saber:
- N, que deu conta de ter sido colega de trabalho da Autora, trabalhando no --- há 26 anos, como chefe da equipa de manutenção e fazendo parte da Comissão de Trabalhadores do --- desde 2012; disse que acompanhou o processo já na fase de julgamento e que a sentença da 1ª instância foi “explicada” pelo Réu J numa “reunião”, que foi também quem lhes disse, depois, que o recurso para a Relação não foi aceite; questionado sobre se foi falado em reunião sobre o Seguro, o mesmo disse não ter a certeza disso;
- S, filha da Autora, disse que a mãe andava “muito chateada” e que se sentia injustiçada porque “havia pessoas com menos antiguidade”, esclarecendo que tudo o que sabe foi a mãe que lhe disse;
- L, representante do Sindicato…, desde 2018, que deu conta de, a partir de 2014, ter acompanhado o pagamento das indemnizações aos trabalhadores, esclarecendo que houve uma reunião com o Dr. J, em 2018, para entregar os cheques aos trabalhadores.
Do depoimento do Réu J resultou apenas esclarecido que tinha procuração do Sindicato e dos trabalhadores, individualmente, que representava, apesar de ter sido o Sindicato quem pagou os seus honorários; disse ainda que não “avisou” a Companhia de Seguros porque não prefigurou esta situação.
Quanto à matéria de facto não provada, o Tribunal assim a considerou porquanto não foi feita prova suficiente”.
É para permitir verificar se o Tribunal a quo errou que a  lei processual civil faz todas as aludidas exigências quanto à impugnação da decisão de facto, com vista a permitir a sua reapreciação séria, porque, como se assinala no Acórdão da Relação de Lisboa de 06 de Julho de 2023 (Processo n.º 489/21.4T8TVD.L1-2 - Carlos Castelo Branco) “a função da Relação não é a de realizar um novo julgamento de facto: “Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo; Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-11-2017, Processo 1426/15.0T8BGC-A.G1, relator ANTÓNIO JOSÉ SAÚDE BARROCA PENHA)”.

A Autora-Recorrente, de uma forma algo displicente[21] e fazendo tábua rasa das exigências legais faz umas Alegações e produz umas Conclusões como se o artigo 640.º não existisse, o que é tanto mais paradoxal quando está em causa no processo uma situação em que era o cumprimento dos requisitos do artigo 640.º que relevava.
Não individualizando por facto concreto, nem fazendo a análise crítica perante essa individualização, nem reportando as transcrições que faz a tal(is) facto(s) ou análise crítica, só podemos concluir que inexiste uma verdadeira impugnação de qualquer facto, por não terem sido minimamente respeitadas as exigências do artigo 640.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) (o que se impõe decidir, uma vez que a lei não prevê a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento dirigido à parte incumpridora[22]).
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Fundamentação de Direito
A bem estruturada Sentença sob recurso assenta o decidido no seguinte processo de raciocínio:
I – A Autora intentou a presente ação com fundamento na falta de cumprimento por parte do Réu dos serviços de advocacia que lhe foram solicitados.
II - O mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta de outra (artigo 1157.º do Código Civil).
III - O mandato judicial não se distingue dos demais contratos de mandato a não ser pelo seu objecto e pelas pessoas que o podem exercer.
IV - Entre as obrigações do mandatário constam a de praticar os atos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante, e comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu (artigo 1161.º).
V – A Autora contratou com o Réu para a representar no âmbito de uma ação de impugnação de despedimento colectivo.
VI - O Réu, no exercício da sua actividade profissional, foi mandatado, através de procuração, para representar a Autora naqueles autos.
VII - É dever do advogado para com o seu cliente (artigo 95.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto da Ordem dos Advogados) estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.
VIII - O mandatário, nas suas relações com o mandante, pode incorrer em responsabilidade civil se violar os deveres de diligente patrocínio e com isso causar danos.
IX - A ilicitude da conduta do advogado – “que tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas” (artigo 92.º, n.º 2, do EOA) -, seja por ação ou omissão, decorrerá normalmente da violação desses deveres deontológicos.
