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PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
UTILIZAÇÃO INDEVIDA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
INDEFERIMENTO TOTAL DA EXECUÇÃO
DECISÃO SURPRESA
Sumário
I - O tribunal pode conhecer oficiosamente da exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, ao abrigo do disposto nos art.º artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do Cod. Proc. Civil, a tal não obstando o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, nem o princípio da concentração da defesa; II – A inclusão no requerimento injuntivo de algumas pretensões legalmente inadmissíveis pode determinar a extinção total - e não apenas parcial - da instância executiva. III – É admissível a prolação de despacho de indeferimento liminar sem que a parte seja previamente ouvida, nos casos em que a mesma não redunde numa decisão surpresa.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. … S.A. interpôs recurso de apelação da decisão proferida pelo Juiz de Execução, a qual indeferiu liminarmente o requerimento executivo, considerando ocorrer exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção enquanto título executivo, por a mesma injunção incluir quantias em dívida a título da cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato, e encargos associados à cobrança da dívida.
2. Inconformado, o recorrente apelou desta decisão, concluindo: 1. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo o Apelado da instância; 2. Por a Autora ter lançado mão de injunção onde incluiu valores em dívida relativos a cláusula penal pela rescisão antecipada do contrato e de despesas associadas à cobrança da dívida; 3. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei; 4. Desde logo porque a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo; 5. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção; 6. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC; 7. Sem prescindir, o entendimento de que a cláusula penal as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina que a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais valores. 8. A sentença recorrida foi ainda proferida sem a Apelante ter sido convidada a oferecer o devido contraditório, o que consubstancia uma violação do artigo 3.º do CPC; 9. A sentença proferida pelo Tribunal a quo traduz-se em indeferimento liminar da petição inicial, o que legitima a apresentação do presente recurso; De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente: - o artigo 726.º n.º 2 do C.P.C.; - o artigo 734.º do CPC; - o artigo 14.º-A n.º 2 do regime anexo ao DL 269/98 e os artigos 227.º, número 2 e 573.º do CPC; - o artigo 193.º do CPC; - o artigo 3.º n.º 3 do CPC; Deverá, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos nos termos acima expostos. Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas., doutamente, suprirão, se requer seja dado provimento ao presente recurso. II – Questões a decidir i) Saber se ao tribunal a quo estava vedado o conhecimento oficioso da exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção; ii) Saber se não deveria ter sido determinada a extinção total da instância executiva, mas apenas a recusa parcial do título executivo relativamente à parte que integra os valores peticionados a título de cláusula penal e às as despesas de cobrança iii) Saber se deveria ter sido oferecido contraditório à recorrente em momento anterior à prolação do despacho liminar.
* III – Fundamentação de Facto:
(transcrição da decisão recorrida, na parte que importa para o conhecimento do recurso)
(…) Compulsados os autos, sendo, esta, a primeira vez que o processo vem a despacho – atenta a forma (sumária) do processo (cf. artigo 550.º, nº2, alínea b), do CPC), que dispensa a prolação de despacho liminar (cf. artigos 855.º e 726.º a contrario, do CPC) –, constata-se que a exequente …, S.A. intentou contra B. a presente execução com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça, do qual consta peticionado o pagamento de valores correspondentes, além do mais, a cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, resultando do requerimento de injunção que: (…) Nos termos do disposto no artigo 734.º do CPC, “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo” (nº1), sendo que, “rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte” (nº2). O procedimento de injunção é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos (não tendo a virtualidade de servir para exigir obrigações pecuniárias resultantes da responsabilidade civil contratual), sendo certo que tal prestação só pode ter por objeto imperativamente uma obrigação pecuniária, isto é, uma entrega em dinheiro em sentido restrito (em contraposição com a obrigação de valor, que não tem por objeto a entrega de quantias em dinheiro e visa apenas proporcionar ao credor um valor económico de um determinado objeto ou de uma componente do património). Este regime processual