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PROCEDIMENTO CAUTELAR NÃO ESPECIFICADO
CENTRO COMERCIAL
PARQUE DE ESTACIONAMENTO DE SUPERFICIE COMERCIAL
PISO ESCORREGADIO
QUEDA
DANOS FÍSICOS
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário
(Elaborado pela relatora, cfr. art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil) I – Se é certo que o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à respectiva avaliação, a matéria de facto está sujeita a alteração pelo Tribunal da Relação, quando tiver ocorrido erro de julgamento na matéria de facto e essa circunstância seja, inequívoco e seguro para a mente dos julgadores de recurso. II – A gestora de um centro comercial ilide a presunção de culpa a que alude o art.º 493, nº 1 do Código Civil, se conseguir provar que efectuou diligências necessárias, concretas e diárias, com vista à prevenção de acidentes ocorridos no parque de estacionamento das respectivas instalações. III - A mera execução da actividade de fiscalização e manutenção, sem qualquer referência ao modo e à respectiva periodicidade média, afigura-se insuficiente para aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respectivo dever. IV - A apelante conseguiu provar factos que permitem afirmar que estamos perante uma situação de inevitabilidade, na medida que, mesmo tendo tomado todas as providências que lhe eram exigíveis, estas nunca seriam suficientes para evitar a produção do evento queda e danos reflexos.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
NJ, veio, ao abrigo do disposto nos art.º 362.º e seguintes do Código de Processo Civil, instaurar Procedimento Cautelar não especificado contra “Ceetrusportugal, SA”.
A Requerente peticionou que a Requerida fosse condenada a suportar o custo da intervenção cirúrgica necessária, identificada no relatório médico junto como doc. 10 junto com a petição inicial, mediante a emissão e envio de termo de responsabilidade à “Clínica …”, para esse efeito, bem como a pagar a sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 50,00 (cinquenta euros) até cumprimento efetivo e integral da providência decretada.
Alegou, para o efeito e em síntese, que nas circunstâncias de tempo, modo e lugar que descreve no requerimento inicial, ocorreu o sinistro, na sequência do qual sofreu danos, tendo a Requerida suportado despesas que identifica com os tratamentos médicos, recusando-se, no entanto, ao pagamento de cirurgia de que a Requerente carece, a qual não se compadece com a demora inerente à tramitação e prolação de sentença em ação própria a intentar.
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A Requerida, citada pessoalmente, deduziu oposição.
Alegou que a Requerente não pretende o decretamento de medidas
provisórias, antes as medidas requeridas pressupõem o decretamento de uma decisão definitiva.
No mais, defendeu-se por impugnação, invocado a intervenção da Requerida na manutenção, limpeza e segurança de todos os espaços do centro comercial, incluindo os de estacionamento onde ocorreu a queda.
Requereu ainda, a intervenção acessória provocada da “XL Insurance Company SE”, nos termos dos artigos 321º e ss. do CPC para quem transferiu a responsabilidade civil extracontratual emergente de sinistros no local, melhor identificado nos autos.
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Foi apresentada resposta por escrito às exceções invocadas pela Requerida, pugnando-se pela respetiva improcedência.
Julgado procedente o incidente de intervenção principal de “XL Insurance Company SE”, veio a mesma a ser citada e apresentou articulado próprio.
Alegou, em síntese, que efetuadas averiguações necessárias, entendeu-se que não houve por parte da sua segurada, aqui Requerida, qualquer responsabilidade pelo evento, razão pela qual foi a responsabilidade recusada, conforme documento n.º 15 e 16 junto com o requerimento inicial.
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Procedeu-se à diligência de audiência final, com observância do formalismo legal.
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E foi proferida decisão final em 06-12-2022 nos seguintes termos: "5 – DECISÃO Nestes termos e com tais fundamentos julga-se procedente a presente providência cautelar, por verificados os requisitos legais, e, em consequência, condena-se a Requerida, bem como a Interveniente Principal, para quem a Ré transferiu a responsabilidade civil emergentes de acidentes ocorridos no espaço comercial onde ocorreu o sinistro, a suportar o custo da intervenção cirúrgica, melhor identificada no relatório médico junto como doc. 10 junto com o requerimento inicial, mediante a emissão e envio de termo de responsabilidade à Clínica … para esse efeito. Condenam-se solidariamente a Requerida, bem como a Interveniente Principal a pagar ema sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 50,00 (cinquenta euros), decorridos que sejam 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão até emissão de termo de responsabilidade à Clínica … para efeito de realização da cirurgia."
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Dessa decisão foi interposto recurso, tendo sido, pelo Tribunal da Relação de Lisboa proferido Acórdão, em 25-05-2023, nos seguintes termos: "IV. Decisão Pelo exposto, acordam em conferência os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em: - confirmar a decisão singular proferida pela Relatora e, consequentemente, em desatender a reclamação apresentada pela reclamante, mantendo-se a decisão reclamada; - determina-se a rectificação do lapso de escrita detectado, passando a constar o seguinte da parte decisória da decisão sumária reclamada: “Pelo exposto, decide-se anular a decisão recorrida, e em consequência, ordenar que o tribunal a quo realize os actos instrutórios necessários a averiguar a factualidade elencada nos artigos 22º a 27º da petição inicial e nos artigos 19º e 33º a 43º, da oposição da requerida Ceetrusportugal, SA, bem como se se mantém actual a urgência da intervenção cirúrgica, sem prejuízo de uma eventual alteração da demais matéria factual, caso se revele necessário, a fim de ficar habilitado a proferir um juízo sobre a procedência da providência cautelar concretamente requerida, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso.”
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Recebidos os autos procedeu-se à realização das diligências documentadas nas atas de 24-11-2023 e 18-12-2023.
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A Mmª Juiz “a quo” proferiu decisão final, declarando procedente o procedimento cautelar intentado, nos seguintes termos: “5 – DECISÃO Nestes termos e com tais fundamentos julga-se procedente a presente providência cautelar, por verificados os requisitos legais, e, em consequência, condena-se a Requerida, bem como a Interveniente Principal, para quem a Ré transferiu a responsabilidade civil emergentes de acidentes ocorridos no espaço comercial onde ocorreu o sinistro, a suportar o custo da intervenção cirúrgica, melhor identificada no relatório médico junto como doc. 10 junto com o requerimento inicial, mediante a emissão e envio de termo de responsabilidade à Clínica … para esse efeito. Condenam-se solidariamente a Requerida, bem como a Interveniente Principal a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 50,00 (cinquenta euros), decorridos que sejam 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão até emissão de termo de responsabilidade à Clínica … para efeito de realização da cirurgia”.
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Insurgindo-se contra esta decisão, Xl Insurance Company Se, apresentou as seguintes conclusões no recurso que interpôs: “1- A recorrente não se conforma com a nova decisão proferida pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto e de direito. 2- Considera a Recorrente que deve ser dado como não provado a primeira parte do facto nº 15 da fundamentação de facto, quanto à questão da Recorrida não dispor de fundos monetários ou serviços médicos alternativos para avançar com a intervenção, porque não existem dados no processo quanto à situação financeira da Requerente. 3- Os factos números 13, 14 e 15 deviam ser dados como não provados, quanto à dificuldade da Recorrida em arranjar serviços médicos alternativos para a realização da intervenção, porque da prova testemunhal produzida em audiência (cujas declarações estão transcritas no corpo das alegações), e de acordo com dados do SNS, resulta que a recorrida tinha meios alternativos à sua disposição para a realização da cirurgia. 4- Entende a Recorrente que os pontos 9 e 10 da matéria de facto deviam ser dados como não provados tendo em conta as declarações da testemunha MF, proferidas no dia 24-11-2023, e transcritas no corpo das alegações. 5- Não concorda a Recorrente com a conclusão do tribunal a quo de que a intervenção cirúrgica é urgente. 6- Caso se entenda que que a operação ao pulso seria urgente o atraso na referida operação não pode ser oponível à Recorrente. 7- Entende a Recorrente que não ficou provada a probabilidade séria da existência do direito. 8- Não deu relevância o tribunal “a quo” àquilo que a testemunha RC referiu em audiência e descrito na motivação da matéria de facto de que se torna impossível, mesmo com todos os procedimentos de limpeza assegurados, a verificação diária da limpeza de toda a extensão do parque de estacionamento, tendo inclusive em conta de que se trata de uma parque publico, com a constante saída e entrada de utentes. 9- Não concorda a Recorrente com a conclusão explanada na página 22 da sentença, último parágrafo, porque mesmo com camaras de vídeo o acidente ocorreria na mesma. 10- Insurge-se a Recorrente com a conclusão do tribunal a quo de que a matéria relativa à franquia de €5.000,00 a cargo da Segurada é mera matéria de direito, não tendo sido objecto de qualquer resposta. 11- Não aceita a recorrente a condenação desta e da sua segurada, solidariamente, na sanção pecuniária compulsória no valor de diário de €50,00, tendo em conta o artigo 767 do C.C. 12- O valor diário de €50,00 extravasa os critérios de razoabilidade tendo em conta o artigo 892º-A nº 2 do C.C.”
