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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Sumário
I. Quando o recorrente impugne a matéria de facto, pretendendo o seu reexame, deve especificar os concretos pontos que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa (e, se for o caso, as provas que devem ser renovadas) com indicação expressa das passagens da gravação em que se funda a impugnação. II. O incumprimento das formalidades impostas pelo artº 412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por via da reapreciação da prova. III. O recorrente, ao não indicar as provas produzidas que impunham decisão diversa, e ao não fazer referência às concretas passagens da prova gravada, na parte impugnada, deixa o recurso sem objeto, na parte relativa à reapreciação da prova gravada, nos termos definidos por lei para a cognição deste fundamento de recurso. IV. Quando os elementos em falta não constam das conclusões nem das alegações é inadmissível a formulação de um convite ao seu aperfeiçoamento, porquanto, nos termos do artº 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, só é admissível o aperfeiçoamento das conclusões quando os elementos em causa (e em falta nas conclusões) constem das alegações. V. Não constando os elementos em falta, nem sequer das alegações, um convite ao aperfeiçoamento implicaria permitir ao recorrente ampliar o objeto do recurso e o seu âmbito, o que equivaleria a conceder-se-lhe um novo prazo para recorrer, o que contende com o caráter perentório do respetivo prazo e não está incluído no âmbito do direito ao recurso (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 259/2002 de 18/06/2002, in DR, IIª Série, de 13/12/2002, e nº 140/2004, de 10/03/2004, in DR, IIª Série, de 17/04/2004).
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I.- RELATÓRIO
No processo comum coletivo nº 2953/22.9T9SNT do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Criminal de Sintra – Juiz 1, em que são arguidos AA e BB, foi proferido acórdão, a 15/04/2024, a:
(Quanto à ação penal:)
I. «Condenar BB pela prática, nos termos dos arts. 26.º e 30.º, n.º 1, do Código Penal, de:
- quatro crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situações I. - NUIPC 410/21.0PESNT -, II. - NUIPC 533/21.5PESNT -, IV. - NUIPC 367/23.2PBSNT -, e VIII. - NUIPC 474/23.1PBSNT), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisãocada um;
- um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência aos arts. 204.º, n.º 2, al. e), e 202.º, al. f) - II), do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situação III., NUIPC 396/22.3PBSNT), na pena de 6 (seis) anos de prisão;
- um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, em co-autoria material, na forma consumada (situação V., NUIPC 975/22.9PBSNT), na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
- um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situação VI., NUIPC 118/23.1GGSNT), na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
- um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situação VII., NUIPC 1714/22.0PCSNT), na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão;
- um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situação IX., NUIPC 1020/23.9T9SNT), na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, em co-autoria material, na forma consumada (situação X., NUIPC 316/23.8SLSB), na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência aos arts. 204.º, n.º 2, al. a), e 202.º, al. b), do Código Penal, em co-autoria material, na forma consumada (situação XI., NUIPC 276/23.5PLSNT), na pena de 7 (sete) anos de prisão;
- dois crimes de burla informática, p. e p. pelo art. 221.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situações I. - NUIPC 410/21.0PESNT -, e II. - NUIPC 533/21.5PESNT), na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisãocada um;
- dois crimes de burla informática, p. e p. pelo art. 221.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situações III. - NUIPC 396/22.3PBSNT -, e VII. - NUIPC 1714/22.0PCSNT), na pena de 2 (dois) anos de prisãocada um;
- um crime de burla informática, p. e p. pelo art. 221.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situação VIII. - NUIPC 474/23.1PBSNT), na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.»
II. «Em cúmulo jurídico destas penas, nos termos do art. 77.º do Código Penal, condenar BB na pena única de 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de prisão».
(Quanto à ação cível:)
«Condenar BB no pagamento a CC da quantia de 1.000 € (mil euros), a título de reparação de danos não patrimoniais, e da quantia de 3.704,99 € (três mil setecentos e quatro euros e noventa e nove cêntimos), a título de indemnização de danos patrimoniais, quantias essas acrescidas de juros calculados, à taxa legal de juros civis, desde a data da notificação do correspondente pedido de indemnização civil até integral pagamento.
Condenar solidariamente BB e AA no pagamento a DD, de 22.034,50 € (vinte e dois mil e trinta e quatro euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização de danos patrimoniais, acrescidos de juros calculados, à taxa legal de juros civis, desde a data da notificação do correspondente pedido de indemnização civil até integral pagamento dessa quantia.
Condenar BB, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a EE da quantia de 1.579,20 € (mil quinhentos e setenta e nove euros e vinte cêntimos).
Condenar BB, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a FF da quantia de 1.340 € (mil trezentos e quarenta euros).
Condenar BB, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a GG da quantia de 4.000 € (quatro mil euros).
Condenar BB, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a HH da quantia de 1.300 € (mil e trezentos euros).
Condenar solidariamente BB e AA, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a II da quantia de 3.780 € (três mil setecentos e oitenta euros).
Condenar BB, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a JJ da quantia de 2.550 € (dois mil quinhentos e cinquenta euros).
Condenar BB, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a KK da quantia de 4.000 € (quatro mil euros).
Condenar BB, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a LL da quantia de 1.024 € (mil e vinte e quatro euros).
Condenar solidariamente BB e AA, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a MM da quantia de 4.250 € (quatro mil duzentos e cinquenta euros).
Condenar solidariamente BB e AA, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a NN da quantia de 1.000 € (mil euros)».
***
O arguido BB interpôs o presente recurso concluindo:
«I. O arguido vem interpor o presente Recurso da pena em que foi condenado em cúmulo jurídico de 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses, por manifestamente excessiva.
II. Entende o arguido que em diversos processos/penas parcelares devia ter sido absolvido, nomeadamente os processos nºS 410/21.0PSNT, 533/21.5PESNT, 396/22.3PBSNT, 367/22.2PBSNT, 474/23.1PBSNT, 975/22.9PBSNT, 1714/22.0PCSNT, 1020/23.9T9SNT, 316/23.8SLSB, 276/23.5PLSNT, porquanto não foi tido em consideração no douto Acórdão de primeira instância que no organismo das testemunhas não tinha sido encontrado o medicamento dormicum (indutor do sono), não foi prova médica desse facto; por outro lado, não foi feita prova de que o arguido sabia o código bancário das testemunhas, não foi feita prova de que o arguido se apoderou dos cartões bancários das testemunhas, não foi feita qualquer prova de que o arguido induziu as testemunhas a ingerir o medicamento dormicum, ou qualquer outro indutor do sono. Consequentemente,
III. Pela matéria de facto supra exposta o arguido deve ser absolvido dos 5 (Cinco) crimes de Burla informática em foi condenado.