X - É dever do advogado para com o seu cliente (artigo 95.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Estatuto da Ordem dos Advogados): dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas; Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade.
XI - Face ao mandato que lhe fora conferido pela Autora, impunha-se ao Réu ter apresentado recurso da decisão proferida em 1.ª instância dentro do prazo legal para o efeito e, pretendendo a reapreciação da matéria de facto, cumprir o ónus de especificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, acto que omitiu e levou a que o recurso não fosse conhecido por intempestivo, já que não beneficiou do prazo acrescido de 10 dias, concluindo-se pelo incumprimento dos deveres do mandato.
XII - Não obstante, relativamente ao resultado pretendido pela Autora com a apreciação do recurso, não é possível chegar à conclusão de que havia “fundamentadas expectativas de receber uma indemnização e de vir a ser reintegrada”, não sendo possível chegar à conclusão de que, apresentado tempestivamente o recurso, com probabilidade, a ora Autora obteria ganho de causa, faltando o nexo de causalidade entre a intempestividade do ato e a alegada verificação de dano.
XIII - Os argumentos da Autora não iam além do que foi alegado por todos os trabalhadores: a falta de negociação da reestruturação e a não auscultação da Comissão de Trabalhadores.
XIV – A questão da “injustiça” no critério de seleção dos trabalhadores despedidos, conforme expressamente feito constar do relatório da sentença, não tinha alicerce legal, sendo certo que, curiosamente, a alegação feita nestes autos foi a de que a antiguidade da Autora seria um critério a seu favor e naqueles autos foi alegado que havia outras secretárias, mas antigas!
XV - Contrariamente ao alegado (de forma, de resto, conclusiva), não resultou demonstrado que caso tivesse sido aceite o recurso e reapreciada a matéria de facto seria demonstrada a “ilicitude” do despedimento no que respeita à Autora.
XVI - Apenas se poderia aplicar o conceito de "perda de chance", na medida em que, sendo impossível afirmar que a Autora seria reintegrada e receberia os salários que se teriam vencido desde a data do despedimento com base na pretendida reapreciação da prova (que, de resto, não se sabe qual ou quais os factos faria “alterar”), aquilo que poderia ser indemnizado é a ausência da possibilidade de a Autora ter visto a sua pretensão apreciada, mas desde que isso se traduzisse num dano efectivo.
XVII - Conforme se escreve no Acórdão do STJ de 16-12-2020 (Processo n.º 17592/16.5T8SNT.L1.S1), a “perda de chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, para se traduzir num dano autónomo, efetivo, tem que ter “consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados em cada caso concreto”.
XVIII - Sobre esse conceito, o Acórdão do STJ de 22/10/2009 escreve:
“À perda de chance, dedica pormenorizado estudo Júlio Gomes (Direito e Justiça, vol. XIX, 2005, II), escrevendo, em estilo de conclusão, que: “Afigura-se-nos, pois, que a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória… Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção de causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito… Admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no Direito português vigente: referimo-nos a situações pontuais, tais como a situação em que ocorre a perda dum bilhete de lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado dum concurso ou de uma fase posterior dum concurso. Trata-se de situações em que a chance já se “densificou” o suficiente para, sem se cair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de “uma quase propriedade”, um “bem”. Também Rute Pedro (A Responsabilidade Civil do Médico, 179 e ss.) dedica pormenorizado estudo a esta figura, afirmando, a dado passo, que: “A perda de chance, enquanto tal, está ausente do nosso direito. Em Portugal, poucos são os Autores que se referem à noção de perda de chance e, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida. Pode, também, entender-se que paira nas entrelinhas de decisões judiciais portuguesas, estando subjacente a algumas delas em que os tribunais expendem um raciocínio semelhante ao que subjaz a esta teoria, sem, no entanto, se lhe referirem” (p. 232). E, mais adiante: “Também são especialmente pertinentes, a este propósito, as decisões relativas a casos de responsabilidade civil em que se inclui no montante reparatório aquilo que o lesado poderia vir a ganhar quando completasse a formação universitária que frequenta no momento em que se produziu a lesão.”