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Ceetrusportugal, SA, insurgiu-se contra esta decisão final, recorrendo da mesma e, apresentando, em síntese conclusiva, os seguintes argumentos: “1 – Em 06/12/2022 foi proferida decisão com a referência 139915109, em que, julgando procedente o procedimento cautelar, condenou a requerida e a interveniente principal a suportar o custo da intervenção cirúrgica mediante a emissão e envio de termo de responsabilidade à Clínica …. Foram ainda condenadas a pagar sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 50,00, decorridos que sejam 30 dias do trânsito em julgado da decisão até emissão do termo de responsabilidade à Clínica … para efeito de realização de cirurgia. 2 - Por Acórdão proferido em 25/05/2023 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi decidido anular a decisão recorrida e, em consequência, ordenar que o tribunal a quo realize os actos instrutórios necessários a averiguar a factualidade elencada nos artigos 22º a 27º da petição inicial e nos artigos 19º e 33º a 43º, da oposição da requerida Ceetrusportugal, SA, bem como se se mantém actual a urgência da intervenção cirúrgica, sem prejuízo de uma eventual alteração da demais matéria factual, caso se revele necessário, a fim de ficar habilitado a proferir um juízo sobre a procedência da providência cautelar concretamente requerida, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso. 3 - Conforme decorre do aludido Acórdão, “… auditada toda a prova documental e testemunhal, não dispõe esta Relação dos elementos necessários para fixar todos os dados factuais em falta, desde logo, porquanto apesar de tal matéria se revelar controvertida o tribunal a quo não assegurou a produção de prova bastante não só sobre os requisitos integradores da responsabilidade civil da requerida, mas também e sobretudo sobre a necessidade urgente de realização da operação cirúrgica a cargo das ora recorrentes, importando especialmente apurar, realizando as diligências probatórias necessárias para tal efeito, se a requerida Ceetrusportugal, SA observou todos os cuidados de manutenção e limpeza do parque de estacionamento onde ocorreu a queda, se a queda não se deveu à culpa da requerida (não obstante resultar das fotos juntas aos autos pela própria requerente que a mesma estaria a usar salto alto nada se procurou esclarecer quanto a tal questão), se a situação actual da requerente ainda justifica a intervenção cirúrgica que lhe foi indicada em Outubro de 2021 (veja-se que, quanto a este aspecto a testemunha MF também nada soube dizer, referindo expressamente que não via a requerente há meses), bem como se a requerente não dispõe de meios económicos para custear tal intervenção e se o recurso ao SNS não é viável em tempo útil (as testemunhas da requerente também nada disseram a tal propósito).” – sublinhado nosso. 4 - Após sessões de julgamento, realizadas em 24/11/2023 e 18/12/2023, o tribunal veio a proferir decisão final em 28/02/2024 - decisão que é objeto do presente recurso – em que, julgando procedente a providência cautelar, condenou a requerida e a interveniente principal a suportar o custo da intervenção cirúrgica, mediante a emissão e envio de termo de responsabilidade à Clínica … para esse efeito. Mais condenou solidariamente a Requerida e a interveniente principal “a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 50,00 (cinquenta euros), decorridos que sejam 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão até emissão de termo de responsabilidade à Clínica … para efeito de realização da cirurgia.” 5 - Ora, salvo o devido respeito por outra e melhor opinião, e apesar da prova agora produzida (em que se mostram demonstrados os cuidados que a Requerida tem na gestão e manutenção das diversas valências do Centro Comercial, entre elas do Parque de Estacionamento), a sentença continua sem resolver a maioria das questões anteriormente suscitadas, nomeadamente: a) A explicitação do síndrome do túnel cárpico à esquerda e a sua relação com a queda (sinistro) e fratura do punho esquerdo; b) A urgência na realização da cirurgia, tendo em conta as novas declarações da testemunha, o médico Dr. MF, nomeadamente a consideração, por este, que a cirurgia terá carater paliativo e já não curativo (não será capaz de aliviar a dormência, apenas permitindo evitar a evolução potencial da atrofia muscular e das queixas, embora sem saber como, quando e em que termos); c) O facto de a requerente poder dispor de outros meios que não quer utilizar: o seguro de saúde do marido da Requerente, NM, com extensão para a requerente, e o SNS que a requerente ou família declaradamente não quiseram contactar / utilizar; d) A pronuncia quanto aos cuidados observados pela requerida na manutenção, segurança e limpeza do parque de estacionamento, indiciariamente provados sob os artigos 22 a 32 (aqui também se incluindo os artigos 22º-A e B, que se pretende aditar) e a ausência de culpa da requerida (o artigo 493.º, n.º 1 do Código Civil). 6 - A Requerida entende que o facto n.º 2 dos factos indiciariamente provados deve ser alterado e passar a ter a seguinte redação: 2 - Após estacionamento do seu veículo automóvel no parque de estacionamento coberto daquele centro comercial, no piso 1+, a Requerente escorregou numa mancha de produto gorduroso existente no pavimento, tendo caído desamparada no solo. [dos art.ºs 3.º e 4.º - requerimento inicial] 7 – Assim é que, de acordo com o facto provado sob o n.º 5, o local da queda não configura um lugar de estacionamento, mas uma zona adjacente, situada entre o último lugar de parqueamento naquela faixa e um pilar. A zona de abertura da porta situar-se-á ainda no lugar de estacionamento. Se a queda se dá fora do local de estacionamento, não poderá ser no âmbito da zona de abertura da porta dianteira direita – ver, a propósito, foto n.º 3 do doc. 3 junto com o requerimento inicial. 8 - Conforme resulta da foto 3 do doc. 3 (a única foto que representa o sinistro e o veículo de onde saiu a requerente - as demais fotografias juntas aos autos não representam a situação, tendo sido tiradas noutros momentos, conforme referiu NM – depoimento gravado no período horário compreendido entre as 16:06 e as 16:36, minutos 15:15 a 18:40 do respetivo depoimento - e NT – depoimento gravado no período horário compreendido entre as 14.07 e 14.27, minutos 13 a 14 das respetivas declarações), o sinistro não ocorreu na zona de abertura da porta direita (a saída dos veículos faz-se com apoio, que sempre teria evitado a queda). 9 - A Requerida entende que o facto n.º 3 dos factos indiciariamente provados deve ser alterado e passar a ter a seguinte redação: 3. A presença do referido produto não estava sinalizada por qualquer meio [dos art.ºs 5.º e 6.º - requerimento inicial] A foto 3 do doc. n.º 3 junto com a PI reflete, nas palavras do marido e da filha da requerente o sinistro dos autos. A foto 4 já foi tirada em momento ou dias depois. Do confronto entre a foto 3 e a foto 4 (onde já não é visível o líquido no pavimento) é possível verificar, a olho nu, que o líquido não tem cor e/ou transparência idêntica à cor do piso em que se encontrava, pelo que deverá ser retirada esta expressão. – a este propósito, declarações de NM – depoimento gravado no período horário compreendido entre as 16:06 e as 16:36 – aproximadamente minutos 15:15 a 18:40 do respetivo depoimento) e NT – depoimento gravado no período horário compreendido entre as 14.07 e 14.27 (aproximadamente minutos 13 a 14 das respetivas alegações. 10 - A Requerida entende que o facto n.º 13 dos factos indiciariamente provados deve ser alterado e passar a ter a seguinte redação: 13.Após o cancelamento da assistência médica, conjugada com as dificuldades decorrentes da pandemia por Covid-19, nomeadamente atrasos decorrentes dos períodos de inatividade ou atividade reduzida devido aos vários confinamentos, restrições de consultas e acesso aos serviços médicos em geral, a Requerente apenas conseguiu iniciar a fisioterapia em 11.10.2021 por intermédio do Serviço Nacional de Saúde. [do art.º 22.º - requerimento inicial] 11 - Conforme decorre do depoimento de NM, este e a Requerente dispõe de seguro de saúde com a valência de intervenção cirúrgica, mas optaram por não o acionar. O marido da requerente, NM, referiu dispor de seguro de saúde, cujas coberturas se estendem à esposa pois paga para isso. No entanto, seja pela necessidade de pagar em primeiro lugar e ser reembolsado depois, seja pelo facto de, no entendimento do casal, a culpa ser da requerida, não o quiseram utilizar: depoimento gravado no período horário compreendido entre as 16:06 e as 16:36, minutos compreendidos entre os 13:15 e os 13:55 do respetivo depoimento. 12 - A Requerida entende que o facto n.º 15 dos factos indiciariamente provados não pode ser dado como provado tal como está, propondo o seguinte: 15 - A requerente não se querer socorrer do seguro de saúde do seu marido, NM, e não querer recorrer ao Serviço Nacional de Saúde, aguardando que a Requerida assuma o pagamento da intervenção cirúrgica ao punho esquerdo, na Clínica …. 13 – No facto n.º 15 constante da sentença é referido que é necessário que a requerida assuma o pagamento da intervenção cirúrgica por ser decorrente dos danos por esta causados e a requerente não dispor de fundos monetários ou serviços médicos alternativos, o que tudo comprometerá a possibilidade futura de recuperação. 14 – Entende a requerida que o que se reproduz no n.º 15 não são factos mas antes alegações, conclusões ou outro tipo de afirmações. A relação causa – efeito e a análise da responsabilidade da requerida faz-se em face dos factos, não constituindo, ela própria, um facto. 15 - Acresce que não é verdade que a requerente não disponha de serviços médicos alternativos que lhe permitam avançar para a intervenção cirúrgica. – neste particular, o marido da requerente, NM, referiu dispor de seguro de saúde, cujas coberturas se estendem à esposa pois paga para isso. No entanto, seja pela necessidade de pagar em primeiro lugar e ser reembolsado depois, seja pelo facto de entenderem que a culpa será da requerida, não o quiseram utilizar: depoimento gravado no período horário compreendido entre as 16:06 e as 16:36 – aproximadamente no período compreendido entre os 13:15 e os 13:55 do respetivo depoimento. 16 - Por outro lado, como é amplamente reconhecido em Portugal e no estrangeiro, é um privilégio dispor de um sistema, como o SNS (Sistema Nacional de Saúde), que nos assegura a intervenção médica necessária, seja em casos de Urgência, seja em casos de cirurgias programadas, seja para os tratamentos que forem necessários – note-se, inclusivamente, que resulta do facto indiciariamente provado sob o n.º 13 que a própria requerente recorreu ao SNS para a realização dos seus tratamentos de fisioterapia. 17 - A verdade é que a Requerente optou por não recorrer a um qualquer Serviço de Urgência ao longo destes anos nem, tão pouco, a agendar consulta para posterior intervenção cirúrgica (ao contrário do que fez quanto à fisioterapia) – a este propósito, refere NM que presume que a filha terá tentado marcar mas o depoente e a esposa (a requerente) nunca recorreram ao SNS (Serviço Nacional de Saúde): depoimento gravado no período horário compreendido entre as 16:06 e as 16:36 – aproximadamente no período compreendido entre os 18:50 e os 20:50 do respetivo depoimento. A filha da requerente, NT, referiu, quanto ao recurso ao SNS, que tentou ligar uma vez para o Centro de Saúde, em data que não se recorda, mas a agenda estava fechada. Não se deslocou ao Centro de Saúde nem às Urgências, nem voltou a tentar o contacto telefónico – declarações de NT, gravadas no período horário compreendido entre as 14.07 e as 14.27 (aproximadamente a minutos 15:15 a 16:23). 18 - É de conhecimento comum que, se a sua situação configurasse um caso urgente, teria sido imediatamente intervencionada nas Urgências do bloco hospitalar com esta valência onde se deslocasse; não configurando um caso de urgência, seria encaminhada para consulta e posterior cirurgia (os tempos médios de espera das unidades hospitalares Hospital Professor Doutor Fernando da Fonseca, EPE, Hospital de Santa Maria e Hospital São Francisco Xavier foram juntos aos autos por requerimento com a referência 23816815, de 29/07/2023 e constam de https://tempos.min-saude.pt/#/instituicao/223). 19 – Conforme resulta daquele site, se a Requerente tivesse querido deslocar-se a uma instituição hospitalar do SNS já teria realizado, há muito, a cirurgia que agora pretende que a Requerida suporte. 20 - A Requerida entende que o facto n.º 17 dos factos indiciariamente provados deve ser alterado: A requerida entende que a questão da responsabilidade da requerida não deve constar como facto, pelo que o facto n.º 17 deverá ser apenas o seguinte: “A requerente sente-se angustiada e desesperada por ver o tempo a passar sem a realização da cirurgia.” 21 - A Requerida entende que devem ser dados como indiciariamente provados os factos seguintes: 22A - A Requerida procede a uma vistoria diária habitualmente antes da abertura do parque de estacionamento, sensivelmente pelas oito e um quarto da manhã, para verificar se há algo que possa ter escapado e motive intervenção da equipa de limpeza, como é o caso de algum lixo acumulado ou líquido - art.º 33.º da oposição da Requerida. A este propósito, em 13 de Setembro de 2022, AJ referiu o seguinte: “É feita uma vistoria, inspeção genérica do parque para ver se há algum incidente, alguma situação que mereça intervenção. Mandatário: isso é feito por quem? Pela equipa de limpeza e pela parte de gestão das equipas externas, que inclui limpeza, gestão, segurança… recebem informação de vários elementos que depois no conjunto fazem a gestão dos espaços. Mandatário: No fundo, visitarão os espaços e tentarão apurar se existe alguma zona que requeira algum cuidado especial. É isso? Sim, exatamente. Mandatário: No fundo, o que explicou é que é feita uma limpeza diária que vai abarcando, não abarcará a totalidade do parque, portanto, vão definido em rotação essa limpeza diária mas em rotação. Testemunha: Sim, exatamente. Mandatário: E para além disso é feita uma inspeção para ver se existe algo que requeira alguma intervenção… Testemunha: Sim, exatamente. – período temporal compreendido entre 00:41:00 e 00:44:10 - depoimento de AJ, prestado no dia 13 de Setembro de 2022, no período compreendido entre as 10:50 e as 11:45, em particular os minutos 00:41 a 00:44. RC, neste mesmo dia 13 de Setembro de 2022, refere o seguinte: “Mandatário: No fundo, existe algum tipo de inspeção ou vistoria diária? Testemunha: Existe uma vistoria diária por parte da segurança. (…) É feita uma visita antes do parque abrir, superficial, a ver se existe alguma poça ou lixo mais acumulado para alertar a limpeza, que possa ter escapado. (…) Após o encerramento do parque é passada, a equipa de limpeza passa, faz a limpeza e os varrimentos dos estacionamentos e os caixotes do lixo, depois de manhã a segurança até em conjunto comigo passamos uma vista geral antes da abertura. (…) Mandatário: disse que fazia uma vistoria prévia. O Centro abre a que horas? Testemunha: O Centro abre às oito e meia. O parque de estacionamento às oito e um quarto, aproximadamente. A segunda vistoria, mais superficial, é feita antes das oito e um quarto… Ou perto das oito e um quarto, às vezes, por ocorrências que possam acontecer, não acontece exatamente às oito e um quarto, acontece às nove passar uma vista geral pelo parque de estacionamento para ver os lixos que possam causar um impacto visual maior para alertar a equipa de limpeza – depoimento de RC, prestado no dia 13 de Setembro de 2022, no período compreendido entre as 14:54 e as 15:12, em particular os minutos 00:04 a 00:09:15. No mesmo sentido, depoimento de GS prestado no dia 18 de Dezembro de 2023, no período temporal compreendido entre as 14:50 e as 15:18, minutos 00:04 a 09:30. 