IV. No que diz respeito às indemnizações em que foi condenado, relativamente à DD deve receber uma indemnização não superior a 5 (cinco) mil euros, pois a maior parte dos maços de tabaco foram recuperados pela DD e o seu empregado NN deve receber uma indemnização não superior a 500 (quinhentos) euros; todavia, relativamente aos senhores EE, FF, GG, CC, II, HH, LL, MM o arguido deve ser absolvido de lhe pagar qualquer indemnização pois também requereu a absolvição das respetivas penas parcelares.
V. Entende o Recorrente que neste processo existe uma dúvida séria da prática dos factos pelo arguido, ou seja, o principio do “Indubio Pro Reo” , salvo melhor entendimento, está aqui posto em causa, principio fundamental no nosso processo penal, presunção constitucional da inocência, na dúvida absolve-se, falta de comprovação médica de que as testemunhas tinham o medicamento nos seu organismo, o facto de a maioria das testemunhas terem admitido que ingeriram bebidas alcoólicas, não ter feito prova de que o arguido teve ao código bancário dos cartões das testemunhas, prova de que deu dormicum às testemunhas, deviam ter sido tomados em consideração para a decisão final ao abrigo do artigo 32º nº da Constituição da Republica Portuguesa.
VI. Assim, o arguido deve ser absolvido nos precisos termos em que é requerido no presente Recurso e deve ser aplicada em cúmulo jurídico pena substancialmente mais baixa e nunca superior a 7 (sete) anos».
*
O Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo que:
«(…)
2. Sendo o recurso um remédio, então o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto mais que segundo estabelece ainda o nº 6 de tal artigo 412º “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
3. No vertente caso constata-se que o Recorrente não deu cumprimento às exigências consagradas no art.º 412.º, nsº 3 e 4 do CPP, para que o tribunal ad quem possa vir sindicar a matéria de facto fixada na primeira instância, não indicando qualquer passagem dos respetivos depoimentos em que se funda a impugnação, quer no texto da motivação quer nas conclusões apresentadas, pelo que não há lugar ao convite à correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correção das conclusões da motivação.
4. A haver despacho de aperfeiçoamento, quando o vício seja da própria motivação equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso.
5. Pelo que, perante a falta de concretização dos factos fixados pelo tribunal a quo e que o recorrente poderia considerar como não provados, coartada ficou a possibilidade do tribunal ad quem sindicar a matéria de facto que foi fixada pelo tribunal a quo, matéria essa que, assim, se tem que dar por assente.
6. No entanto, sempre se dirá que o julgador pode recorrer a presunções naturais ou hominis no processo de formação da sua convicção, uma vez que se trata de um meio de prova admitido na lei (cfr. art.º 125.º do Código de Processo Penal), sendo que de acordo com o disposto no art.º 349.º Código Civil, presunções são as ilações que a lei ou julgador extrai de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido. Consistem, pois, em raciocínios lógico-dedutivos, ou demonstrativos, que o julgador elabora, a partir da prova indiciária, para alcançar a verificação dos “factos juridicamente relevantes”. Está consolidado o entendimento de que, para a prova dos factos em processo penal, é perfeitamente legítimo o recurso à prova indireta (Cfr., entre muitos outros, os acórdãos do TRP, de 28.01.2009, do TRC, de 30.03.2010 e do STJ, de 11.07.2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt), também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial.
7. Ora, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica e ponderada da prova produzida em audiência de julgamento e da prova documental e pericial constante dos autos, devidamente conjugada com as regras da experiência comum.
8. O Recorrente, em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido, ocorrido em 1.03.2023, admitiu a adulteração dos “bitoques” mediante a adição das substâncias que adquiria na “farmácia 24 horas” de ..., sem receita médica; instado a esclarecer a escolha dos fármacos, disse ter sido um seu conhecido, entretanto falecido, que lhe disse que o medicamento deixava as pessoas inconscientes, mas não lhes fazia mal; negou a participação da arguida nos factos; quando lhe foi perguntado se tinha consciência do mal que podia ter causado à saúde dos ofendidos ali referidos, cinco dos quais foram conduzidos às urgências do Hospital, disse “E quem paga as minhas contas?”.
9. E não se diga, como faz o Recorrente na sua motivação de recurso, que não deverá ser dada credibilidade ao por si então referido, pois estava nervoso.
10. É que mesmo nervoso, se não fosse esse o seu objectivo final – pagar contas – nunca o teria ali afirmado.
11. De notar que o Recorrente, na audiência de julgamento, não obstante ter feito do seu direito ao silêncio, a final pretendeu falar para dizer que “se tiverem provas contra si, pede desculpa e que a arguida AA só fez aquilo que lhe pediu”.
12. Daqui resulta, por um lado, que apenas pretende confessar aquilo que não pode negar. Por outro lado que a arguida AA praticou os factos pelos quais veio a ser condenada, mas a seu pedido.
13. Isto não afasta o que ficou dado como provado nos pontos 2 a 8 do acórdão proferido.
14. Quanto aos factos a que respeitam os NUIPC’s relativamente aos quais o Recorrente alega não ter sido feita prova pelo que, consequentemente, terá de ser absolvido, também não lhe assiste razão.
15. Efetivamente, o Recorrente limita-se a invocar que não foi feita prova, porque só existe a palavra do ofendido ou porque aquele/s não foi/ram submetido/s a análises que comprovem que tinha/m o produto “dormicum” administrado por si ou pela sua companheira AA na comida ou na bebida.
16. Porém, alguns dos ofendidos, não obstante terem necessitado de assistência médica e de terem sido conduzidos ao hospital, não foram submetidos a análises porque, ali, concluíram, à partida, que se encontrariam embriagados.