só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio. A jurisprudência tem-se inclinado, de forma praticamente unânime, para a inadmissibilidade do pedido de pagamento da cláusula penal por incumprimento contratual nesta forma processual e/ou de indemnização (RL 08.10.2015, processo 154495/13.0YIPRT.L1-8; 12.05.2015, processo 154168/13.YIPRT.L1-7; RL 15-10-2015, processo 96198/13.1YIPRT.A.L1-2; RL 17.12.2015, processo 122528/14.9YIPRT-L1.2; RL, de 25.01.2024, processo 101821/22.2YIPRT.L1-8). Ou seja, as injunções, incluindo as decorrentes de transação comercial, e a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, não são a via processual adequada para acionar a cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente da mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato – ver, neste sentido, Ac. RL, de 15.10.2015, relatado por Teresa Albuquerque (in www.dgsi.pt); João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, in «Injunções e Ações de Cobranças», 2012, p.22. A cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e a indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida peticionadas no procedimento injuntivo de que emergiu o requerimento/documento dado à execução não consubstanciam “uma obrigação pecuniária diretamente emergente de um contrato. Assim, relativamente ao pedido de pagamento do montante correspondente à cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e à indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, foi lançado mão de uma forma processual que legalmente não é a prevista para tutela jurisdicional respetiva. O objetivo do legislador com o procedimento de injunção não foi o da economia processual, mas sim o de facilitar a cobrança das obrigações pecuniárias como instrumento essencial da regulação do sistema económico, ou seja, das dívidas que, pela sua própria natureza, implicam uma tendencial certeza da existência do direito de crédito. A exequente não poderia ter recorrido ao requerimento de injunção e, tendo-o feito, deu causa à verificação de uma exceção dilatória inominada, prevista nos artigos 555.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, primeira parte, e geradora de absolvição da instância ao abrigo do vertido nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil. Tal exceção atinge e contagia todo o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigíveis para a sua utilização, e não apenas o pedido referente ao valor da cláusula penal peticionada – ver, neste sentido, Ac. RL, de 23.11.2021, relatado por Edgar Taborda Lopes, proc.88236/19.0YIPRT.L1-7; Ac. RP, de 15.01.2019, relatado por Rodrigues Pires, proc.141613/14.0YIPRT.P1 (in www.dgsi.pt). Ver, ainda, o recente acórdão da Relação de Lisboa, de 28.04.2022, relatado por Cristina Pires Lourenço, proc.28046/21.8YIPRT.L1-8 (in www.dgsi.pt), assim sumariado: “O uso indevido do procedimento de injunção inquina na totalidade a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que se se transmutou, consubstanciando exceção dilatória inominada (art. 577º, do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância, impedindo qualquer apreciação de mérito, designadamente, dos créditos cuja cobrança poderia ter sido peticionada por via daquele procedimento.” E, ainda, o Ac. RC, de 14.03.2023, relatado por Henrique Antunes (in www.dgsi.pt), assim sumariado: “I - Não é admissível, através do procedimento de injunção, a exigência de créditos pecuniários objecto de reconhecimento unilateral do devedor; Processo: 5533/24.0T8SNT Referência: 150665294 Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Juízo de Execução de Sintra - Juiz 2 Execução Sumária (Ag.Execução) II - Ainda que através de negócio jurídico unilateral o devedor tenha reconhecido a dívida, o credor está vinculado, no procedimento de injunção, a alegar o contrato objecto da relação jurídica fundamental do qual a obrigação emerge; III - O procedimento de injunção não é o adequado à exigência de créditos resultantes de cláusula penal com função indemnizatória ou despesas feitas pelo credor com a actuação ou exercício do crédito de que se diz titular; IV- O uso inadmissível ou inadequado, ainda que meramente parcial do procedimento inquina e torna inaproveitável, in totum, a acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato em que o procedimento, por virtude da oposição, se convolou, e dá lugar a uma excepção dilatória, conducente à absolvição do requerido da instância.” (sublinhado e negrito, nossos). Nesta conformidade, ao requerimento de injunção dado à execução não deveria ter sido aposta força executiva, uma vez que não podia deixar-se prosseguir ação especial/comum para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que houvesse resultado da transmutação de injunção interposta para acionamento dessa cláusula, pois, de contrário, estar-se-ia a admitir que o credor, para obter título executivo, que bem sabia, à partida, que não podia obter, defraudasse