22 B - Os seguranças do Centro Comercial fazem rondas, circulando pelos sete parques de estacionamento – art.º 33.º da oposição da Requerida; RC faz menção a rondas realizadas pelos seguranças, que vão circulando pelos parques de estacionamento, num percurso de aproximadamente uma hora e que é realizado de hora a hora – depoimento de GS prestado em 13 de Setembro de 2022, no período temporal compreendido entre 14:54 e as 15:12, minutos compreendidos entre 14:30 e 16:30, depoimento de AJ de 24 de Novembro de 2023, no período temporal entre 15:27 e 16:05, minutos 22:55 a 24:56 e depoimento de GS prestado no dia 18 de Dezembro de 2023, no período temporal compreendido entre as 14:50 e as 15:18, minutos 00:04 a 09:30. 22 - Em relação à intervenção cirúrgica dos autos, apenas foi dado como indiciariamente provado o facto constante do artigo 16.º, com o seguinte teor: “Em 14.10.2021, a Requerente teve indicação para cirurgia ao punho esquerdo, “com urgência relativa” (do art.º 25.º - requerimento inicial).” 23 - Apenas pela análise do facto provado, nada de relevante dali resulta, não sendo possível, nomeadamente, saber em que consiste a intervenção cirúrgica, o que visa debelar, qual a sua relação com os danos sofridos no punho esquerdo e com a queda da Requerente. 24 - Continua sem explicação o síndrome do túnel cárpico e a sua relação com o sinistro dos autos, não havendo menção na sentença quanto a esta patologia e a sua correlação com o sinistro e a intervenção cirúrgica pretendida pela requerente. 25 - A testemunha Dr. MF, embora reconheça a existência de múltiplas causas e do distanciamento temporal entre o surgimento do síndrome do túnel cárpico e a queda (até tendo em conta que à direita houve lugar a intervenção cirúrgica, em simultâneo, da fratura e do túnel cárpico), é da opinião (embora sem aparente exclusão de outras causas) que a fratura será a (única?) causa do síndrome do túnel cárpico à esquerda. – declarações do Dr. MF, proferidas em 24 de Novembro de 2023, minutos 00:03:20 a 00:19:43. 26 - Embora geralmente não exista uma causa evidente para o síndrome do túnel cárpico, foram identificados fatores de risco para o desenvolvimento do síndrome do túnel cárpico, nomeadamente o sexo feminino, a idade, a obesidade, a fratura do punho, a gravidez, o hipotiroidismo, a artrite reumatóide, a diabetes, a insuficiência renal, a amiloidose, o tabagismo, o uso prolongado de canadianas ou cadeira de rodas, a falta de desporto aeróbico e atividades que implique movimentos repetitivos da mão ou posicionamento prolongado do punho em posturas extremas, esforços prolongados ao nível do punho ou exposição a vibração e/ou ao frio. Por estes motivos certas atividades desportivas estão mais frequentemente associadas ao síndrome do túnel do carpo como é o caso do ciclismo e o ténis – ver, a propósito, informação cientifica que sobre esta patologia circula na internet, com recurso, por exemplo, ao motor de busca “Google”. 27 - Não sendo o síndrome do túnel cárpico uma decorrência direta e necessária da queda dos autos, há necessidade de, por um processo lógico e a partir dos factos provados, fazer corresponder esta lesão, que só foi posteriormente detetada, com a queda, o que, no entendimento da Requerida, o tribunal a quo não fez. 28 - Assim, na perspetiva da Requerida, não só os factos indiciariamente provados são insuficientes para determinar a condenação da Requerida, como ainda a prova produzida não será suficiente para determinar a relação entre a causa (a queda e os danos posteriores no punho esquerdo) e os efeitos (o síndrome do túnel cárpico). 29 - O artigo 16 dos factos indiciariamente provados é do seguinte teor: “Em 14.10.2021, a Requerente teve indicação para cirurgia ao punho esquerdo, “com urgência relativa” (do art.º 25.º - requerimento inicial) – por referência ao artigo 25.º do requerimento inicial, a Requerente junta o doc. n.º 10 para atestar essa “urgência relativa”. 30 - O tribunal a quo, em sede de motivação e quanto ao depoimento do Dr. MF, refere, entre outras coisas, que a cirurgia “…já não situa no plano de recuperação total, por não poder já assumir natureza curativa, mas paliativa, porquanto não permite a reverter as queixas, salientando vantagem na cirurgia para, a prazo, obviar ao agravamento das queixas, designadamente do agravamento funcional da mão esquerda. – sublinhado nosso.” 31 - O depoente, Dr. MF, referiu que é muito pouco provável que provoque qualquer alívio das queixas de dormência, que são permanentes; poderá evitar a evolução da atrofia muscular e evitar o agravamento das queixas – depoimento do Dr. MF realizado em 24 de Novembro de 2023, compreendido entre o período horário das 14:34 a 15:25, minutos 00:12 a 00:15:23. 32 – O que resulta destas últimas declarações do médico que acompanha a Requerente é que a cirurgia já não terá natureza curativa mas paliativa. Resulta daqui que a cirurgia, apesar de aparentemente necessária e de dever ser realizada assim que possível, neste momento não será urgente. Já não se trata de saber o que é a urgência relativa (que para um declaratário normal não pode ser sinónimo de urgência) mas sim que é importante realizá-la no momento oportuno pois destinar-se-á ao não agravamento potencial da patologia detetada à requerente. 33 - E é isso que também resulta das palavras do médico assistente da requerente, o Dr. MF, que refere 9 meses / 1 ano ou mais de espera em lista de espera no Serviço Nacional de Saúde – declarações do Dr. MF realizadas em 24 de Novembro de 2023, no período temporal compreendido entre as 14:34 e as 15:25, minutos 00:15:30 a 00:16:45. Estando o Dr. MF a considerar este lapso de tempo para a realização da cirurgia, está a assumir que, no âmbito do SNS (e também para ele próprio, como nos parece) a cirurgia se enquadra no âmbito das cirurgias programadas não urgentes. 34 – A única interpretação possível das declarações prestadas pela testemunha Dr. MF é que a intervenção cirúrgica não configurará uma urgência (pois que se configurasse uma urgência, seria imediatamente intervencionada nos serviços de urgência), antes sendo aplicáveis as regras previstas para o agendamento das intervenções cirúrgicas – segundo o Dr. MF oscilam entre os 9 meses e 1 ano; se consultarmos o site https://tempos.min-saude.pt/#/instituicao/223, poderemos verificar que, à data de hoje, o tempo de espera no Hospital Prof. Dr. Fernando da Fonseca é o seguinte: consulta de ortopedia (80 dias – prioritário; 120 dias – normal) e cirurgia (23 dias – muito prioritário; 48 dias – prioritário; 246 dias – normal). 35 - Ora, se a situação da requerente se revestisse, de facto, de urgência, seria expectável que fosse sanada de imediato (num serviço de urgência) ou num prazo muito curto (cirurgia programada), com recurso ao SNS (Serviço Nacional de Saúde), como, aliás, decorre dos tempos de espera que se mostram regularmente publicados na Internet pelo Ministério da Saúde. 36 – No entanto, desde a data da emissão da declaração médica (14 de Outubro de 2021) já decorreu mais de 2 anos, sem que a requerente recorra a um qualquer serviço do SNS, nomeadamente para aferir da sua necessidade de intervenção e urgência. 37 – Entende a Requerida que a matéria de facto indiciariamente provada não é suficiente para demonstrar a necessidade de reparação urgente, o periculum in mora.que determinou o recurso à providência cautelar, pelo que se mostra violado o art.º 362.º do CPC. Entende ainda a Requerida que a Requerente dispõe de meios alternativos para a realização da cirurgia, seja mediante o recurso ao seguro de saúde de seu marido (que abrange também a requerente), seja com recurso ao SNS que dá resposta breve e adequada. 38 - Da decisão proferida pelo Tribunal a quo não resulta a razão de ser ou motivo de onde emerge a responsabilidade da Requerida e que determina, no caso, a obrigação de suportar o custo de uma intervenção cirúrgica. 39 - Embora na decisão proferida o tribunal a quo refira que o decretamento de uma providência cautelar depende da probabilidade séria da existência do direito invocado, nenhuma referência é feita a esse direito e à existência (ou não) de culpa por parte da Requerida, direito e apreciação que, em todo o caso, nos parece fundamental fazer. 40 - A fundamentação de direito, que é efetuada pelo tribunal a quo, não comporta qualquer apreciação da bondade da pretensão da Requerente, na vertente do direito material, cingindo-se a uma apreciação exclusivamente processual, o que determinará, no entendimento da Requerida, que o Tribunal da Relação de Lisboa, substituindo-se ao tribunal recorrido, proceda a análise e, a final, profira decisão em conformidade. 41 - Assim é que, e com interesse para a apreciação da culpa da Requerida, consideramos indiciariamente provados os seguintes factos: 22.A Requerida, em todos os locais onde exerce a gestão de espaços comerciais e parques de estacionamento, toma todas as providências adequadas a evitar a ocorrência de danos. [do art.º 33.º - oposição da Requerida] 22A - A Requerida procede a uma vistoria diária habitualmente antes da abertura do parque de estacionamento, sensivelmente pelas oito e um quarto da manhã, para verificar se há algo que possa ter escapado e motive intervenção da equipa de limpeza, como é o caso de algum lixo acumulado ou líquido - art.º 33.º da oposição da Requerida. 22B - Os seguranças do Centro Comercial fazem rondas, circulando pelos sete parques de estacionamento – art.º 33.º da oposição da Requerida; 23.Pese embora o espaço destinado ao estacionamento no Centro Comercial … ser gratuito e destinado aos clientes que se deslocam ao Centro Comercial, a Requerida leva muito a sério esta sua tarefa, promovendo, diariamente, tarefas de limpeza do espaço de estacionamento. [do art.º 34.º - oposição da Requerida] 24 - A Requerida procede, diariamente e após fecho do Centro, à limpeza do parque de estacionamento e zonas adjacentes – art.º 35.º da oposição da Requerida. 25 – Entre muitas outras atividades, são limpas as entradas pedonais de acesso ao centro, são retirados lixos que se encontrem depositados ao longo do espaço de estacionamento e são franjadas zonas críticas, que habitualmente acumulam sujidade – art.º 36.º da oposição da Requerida. 26 - No dia 23 de Junho de 2021 foi feita, como habitualmente, a limpeza diária dos acessos e retirada de lixos ao longo do espaço do estacionamento (do art.º 37.º - oposição da Requerida) 27 - Nada foi detetado de anormal, nomeadamente óleos ou outros líquidos derramados no pavimento, o que faz pressupor que o derrame no pavimento tenha acontecido em período horário próximo ao do sinistro, já no dia 24 de Junho de 2021. (do art.º 38.º - oposição da Requerida). 28 – Assim é que a Requerida, durante os dias 23 e 24 de Junho (neste último dia até à hora do sinistro) não tomou conhecimento de nenhum derrame de líquidos no pavimento, nem tal lhe foi comunicado por pessoal da limpeza, vigilantes, demais colaboradores ou clientes (do art.º 39.º - oposição da Requerida). 29 - Sempre que é detetado um derrame no pavimento, é aplicado o procedimento definido para os derrames, consistente na contenção do derrame com material absorvente, recolha do resíduo e limpeza do local – (do art.º 40.º da oposição da Requerida). 30 – Foi também isso que aconteceu no caso dos autos, assim que foi dado conhecimento à Requerida da existência de líquido no pavimento, tendo sido aplicado imediatamente material absorvente e limpa a zona após o acidente – (do artigo 41.º da oposição da Requerida). 31 - Regularmente procede-se a lavagem do pavimento – (do art.º 42.º - oposição da Requerida). 32 – Durante o período pandémico, foi realizada uma lavagem total do pavimento do estacionamento em 2020 e nova lavagem no início de setembro de 2021 (do art.º 43.º - oposição da Requerida). 42 - Em súmula, a Requerida procede diariamente (à noite, no período entre as 00.00 e as 02.00) à limpeza do parque de estacionamento e zonas adjacentes, retira lixos dos caixotes e franja zonas críticas, procede a uma vistoria diária ao parque de estacionamento (geralmente antes da abertura do parque) e os seguranças fazem rondas pelo parque durante o dia. 43 - Sempre que há um derrame é aplicado o procedimento definido pela equipa de gestão, consistente na contenção do derrame com material absorvente, recolha do resíduo e limpeza do local, posicionando um elemento físico no local até que esteja terminada a operação de limpeza, o que também veio a ser feito no caso dos autos, mal se tomou conhecimento do liquido no pavimento. 44 - Afigura-se-nos, assim, não haver, da parte da Requerida, - ainda que se entenda que também é responsável – qualquer culpa, dado que tudo fez (e faz) para evitar a ocorrência de acidentes e lesões no Centro Comercial, estacionamento e zonas adjacentes. 45 - Conforme se decidiu no Acórdão proferido no âmbito do presente processo, a factualidade referente aos cuidados tidos pela Requerida na gestão do Centro Comercial (e do Parque de Estacionamento) “…, é absolutamente indispensável para decidir da responsabilidade civil da requerida Ceetrusportugal, SA e, portanto, da provável existência do direito da requerente. “ 46 - A Requerida, em face da factualidade dada como provada nos artigos 22 a 32 (neles se incluindo os artigos 22º-A e B, que se pretende aditar) considera não existir culpa, da sua parte, no acidente e danos dos autos, pelo que, decidindo em contrário, mostra-se violado o art.º 493.º do Código Civil.”