17. No entanto, outros, cujo atendimento foi mais cuidadoso, através das análises ao sangue, foi possível detetar a presença de tal produto, como foi o caso de GG e CC (cfr. fls. 106 a 111 e 466dos autos).
18. Tendo todos os ofendidos estado nos estabelecimentos de restauração propriedade do Recorrente, sido atendidos pelo mesmo ou pela sua companheira e apresentado sintomas idênticos – perda de sentidos e de memória -, facilmente se pode concluir que o Recorrente, ao servi-los, lhes colocou aquele medicamento na comida ou na bebida com o objetivo de, uma vez inanimados, lhes ser retirado dinheiro, cartão bancário através do qual foram feitos levantamentos e pagamentos e, até, as chaves da residência para ali se deslocar e retirar os objectos que melhor lhe permitisse angariar quantias monetárias através da sua venda.
19. Isto para, como o Recorrente reconheceu “poder pagar as suas contas”.
20. Ora, a argumentação avançada pelo Recorrente mais não traduz do que a sua discordância relativamente à avaliação que o tribunal a quo fez da prova produzida, valoração esta porém devidamente fundamentada, e olvidando que a convicção do tribunal é a do julgador e não a das partes.
21. Concluindo-se desta forma, também não assiste razão ao Recorrente quando afirma que se impõe a aplicação do princípio in dubio pro reo.
22. O crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do CP, é punível com pena de prisão de 1 a 8 anos.
O crime de roubo agravado, previsto no art.º 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art.º 204.º, n.º 2, do CP, é punida com pena de prisão de 3 a 15 anos.
O crime de burla informática, previsto no art.º 221.º, n.º 1, do CP, é punida com pena de prisão de 1 mês até 3 anos ou com pena de multa de 10 até 360 dias (cfr. arts.º 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do CP).
23. De acordo com os factos apurados é de relevar para a fixação da pena concreta:
◾ a ilicitude do facto que é elevada atendendo aos bens jurídicos violados e à formas de cometimento dos crimes – administração do medicamento “dormicum” na comida ou bebidas dos ofendidos, colocando-os numa situação de impossibilidade de resistir e susceptíveis a correrem risco de vida, quer pelas consequências que tal medicamento lhes poderia causar na sua saúde, quer pelo perigo de acidente rodoviário, como sucedeu com o ofendido NN que veio a ser encontrado com o veículo que conduzia estacionado em plena ... e fora do mesmo -;
◾o dolo, directo, é intenso;
◾o grau de culpa é elevado, revelado pela facilidade no seu cometimento e o número de ofendidos; ◾ falta de arrependimento e de sentimento de culpa;
◾ as exigências de prevenção especial que também são muito elevadas, tendo em consideração os seus antecedentes criminais, que revelam propensão para a prática de crimes, não se coibindo deste tipo de práticas mesmo após cumprimento de pena de prisão, sendo que cometeu estes crimes no decurso dos períodos de suspensão da execução das penas de prisão em que foi condenado nos Procs. n.ºs 42/19.2ECLSB e 967/19.5TELSB do Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 4;
◾as necessidades de prevenção geral também são elevadas, contando com o enorme alarme social que este tipo de crime gera e a necessidade da sua repressão para assegurar as expectativas da comunidade;
◾a favor do arguido, nada de relevante se apurou.
24. Tudo ponderado, decidiu o Tribunal a quo aplicar as penas de:
- 3 anos e 6 meses de prisão quanto a cada um dos quatro crimes de roubo nas situações I. (NUIPC 410/21.0PESNT), II. (NUIPC 533/21.5PESNT), IV. (NUIPC 367/23.2PBSNT) e VIII. (NUIPC 474/23.1PBSNT), de que respetivamente foram vítimas EE, em 24.09.2021, FF, em 10.12.2021, HH, em 21.04.2022, e LL, em 30.11.2022;
- 6 anos de prisão quanto ao crime de roubo agravado na situação III. (NUIPC 396/22.3PBSNT), de que foi vítima GG, em 24.03.2022; - 5 anos de prisão quanto a cada um dos dois crimes de roubo nas situações V. (NUIPC 975/22.9PBSNT) e VI. (NUIPC 118/23.1GGSNT), de que respetivamente foram vítimas II, em 19.07.2022, e JJ, em 05.11.2022;
- 3 anos e 9 meses de prisão quanto ao crime de roubo na situação VII. (NUIPC 1714/22.0PCSNT), de que foi vítima KK, em 19.11.2022;
- 5 anos e 6 meses de prisão quanto a cada um dos dois crimes de roubo nas situações IX. (NUIPC 1020/23.9T9SNT) e X. (NUIPC 316/23.8SLSB), de que respetivamente foram vítimas CC, em 15.01.2023, e MM, em 28.01.2023;
- 7 anos de prisão quanto ao crime de roubo agravado na situação XI. (NUIPC 276/23.5PLSNT), de que foi vítima NN, em 17.02.2023;
- 1 ano e 8 meses de prisão quanto a cada um dos dois crimes de burla informática nas situações I. (NUIPC 410/21.0PESNT) e II. (NUIPC 533/21.5PESNT), de que respetivamente foram vítimas EE, em 24.09.2021, e FF, em 10.12.2021;
- 2 anos de prisão quanto a cada um dos dois crimes de burla informática nas situações III. (NUIPC 396/22.3PBSNT) e VII. (NUIPC 1714/22.0PCSNT), de que respetivamente foram vítimas GG, em 24.03.2022, e KK, em 19.11.2022;
- 1 ano e 3 meses de prisão quanto ao crime de burla informática na situação VIII. (NUIPC 474/23.1PBSNT), de que foi vítima LL, de 30.11.2022.
25. E, em cúmulo destas penas, a pena única de 15 anos e 6 meses de prisão.
26. Pena que se considera justa e adequada.
27. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito. Face ao exposto, deve o Acórdão recorrido ser confirmado.»
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Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando os fundamentos da resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público na primeira instância.
*
Por despacho proferido a 04/10/2024, foi rejeitado o recurso interposto pelo arguido, na parte relativa ao pedido de indemnização civil deduzido por CC e na parte em que o acórdão recorrido fixou as indemnizações a favor de EE, a favor de FF, a favor de HH, a favor de LL e a favor de NN.