. Paulo Mota Pinto em Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, 1103 nota de pé de página, debruça-se sobre a figura, referindo que: “… Não parece que exista já hoje entre nós base jurídico-positiva para apoiar a indemnização de perda de chances… Antes parece mais fácil percorrer o caminho da inversão do ónus, ou da facilitação da prova, da causalidade e do dano, com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do artigo 494º do Código Civil, do que fundamentar a aceitação da “perda de chance” como tipo autónomo da dano, por criação autónoma do direito para a qual faltam apoios…”. Escrevendo Carneiro de Frada (Direito Civil, Responsabilidade Civil, Método do Caso, 103) que: “Um outro exemplo dá-o o dano conhecido por “perda de chance” praticamente por desbravar entre nós. Entre as suas áreas de relevância encontra-se a da responsabilidade médica: Se o atraso de um diagnóstico diminuiu em 40% as possibilidades de cura do doente, quid juris? Já fora deste âmbito, como resolver também o caso da exclusão de um sujeito a um concurso, privando-o da hipótese de o ganhar?... Uma das formas de resolver este género de problemas é a de considerar a perda de oportunidade um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano final (apenas hipotético, v.g. da ausência de cura, da perda do concurso, do malograr das negociações por outros motivos), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente. Mas então tem de se considerar que a mera possibilidade de uma pessoa se curar, apresentar-se a um concurso ou negociar um contrato consubstancia um bem jurídico tutelável. Se no plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes (que erigiram essa “chance” a bem jurídico protegido pelo contrato), no campo delitual esse caminho é bem mais difícil de trilhar: a primeira alternativa do artigo 483º, nº 1, não dá espaço e, fora desse contexto, tudo depende da possibilidade de individualizar a violação de uma norma cujo escopo seja precisamente a salvaguarda de uma chance. Ainda assim, surgem problemas, agora na quantificação do dano, para o qual um juízo de probabilidade se afigura indispensável. Derradeiramente, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (cfr. o artigo 566º, nº 3).”. Escreve Armando Braga, estribando-se em doutrina italiana e francesa (A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual, 125): “O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente. Este dano consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura. Considera-se que a chance de obter um acréscimo patrimonial é um bem jurídico digno de tutela. A vantagem em causa que poderia surgir no futuro, deve ser aferida em termos de probabilidade. O dano da perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado. O dano da perda da chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida. É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.”
XIX- O Acórdão conclui que a perda de chance em sentido jurídico não releva entre nós, por contrariar o princípio da certeza dos danos e as regras da causalidade adequada, não se justificando mesmo, em qualquer caso, face à nossa lei, a redução indemnizatória acolhida noutros países, nem a inversão do ónus de prova; porém, no âmbito factual, nada impede que, se a prova o justificar, o juiz ficcione e fixe categoricamente os factos relativos ao resultado da chance, desde que no processo existam elementos para tal.
XX – O Réu não estava obrigado a conseguir como resultado a reintegração da Autora e não é possível afirmar que essa reintegração era certa, segura, inequívoca (dadas as normais vicissitudes das acções judiciais, as incertezas e o risco advenientes da produção da prova), sendo certo que os presentes autos outro, não contêm os autos elementos suficientes que permitam sequer concluir-se que da sentença proferida, nos termos em que o foi, advieram directamente para a ora Autora prejuízos (e esta foi indemnizada com a quantia de € 28.567,29).
XXI - Relativamente aos danos morais, o facto de alguém se ver envolvido num processo judicial, seja em que condição for, é, por si só, naturalmente, gerador de ansiedade, assumindo o advogado um papel importante também na gestão dessa realidade, sendo nele depositada confiança para tal e sendo seu dever realizar os actos para os quais a parte é notificada.
XXI - Nesta sede, todavia, o Réu não actuou com culpa. O Réu desde logo informou da decisão de não admissão do recurso por intempestividade e não deixou de tentar “reverter” essa decisão pelos meios de que dispunha.
XXII - A presente acção não visa penalizar o Réu mas sim e apenas ressarcir a Autora dos eventuais danos que haja sofrido.