Conclui, pugnando pela revogação da decisão proferida pelo tribunal “a quo”, nos termos constantes do seu articulado.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Recebidos os autos neste Tribunal, foram colhidos os vistos.
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2. Objeto do recurso
Admitido o recurso, e remetido o mesmo a este Tribunal, nada obstando ao conhecimento do seu mérito.
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3. Questões a decidir
São as conclusões formuladas pelo recorrente que delimitam o objeto do recurso, no tocante ao desiderato almejado por aquele, bem como no que concerne às questões de facto e de Direito suscitadas, conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC.
Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º n.º 3 do CPC)[1].
Por outro lado, não pode o Tribunal de recurso, conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[2].
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608°, n° 2), as questões a decidir consubstanciam-se em saber:
- Se deve ser alterada a matéria de facto de acordo com o pugnado pelas apelantes;
- Em caso de alteração da matéria de facto, se tal implica um enquadramento jurídico diverso do efectuado na sentença, conducente à improcedência do procedimento.
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4. Fundamentação
4.1. Fundamentação de Facto
4.1.1. Fundamentação de Facto em 1ª Instância
O Tribunal recorrido, com relevo para a decisão da causa, considerou provados os seguintes factos:
“1. Em 24.06.2021, a Requerente caiu no parque de estacionamento do centro comercial …, sito na Avenida …, o qual está sob gestão e exploração da Requerida, sociedade anónima, que se dedica à gestão e exploração de centros comerciais. [dos art.ºs 1.º e 2.º - requerimento inicial]
2. Após estacionamento do seu veículo automóvel no parque de estacionamento coberto daquele centro comercial, no piso 1+, a Requerente escorregou numa mancha de produto gorduroso existente no pavimento, na zona de abertura da porta dianteira direita, tendo caído desamparada no solo. [dos art.ºs 3.º e 4.º - requerimento inicial]
3. A presença do referido produto não estava sinalizada por qualquer meio e sua cor e/ou transparência era idêntica à cor do piso em que se encontrava. [dos art.ºs 5.º e 6.º - requerimento inicial]
4. Consequentemente, o piso estava escorregadio. [do art.º 7.º - requerimento inicial]
5. O local da queda não configura um lugar de estacionamento, mas uma zona adjacente, situada entre o último lugar de parqueamento naquela faixa e um pilar [do art.º 8.º - requerimento inicial]
6. Após a queda, a Requerente foi conduzida ao Hospital São Francisco Xavier, onde lhe foi prestada assistência e diagnosticada, em consequência da queda, a fratura dos dois punhos, cujo episódio de urgência ficou registado sob o número 21049911. [dos art.º 9.º e 10.º- requerimento inicial]
7. Deste hospital foi a Requerente encaminhada para o Hospital Fernando da Fonseca, cujo episódio de urgência ficou registado sob o número 89239. [dos art.º 11.º e 12.º- requerimento inicial]
8. Nesta data ficou agendada consulta de ortopedia para seguimento da situação clínica. [dos art.º 13.º- requerimento inicial]
9. A Requerente ficou com os dois pulsos engessados e impossibilitada de realizar qualquer atividade do quotidiano, nomeadamente de fazer a sua própria higiene, vestir-se, calçar-se e alimentar-se e ainda de realizar qualquer tarefa doméstica, como, por exemplo, cozinhar, passar a ferro e limpar, ir às compras ou outra. [do art.º 14.º- requerimento inicial]
10. Ficando, por isso, totalmente dependente do auxílio do marido. [do art.º 15.º- requerimento inicial]
11. Em 21.07.2021, a pedido do médico que acompanhava a Requerente na Clínica, indicada pela RNA – Rede Nacional de Assistência, a Requerente realizou TAC aos dois punhos, tendo sido sugerido estudo RM dirigido, ou seja, por ressonância magnética. [do art.º 18.º- requerimento inicial]
12. Em 23.07.2021, a Requerente foi submetida a intervenção cirúrgica ao punho direito no Hospital CUF, para o que a RNA emitiu termo de responsabilidade. [do art.º 19.º- requerimento inicial]
13. Após o cancelamento da assistência médica, conjugada com as dificuldades decorrentes da pandemia por Covid-19, nomeadamente atrasos decorrentes dos períodos de inatividade ou atividade reduzida devido aos vários confinamentos, restrições de consultas e acesso aos serviços médicos em geral, a Requerente apenas conseguiu iniciar a fisioterapia em 11.10.2021 por intermédio do Serviço Nacional de Saúde, por não dispor de serviços médicos alternativos,.[do art.º 22.º - requerimento inicial]
14. Data que já causou prejuízo para a sua recuperação. [do art.º 23.º -requerimento inicial]
15. Contudo, por não dispor de fundos monetários ou serviços médicos alternativos que lhe permitam avançar para a necessária intervenção, cuja não realização comprometerá a possibilidade futura de recuperação, a Requerente necessita que a Requerida assuma o pagamento da necessária intervenção cirúrgica ao punho esquerdo, que aguarda, por ser esta decorrente dos danos por aquela causados. [dos art.ºs 26.º e 27.º - requerimento inicial]
16. Em 14.10.2021, a Requerente teve indicação para cirurgia ao punho esquerdo, “com urgência relativa” [do art.º 25.º- requerimento inicial]
17. A Requerente sente-se angustiada e, cada vez mais, desesperada por ver o tempo a passar sem que a Requerida assuma a sua responsabilidade, comprometendo dessa forma a possibilidade da sua recuperação futura. [do art.º 24.º - requerimento inicial]
18. Em 05.07.2021, a Requerente foi contactada pela Verspieren Portugal –Corretores
de Seguros, SA. (doravante designada abreviadamente por Verspieren), tendo sido informada de que a assistência médica seria prestada pela RNA mediante agendamento de consulta, e de que assumiriam o pagamento das despesas da Requerida [do art.º 32.º- requerimento inicial]
19. A “Verspieren” encaminhou a Requerente para os serviços da RNA, que lhe prestou assistência. [do art.º 33.º- requerimento inicial]
20. Na falta de qualquer contacto por parte da RNA, em data posterior a 10.08.2021, a Requerente contactou telefonicamente a RNA, que, nesse contacto, informou da cessação da assistência médica à Requerente, alegadamente por ter esgotado o plafond de assistência e, por esse motivo, a Verspieren ter encaminhado o processo para a RTS, mandatária da AXA XL. [do art.º 37.º- requerimento inicial]
21. Após contacto da Requerente, por intermédio da sua mandatária, a AXA XL cujo contrato celebrado com a Requerida não é do conhecimento da Requerente, sem obrigação de conhecer, informou em 25.11.2021, por correio eletrónico, ao qual anexou carta datada de 2./08.2021 (?!), que recusa a responsabilidade pelo evento. [do art.º 44.º- requerimento inicial]
22. A Requerida, em todos os locais onde exerce a gestão de espaços comerciais e parques de estacionamento, toma todas as providências adequadas a evitar a ocorrência de danos. [do art.º 33.º - oposição da Requerida]
23. Pese embora o espaço destinado ao estacionamento no Centro Comercial … ser gratuito e destinado aos clientes que se deslocam ao Centro Comercial, a Requerida leva muito a sério esta sua tarefa, promovendo, diariamente, tarefas de limpeza do espaço de estacionamento [do art.º 34.º - oposição da Requerida]
24. Assim é que a Requerida procede, diariamente e após fecho do centro, à limpeza do parque de estacionamento e zonas adjacentes. [do art.º 35.º - oposição da Requerida]
25. Entre muitas outras atividades, são limpas as entradas pedonais de acesso ao centro, são retirados lixos que se encontrem depositados ao longo do espaço de estacionamento e são franjadas zonas críticas, que habitualmente acumulam sujidade. [do art.º 36.º - oposição da Requerida]
26. No dia 23 de Junho de 2021 foi feita, como habitualmente, a limpeza diária dos acessos e retirada de lixos ao longo do espaço do estacionamento. [do art.º 37.º - oposição da Requerida]
27. Nada foi detetado de anormal, nomeadamente óleos ou outros líquidos derramados no pavimento, o que faz pressupor que o derrame no pavimento tenha acontecido em período horário próximo ao do sinistro, já no dia 24 de Junho de 2021. [do art.º 38.º - oposição da Requerida]
28. Assim é que a Requerida, durante os dias 23 e 24 de junho (neste último dia até à hora do sinistro) não tomou conhecimento de nenhum derrame de líquidos no pavimento, nem tal lhe foi comunicado por pessoal da limpeza, vigilantes, demais colaboradores ou clientes. [do art.º 39.º - oposição da Requerida]
29. Sempre que é detetado um derrame no pavimento, é aplicado o procedimento definido para os derrames, consistente na contenção do derrame com material absorvente, recolha do resíduo e limpeza do local. [do art.º 40.º - oposição da Requerida]
30. Foi também isso que aconteceu no caso dos autos, assim que foi dado conhecimento à Requerida da existência de líquido no pavimento, tendo sido aplicado imediatamente material absorvente e limpa a zona após o acidente [do art.º 41.º - oposição da Requerida]
31. Regularmente procede-se a lavagem do pavimento. [do art.º 42.º - oposição da Requerida]
32. Durante o período pandémico, foi realizada uma lavagem total do pavimento do estacionamento em 2020 e nova lavagem no início de setembro de 2021. [do art.º 43.º - oposição da Requerida]
33. A responsabilidade civil, nomeadamente a responsabilidade civil exploração, entendida esta como a garantia pelas “indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, em consequência do exercício das atividades definidas nas Condições Particulares, nomeadamente “a) por actos ou omissões do Segurado, seus administradores, gerentes, empregados, assalariados ou mandatários quando em serviço e por quem seja civilmente responsável;
b) Por animais, instalações, imóveis e parqueamentos utilizados pelo
Segurado para o exercício das suas actividades;”
34. Encontrava-se, à data do alegado sinistro, transferida para a companhia de seguros XL Insurance Company SE, com sede em London. por meio do contrato de seguro, titulado pela Apólice de Seguro de Responsabilidade Civil n.º … [do art.º 44.º - oposição]
35. A Apólice de seguro identificada no artigo precedente tem como tomador de seguro / segurado a Auchan Portugal Hipermercados, SA e, como segurados adicionais, entre outros, a Requerida Ceetrusportugal, SA. [do art.º 45.º -oposição]