as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção. Caso tivesse sido submetido a apreciação jurisdicional, deveria ter tido lugar um juízo de improcedência total do pedido, por recurso indevido ao procedimento de injunção, o que, repita-se, constitui exceção inominada de conhecimento oficioso – neste sentido, além dos arestos supra citados, Acs. RP de 31.05.2010 (Maria de Deus Correia), de 26.09.2005 (Sousa Lameiras); Acs. RL, de 07.06.2011 (Rosário Gonçalves), de 08.11.2007 (Ilídio Sacarrão Martins); João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, in «Injunções e Acções de Cobranças», 2012, p.39 e 40). Porém, o recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, porque acarreta exceção inominada, nulidade de conhecimento oficioso, pode esta ser conhecida em sede execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tenha sido atribuída força executória por secretário judicial – neste sentido, Ac. RE, de 16.12.2010, relatado por Mata Ribeiro (in www.dgsi.pt). Processo: 5533/24.0T8SNT Referência: 150665294 Com efeito, a aposição de fórmula executória pelo Secretário Judicial, na sequência de falta de oposição, não tem força constitutiva de caso julgado, não precludindo a apreciação do aludido vício de uso indevido de procedimento injuntivo. Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 15.02.2018, relatado por Anabela Calafate, processo 2825/17.9T8LSB.L1-6, consultável em www.dgsi.pt, “não pode ser equiparada a decisão judicial a aposição da fórmula executória por um secretário de justiça. Por isso a rejeição por despacho judicial da execução baseada em injunção não constitui violação de caso julgado.” Por outro lado, a omissão ou insuficiência de título executivo são de conhecimento oficioso e podem ser apreciadas e declaradas até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC). Sendo irrelevante, para esse efeito, que o/s executado/s se tenha/m abstido de invocar tal vício, nomeadamente em sede de oposição à execução – ver, neste sentido, Ac. RL, de 12.07.2018, relatado por Jorge Leal (in www.dgsi.pt). Como recentemente se entendeu no Ac. RP, de 27.09.2022, relatado por Anabela Dias da Silva, o procedimento de injunção não é meio processual próprio para se peticionar o pagamento de uma quantia a título de cláusula penal indemnizatório ou qualquer outra quantia a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida. Intentando-se a execução dando-se como título executivo injunção de onde resulte que abrange semelhantes quantias, há que se verificar exceção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, devendo-se indeferir liminarmente o requerimento executivo. – No sentido de que “a injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afetada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução”, ver, ainda, Ac. RP, de 08.11.2022, relatado por Alexandra Pelayo (in www.dgsi.pt). Entende, assim, este Tribunal não dispor a exequente de título executivo eficaz, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção. Decisão: Em face de todo o exposto, por verificação da exceção dilatória da falta de título executivo, decido rejeitar a presente execução (cf. artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC). (…) (…) IV – Fundamentação de Direito
a) Iniciando o conhecimento do recurso, recorde-se que a primeira questão acima enunciada (constante das conclusões 1º a 6º), prende-se com a possibilidade – recusada pela recorrente – de o tribunal “conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo”, defendendo a recorrente que “Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do Cod. Proc. Civil”.
b) Apreciando, recorde-se que nos termos do art.º 10.º n.º 5 do Cod. Proc. Civil, “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da ação executiva”, acrescentando - na parte que agora importa - a al d) do art.º 703º do mesmo código, que entre os títulos executivos se encontram “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva" (al. d). Um desses documentos é o requerimento de injunção, uma vez que, o art.º 7º (anexo) do regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000 (ao qual se refere o art.º 1º do DL n.º 269/98, de 01 de Setembro), define injunção como “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular(…)” E o nº 1 do Artigo 14.º do mesmo diploma, que “Se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, o secretário aporá no requerimento de injunção a seguinte fórmula: 'Este documento tem força executiva.'
c) No caso dos autos, o requerido não deduziu oposição ao requerimento de inicial de injunção, sendo ao mesmo conferido força executiva.
A execução fundada em requerimento de injunção segue a forma de processo comum sumário (nº 1 do art.º 21º, ainda do anexo Dec.-Lei n.º 269/98, e art. 550º nº 2 al. b) do CPC), não havendo assim lugar a despacho liminar por parte do juiz (art.º 855º nº 1 do CPC, em confronto com o art.º 726º, aplicável ao processo comum ordinário).