XXIII - Os elementos constantes dos autos não permitem chegar à conclusão de que a Autora sofreu os danos peticionados e muito menos que, a existirem, tivessem decorrido de uma conduta do Réu, o que impõe a improcedência da acção, ficando prejudicado o conhecimento das exceções peremptórias invocadas.
«:»
Raciocínio claro, escorreito, pragmático e sem “ruído”, estando juridicamente bem fundamentado.
Resta saber se também com razão.
A Recorrente entende que não e considera que deveria ser indemnizada, nomeadamente com recurso à figura da perda de chance.

Não assiste qualquer razão à Autora-Recorrente, a qual, de alguma forma, efabula não apenas o que poderia obter com a acção de impugnação do despedimento, mas mesmo com a presente, em face da forma como a configura (nomeadamente em termos factuais).

Convém, desde logo, ter presente que há alguma simplificação na indicação de que o advogado da Autora no processo de impugnação do despedimento (o ora Réu J), não apresentou recurso da decisão de 1.ª instância ou que o apresentou fora de prazo. Não.
O recurso foi interposto dentro do prazo invocado pela parte, ao nele se impugnar a matéria de facto e haver prova gravada (utilizando os 10 dias acrescidos que a lei processual permite), sendo que, o Tribunal da Relação veio apenas a entender que não foram cumpridos os ónus impostos pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil e, daí, tirou como consequência que tal retirava a possibilidade de utilização dos aludidos 10 dias, assim tornando o recurso extemporâneo (e que, mesmo assim, o ilustre advogado em causa ainda procurou reverter essa situação).
Acresce que a solução dada a esta questão, nem sequer é líquida (não no que respeita ao incumprimento do dos ónus do artigo 640.º), uma vez que, o próprio Supremo Tribunal de Justiça, tem entendido que na “avaliação da tempestividade de um recurso, tendo sido feito uso do alargamento do prazo previsto no art.º 638º, nº 7, do CPC, há que verificar se faz parte do objecto desse recurso a reapreciação de prova gravada, o que é independente da observância dos ditames do art.º 640º do CPC” (Acórdão de 14 de Setembro de 2021, Processo n.º 18853/17.1T8PRT.P1.S1 - Tibério Silva) e que a “prorrogação de prazo de interposição do recurso contemplada pelo n.º 7 do art.º 638º, tendo em conta o efeito cominatório previsto no art.º 139º, 3 (extemporaneidade do direito de impugnação recursiva) e aplicado na decisão de indeferimento tomada ao abrigo do art.º 641º, 2, a), sempre do CPC, depende, por um lado, de o objecto do recurso (delimitado nas conclusões) integrar a impugnação expressa da decisão sobre a matéria de facto, e, por outro lado, tal impugnação ser sustentada, no todo ou em parte, na reanálise de prova assente em depoimentos objecto de gravação” (Acórdão de 01 de Março de 2023, Processo n.º 421/17.0T8BGC-M.P1.S1-Ricardo Costa).
Só esta circunstância retiraria o caráter de ilícita, ou de grave, ou de culposa, à conduta do Réu (repete-se, não no que concerne ao incumprimento dos ónus do artigo 640.º, mas não é essa a questão), mas a isto acresce que a ora Autora nem alegou o que devia e muito menos o provou: nada permitia concluir que o desfecho da acção em causa lhe viesse a ser favorável e muito menos que viesse a ser reintegrada.
 Não estão claras as circunstâncias de facto e de direito que permitiriam a procedência da referida acção (e sempre haveria duas fases a superar, a dos factos e da relevância que pudessem ter na decisão final, e a do Direito, com uma argumentação tão forte que tornasse provável que lhe fosse dada razão).
E, como é evidente, não ajuda à posição da Autora, a circunstância de nenhum dos casos relativos a este despedimento colectivo ter tido sucesso (mesmo o que mereceu provimento na Relação – sendo certo que não resulta sequer provado que a situação factual das respectivas Autoras fosse semelhante – foi, a final, julgado improcedente no Supremo Tribunal de Justiça). Este não seria um argumento decisivo, mas é um argumento que – em abstracto, poderia funcionar a seu favor.