36. O referido contrato de seguro estava em vigor à data do sinistro retratado nos autos. [do art.º 46.º - oposição].”
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Na decisão sob recurso, não se consideraram provados, os seguintes Factos: “Que a Requerente tenha saído do veículo sem os cuidados necessários, nomeadamente tendo em consideração que o calçado tinha saltos altos. [do art.º 19.º - oposição da Requerida].
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Considerou-se ainda, na decisão em análise que: “Os demais factos alegados, por reportarem a alegação de matéria de Direito, integrarem meras conclusões ou argumentação jurídica, ou ainda padecerem de repetição face a outros já considerados, não foram, com este fundamento, objeto de resposta encontrando-se nesta categoria designadamente a seguinte matéria alegada: - do art.º 4.º, 9.º, 11.º, 13º. 14º, 15º, 16º, 17.º, 19.º, 20.º, 21.º 22º do requerimento inicial. - do art.º 1.º, 2.º, 3.º, 4.º 5º,6º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º 15º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º a 28.º da oposição da 1.ª Requerida. - dos artigos 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º e 33.º da oposição da Interveniente”.
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4.1.2. 1. Impugnação da matéria de facto:
De acordo com o nº 5 do art.º 607º do CPC – “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
O STJ, em Acórdão proferido em 11.07.2007, decidiu que:
“O princípio da livre apreciação da prova é um princípio atinente à prova, que determina que esta é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz, uma livre convicção que não pode ser arbitrária ou subjectiva e, por isso, deve ser motivada. A motivação da convicção apresenta-se, pois, como o meio de controlo da decisão de facto, em ordem a garantir a objectividade e a genuidade da convicção formada pelo tribunal”[3].
E, conforme já foi decidido neste Tribunal no Processo nº 2549/21.2T8VFX.L1 em acórdão relatado pela Sr.ª Desembargadora Ana Paula Nunes Duarte Olivença, em 07.03.2024: “1. É comumente aceite que o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação; 2. A alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão distinta da que foi proferida em 1ª instância ou seja, quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
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Feitas estas considerações, impõe-se agora a análise concreta da argumentação das recorrentes.
Questões suscitadas, em comum por ambas as Recorrentes: - Situação económica da apelada (primeira parte do facto nº 15):
Ambas as recorrentes referiram que, a primeira parte do facto nº 15 dado como assente deve ser dada como não provada, uma vez que, não só não existem dados no processo sobre a situação económica da apelada, como não consta da fundamentação da sentença, o motivo pelo qual o referido facto foi dado como provado.
Está em causa a parte em que se deixou expresso que a apelada não dispunha de fundos monetários para avançar com a intervenção cirúrgica.
Relida a sentença posta em crise, verifica-se, efectivamente que, na parte da fundamentação de facto, não consta o caminho trilhado pela Mmª Juiz “a quo”, que permita perceber porque considerou que a apelada não dispunha de fundos monetários para custear a cirurgia em causa. Também não há no processo prova documental ou testemunhal que permita extrair tal conclusão.
Subsistindo convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto, a primeira parte do facto nº 15 dado como assente deve ser dada como não provada, como defendido pelas apelantes.
O facto nº 15 passará a ter a seguinte redação:
“15. Contudo, por não dispor de serviços médicos alternativos que lhe permitam avançar, a Requerente necessita que a Requerida assuma o pagamento da necessária intervenção cirúrgica ao punho esquerdo. [dos art.ºs 26.º e 27.º - requerimento inicial].”
- Disponibilidade de Serviços Médicos alternativos (factos nºs 13, 14 e 15):
As duas recorrentes insurgem-se contra o facto de ter sido dado como assente, nos nºs 13, 14 e 15 dos factos provados, que a apelada não dispunha de serviços médicos alternativos.
Argumentam que a apelada não explorou devidamente a possibilidade de ser intervencionada no SNS ou acionando o seguro de saúde do marido, que também a abrange.
Neste ponto, a sentença sob recurso esclarece de forma bastante convincente o motivo pelo qual considerou que, a apelada não teve à sua disposição serviços médicos alternativos, atentando no depoimento da testemunha NT, filha daquela que explicou o contexto em que ocorreu o acidente da mãe.
Efectivamente, esta testemunha disse que tentou recorrer aos serviços do SNS, mas em pleno período de confinamento decorrente da epidemia SARS-Covid19, mas “a agenda estava fechada e não estavam a marcar consultas”. Confrontada com o facto de não ter ido directamente ao Centro de Saúde ou Hospital para tratar do assunto, o que apenas fez pelo telefone, a testemunha referiu que os seus afazeres profissionais a impediram de tal procedimento. Acrescentou que por indicação da seguradora apelante, a mãe estava a ser seguida na Clínica ….
Ora, considerando o contexto em causa, em que as idas aos centros de saúde e hospitais eram altamente desaconselhadas por razões de saúde pública e deveriam ser restringidas ao estritamente urgente e necessário, bem como pelo facto de, nesse momento, os recursos dos serviços de saúde estarem, privilegiadamente alocados, ao combate da pandemia e tratamento dos doentes infectados, não era de todo exigível que a apelada ou seus familiares fizessem mais do que fizeram.
Por outro lado, o depoimento do médico MF segundo o qual, os tempos de espera do SNS não se compadecem com as necessidades da intervenção requerida, no pressuposto de que este profissional clínico, com experiência no terreno, sabe e percepciona que nem sempre os tempos de espera mencionados nos sites enunciados pelas apelantes, são os que se efectivam no terreno (dependendo muito do local onde os pacientes residem e a natureza da intervenção) será de valorar, por confronto aos documentos genéricos referidos.
Por outro lado, também não é, expectável nem razoável, que tivessem accionado outro seguro (o de saúde do marido da apelada).
Dado o contexto em causa e, estando a apelada a ser seguida na Clínica … indicada pela seguradora apelante, no pressuposto que esta aceitou a responsabilidade do sinistro, estando a Clínica em causa na posse dos elementos clínicos da apelada, o que faria sentido para a apelada, é que fosse intervencionada na senda, deste seguimento médico.
Exigir que esta adiantasse os custos de uma intervenção, tal como referiu a testemunha NM, porque o seu seguro, assim o impunha, custos esses que são sempre imprevisíveis, pois as vicissitudes de uma cirurgia, por mais simples que seja, ninguém as pode assegurar e, correndo o risco de não serem ressarcidos, não é uma alternativa expectável, nem razoável.
A ser assim, não há motivo, para alterar, nesta parte a matéria de facto dada como assente nos nºs 13, 14 e 15, tal como proposto pelas Apelantes. - “Urgência relativa” da cirurgia (facto nº 16):
Não concordaram as apelantes com o facto de o tribunal ter considerado que a intervenção cirúrgica era urgente.
Resulta do referido facto dado como assente na primeira instância que: “em 14.10.2012, a requerente teve indicação para cirurgia ao punho esquerdo, “com urgência relativa”.
A Mmª Juiz “a quo” fundamentou esta tomada de posição nas declarações do médico MF, prestadas em julgamento que esclareceram o conteúdo do documento clínico junto com o requerimento inicial, sob o nº 10, que continha precisamente essa expressão.
A referida testemunha explicou que a referida urgência se reporta a um período situado entre uma semana e um mês. Este esclarecimento mostrou-se na nossa óptica decisivo, porque permite diferenciar situações de urgência em que a intervenção cirúrgica em causa tem que ser efectuada de imediato ou nos dias seguintes sob pena de risco de vida para o paciente ou sequelas irreversíveis para a sua saúde.
Não colhe o entendimento da apelante Ceetrusportugal, SA que usou o argumento invocado pelo Dr. MF em audiência de que a cirurgia em causa seria de natureza paliativa e não de natureza curativa e que, por esse motivo, já não era urgente. Efectivamente, esse clínico também esclareceu que a paciente/apelada apresenta queixas e que, quanto mais tarde for operada, maior risco haverá de perder a sensibilidade na mão, sendo que, segundo o mesmo, os tempos de espera do SNS não se compadecem com a necessidade de intervenção em causa.
Não colhe o argumento da apelante seguradora, no sentido de desvalorizar tal depoimento, porque não há relatório de perícia de avaliação do dano corporal nos autos.
O palco privilegiado desse relatório, será a acção principal e não o procedimento cautelar, que deve ser decidido em primeira instância num prazo de dois meses como prevê o art.º 363, nº 2 do CPC.
Como é de conhecimento geral as perícias médico legais, dependendo dos exames solicitados e esclarecimentos pretendidos pelas partes e julgador, não raras vezes, demoram mais de seis meses ou até um ano ou mais a serem concluídas.
Esta demora, não se compadece com a urgência do procedimento cautelar.
Pelo que nesta parte, não colhem os argumentos invocados pelas apelantes, não havendo motivos para alterar o ponto 16 da matéria de facto assente.
*
Questão suscitada apenas pela Recorrente XL Insurance Company SE:
Entende esta recorrente que os pontos 9 e 10 da matéria de facto deviam ser dados como não provados tendo em conta as declarações da testemunha MF proferidas no dia 24.11.2023.
Consta como assente na decisão da primeira instância nos referidos pontos que:
“9. A Requerente ficou com os dois pulsos engessados e impossibilitada de realizar qualquer atividade do quotidiano, nomeadamente de fazer a sua própria higiene, vestir-se, calçar-se e alimentar-se e ainda de realizar qualquer tarefa doméstica, como, por exemplo, cozinhar, passar a ferro e limpar, ir às compras ou outra. [do art.º 14.º- requerimento inicial].
10. Ficando, por isso, totalmente dependente do auxílio do marido. [do art.º 15.º- requerimento inicial]”.
Esta factualidade, pela ordem de inserção da mesma, reporta-se, sem qualquer margem para dúvida, aos momentos que se seguiram ao acidente e, não à fase de recuperação em que a apelada se encontrava quando foi observada pelo médico identificado “supra”.