Assim sendo, a intervenção de um juiz (no caso, o juiz de execução) ocorreu pela primeira vez mediante o despacho de indeferimento liminar, e no âmbito dessa interferência, o art.º 734º nº 1 do Cod. Proc. Civil faculta-lhe a “possibilidade de conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.
No caso, a decisão recorrida considerou que se verificava “uma exceção dilatória inominada, prevista nos artigos 555.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, primeira parte, e geradora de absolvição da instância ao abrigo do vertido nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil”.
Ora, não colocando em causa o recorrente a classificação do vício processual detetado pelo tribunal a quo, e sendo as exceções dilatórias em regra de conhecimento oficioso (cfr. o art.º 578º do Cod. Proc. Civil), não se apreende porque razão o juiz de execução não poderia proferir indeferimento liminar da execução nos termos conjugados dos já citados arts 734º nº 1, e 726º nº 2 al. a) do Cod. Proc. Civil.
d) E menos se compreende a alusão ao art.º 14.º-A, do já referido anexo art.º 1º do DL n.º 269/98, de 01 de setembro.
Este artigo, introduzido pelo art.º 7º da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro sob a epígrafe “Efeito cominatório da falta de dedução da oposição” estabelece: 1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange: a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso; b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
Esta norma não se dirige, evidentemente, ao tribunal, mas sim ao requerido, impulsionando o seu comportamento processual no sentido de deduzir desde logo, de modo concentrado, os meios de defesa no prazo para oposição que corre após ser notificado do requerimento de injunção, ficando impedido, em momento ulterior, de invocar esses meios de defesa. E de todo o modo, e mesmo quanto ao requerido do procedimento de injunção, o nº 2 al. a) do citado art.º 14º-A, permitiria a invocação em momento posterior da exceção dilatória em causa, pelo que não se atinge a pertinência da argumentação da recorrente quando escreve que “Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do Cod. Proc. Civil”.
e) A 2ª questão a apreciar, consta da conclusão 7ª, na qual a recorrente alega que o entendimento de que a cláusula penal e as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais valores.
Recorde-se, preliminarmente, que o fundamento para o despacho de indeferimento liminar do título executivo prende-se com a questão de se considerar que é inadmissível a utilização do processo de injunção para a cobrança de uma cláusula penal
E saliente-se este ponto: a recorrente, talvez (con)vencida pela posição largamente maioritária da doutrina e jurisprudência que considera inadmissível a inclusão no requerimento injuntivo do pedido de ressarcimento dos danos pelo incumprimento do contrato (cf supra as posições doutrinárias e os arestos citados pela decisão recorrida), não coloca em causa esse entendimento.
E assim sendo, têm perfeito cabimento as considerações deduzidas no Ac. deste TRL de 23-11-2021 do TRL (Edgar Taborda Lopes, desta 7ª secção), que de seguida se reproduzem: (…) a ora Recorrente poderia – logo à cabeça – ter utilizado como meio processual para obter a condenação do seu devedor, a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, mas não o fez, preferindo utilizar uma estratégia de risco recorrendo ao mecanismo da Injunção (para, assim, com mais facilidade, obter um título executivo), ficando na expectativa da notificação e não oposição do Requerido, para assim obter um benefício ilegítimo. Correu o risco, mas, com a frustração na notificação e a apreciação judicial que foi feita da situação pelo Tribunal a quo, esse risco concretizou-se e tem agora de “sofrer” as consequências. E elas respeitam ao inquinar de todo o processo e não apenas da parte que a ora Recorrente colocou “a mais” do que poderia e deveria. Caso assim não fosse, como se sublinha no já citado Acórdão da Relação de Coimbra de 20/05/2014 (Fonte Ramos), estaria “encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção”. (…) Assim sendo, a consequência a tirar deste uso indevido do procedimento de injunção (por ausência das condições de natureza substantiva que a lei impõe para a decretar) é a verificação da presença desta excepção dilatória inominada, a qual, obstando a que se possa conhecer do mérito da causa, com a inevitável absolvição da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil.