A indemnização por perda de chance (que vem bem analisada na Sentença de 1.ª Instância), não é nem um mero exercício especulativo, nem resulta da existência de um qualquer erro de um/a advogado/a, sem mais, e - muito menos - de uma simples análise de Direito (que é a que necessariamente se faz em todos dos processos judiciais, com o risco inerente que portam).
Teria de haver uma consistência factual no processo, que permitisse inferir minimamente que a ora Autora poderia ganhar a acção.
A este propósito, vale  a pena chamar a atenção para o que se escreve no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 2/2022[23] de 05 de Julho de 2021 (Processo n.º 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A - Barateiro Martins), onde se concluiu que o “dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.
E é nesse aresto que se assinala com clareza que a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, implica sempre a apreciação da “consistência concreta da oportunidade ou "chance" processual que foi comprometida”, a qual “tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em "dano certo" e sem este não pode haver indemnização.
Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental - o (…) chamado "julgamento dentro do julgamento" - a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance "consistente e séria") e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo.
Apreciação/decisão hipotética em que, sendo assim, se procurará, num juízo de prognose póstuma, reconstituir, para efeitos da possível indemnização do dano da perda de chance, o desenrolar e a decisão que o processo (onde foi cometida a falta do mandatário) teria tido - na perspetiva do tribunal que o teria que decidir - sem tal falta do mandatário, com o que, concluindo-se que o processo teria tido uma suficiente (no referido limiar mínimo) probabilidade de sucesso, se estará também a concluir ter sido o evento lesivo conditio sine qua non (requisito mínimo da causalidade jurídica) do dano.
Apreciação/decisão hipotética que acabará também por relevar para o quantum indemnizatório, uma vez que a indemnização deve corresponder ao valor da chance perdida e este valor será o reflexo do grau de probabilidade da perda de chance em relação à vantagem que se procurava e se perdeu em definitivo”.
E, acrescenta-se, “visando-se com tal apuramento estabelecer o preenchimento de requisitos da responsabilidade civil (dano e nexo causal), estão em causa (no subsequente processo, em que se pede a indemnização pelo dano da perda de chance) elementos/factos constitutivos do direito indemnizatório invocado pelo lesado/mandante, sendo este - face ao encargo que o ónus da prova, quando aos requisitos da responsabilidade civil, lhe coloca (cf. 342.º/1 do C. Civil) - que terá que fornecer os elementos que irão permitir apurar qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometida a falta do advogado (ou seja, os factos que irão permitir apurar que o processo comprometido tinha uma suficiente, no referido limiar mínimo, probabilidade de sucesso ou, dito por outras palavras, que a chance perdida era consistente e séria).
Não se ignora que tal apuramento - tal "julgamento dentro do julgamento" - nem sempre será fácil, havendo casos em que, traduzindo-se (…) a falta do mandatário na não interposição de recurso de apelação, poderá ser relativamente acessível averiguar, com elevada probabilidade, o desfecho que o processo teria tido sem tal falta do mandatário; e havendo casos em que, traduzindo-se (…) a falta na não apresentação tempestiva do requerimento probatório, será bem menos acessível estabelecer o desfecho que o processo (dependente de prova que não foi produzida) teria tido sem a falta do advogado.
Tanto mais que, repete-se, no incidental "julgamento dentro do julgamento", como juízo de prognose póstuma que é, o que se pretende alcançar é a prova da decisão hipotética que o processo teria tido sem a falta do mandatário (tendo em vista reconstruir a situação hipotética que, sem tal falta, existiria), ou seja, o tribunal da ação de indemnização deve adotar a perspetiva do tribunal que teria que decidir o processo e não exatamente o seu prisma de decisão (…), uma vez que, insiste-se, o que está verdadeiramente em causa, em termos de configuração jurídica, é a reconstituição do curso hipotético dos acontecimentos sem o evento/facto lesivo (reconstituição de que a decisão hipotética do processo, na perspetiva do tribunal que teria decidido o processo, é instrumental) (…).
Não sendo isto iludível (a dificuldade em averiguar, em certos casos, a decisão hipotética), o certo é que o respeito pelas regras e princípios que regem a responsabilidade civil - a certeza do dano, a doutrina da causalidade adequada, a função essencialmente reparatória/ressarcitória da responsabilidade civil e a proibição do enriquecimento sem causa do lesado - não podem ser afastados, ainda que tal obste a uma responsabilidade generalizada das perdas de chance processual.