Na parte restante, foi mantido o efeito e regime de subida fixados na primeira instância.
*
Corridos os vistos, foram os autos à conferência.
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II. OBJETO DO RECURSO
Em conformidade com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J. de 19/10/1995 (in D.R., série I-A, de 28/12/1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo, das questões de conhecimento oficioso.
Atendendo às conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a apreciar:
1.- Impugnação da matéria de facto;
2.- Da medida concreta da pena única do cúmulo;
3.- Das ações cíveis enxertadas:
a) Se deve o arguido ser absolvido quanto às indemnizações fixadas a favor de GG, II e MM, em consequência da absolvição dos respetivos crimes (já na parte relativa às indemnizações fixadas a favor de CC, FF, HH, LL, o recurso foi rejeitado);
b) Se deve ser reduzido o valor da indemnização fixada a favor da DD (já na parte relativa à indemnização fixada a favor de NN o recurso interposto foi rejeitado).
***
III. FUNDAMENTAÇÃO
*
A) DECISÃO RECORRIDA
O acórdão recorrido estabeleceu os seguintes factos provados:
«(…)
1. Os arguidos viveram em comunhão de cama, mesa e habitação na ..., até ao dia ..2023, data em que foram detidos à ordem dos presentes autos.
2. Os arguidos exploraram, em conjunto, desde data não concretamente apurada até 28.02.2023, os estabelecimentos de restauração e bebidas denominados “...”, sito na ..., e “...”, sito na ....
3. Os arguidos exploraram ainda, em conjunto, desde ........2021 até 19.07.2022, o estabelecimento de bebidas denominado “...”, sito na ...,
4. e exploraram ainda, em conjunto, desde 01.07.2020 até 10.12.2021, o estabelecimento de bebidas denominado “...”, sito na ....
5. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 24.09.2021, os arguidos combinaram entre si apoderarem-se de dinheiro, de cartões bancários, de telemóveis e outros bens que clientes e fornecedores dos mencionados estabelecimentos tivessem na sua posse.
6. Para o efeito, combinaram, entre outros procedimentos, proceder à observação dos códigos dos cartões bancários quando os clientes procediam a pagamentos através dos ATM instalados nos mencionados estabelecimentos.
7. Combinaram ainda, entre si, introduzir substâncias químicas indutoras do sono, como benzodiazepínicos, nas bebidas e/ou nas comidas dos clientes que decidissem assaltar, de modo a que adormecessem, ficassem em modo passivo e/ou submissos e perdessem a consciência e a memória.
8. Para o efeito, em cada um dos dias 15.10.2022, 03.11.2022, 04.11.2022, 11.11.2022, 19.11.2022 e 28.01.2023, os arguidos compraram uma caixa de “Dormicum” na ..., sita na ...
I. NUIPC 410/21.0PESNT
9. No dia 24 de Setembro de 2021, pelas 19h00, EE e OO, a fim de verem pela TV um jogo Sporting-Marítimo, deslocaram-se ao mencionado estabelecimento de restauração e bebidas denominado “...”, onde se encontrava o arguido.
10. EE era cliente habitual desse estabelecimento.
11. Nessa ocasião, EE tinha consigo o cartão de débito n.º ..., emitido pela ..., associado à conta bancária com o IBAN ....
12. Nesse local, EE e OO foram atendidos pelo arguido, a quem pediram um bitoque para cada um e um jarro de vinho tinto.
13. O arguido, em execução do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, introduziu uma substância química indutora do sono - Dormicum - no vinho que, de seguida, serviu àqueles EE e OO.
14. Depois de ter ingerido um pouco do vinho tinto que o arguido lhes serviu, EE adormeceu de imediato.
15. Passados instantes, OO adormeceu também e viria a ser encontrado pela família, cerca das 01h00 do dia 25.09.2021, a vaguear num parque de estacionamento sito na ..., no ....
16. Na posse do cartão de débito n.º ..., emitido pela ..., e do respectivo código pertencente ao mencionado EE, o arguido efectuou as seguintes operações bancárias:
- no dia 24.09.2021, pelas 20h26m245s, no terminal instalado no próprio estabelecimento e associado à morada pessoal do arguido, um pagamento no valor de 19,20 € (dezanove euros e vinte cêntimos);
- no dia 24.09.2021, pelas 23h09m23s, no ATM instalado na ..., em ..., um levantamento da quantia de 200 € (duzentos euros);
- no dia 24.09.2021, pelas 23h10m03s, no ATM instalado na ..., em ..., um levantamento da quantia de 180 € (cento e oitenta euros);
- no dia 25.09.2021, pelas 00h04m22s, no ATM instalado na ..., em ..., um levantamento da quantia de 180 € (cento e oitenta euros),
no total de 579,20 € (quinhentos e setenta e nove euros e vinte cêntimos).
II. NUIPC 533/21.5PESNT
17. No dia 10 de Dezembro de 2021, pelas 19h00, FF e PP, sua mãe, deslocaram-se, para jantar, ao estabelecimento de restauração e bebidas denominado “...”, de que eram clientes habituais e onde se encontrava o arguido.
18. Nessa ocasião, FF tinha consigo o cartão de débito n.º ..., emitido pelo ..., associado à conta bancária com o n.º ....
19. Nesse local, FF e a sua mãe foram atendidos pelo arguido, que lhes serviu um bitoque e um jarro de vinho tinto.
20. No final do jantar, FF pediu uma aguardente ao arguido.
21. De seguida, o arguido, em execução do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, introduziu uma substância química indutora do sono - Dormicum - na aguardente que, de seguida, serviu a FF.
22. Depois de ingerir tal aguardente, FF dirigiu-se ao balcão para pagar.
23. Aí, FF deixou cair o referido cartão bancário, para além de outros documentos, tendo o arguido ajudado a recolhê-los.
24. FF ficou sem forças, cambaleante, atordoado e sem saber onde estava e foi auxiliado por um amigo, que o levou a casa.