A Mmª Juiz deu a mesma como assente tendo em consideração a documentação clínica junta aos autos que não foi impugnada e, resulta efectivamente dos episódios de urgência dos hospitais Francisco Xavier e Amadora-Sintra, que a apelada fraturou os dois pulsos (docs. 4 e 5 juntos com o requerimento inicial e fotografia 6 do doc. 3 junto com a mesma peça processual).
O resto da factualidade reportada à sua incapacidade para tratar de si, nesse período, bem como das tarefas domésticas, é uma consequência lógica do seu estado de saúde. O auxílio do marido, foi por este relatado, em audiência.
Improcede, nesta parte o recurso.
A questão suscitada no nº 8 limita-se à citação de um depoimento de uma testemunha, sem se fazer correspondência à concreta questão de facto impugnada, nem ao texto alternativo que se considera ser o correctamente julgado, pelo que, se rejeita o recurso nesta parte por não estarem preenchidos os requisitos a que alude ao art.º 640, nº 2, als. a) a c) do CPC.
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Questões suscitadas apenas pela Recorrente Ceetrusportugal, SA:
- Supressão no facto dado como provado no nº 2 da expressão “na zona da abertura da porta dianteira”:
Alega a recorrente Ceetrusportugal, SA que “de acordo com o facto provado sob o nº 5, o local da queda não configura um lugar de estacionamento, mas uma zona adjacente, situada entre o último lugar de parqueamento naquela faixa e um pilar. A zona de abertura da porta situar-se-á ainda no lugar de estacionamento. Se a queda se dá fora do local de estacionamento, não poderá ser no âmbito da zona de abertura da porta dianteira direita”.
Consta da matéria de facto assente o seguinte:
“2. Após estacionamento do seu veículo automóvel no parque de estacionamento coberto daquele centro comercial, no piso 1+, a Requerente escorregou numa mancha de produto gorduroso existente no pavimento, na zona de abertura da porta dianteira direita, tendo caído desamparada no solo. [dos art.ºs 3.º e 4.º - requerimento inicial].”
“5. O local da queda não configura um lugar de estacionamento, mas uma zona adjacente, situada entre o último lugar de parqueamento naquela faixa e um pilar [do art.º 8.º - requerimento inicial].”
Conforme constatado pela recorrente Ceetrusportugal, SA, existe, efectivamente, uma contradição no texto entre os dois pontos da matéria de facto, em análise.
Se é pacificamente alegado pela requerente e, aceite pelas apelantes, que o acidente ocorreu num local que não configura um lugar de estacionamento, não faz qualquer sentido que se tenha dado na zona de abertura da porta dianteira direita do veículo que transportava a apelada, na medida em que, tal como consta da foto nº 3 junta aos autos por aquela, o acidente não ocorreu, imediatamente, junto ao referido veículo.
Mostra-se aqui, formada a convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto.
Assim sendo, a referida expressão “na zona de abertura da porta dianteira direita”, deverá ser suprimida do texto do ponto 2, como requerido, ficando a constar do ponto em questão o seguinte:
“2. Após estacionamento do seu veículo automóvel no parque de estacionamento coberto daquele centro comercial, no piso 1+, a Requerente escorregou numa mancha de produto gorduroso existente no pavimento, tendo caído desamparada no solo. [dos art.ºs 3.º e 4.º - requerimento inicial].” - Supressão no facto dado como provado no nº 3 da expressão “e sua cor/e ou transparência era idêntica à cor do piso em que se encontrava”:
Consta do nº 3 dos factos assentes o seguinte:
“A presença do referido produto não estava sinalizada por qualquer meio e a sua cor e/ou transparência era idêntica à cor do piso em que se encontrava (dos artsº 5º e 6º - requerimento inicial).
Alega a recorrente Ceetrusportugal, SA que a foto do documento 3 junto com o requerimento inicial reflete, nas palavras do marido e da filha da requerente, o sinistro dos autos. É possível verificar que o líquido não tem cor e/ou transparência idêntica à cor do piso em que se encontrava, sendo detectável a olho nu. Tal conclusão também pode ser retirada das declarações das referidas testemunhas, NM e NT.
Pugna, por esse motivo, pela retirada dessa expressão.
O documento 3, consiste numa fotografia do local do sinistro, segundo as declarações credíveis das testemunhas, NM e NT. Nessa foto é possível ver parte de um corpo deitado no piso (pernas e parte das mãos), tudo indicando, ser o da apelada.
É possível constatar a existência no piso, de um líquido brilhante e um pouco mais escuro do que o pavimento sobre o qual se encontra. Não se pode porém, afirmar que o líquido em questão é de cor diferente ao do pavimento e sendo visível a olho nu, como afirma a recorrente, não “salta propriamente à vista”, sendo facilmente confundível com o local onde se encontra derramado.
A ser assim, esta objecção da recorrente não merece provimento.
- Supressão no facto dado como provado no nº 17 das expressões “por ver o tempo a passar sem que a Requerida assuma a sua responsabilidade, comprometendo dessa forma a possibilidade da sua recuperação futura”:
Alega a recorrente Ceetrusportugal, SA que a questão da responsabilidade da apelada não deve constar como facto, propondo que o ponto em questão tenha a seguinte redação: “A Requerente sente-se angustiada e, cada vez mais, desesperada por ver o tempo a passar sem a realização da cirurgia”.
Consta do ponto 17 o seguinte texto:
“A Requerente sente-se angustiada e, cada vez mais, desesperada por ver o tempo a passar sem que a Requerida assuma a sua responsabilidade, comprometendo dessa forma a possibilidade da sua recuperação futura. [do art.º 24.º - requerimento inicial]”
Assiste-lhe razão. A questão da responsabilidade das recorrentes é, efectivamente, matéria de direito, a analisar, no momento próprio e não deve ser inserida na matéria de facto.
Quanto à possibilidade de “recuperação futura”, também se mostra dispensável neste ponto, uma vez que, se mostra conclusiva[4].
Assim sendo, o ponto 17 da matéria de facto, deverá ter a seguinte redação proposta pela recorrente Ceetrusportugal, SA:
“A Requerente sente-se angustiada e, cada vez mais, desesperada por ver o tempo a passar sem a realização da cirurgia”.
Também, nesta parte, estamos convictos que ocorreu existência de erro de julgamento na matéria de facto. - Aditamento do seguinte texto: “A requerida procede a uma vistoria diária habitualmente antes da abertura do parque de estacionamento, sensivelmente pelas oito e um quarto da manhã, para verificar se há algo que possa ter escapado e motive intervenção da equipa de limpeza, como é o caso de algum lixo acumulado ou líquido”:
Pugna a recorrente Ceetrusportugal, SA pelo aditamento desta matéria que alegou no art.º 33 da respectiva oposição. Fundamenta tal solicitação, nas declarações prestadas pelas testemunhas AJ e RC no dia 13.09.2022.
Recordando a matéria de facto assente e atentando na matéria inserta nos nºs. 22 a 27, resulta da mesma o seguinte: “22. A Requerida, em todos os locais onde exerce a gestão de espaços comerciais e parques de estacionamento, toma todas as providências adequadas a evitar a ocorrência de danos. [do art.º 33.º - oposição da Requerida] 23. Pese embora o espaço destinado ao estacionamento no Centro Comercial … ser gratuito e destinado aos clientes que se deslocam ao Centro Comercial, a Requerida leva muito a sério esta sua tarefa, promovendo, diariamente, tarefas de limpeza do espaço de estacionamento [do art.º 34.º - oposição da Requerida] 24. Assim é que a Requerida procede, diariamente e após fecho do centro, à limpeza do parque de estacionamento e zonas adjacentes. [do art.º 35.º - oposição da Requerida] 25. Entre muitas outras atividades, são limpas as entradas pedonais de acesso ao centro, são retirados lixos que se encontrem depositados ao longo do espaço de estacionamento e são franjadas zonas críticas, que habitualmente acumulam sujidade. [do art.º 36.º - oposição da Requerida] 26. No dia 23 de Junho de 2021 foi feita, como habitualmente, a limpeza diária dos acessos e retirada de lixos ao longo do espaço do estacionamento. [do art.º 37.º - oposição da Requerida] 27. Nada foi detetado de anormal, nomeadamente óleos ou outros líquidos derramados no pavimento, o que faz pressupor que o derrame no pavimento tenha acontecido em período horário próximo ao do sinistro, já no dia 24 de Junho de 2021. [do art.º 38.º - oposição da Requerida].”
Do ponto 22 resulta genericamente que a recorrente toma todas as providências destinadas a evitar a ocorrência de danos e dos seguintes que, são efectuadas as necessárias operações de limpeza e vigilância diárias.
Contudo, a matéria ora sugerida pela recorrente Ceetrusportugal, SA, reporta-se a uma medida adicional de segurança, efectivamente reportada pelas testemunhas AJ e GS, com credibilidade, em audiência.
Interessa à decisão da causa e foi alegada no art.º 33 da oposição respectiva.
Pelo que, procede o interesse manifestado, no aditamento proposto, detectando-se, aqui, erro de julgamento na matéria de facto.
Pelo exposto, deverá passar a constar da matéria de facto assente, o seguinte ponto[5]:
23 - “A requerida procede a uma vistoria diária habitualmente antes da abertura do parque de estacionamento, sensivelmente pelas oito e um quarto da manhã, para verificar se há algo que possa ter escapado e motive intervenção da equipa de limpeza, como é o caso de algum lixo acumulado ou líquido”: - Aditamento do seguinte texto: “Os seguranças do Centro Comercial fazem rondas, circulando pelos sete parques de estacionamento”:
Pugna a recorrente Ceetrusportugal, SA pelo aditamento desta matéria que alegou no art.º 33 da respectiva oposição. Fundamenta tal solicitação, nas declarações prestadas pelas testemunhas AJ, RC e GS, no dia 13.09.2022.
Conforme já referimos “supra”, do ponto 22 resulta genericamente que a recorrente toma todas as providências destinadas a evitar a ocorrência de danos. Dos pontos seguintes (23 a 27) resulta que, são efectuadas as necessárias operações de limpeza e vigilância diárias.
Contudo, a matéria ora sugerida pela recorrente Ceetrusportugal, SA, reporta-se a uma medida adicional de segurança, efectivamente reportada pelas testemunhas AJ, RC, e GS, com credibilidade, em audiência.
Interessa à decisão da causa e foi alegada no art.º 33 da oposição respectiva.
Pelo que, procede o interesse manifestado, no aditamento proposto, bem como o alegado erro de julgamento na matéria de facto.
Pelo exposto, deverá passar a constar da matéria de facto assente, o seguinte ponto:
24 - “Os seguranças do Centro Comercial fazem rondas, circulando pelos sete parques de estacionamento”.
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4.1.3. Fundamentação de Facto em 2ª Instância
Considerando a procedência parcial da impugnação de facto, é a seguinte a matéria factual definitivamente fixada[6]:
“1. Em 24.06.2021, a Requerente caiu no parque de estacionamento do centro comercial …, sito na …, o qual está sob gestão e exploração da Requerida, sociedade anónima, que se dedica à gestão e exploração de centros comerciais.
2. Após estacionamento do seu veículo automóvel no parque de estacionamento coberto daquele centro comercial, no piso 1+, a Requerente escorregou numa mancha de produto gorduroso existente no pavimento, tendo caído desamparada no solo.
3. A presença do referido produto não estava sinalizada por qualquer meio e sua cor e/ou transparência era idêntica à cor do piso em que se encontrava.
4. Consequentemente, o piso estava escorregadio.
5. O local da queda não configura um lugar de estacionamento, mas uma zona adjacente, situada entre o último lugar de parqueamento naquela faixa e um pilar.