A violação de deveres específicos - voluntária e contratualmente assumidos - dos mandatários forenses, com o argumento da intrínseca incerteza relativa do desfecho dum processo judicial, não pode passar sempre incólume, mas a sua responsabilização tem que respeitar, sem voluntarismos, a segurança jurídica e ser rodeada dos necessários cuidados, não podendo prescindir, como se referiu, da imposição ao lesado do ónus de provar - seja fácil ou difícil - a verificação do dano (a consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), a suficiente probabilidade (no referido limiar mínimo) de obtenção de ganho de causa no processo em que foi cometida a falta pelo mandatário forense[24].
É ainda relevante assinalar para a apreciação dos presentes autos, algumas das considerações produzidas pela Juíza Conselheira Ana Paula Boularot no seu voto de vencido no aludido AUJ n.º 2/2022, quando escreveu que no caso de perda de chances processuais, “a primeira questão está em saber se o hipotético sucesso do desfecho processual, decorrente do recurso que o 1.º R. deixou de interpor, assume um padrão de consistência e de seriedade que, face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução, se revela suficientemente provável para o reconhecimento do dano.
Para tanto, importa fazer o chamado "julgamento dentro do julgamento", não propriamente no sentido da solução jurídica que pudesse ser adotada pelo tribunal da presente ação sobre a matéria da causa em que ocorreu a falta, mas sim pelo que possa ser considerado como altamente provável que o tribunal da ação em que a defesa ficou prejudicada viesse a decidir. [...]
Porém, este «juízo dentro do juízo» é, de facto, essencial, quer na determinação da existência de uma "chance" séria de vitória no processo, quer, posteriormente, na fixação do "quantum" indemnizatório correspondente.
Assim, o curso dos acontecimentos que é preciso conjecturar para averiguar se houve ou não nexo causal é o desenrolar do processo judicial que não chegou a começar, que não foi contestado, onde não foi apresentado o requerimento probatório ou relativamente ao qual não foi interposto recurso, enquanto que o grau de probabilidade de o lesante ter sido o causador do dano é o grau de probabilidade da referida acção, contestação, produção de prova ou recurso.
Importa, por seu turno, saber se o juiz está, nestes casos, obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no primeiro processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando se o grau de probabilidade de vitória naquele deve ser realizado, segundo o ponto de vista do juiz da acção de responsabilidade civil movida contra o advogado, ou se passa por averiguar como, presumivelmente, tal teria sido decidido pelo juiz da acção falhada ou omitida, através da reconstrução de um processo imaginário.
Considerando que a oportunidade perdida deve ser avaliada, o mais possível, com referência ao caso concreto, o juiz está obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo, segundo o prisma de avaliação do juiz da acção "falhada", por ser aquele que mais se coaduna com a noção de «perda de chance»”.

A situação parece-nos, portanto, bastante clara, como o foi para o Tribunal a quo: a Autora, ora Recorrente, não produziu prova consistente nos presentes autos, no sentido de que, a propósito do referido "julgamento dentro do julgamento", do aludido “grau de probabilidade sério de que se o recurso de Apelação tivesse sido interposto (omissão esta devida a culpa do mandatário), o mesmo teria sucesso e faria reverter a situação jurídica desfavorável ao cliente”.
Qualquer que fosse o ponto de vista dogmático de que se partisse, nunca a Autora lograria, com a factualidade que se logrou apurar nos presentes autos, qualquer vencimento de causa (na outra acção e, por arrastamento, na presente): houve um incumprimento contratual por parte do advogado (ónus do artigo 640.º), mas não era verosímil (ou, se se preferir, as suas possibilidades de sucesso não eram - no mínimo - superiores às de insucesso) que a Autora obtivesse, mesmo que o recurso tivesse sido admitido, a ilicitude do despedimento colectivo e a sua pretendida reintegração (ou seja, está em falta o nexo causal entre o facto ilícito e culposo e o dano da perda de chance).