f) Subscrevemos na íntegra estas considerações ora transcritas, sendo certo que a recorrente (que era também a recorrente no processo ainda agora citado), sabendo já da posição largamente maioritária da nossa jurisprudência que recusa a utilização da injunção para outros efeitos que não a de cobrança de quantias resultantes do cumprimento do contrato, e aceitando essa posição (tanto que não a contrariou neste recurso), continua abusivamente a apresentar requerimentos de injunção pedindo o pagamento de outras quantias resultantes do não cumprimento do contrato, como as previstas a título de cláusula penal. A razão deste consciente procedimento impróprio e inadequado é simples: na maior parte dos casos, esses requerimentos de injunção não serão contestados, uma vez que as pessoas singulares não saberão que os limites do requerimento de injunção estão a ser ultrapassados, acrescendo que nem sempre o juiz de execução assumirá a posição atenta e diligente do juiz do tribunal a quo.
Mas ao menos nos processos em que esta questão seja detetada, que não ocorra – como se escreveu ainda no mesmo aresto deste TRL – “o benefício do infrator”, o que sucederia no caso do indeferimento parcial da execução, prosseguindo a mesma apenas para satisfação do pagamento das quantias que poderiam legitimamente ser pedidas mediante a injunção, com exclusão das outras quantias que o recorrente do procedimento já sabia que não poderiam ser incluídas.
g) A última questão que importa conhecer, relaciona-se com o facto de a decisão recorrida ter sido proferida sem que tenha sido permitido à aqui recorrente o direito ao contraditório, o que na tese do recurso consubstanciará uma violação do artigo 3.º do Cod. Proc. Civil.
O art.º 3º do Cod. Proc. Civil debruça-se sobre princípio do dispositivo e do contraditório, sendo a este último que a recorrente se refere, pelo que importa atentar essencialmente no seu nº 3 que estabelece que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
É manifesto que com a citada norma se pretende evitar a usualmente denominada “decisão-surpresa”, surgindo assim como regra que o tribunal deve ouvir previamente as partes de forma a que as mesmas se possam pronunciar sobre alguma questão de facto ou direito ainda não suscitada ou debatida.
h) Todavia, esta regra comporta exceções, sendo uma das normalmente consideradas pela nossa jurisprudência, a desnecessidade de dar cumprimento ao contraditório sempre que esteja em causa um despacho de indeferimento liminar, circunstância em que a omissão dessa audição prévia não redundará numa “decisão-surpresa vedada pelo citado art.º 3ºnº 3.
Esta posição jurisprudencial encontra-se, por exemplo no Ac. de 13-11-2018, deste TRL e desta 7ª secção (proc. n.º 15457/17.2T8LSB.L1, Carlos Oliveira), ao qual podemos juntar, entre outros, o Ac. deste mesmo TRL de 24-9-2029, proc. n.º 8333/16.8T8ALM.L1.L1-7 e o Ac. do S.T.J. de 14-9-2021, proc. n.º 271/14.
i) Aquele 1º acórdão de 13-11-2018, acima citado, parte da constatação de que (…) o despacho de indeferimento liminar pressupõe a existência duma situação de tal forma manifesta que permite, só por si, tomar uma decisão de forma conscienciosa, sem necessidade de audição prévia das partes”, sendo certo que o próprio art.º 3º nº 3 do C.P.C. salvaguarda os casos de «manifesta desnecessidade».
Após, desenvolve em favor da sua tese alguns argumentos, com sustento em diversas posições doutrinais e jurisprudenciais que cita, das quais destacamos
- não ser logicamente admissível um despacho liminar prévio a um despacho liminar; seria uma decisão em si contraditória, porque se o despacho liminar está legalmente previsto como podendo ser de rejeição liminar, não faria sentido a parte ser ouvida preliminarmente sobre a aludida eventualidade de vir a ser produzida uma decisão de não admissão;
- no caso de indeferimento liminar da petição inicial, a lei prevê o contraditório diferido, dada a ampla admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor e da sucumbência, e em situação de igualdade das partes - art. 853º, nº 3 do C.P.C.;
- admitindo que ocorre a violação do princípio do contraditório, o vício em causa corresponde a uma nulidade relativa ou secundária (enquanto desvio procedimental à normal sequência de atos prescritos na lei), prevista no art. 195.º n.º 1 do C.P.C., sendo que, nos termos desta norma, a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produze nulidades quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Quanto a este argumento, e no caso em apreciação, não será arriscado afirmar, atenta a natureza e o conteúdo do despacho recorrido (que se mostra profusamente fundamentado em termos de doutrina e jurisprudência), que a decisão que o mesmo contém resulta de uma reflexão por parte do juiz do tribunal a quo, que convictamente concluiu pela inadmissibilidade do requerimento executivo, e pela possibilidade do conhecimento oficioso do vício detetado, redundando no indeferimento total do requerimento executivo. E nessas circunstâncias, determinar a audição prévia da aqui recorrente, redundaria na prática de um acto inútil; a eventual nulidade por preterição do contraditório, não seria relevante, uma vez que se se tivesse cumprido o contraditório, a decisão não seria diferente.