6. Após a queda, a Requerente foi conduzida ao Hospital São Francisco Xavier, onde lhe foi prestada assistência e diagnosticada, em consequência da queda, a fratura dos dois punhos, cujo episódio de urgência ficou registado sob o número ….
7. Deste hospital foi a Requerente encaminhada para o Hospital Fernando Fonseca, sito na Amadora, cujo episódio de urgência ficou registado sob o número ….
8. Nesta data ficou agendada consulta de ortopedia para seguimento da situação clínica.
9. A Requerente ficou com os dois pulsos engessados e impossibilitada de realizar qualquer atividade do quotidiano, nomeadamente de fazer a sua própria higiene, vestir-se, calçar-se e alimentar-se e ainda de realizar qualquer tarefa doméstica, como, por exemplo, cozinhar, passar a ferro e limpar, ir às compras ou outra.
10. Ficando, por isso, totalmente dependente do auxílio do marido.
11. Em 21.07.2021, a pedido do médico que acompanhava a Requerente na Clínica, indicada pela RNA – Rede Nacional de Assistência, a Requerente realizou TAC aos dois punhos, tendo sido sugerido estudo RM dirigido, ou seja, por ressonância magnética.
12. Em 23.07.2021, a Requerente foi submetida a intervenção cirúrgica ao punho direito no Hospital CUF, para o que a RNA emitiu termo de responsabilidade.
13. Após o cancelamento da assistência médica, conjugada com as dificuldades decorrentes da pandemia por Covid-19, nomeadamente atrasos decorrentes dos períodos de inatividade ou atividade reduzida devido aos vários confinamentos, restrições de consultas e acesso aos serviços médicos em geral, a Requerente apenas conseguiu iniciar a fisioterapia em 11.10.2021 por intermédio do Serviço Nacional de Saúde, por não dispor de serviços médicos alternativos.
14. Data que já causou prejuízo para a sua recuperação.
15. Contudo, por não dispor de serviços médicos alternativos que lhe permitam avançar para a necessária intervenção, a Requerente necessita que a Requerida assuma o pagamento da necessária intervenção cirúrgica ao punho esquerdo, que aguarda, por ser esta decorrente dos danos por aquela causados.
16. Em 14.10.2021, a Requerente teve indicação para cirurgia ao punho esquerdo, “com urgência relativa”.
17. A Requerente sente-se angustiada e, cada vez mais, desesperada, por ver o tempo a passar sem a realização da cirurgia”.
18. Em 05.07.2021, a Requerente foi contactada pela Verspieren Portugal –
Corretores de Seguros, SA (doravante designada abreviadamente por Verspieren), tendo sido informada de que a assistência médica seria prestada pela RNA, mediante agendamento de consulta, e de que assumiriam o pagamento das despesas da Requerida.
19. A “Verspieren” encaminhou a Requerente para os serviços da RNA, que lhe prestou assistência.
20. Na falta de qualquer contacto por parte da RNA, em data posterior a 10.08.2021, a Requerente contactou telefonicamente a RNA, que, nesse contacto, informou da cessação da assistência médica à Requerente, alegadamente por ter esgotado o plafond de assistência e, por esse motivo, a Verspieren ter encaminhado o processo para a RTS, mandatária da AXA XL.
21. Após contacto da Requerente, por intermédio da sua mandatária, a AXA XL, cujo contrato celebrado com a Requerida não é do conhecimento da Requerente, sem obrigação de conhecer, informou em 25.11.2021, por correio eletrónico, ao qual anexou carta datada de 2./08.2021, que recusa a responsabilidade pelo evento.
22. A Requerida, em todos os locais onde exerce a gestão de espaços comerciais e parques de estacionamento, toma todas as providências adequadas a evitar a ocorrência de danos.
23 - “A requerida procede a uma vistoria diária habitualmente antes da abertura do parque de estacionamento, sensivelmente pelas oito e um quarto da manhã, para verificar se há algo que possa ter escapado e motive intervenção da equipa de limpeza, como é o caso de algum lixo acumulado ou líquido”:
24 - “Os seguranças do Centro Comercial fazem rondas, circulando pelos sete parques de estacionamento”.
25. Pese embora o espaço destinado ao estacionamento no Centro Comercial … ser gratuito e destinado aos clientes que se deslocam ao Centro Comercial, a Requerida leva muito a sério esta sua tarefa, promovendo, diariamente, tarefas de limpeza do espaço de estacionamento.
26. Assim é que a Requerida procede, diariamente e após fecho do centro, à limpeza do parque de estacionamento e zonas adjacentes.
27. Entre muitas outras atividades, são limpas as entradas pedonais de acesso ao centro, são retirados lixos que se encontrem depositados ao longo do espaço de estacionamento e são franjadas zonas críticas, que habitualmente acumulam sujidade.
28. No dia 23 de Junho de 2021 foi feita, como habitualmente, a limpeza diária dos acessos e retirada de lixos ao longo do espaço do estacionamento.
29. Nada foi detetado de anormal, nomeadamente óleos ou outros líquidos derramados no pavimento, o que faz pressupor que o derrame no pavimento tenha acontecido em período horário próximo ao do sinistro, já no dia 24 de Junho de 2021.
30. Assim é que a Requerida, durante os dias 23 e 24 de junho (neste último dia até à hora do sinistro) não tomou conhecimento de nenhum derrame de líquidos no pavimento, nem tal lhe foi comunicado por pessoal da limpeza, vigilantes, demais colaboradores ou clientes.
31. Sempre que é detetado um derrame no pavimento, é aplicado o procedimento definido para os derrames, consistente na contenção do derrame com material absorvente, recolha do resíduo e limpeza do local.
32. Foi também isso que aconteceu no caso dos autos, assim que foi dado conhecimento à Requerida da existência de líquido no pavimento, tendo sido aplicado imediatamente material absorvente e limpa a zona após o acidente.
33. Regularmente procede-se a lavagem do pavimento.
34. Durante o período pandémico, foi realizada uma lavagem total do pavimento do estacionamento em 2020 e nova lavagem no início de setembro de 2021.
35. A responsabilidade civil, nomeadamente a responsabilidade civil exploração, entendida esta como a garantia pelas “indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, em consequência do exercício das atividades definidas nas Condições Particulares, nomeadamente “a) por actos ou omissões do Segurado, seus administradores, gerentes, empregados, assalariados ou mandatários quando em serviço e por quem seja civilmente responsável;
b) Por animais, instalações, imóveis e parqueamentos utilizados pelo
Segurado para o exercício das suas actividades;”
36. Encontrava-se, à data do alegado sinistro, transferida para a companhia de seguros XL Insurance Company SE, com sede em …, London – por meio do contrato de seguro, titulado pela Apólice de Seguro de Responsabilidade Civil n.º ….
37. A Apólice de seguro identificada no artigo precedente tem como tomador de seguro / segurado a Auchan Portugal Hipermercados, SA e, como segurados adicionais, entre outros, a Requerida Ceetrusportugal, SA.
38. O referido contrato de seguro estava em vigor à data do sinistro retratado nos autos.
*
Na decisão sob recurso, não se consideraram provados, os seguintes Factos:
“Que a Requerente tenha saído do veículo sem os cuidados necessários, nomeadamente tendo em consideração que o calçado tinha saltos altos.
*
Considerou-se ainda, na decisão em análise que:
“Os demais factos alegados, por reportarem a alegação de matéria de Direito, integrarem meras conclusões ou argumentação jurídica, ou ainda padecerem de repetição face a outros já considerados, não foram, com este fundamento, objeto de resposta encontrando-se nesta categoria designadamente a seguinte matéria alegada:
- do art.º 4.º, 9.º, 11.º, 13º. 14º, 15º, 16º, 17.º, 19.º, 20.º, 21.º 22º do requerimento inicial.
- do art.º 1.º, 2.º, 3.º, 4.º 5º,6º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º 15º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º a 28.º da oposição da 1.ª Requerida.
- dos artigos 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º e 32.º da oposição da Interveniente.
*
4.2 Fundamentação de Direito
Apreciemos agora o presente recurso.
Importa apurar se os requisitos do decretamento do presente procedimento cautelar se mostram preenchidos. Para tal, interessa averiguar da probabilidade séria da existência do direito invocado pela apelada, o que passa por saber se estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil que impõem às apelantes o dever de reparação do dano.
Segundo dispõe o artigo 362.º do CPC «sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito pode requerer a providência, conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado».
E, de acordo com o artigo 368.º do mesmo diploma, a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
Pelo que, o decretamento de uma providência cautelar comum depende dos seguintes requisitos:
a) Probabilidade séria da existência do direito invocado;
b) Fundado receio de que outrem, antes da ação ser proposta ou na pendência dela cause lesão grave e dificilmente reparável;
c) Adequação da providência à lesão eminente a que se visa obstar
e) Inexistência de providência específica que acautele aquele direito.
A Requerente/apelada fundamenta o seu direito na ocorrência de um acidente nas instalações da Requerida/apelante Ceetrusportugal, SA, encontrando-se a responsabilidade civil emergente de acidentes transferida para a Interveniente Principal/apelante XI Insurance Company, Se.
Cumpre então, apurar se subsiste probabilidade séria da existência do direito invocado.
A apelante formula como pedido cautelar, o pagamento do custo da intervenção cirúrgica que reputa como necessária, para reparação parcial dos danos causados pelo acidente, e considera que a responsabilidade pelo evento deve ser assacada à recorrente Ceetrusportugal, SA, em primeira linha.
Surgindo o procedimento cautelar como dependência de uma acção principal, nesta última, será, certamente, peticionado o pagamento de uma indemnização, pelos danos sofridos na sequência da queda descrita nos autos.
A responsabilidade civil traduz-se sempre na imputação a uma pessoa de determinado dano, que ocorreu na esfera alheia.
O Art.º 483º, nº 1 do Código Civil, consagra no seu nº1 os pressupostos de que depende a tutela da responsabilidade. Pode ler-se nesse preceito que: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
No nº 2 acrescenta-se que: “Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
De acordo com o Professor Antunes Varela[7] são, os seguintes, os pressupostos cumulativos da obrigação de indemnizar, no âmbito da responsabilidade civil por actos ilícitos:
1º O facto voluntário do agente, entendido como comportamento dominável pela vontade;
2º A ilicitude do facto, a qual pode revestir duas formas, podendo traduzir-se na violação do direito de outrem, ou seja, na violação de um direito subjectivo ou, ainda, na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
3º O nexo de imputação do facto ao lesante. Para que o facto ilícito gere responsabilidade é necessário que o agente tenha agido com culpa e agir com culpa significa actuar em termos de merecer a reprovação ou censura do direito e isto porque o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas, poderia e deveria ter actuado de outra forma;
4º O dano;
5º Um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Cumpre averiguar, se no caso em concreto e, atendendo aos factos dados como provados, se verificam os pressupostos de que a lei faz surgir a obrigação de indemnizar.
O Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão proferido em 25.05.2023, no âmbito destes autos, determinou a realização de diligências instrutórias para apurar se, a queda não se deveu à culpa da requerente (uso de salto alto), se a situação actual daquela ainda justifica a intervenção cirúrgica que lhe foi indicada em Outubro de 2021, bem como se a requerente não dispõe de meios económicos para custear tal intervenção e se o recurso ao SNS não é viável em tempo útil e, se a requerida Ceetrusportugal, SA observou todos os cuidados de manutenção e limpeza do parque de estacionamento onde ocorreu a queda.
Foi dado como não provado que “a apelada tenha saído do veículo sem os cuidados necessários, nomeadamente tendo em consideração que o calçado tinha saltos altos”, não há qualquer elemento fáctico dado como assente que permita concluir que teve culpa no evento, pelo que esta questão suscitada pelo tribunal superior, mostra-se esclarecida.