25. Nessa ocasião, o arguido ficou na posse do cartão bancário com o n.º ..., emitido pelo ..., pertencente a FF.
26. Na posse do cartão de débito e do respectivo código pertencente a FF, o arguido efectuou as seguintes operações bancárias:
- no dia 10.12.2021, pelas 20h05m25s, no terminal instalado no próprio estabelecimento e associado à morada pessoal do arguido, um pagamento no valor de 100 € (cem euros);
- no dia 10.12.2021, pelas 20h53m21s, no ..., sito na ..., um levantamento em ATM, no valor de 200 € (duzentos euros);
- no dia 10.12.2021, pelas 20h53m21s, no ..., sito na ..., um levantamento em ATM, no valor de 40 € (quarenta euros),
no total de 340 € (trezentos e quarenta euros).
III. NUIPC 396/22.3PBSNT
27. No dia 24 de Março de 2022, pelas 20h00, GG deslocou-se ao estabelecimento de restauração e bebidas denominado “...”, de que era cliente habitual e onde se encontrava o arguido.
28. Nesse local, foi atendido pelo arguido, a quem pediu uma cerveja.
29. Em execução do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, o arguido introduziu uma substância química indutora do sono - Dormicum - na cerveja que, de seguida, serviu a GG.
30. Depois de ter ingerido cerca de dois goles daquela cerveja que o arguido lhe serviu, GG ficou inconsciente, tendo sido conduzido ao Hospital ..., onde deu entrada pelas 21h43 desse dia.
31. Antes de ser conduzido ao Hospital, o arguido tirou a GG quatro anéis em ouro - três alianças e um anel com pedras brancas -, que trazia nos dedos e a chave da sua residência.
32. O arguido tirou-lhe ainda o cartão bancário do ... que GG trazia e colocou-lhe no bolso o cartão bancário com o n.º ..., emitido pelo ... e pertencente a FF.
33. Enquanto GG permanecia no Hospital, o arguido deslocou-se à sua residência, sita na ..., onde subtraiu uma televisão da marca Samsung e uma coluna de som da marca JBL, no valor global de cerca de 1.200 € (mil e duzentos euros), que fez suas.
34. Na posse do cartão de débito e do respectivo código pertencente a GG, o arguido efectuou as seguintes operações bancárias:
- no dia 24.03.2022, pelas 20h05m25s, no terminal instalado no próprio estabelecimento e associado à morada pessoal do arguido, um pagamento no valor de 10 € (dez euros);
- no dia 24.03.2022, pelas 20h53m21s, no ..., sito na ..., um levantamento em ATM, no valor de 200 € (duzentos euros);
- no dia 24.03.2022, pelas 20h54m02s, no ..., sito na ..., um levantamento em ATM, no valor de 180 € (cento e oitenta euros);
- no dia 25.03.2022, pelas 00h05m40s, num terminal ATM sito na Av. Elias Garcia, n.º 185, em ..., um levantamento no valor de 200 € (duzentos euros);
- no dia 25.03.2022, pelas 00h06m19s, num terminal ATM sito na Av. Elias Garcia, n.º 185, em ..., um levantamento no valor de 200 € (duzentos euros);
- no dia 26.03.2022, pelas 00h36m59s, num terminal ATM sito na Av. Elias Garcia, n.º 185, em ..., um levantamento no valor de 200 € (duzentos euros);
- no dia 26.03.2022, pelas 00h37m35s, num terminal ATM sito na Av. Elias Garcia, n.º 185, em ..., um levantamento no valor de 200 € (duzentos euros),
no total de 1.190 € (mil cento e noventa euros).
35. Quando chegou a casa, GG encontrou a chave da sua residência na porta.
IV. NUIPC 367/23.2PBSNT
36. No dia 21 de Abril de 2022, pelas 20h00, HH deslocou-se ao estabelecimento de restauração e bebidas denominado “...”, onde jantou a convite do arguido e este se encontrava.
37. Em execução do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, o arguido introduziu uma substância química indutora do sono - Dormicum - na refeição ou na bebida que, de seguida, serviu a HH.
38. Depois de ingerir a mencionada refeição e bebida, HH adormeceu e foi levada pelos arguidos para a residência destes, local onde dormiu até ao dia seguinte.
39. Entretanto, o arguido apropriou-se da carteira de HH, que continha 300 € (trezentos euros) em numerário e documentos, e fez seus os 300 €.
V. NUIPC 975/22.9PBSNT
40. No dia 19 de Julho de 2022, pelas 15h00, II deslocou-se ao estabelecimento de restauração e bebidas denominado “...”, levando no bolso das calças 2.800 € (dois mil e oitocentos euros) em numerário.
41. Depois de ter visto o maço de notas que II tinha, o arguido propôs-lhe deslocarem-se até ao estabelecimento de bebidas denominado “...”, local onde se encontrava a arguida, ao que aquele acedeu.
42. Aí chegados, II pediu uma cerveja à arguida.
43. Em cumprimento do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, a arguida introduziu uma substância química indutora do sono - Dormicum - na cerveja que, de seguida, serviu a II.
44. Depois de ingerir essa cerveja, II perdeu a consciência, após o que os arguidos se apoderaram da quantia de 2.780 € (dois mil setecentos e oitenta euros) que aquele tinha no bolso e que fizeram sua.
45. Seguidamente, chamaram uma ambulância, na qual II foi transportado ao Hospital Prof. ... Fernando da Fonseca.
VI. NUIPC 118/23.1GGSNT
46. A convite do arguido, no dia 5 de Novembro de 2022, pelas 17h00, JJ deslocou-se ao estabelecimento de restauração e bebidas denominado “...”, de que era cliente habitual e onde se encontrava o arguido.
47. Nesse local, o arguido serviu-lhe um prato de “pica pau” e uma cerveja onde previamente o arguido introduzira uma substância química contendo benzodiazepinas - Dormicum.
48. JJ ingeriu aquela refeição na companhia do arguido, que, no entanto, não ingeriu qualquer pedaço daquela comida.
49. Depois da refeição, JJ perdeu a consciência, tendo sido conduzido ao Hospital Prof. ... Fernando da Fonseca, onde deu entrada pela 01h45 do dia ........2022.
50. Antes de JJ ser conduzido ao hospital, o arguido tirou-lhe um fio, um cordão e uma medalha, todos em ouro, que trazia ao pescoço, de valor não inferior a 1.500 € (mil e quinhentos euros), e 50 € (cinquenta euros) em numerário.