Recorrer à figura da perda de chance e atribuir uma indemnização à Autora na situação em causa nos autos seria, por “portas travessas” obter um ganho de causa que não parece provável que a Autora viesse a obter na acção em que o advogado agiu menos bem e constituiria apenas um factor gerador de insegurança jurídica.
Assim, não merecem discordância os raciocínios explanados na Sentença prolatada pelo Tribunal a quo, bem assim como a conclusão jurídica obtida, a qual se tem como correcta.

A Sentença deve, assim, ser confirmada e o recurso julgado improcedente.
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Nas palavras de Eric Voegelin as “sociedades dependem para a sua génese, a sua existência harmoniosa continuada e a sobrevivência, das acções dos seres humanos componentes. A natureza do homem e a liberdade da sua acção para o bem e para o mal, são factores essenciais na estrutura da sociedade"[25].
Recorrente e Recorridos escolheram o seu caminho de actuação.
Ao Tribunal resta, no "acto de julgar", não dar razão a Ré, considerando improcedente o seu recurso (tendo, na linha de Paul Ricoeur, como "horizonte um equilíbrio frágil entre os dois componentes da partilha" - "demasiado próximos no conflito e demasiado afastados um do outro na ignorância, no ódio, ou no desprezo" - mas impondo-se, "por um lado, pôr fim à incerteza, separar as partes; por outro, fazer reconhecer a cada um a parte que o outro ocupa na mesma sociedade, em virtude do que o ganhador e o perdedor do processo seriam reputados ter cada qual a justa parte no esquema de cooperação que é a sociedade"[26]).
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DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em:
I - julgar improcedente a apelação apresentada pela Autora e, em consequência, confirmar a Sentença sob recurso.
II - determinar a devolução à Autora-Recorrente do documento junto com as Alegações, condenando-se esta no pagamento de uma multa fixada em uma unidade de conta.
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Custas pela Recorrente.
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Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil).
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Lisboa, 22 de Outubro de 2024
Edgar Taborda Lopes
Micaela Sousa
Diogo Ravara
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[1] Assim, no original, estando incorrectamente numeradas – numeração romana – as conclusões C a CVI (“XCX a XCXVI”).
[2] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[3] João de Castro Mendes-Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, CIDP-AAFDL, 2022, página 133.
[4] Luís Filipe Espírito Santo, Recursos Civis: O Sistema Recursório Português. Fundamentos, Regime e Actividade Judiciária, Nova School of Law-CEDIS, 2020, página 232.
[5] No Acórdão da Relação de Coimbra de 18 de Novembro de 2014 (Processo n.º 628/13.9TBGRD.C1) o Desembargador Teles Pereira, discorrendo sobre esta matéria, descreve este regime, escrevendo paradigmaticamente, que da “articulação lógica destas normas decorre (…) que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é positivamente considerada apenas a título excepcional) depende da caracterização (rectius, da alegação e da prova) pelo interessado nessa junção de uma de duas situações:
(1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remessa do artigo 651º, nº 1 para o artigo 425º;
(2) o ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este”.
[6] Acórdão da Relação de Coimbra de 18 de Novembro de 2014 (Processo n.º 628/13.9TBGRD.C1 - Teles Pereira). Cfr., ainda, Acórdão da Relação de Guimarães de 24 de Abril de 2019 (Processo n.º 3966/17.8T8GMR.G1 - António Barroca Penha), curiosamente também citado pela Recorrente, que não atenta em que o nele escrito pressupõe uma mínima justificação para uma junção tardia e essa justificação não poder ser a data do documento (se foi pedido antes e não teve resposta, deveria tê-lo dito oportunamente no processo…).
[7] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição Atualizada, Almedina, página 288.
[8] Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta - Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I Parte Geral e Processo de Declaração, 2.ª edição, 2020, página 813.
[9] Os Factos colocados em causa pela Recorrente estão destacados com letra em carregado e de maior tamanho (e os não provados também em itálico).
[10] “O atual art.º 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 332.
[11] Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210.
[12] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., página 200.
[13] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 201 a 205.
[14] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 206-207.
[15] Que acrescenta, relevantemente, que “este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo).
Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, com bold apócrifo).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10)”.