Foi dado como assente que havia “urgência relativa” (uma semana a um mês) na intervenção requerida pela apelada e que a mesma ainda é apta a evitar, não só os padecimentos, mas sequelas mais graves da lesão, nomeadamente a perda de sensibilidade da mão, mostra-se justificada a necessidade da mesma (facto nº 16).
Também resulta da matéria de facto assente que o recurso ao SNS, para efectivar a cirurgia, em tempo eficaz, não se mostrava viável face aos constrangimentos existentes após a pandemia (facto nº 13).
Resta por fim, atentar no cerne da questão suscitada anteriormente por este Tribunal, na decisão proferida em 25.05.2023 e que, consiste, precisamente em saber se a apelante/requerida Ceetrusportugal, SA observou todos os cuidados de manutenção e limpeza do parque de estacionamento onde ocorreu a queda.
A resposta a esta questão, mostra-se essencial para apurar se existe probabilidade séria da existência do direito invocado por parte da apelada, pressuposto essencial do decretamento da presente providência.
No que ao caso importa, há que atentar na responsabilidade inerente ao dever de vigilância de coisa móvel prevista no art.º 493, nº 1 do Código Civil.
Esta responsabilidade assenta na omissão de um dever de vigilância a cargo do proprietário ou detentor com poder sobre coisa imóvel (no caso concreto) na qual têm origem os danos causados em esfera jurídica alheia.
O dever de vigilância em causa consiste numa obrigação de supervisão, controlo, monitorização sobre as fontes de risco de produção de prejuízos pelas coisas detidas, no sentido da prevenção desse especial perigo enquanto potencial origem de danos para terceiros e da precaução necessária para evitar o dano.
Por isso, neste caso, para saber de é possível responsabilizar as apeladas, há que averiguar se foram adoptadas as condutas necessárias a prevenir os perigos e evitar os danos.
Neste sentido, já se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa[8], segundo o qual: “1. A existir responsabilidade civil, em situação assinalada por uma queda em zona de piso escorregadio de um centro comercial, a mesma só pode emergir na vertente aquiliana. A ilicitude brota não do incumprimento de um contrato, mas de um dever, in casu, da obrigação de cumprir normas regulamentares e obrigações emergentes da assunção de uma determinada posição jurídica, essa sim de emanação contratual, particularmente de regras que impõem uma conduta protectora e cautelar”.
No mesmo sentido, também se afirmou no Tribunal da Relação de Évora que: “1 – O pressuposto da ilicitude que integra a responsabilidade civil extracontratual não prescinde da verificação de alguma situação que traduza a violação de direito de outrem ou de normas destinadas a tutelar interesses alheios. 2 – Resulta do disposto no art.º 493, nº 1 do CC que aquele que tiver em seu poder coisa móvel, está obrigado a vigiá-la sob pena de poder ser responsabilizado pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte, não sendo necessário um dever específico de vigilância, sendo suficiente que a coisa possa ocasionar danos”.
A culpa in vigilando, que se acabou de mencionar, é ainda uma fonte de responsabilização subjectiva - como o prova, desde logo, a arrumação a que foi sujeita na lei civil. A efectivação da responsabilidade por omissão obedece aos parâmetros fixados nos artigos 486º e 487º do Código Civil: há responsabilidade por omissão se se verifica dano decorrente da abstenção de cumprimento de um dever de acção legalmente configurado, e é o lesado que tem que fazer a prova dos factos geradores do dano, bem como da obrigação de actuação omitida. Já não assim nos casos de culpa in vigilando, em razão da inversão do ónus da prova estabelecida nos nºs 1 e 2 do artigo 493º do Código Civil:
a) Culpa pela falha de vigilância de coisas, móveis ou imóveis, ou animais, salvo se provar que agiu sem qualquer culpa ou que o dano se teria produzido ainda que tivesse exercido fielmente o seu dever de vigilância (nº 1).
A apelada tinha, neste caso, a seu favor a presunção legal de culpa a que se refere o art.º 493º, nº 1 do Código Civil (…). Para ilidir essa presunção, seria insuficiente a simples prova em abstracto, de que “em todos os locais onde exerce a gestão de espaços comerciais e parques de estacionamento, tomas as providências adequadas a evitar a ocorrência de danos (ponto 22 da matéria assente).
De facto, a mera execução de tal actividade de fiscalização e manutenção, sem qualquer referência ao modo e à respectiva periodicidade média, afigura-se marcadamente insuficiente para aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respectivo dever, bem como desvaloriza a circunstância de não ter sido detectado pelos serviços de manutenção a mancha de líquido que esteve na origem da queda da apelada.
A forma que a apelante Ceetrusportugal, SA tinha para provar que adoptou, efectivamente, todas as medidas que estavam ao seu alcance para prevenir acidentes como este, teria que ser feita a partir de factos concretos que esclarecessem o Tribunal sobre as providências que em concreto foram tomadas pelos seus serviços de manutenção e limpeza para obviar a eventos danosos como o que ocorreu.
E, quanto a nós, essa prova foi feita.
Senão vejamos. Resulta da matéria de facto assente que:
“23 - A requerida procede a uma vistoria diária habitualmente antes da abertura do parque de estacionamento, sensivelmente pelas oito e um quarto da manhã, para verificar se há algo que possa ter escapado e motive intervenção da equipa de limpeza, como é o caso de algum lixo acumulado ou líquido.
24 - Os seguranças do Centro Comercial fazem rondas, circulando pelos sete parques de estacionamento.
25. Pese embora o espaço destinado ao estacionamento no Centro Comercial … ser gratuito e destinado aos clientes que se deslocam ao Centro Comercial, a Requerida leva muito a sério esta sua tarefa, promovendo, diariamente, tarefas de limpeza do espaço de estacionamento [do art.º 34.º - oposição da Requerida]
26. Assim é que a Requerida procede, diariamente e após fecho do centro, à limpeza do parque de estacionamento e zonas adjacentes. [do art.º 35.º - oposição da Requerida]
27. Entre muitas outras atividades, são limpas as entradas pedonais de acesso ao centro, são retirados lixos que se encontrem depositados ao longo do espaço de estacionamento e são franjadas zonas críticas, que habitualmente acumulam sujidade. [do art.º 36.º - oposição da Requerida]
28. No dia 23 de Junho de 2021 foi feita, como habitualmente, a limpeza diária dos acessos e retirada de lixos ao longo do espaço do estacionamento. [do art.º 37.º - oposição da Requerida]
29. Nada foi detetado de anormal, nomeadamente óleos ou outros líquidos derramados no pavimento, o que faz pressupor que o derrame no pavimento tenha acontecido em período horário próximo ao do sinistro, já no dia 24 de Junho de 2021. [do art.º 38.º - oposição da Requerida]
30. Assim é que a Requerida, durante os dias 23 e 24 de junho (neste último dia até à hora do sinistro) não tomou conhecimento de nenhum derrame de líquidos no pavimento, nem tal lhe foi comunicado por pessoal da limpeza, vigilantes, demais colaboradores ou clientes. [do art.º 39.º - oposição da Requerida]
31. Sempre que é detetado um derrame no pavimento, é aplicado o procedimento definido para os derrames, consistente na contenção do derrame com material absorvente, recolha do resíduo e limpeza do local. [do art.º 40.º - oposição da Requerida]
32. Foi também isso que aconteceu no caso dos autos, assim que foi dado conhecimento à Requerida da existência de líquido no pavimento, tendo sido aplicado imediatamente material absorvente e limpa a zona após o acidente [do art.º 41.º - oposição da Requerida]
33. Regularmente procede-se a lavagem do pavimento. [do art.º 42.º - oposição da Requerida]
34. Durante o período pandémico, foi realizada uma lavagem total do pavimento do estacionamento em 2020 e nova lavagem no início de setembro de 2021. [do art.º 43.º - oposição da Requerida]”.
Face a esta matéria factual, impõe-se considerar que a apelada Ceetrusportugal, SA tudo fez para evitar a ocorrência de acidentes e lesões no Centro Comercial que explora e zonas adjacentes.
Se é certo que a apelada se encontrava dispensada de provar a culpa desta apelante, em virtude da presunção de culpa a que alude o art.º 493, nº 1 do Código Civil, entende-se que, a apelante conseguiu provar factos que permitem afirmar que estamos perante uma situação de inevitabilidade, na medida que, mesmo tendo tomado todas as providências que lhe eram exigíveis, estas nunca seriam suficientes para evitar a produção do evento queda e danos reflexos.
Não se ignora a decisão do STJ segundo a qual:
“II – Os centros comerciais constituem espaços abertos de livre circulação para o público consumidor ou visitante, onde confluem e se aglomeram inúmeras pessoas em movimento, que reclamam especiais deveres de protecção, por parte dos lojistas, quanto à higiene e segurança do edifício e das suas instalações, que fazem parte do conteúdo das normas da actividade da segurança privada dos estabelecimentos abertos ao público, onde se inclui o dever de limpar e secar o piso dos respectivos estabelecimentos”[9].
Mas, a situação em causa, bem como as demais visadas na Jurisprudência citada, reportam-se a acidentes ocorridos dentro do espaço do centro comercial, nas lojas, junto às mesmas, respectivos corredores ou espaço de diversão interiores.
No caso dos autos, estamos perante um espaço externo, mais propriamente, estacionamento e zonas adjacentes.
Recorde-se que num parque de estacionamento e zonas conexas, como aquela em que ocorreu o acidente, estão sempre a entrar e a sair veículos e pessoas, que derramam podem derramar líquidos, a qualquer minuto, sem que a apelada gestora do Centro Comercial em causa, tenha a possibilidade de implementar um sistemas que permita a observação ao minuto de tais ocorrências em todos os mencionados locais.
Sem descurar o dever de vigilância que impende sobre a apelante Ceetrusportugal, SA, entendemos que as exigências impostas não devem ser tão severas nestes locais de estacionamento, como nos restantes locais de circulação do público, junto às lojas.
Ainda assim, conforme referido “supra” a apelante em causa logrou provar que actuou de forma cuidada de molde a assegurar os seus deveres de vigilância.
Por tudo o exposto, merece provimento o recurso nos moldes exarados, o que tem como consequência a revogação da decisão recorrida e substituição da mesma por outra que absolva as apelantes, o que se determina, uma vez que atentos os factos dados como indiciariamente provados, há condições objectivas para que este Tribunal, substituindo-se ao Tribunal recorrido, assim o decida.
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Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar procedente o recurso, e, consequentemente absolver as Requeridas/Apelantes dos pedidos.
Custas a cargo da apelada (artsº 527, nº 1 e 607, nº 6 do CPC).
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Lisboa, 22/10/2024
Marília dos Reis Leal Fontes
Amélia Puna Loupo
Octávio dos Santos Moutinho Diogo
_______________________________________________________ [1] Neste sentido cfr. GERALDES, Abrantes António, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Edição, Almedina, 2018, págs. 114 a 116. [2] Neste sentido cfr. GERALDES, Abrantes António, in “Opus Cit.”, 5ª Edição, Almedina, 2018, pág. 116. [3] In www.pdlisboa.pt. [4] Pela mesma razão e, por uma questão de coerência, tal expressão será, de igual modo eliminada, do ponto 15. [5] Procedendo-se a consequente remuneração [6] A renumeração resulta das alterações introduzidas à matéria de facto [7] In “Das Obrigações em geral”, I, Coimbra, 2005 [8] In Ecli:PT:TRL:2013:1295.10.7TBPDL.L1.6.47 [9] In ECLI:PT:STJ:2010:141.07.3TBOAZ.P1.S1D5