51. No dia ........2022, o arguido deslocou-se à ourivesaria ..., sita na ..., onde vendeu os referidos cordão e medalha em ouro pertencentes a JJ, pelo preço de 1.340 € (mil trezentos e quarenta euros).
VII. NUIPC 1714/22.0PCSNT
52. No final do dia 19 de Novembro de 2022, KK deslocou-se ao estabelecimento de restauração e bebidas denominado “...”, onde permaneceu até cerca das 20h20 e foi atendido pelo arguido, que lhe serviu três cervejas.
53. Quando se preparava para ir embora, o arguido ofereceu a KK um prego e uma cerveja, o que este aceitou.
54. Em execução do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, o arguido introduziu uma substância química indutora do sono - Dormicum - no prego ou na cerveja que, de seguida, serviu a KK.
55. Após, KK dirigiu-se à sua residência e, por ter dado pela falta do seu telemóvel, regressou ao estabelecimento “...”.
56. Aí, KK ficou inconsciente, tendo sido conduzido ao ... ... ....
57. Antes de ser conduzido ao hospital, o arguido retirou a KK as chaves da sua viatura, as chaves da sua residência, um telemóvel e um cartão bancário.
58. No dia 21.11.2022, na posse do cartão bancário e do respectivo código pertencente a KK, o arguido efectuou as seguintes operações bancárias:
- dois levantamentos no valor de 200 € (duzentos euros) cada, e
- uma transferência bancária no valor de 1.500 € (mil e quinhentos euros) para a conta com o NIB ....
VIII. NUIPC 474/23.1PBSNT
59. No dia 30 de Novembro de 2022, pelas 14h00, LL deslocou-se ao estabelecimento de restauração e bebidas denominado “...”.
60. Num primeiro momento, LL consumiu quatro cervejas e, quando se preparava para sair do estabelecimento, chegou ali o arguido, que lhe ofereceu um gin, que aquele aceitou.
61. LL consumiu ainda um segundo gin preparado pelo arguido e no qual este previamente introduziu uma substância química indutora do sono - Dormicum.
62. Depois da ingestão do segundo gin, LL perdeu a consciência e foi conduzido ao ... ... ..., onde deu entrada pelas 00h56 do dia 01.12.2022 e onde ficou internado durante 9 dias.
63. Antes de aquele de ser conduzido ao hospital, o arguido fez uso do cartão bancário pertencente a LL e com o qual efectuou um pagamento no valor de 24 € (vinte e quatro euros).
IX. NUIPC 1020/23.9T9SNT
64. No dia 15 de Janeiro de 2023, pelas 17h30, CC deslocou-se ao mencionado estabelecimento de restauração denominado “...”, a fim de ver pela TV um jogo Benfica-Sporting.
65. Na ocasião CC tinha consigo a quantia de 3.200 € (três mil e duzentos euros) e dois telemóveis, marca Samsung, modelos Galaxy A52 e A13, respectivamente com os IMEI ... e ..., no valor de 330 € (trezentos e trinta euros) e 174,99 € (cento e setenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos), respectivamente.
66. Nesse local, CC foi atendido pelo arguido, que lhe serviu cervejas.
67. Ao aperceber-se da quantia em dinheiro que CC tinha na sua posse, o arguido, em execução do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, cerca das 21h00, introduziu uma substância química indutora do sono - Dormicum - na última das cervejas que serviu àquele.
68. Passados instantes, CC perdeu os sentidos, não sem antes verificar que o arguido fechou as grades do mencionado estabelecimento.
69. Após, o arguido subtraiu a CC os descritos telemóveis e quantia em dinheiro, que fez seus.
70. CC foi transportado ao ... ... ... pelos ....
X. NUIPC 316/23.8S3LSB
71. No dia 28 de Janeiro de 2023, pelas 15h00, MM deslocou-se ao estabelecimento de restauração denominado “...”, a convite dos arguidos, que lhe telefonaram para o efeito.
72. O referido MM era cliente habitual do mencionado estabelecimento.
73. Nessa ocasião, MM tinha consigo 1.800 € (mil e oitocentos euros) em numerário e um telemóvel, marca iPhone, modelo 14 Pro Max, com o IMEI ..., no valor de 1.450 € (mil quatrocentos e cinquenta euros).
74. Nesse local, MM consumiu uma bifana e ingeriu duas cervejas.
75. No final da refeição, os arguidos insistiram com MM para que aceitasse um café, ao que este acedeu.
76. Em cumprimento do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, um dos arguidos introduziu uma substância composta de benzodiazepinas no café que serviram a MM.
77. Depois de MM ter ingerido o café, perdeu a consciência, momento em que os arguidos lhe subtraíram a mencionada quantia em dinheiro e o descrito telemóvel, que fizeram seus.
78. MM foi transportado ao ..., onde deu entrada pelas 02h30 do dia 29.01.2023.
XI. NUIPC 276/23.5PLSNT
79. No dia 17 de Fevereiro de 2023, pelas 10h20, NN, distribuidor de tabaco da empresa DD, deslocou-se, no veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, da marca ..., modelo ... de cor branca, com a matrícula ..-OF-.., ao estabelecimento de restauração e bebidas denominado “...”, cliente daquela empresa, a fim de aí repor o stock de tabaco.
80. Nesse dia, hora e local encontravam-se os arguidos.
81. O arguido disse a NN que a arguida fazia anos e ofereceu-lhe um café, o que aquele recusou.
82. Como NN não aceitou o café, o arguido disse-lhe que lhe oferecia um prego no pão e uma cerveja mini, o que aquele aceitou.
83. O arguido pediu a NN moedas para a máquina de tabaco, o que levou este último a deslocar-se para o exterior até à viatura com a matrícula ..-OF-...
84. Enquanto NN estava no exterior, os arguidos, em cumprimento do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, introduziram uma substância composta de benzodiazepinas na cerveja que serviram àquele.
85. Pelas 10h53, depois de ter ingerido a cerveja que os arguidos lhe serviram, NN ficou sem reacção, momento em que os arguidos se apoderaram da chave do veículo marca ..., com a matrícula ..-OF-...