[16] Acórdão da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1 - Maria João Matos.
[17] Assinalando ainda que “nessa reapreciação da prova feita pela 2ª instância, não se procura obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, publicado nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, Coimbra Editora, 2013, páginas 589 e seguintes(609), com o texto disponível on line em http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf, páginas 17-18.
[18] Blog do IPPC, 19/05/2017, Jurisprudência (623), em anotação ao Acórdão da Relação de Coimbra de 07/02/2017, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2017/05/jurisprudencia-623.html.
Vd. também, neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2022 (Processo n.º 1720/20.9T8GDM.P1 - Fernanda Pinheiro.
[19] Com uma formação distinta da dos presentes autos (Juízas-Desembargadoras Cristina Coelho e Micaela Sousa).
[20] Só assim é possível verificar - e eventualmente alterar - o processo de convencimento a que se refere o, profusamente citado em inúmera jurisprudência posterior - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Maio de 2016 (Processo n.º 1393/08.7YXLSB.L1-7 - Amélia Ribeiro): “É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum”.
[21] Aliás, a Autora, para mais, na referida amálgama:
- por um lado não diz que pretende a alteração do Facto não provado B e, por outro, propõe que seja acrescentado aos Factos provados um facto com a sua redacção…
- e, por outro, pretende que o Tribunal dê como provados factos absolutamente conclusivos, ou especulativos, ou contendo matéria de direito, o que sempre os tornaria inaproveitáveis (“Com o não conhecimento do recurso, a Autora viu-se privada de ser reintegrada profissionalmente”; “Em mais de 100 trabalhadores despedidos, muitos poderiam ser os trabalhadores a verem proceder o recurso, com todas as consequências legais daí resultantes”; A Autora M era uma secretária experiente, e não deveria ter sido incluída na lista de excedentários”; “A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente a prova testemunhal, assim como a extensa prova documental permitiriam, com elevado grau de probabilidade, provar que a Autora nunca deveria ter sido abrangida pelo referido despedimento coletivo por não reunir os critérios legalmente exigíveis para o despedimento coletivo).
[22] Cfr., por exemplo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
- de 19 de Março de 2024 (Processo n.º 150/19.0T8PVZ.P1.S1 - Luís Filipe Espírito Santo), onde se que assinala que, sendo “o artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, claro, inequívoco e peremptório ao estabelecer a imediata rejeição da impugnação de facto no caso de incumprimento pelo impugnante dos ónus previstos nessa disposição legal, não há cabimento para a prévia prolação pelo juiz desembargador de qualquer convite ao aperfeiçoando das conclusões do recurso de revista nessas circunstâncias”;
- de 08 de Setembro de 2021 (Processo n.º 5404/11.0TBVFX.L1.S1 - José Raínho), onde se escreve que “Não é legalmente admissível, quanto ao recurso da matéria de facto, convite tendente ao aperfeiçoamento das conclusões” e que a “interpretação do art.º 640.º do CPC no sentido de a rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto não dever ser precedida de um convite ao aperfeiçoamento das conclusões não viola o art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa” [entendimento último este também sufragado pelo Tribunal Constitucional, por exemplo na Decisão Sumária de 12 de Abril de 2021 (Processo n.º 627/19 - Maria José Rangel de Mesquita), onde se decidiu “Não julgar inconstitucional a interpretação extraída da conjugação das normas contidas nos artigos 639.º, n.º 3 e 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil no sentido de o incumprimento dos ónus de impugnação em matéria de facto determinar a rejeição do recurso, sem que seja dado ao recorrente a oportunidade de aperfeiçoar as conclusões do recurso” ].
[23] Publicado no Diário da República n.º 18/2022, Série I, de 26 de Janeiro de 2022.
[24] Carregado e sublinhado nossos.
[25] Eric Voegelin, A Natureza do Direito e outros textos jurídicos, Vega, 1998, página 95.
[26] Paul Ricoeur, O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, 1997, páginas 168-169; cfr., também, com interesse, François Ost, A Natureza à Margem da Lei - A Ecologia à Prova do Direito, Instituto Piaget, 1997, páginas 19 a 24.