j) Por último, devemos considerar o seguinte:
Como vimos acima, o art.º 3º nº 3 do C.P.C. não impõe o princípio do contraditório enquanto cumprimento de uma formalidade desligada de qualquer função útil; a observância do contraditório visa especificamente evitar a decisão-surpresa.
Como se escreve no Ac. deste TRL de 11-5-2021, proc. n.º 2020/19.9YIPRT.L1-7, Micaela Sousa, desta mesma 7ª secção, “A decisão-surpresa que a lei pretende afastar é aquela que revela uma solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, ou seja, não podem ser confrontadas com decisões com que não poderiam contar, o que não abrange os fundamentos utilizados pelo tribunal para fundamentar decisões que eram previsíveis ou que as partes devessem esperar ou admitir como possíveis. Assim, a decisão-surpresa não se confunde com “a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ter ou tiveram em conta” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2018, processo n.º 177/15.0T8CPV-A.P1.S1.
k) No caso, o despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo não constitui qualquer decisão-surpresa para a recorrente. Isto porque, como vimos acima, há muito que a doutrina e jurisprudência de modo consistente têm recusado a possibilidade de o requerimento injuntivo conter o pedido de pagamento de outras quantias que não as decorrentes do cumprimento do contrato, como sejam as pedidas a título de indemnização pelo seu não cumprimento (como o caso da cláusula penal), tanto que a recorrente nem sequer colocou em causa, nesta parte, a posição do tribunal a quo.
Assim como não é propriamente inédita a decisão recorrida quando oficiosamente conhece da referida questão, e indefere na sua totalidade o requerimento executivo, o mesmo sucedendo ainda com a questão de não ter sido concedido previamente contraditório em momento anterior à prolação do mesmo despacho liminar.
Aliás o conhecimento desta jurisprudência que suporta a decisão recorrida, surge não só da sua publicação nas bases de dados de acesso livre (designadamente o sítio www.dgsi.pt), à qual a recorrente - enquanto grande litigante – seguramente acede com frequência, como ainda da circunstância de se perceber da leitura dos factos constantes dessas mesmas decisões que, num número considerável de casos, a aqui recorrente é a parte afetada pelas mesmas.
V – Dispositivo
Face ao exposto, acordam, por maioria, os juízes da 7ª secção cível deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 22 de outubro de 2024
João Novais
Rute Sabino Lopes
Ana Mónica Pavão, vencida nos termos da seguinte declaração de voto:
Voto vencida porquanto defendo posição contrária à que obteve vencimento por maioria no presente acórdão, remetendo para a fundamentação dos acórdãos que relatei sobre a matéria, nomeadamente no processo nº 5757/24.0T8SNT.L1, inscrito em tabela para a sessão de 22/10/24, [de cujo sumário consta que “A prolacção de decisão de rejeição da execução com fundamento em vício (excepção dilatória do uso indevido de procedimento injuntivo) que nenhuma das partes invocou e sobre o qual não teve oportunidade de se pronunciar, configura uma decisão-surpresa, decorrente da violação do princípio do contraditório, e consequentemente acarreta a nulidade de tal decisão, por excesso de pronúncia (art. 615º/1d) do CPC)”] e no processo nº 13136/21.5T8SNT.L1, acórdão prolatado em 10/9/24, onde foi decidido no sentido do indeferimento parcial da execução relativamente à quantia referente à cláusula penal, determinando o prosseguimento dos autos para cobrança das demais quantias (incluindo as despesas associadas à cobrança da dívida).