86. De seguida, retiraram do interior da dita viatura, com a matrícula ..-OF-.., 3758 (três mil setecentos e cinquenta e oito) maços de tabaco, das marcas Austin, Camel, Chesterfield, Elixir, John Player Special, Lucky Strike, Marlboro, Português, Rothmans, Winston, West, entre outras, no valor global de 17.679 € (dezassete mil seiscentos e setenta e nove euros), e ainda 4.355,50 € (quatro mil trezentos e cinquenta e cinco euros e cinquenta cêntimos) em numerário, pertencentes à empresa DD.
87. Após, ordenaram a NN que se sentasse ao volante do seu veículo, que, acompanhado da arguida, sentada no banco do pendura, conduziu até ao parque de estacionamento do supermercado ..., sito na ..., em ....
88. NN foi transportado ao ... ... ... e deu aí entrada pelas 15h09 desse dia, 17.02.2023.
89. Nas circunstâncias descritas nos pontos 40.º a 45.º, 71.º a 78.º e 79.º a 88.º (NUIPC 975/22.9PBSNT, 316/23.8S3LSB e 276/23.5PLSNT), os arguidos agiram em conjugação de esforços e de intentos e em execução de um plano previamente acordado entre ambos, e nas demais circunstâncias descritas o arguido agiu em execução de um plano previamente delineado, com o propósito, concretizado, de retirar/em e fazer/em seus os mencionados cartões bancários, quantias em dinheiro, telemóveis, tabaco, objectos em ouro e demais objectos que sabiam não lhes pertencerem, como sabiam que agiam contra a vontade e em prejuízo dos seus donos.
90. Os arguidos, nas circunstâncias descritas nos pontos 40.º a 45.º, 71.º a 78.º e 79.º a 88.º (NUIPC 975/22.9PBSNT, 316/23.8S3LSB e 276/23.5PLSNT), fizeram-se valer da introdução de substâncias químicas nas bebidas de II, MM e NN,
e o arguido, também nas demais circunstâncias descritas, fez- -se valer da introdução de substâncias químicas nas bebidas de EE, FF, GG, LL e CC e nas refeições ou nas bebidas de HH, JJ e KK,
de modo a que não pudessem reagir e obstar à concretização daqueles intentos, por terem adormecido, perdido a consciência, desmaiado e/ou ficado passivos e sem memória.
91. Ao apoderar-se, nas correspondentes circunstâncias supra descritas - referentes aos NUIPC 410/21.0PESNT, 533/21.5PESNT, 396/22.3PBSNT, 1714/22.0PCSNT e 474/23.1PBSNT -, dos mencionados cartões de débito e do numerário correspondente aos pagamentos e aos levantamentos por si efectuados, o arguido sabia que os mesmos não lhe pertenciam, que actuava sem o conhecimento e contra a vontade dos seus legítimos donos e que não podia dispor dos mesmos, tendo querido actuar dessa forma e com o propósito, concretizado, de fazê-los coisas suas e utilizá- -los para proceder a pagamentos de compras e a levantamentos em numerário por si efectuados através das quantias que estivessem afectas às respectivas contas bancárias, o que logrou alcançar.
92. O arguido tinha conhecimento de que, ao digitar os códigos de acesso aos sistemas informáticos das redes bancárias, introduzia nesses sistemas dados que lhe permitiam desencadear o acesso às contas bancárias a que os cartões de débito estavam adstritos, o que lhe possibilitou os débitos nas mesmas dos pagamentos e levantamentos que efectuou.
93. O arguido sabia que não podia utilizar os dados relativos aos cartões bancários sem a autorização dos respectivos titulares e, não obstante, agiu da forma descrita, com o propósito, concretizado, de obter, à conta do património pessoal de outrem, os correspondentes montantes em dinheiro supra mencionados, para seu proveito, sabendo que tais actos teriam como consequência directa e necessária a saída do património de outrem das quantias levantadas com a utilização dos referidos dados de número de código dos cartões de débito.
94. Os arguidos, nas circunstâncias descritas nos pontos 40.º a 45.º, 71.º a 78.º e 79.º a 88.º (NUIPC 975/22.9PBSNT, 316/23.8S3LSB e 276/23.5PLSNT) agiram em conjugação de esforços e de intentos e em execução de um plano previamente acordado entre ambos,
e o arguido, também nas demais circunstâncias descritas, agiu em execução de um plano previamente estabelecido,
tendo os arguidos agido em todas as circunstâncias que se lhes referem de forma livre, voluntária e consciente, ambos sabendo serem as suas descritas condutas proibidas e punidas por lei.
*
95. Em consequência dos factos praticados pelo arguido a tal respeito supra descritos, o demandante CC sofreu dores físicas, teve que ser hospitalizado no ... ... ... e ficou emocionalmente transtornado.
*
96. O arguido já foi condenado:
- pela prática, em 24.03.2010, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 5 €, por sentença proferida em 24.03.2010, transitada em julgado em 23.04.2010; esta pena extinguiu-se, pelo pagamento, em 09.11.2012 (Proc. n.º 144/10.0PTSNT do Juízo de Pequena Instância Criminal de Sintra – Juiz 2);
- pela prática, em 22.08.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 períodos de prisão por dias livres, a ser cumpridos em 70 fins-de-semana sucessivos, entre as 09h00 de Sábado e as 21h00 de Domingo, por sentença proferida em 03.09.2012, transitada em julgado em 24.09.2012; esta pena extinguiu-se, pelo cumprimento, em 15.05.2016 (Proc. n.º 122/12.5PFSNT do Juízo de Pequena Instância Criminal de Sintra – Juiz 2);
- pela prática, em 31.03.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de 5 €, por sentença proferida em 02.07.2010, transitada em julgado em 02.07.2010; esta pena foi convertida em 86 dias de prisão subsidiária e extinguiu-se, pelo pagamento da multa, em 23.05.2012 (Proc. n.º 85/09.4PTCSC do 1.º Juízo Criminal de Cascais);
- pela prática, em 03.01.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com sujeição a regime de prova, por sentença proferida em 11.01.2012, transitada em julgado em 15.02.2012; tal suspensão foi revogada e o arguido cumpriu efectivamente essa pena, que se extinguiu, pelo cumprimento, em 23.11.2014 (Proc. n.º 4/12.0PESNT do Juízo de Pequena Instância Criminal de Sintra – Juiz 1);
- pela prática, em 21.05.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 72 períodos de prisão por dias livres, a ser cumpridos em 72 fins-de-semana, com a duração de 40 horas cada, por sentença proferida em 05.06.2012, transitada em julgado em 02.07.2012; esta pena foi substituída por 145 horas de trabalho a favor da comunidade e extinguiu-se, pelo cumprimento, em 23.01.2020 (Proc. n.º 773/12.8PCSNT do Juízo de Pequena Instância Criminal de Sintra – Juiz 2);
- pela prática, em 11.01.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 5 €, por sentença proferida em 25.01.2012, transitada em julgado em 23.03.2012; esta pena extinguiu-se, por prescrição, em 23.03.2016 (Proc. n.º 6/12.7PFSNT do Juízo de Pequena Instância Criminal de Sintra – Juiz 2);
- pela prática, em 20.12.2017, de um crime de vinhos ou produtos vitivinícolas anormais, p. e p. pelos arts. 7.º, n.º 1, 10.º e 2.º, n.º 2, al. a) e subalíneas ii) e iii), do Decreto-Lei n.º 213/2004, de 23.08, e de um crime contra a genuinidade, qualidade ou composição de género alimentício, p. e p. pelos arts. 24.º, n.º 1, al. a), e 82.º, n.º 2, al. a), subalínea iii), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20.01, na pena única de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com sujeição a regime de prova, e com a condição de o arguido proceder ao pagamento da coima única de 500 €, e na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5 €, por sentença proferida em 15.10.2019, transitada em julgado em 27.11.2019; a pena de prisão foi declarada extinta, com fundamento no disposto no art. 57.º do Código Penal, em 04.01.2022, e a pena de multa foi substituída por 100 horas de trabalho e extinguiu-se, pelo cumprimento de 5 dessas horas e pelo pagamento do remanescente correspondente à multa, em 12.10.2022 (Proc. n.º 161/17.0PFSNT do Juízo Local Criminal de Sintra – Juiz 1);
- pela prática, em 2019, de um crime de vinhos ou produtos vitivinícolas anormais, p. e p. pelos arts. 7.º, n.º 1, 10.º e 2.º, n.º 2, al. a) e subalíneas ii) e iii), do Decreto-Lei n.º 213/2004, de 23.08, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, com sujeição a regime de prova, e com a condição de o arguido proceder ao pagamento da coima única de 600 €, por sentença proferida em 26.11.2020, transitada em julgado em 08.01.2021 (Proc. n.º 42/19.2ECLSB do Juízo Local Criminal de Sintra – Juiz 4);
- pela prática, respectivamente em 12.12.2018, em 09.03.2019 e entre Setembro de 2018 e 14.11.2018, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. f), do Código Penal, um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), com referência ao art. 202.º, al. d), do Código Penal, e um crime de dano, p. e p. pelo art. 212.º, n.º 1, do Código Penal, nas correspondentes penas parcelares de 1 ano de prisão, 3 anos de prisão e 1 ano e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão, efectiva, por acórdão proferido em 11.04.2023, transitado em julgado em 11.05.2023 (Proc. n.º 1554/18.0PLSNT do Juízo Central Criminal de Sintra – Juiz 6);
- pela prática, em 30.10.2018, de um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176.º, n.º 1, al. c), e 177.º, n.º 7, do Código Penal, na pena de 22 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 12.10.2022, transitado em julgado em 27.10.2022 (Proc. n.º 967/19.5TELSB do Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 4).
97. Nada consta do CRC da arguida.
98. O arguido nasceu em …1987.
99. Cresceu no seio de um agregado familiar numeroso, marcado por episódios de maus-tratos do pai sobre a mãe, pela problemática etílica do pai e por limitações financeiras.
100. Concluiu o 5.º ano de escolaridade.
101. Tem um percurso profissional no qual foram predominantes actividades ligadas à … e à área da …, tendo trabalhado para outrem e explorado negócios por conta própria.
102. Coabitou com a arguida, mãe da sua filha mais nova, que tem actualmente cerca de 8 meses de idade, até 28.02.2023, altura em que foi detido, tendo ficado sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, à ordem dos presentes autos, em 01.03.2023.
103. O respectivo agregado familiar era constituído pelo arguido, pela companheira - ora arguida -, e por dois menores - uma filha da arguida de outra relação e o filho primogénito do arguido -, e residia em casa arrendada.
104. O filho do arguido, de dezassete anos de idade, manteve-se a residir com a arguida, que está sujeita à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, aplicada nos presentes autos.
105. O arguido e a arguida têm quatro filhos de relacionamentos distintos.
106. Quando a situação jurídica o permitir, o arguido pretende alterar a sua residência para o ..., onde um dos seus irmãos se encontra, considerando ter aí perspectivas de trabalho.
107. Em período anterior à sua actual privação da liberdade, o arguido cumpriu penas de prisão efectiva e medidas de execução na comunidade, tendo o seu primeiro contacto com o sistema prisional ocorrido quando tinha vinte e quatro anos de idade.
108. Na sequência da instauração do presente processo, o filho do arguido ficou com mágoa face ao pai, tendo interrompido as visitas ao mesmo no estabelecimento prisional.
109. Em contexto de reclusão, o arguido tem beneficiado de suporte de outros elementos da família e de amigos.
110. A situação que conduziu à instauração dos presentes autos foi divulgada nos meios de comunicação social e teve impacto no meio comunitário; não obstante, um dos estabelecimentos comerciais que o casal formado pelos arguidos explorava - ... - continua em funcionamento e com clientela, ali trabalhando o filho do arguido.
111. Actualmente o arguido cumpre a pena única de prisão em que foi condenado no Proc. n.º 1554/18.0PLSNT, acima referido.
112. O arguido tem um percurso pessoal e profissional instável, marcado por vários contactos com o sistema judicial, com precocidade, variedade e persistência criminal.
113. O arguido denota uma capacidade de reflexão deficitária, tem uma visão autocentrada da sua situação jurídica - identificando prejuízos para si e para a sua família -, revela dificuldades de descentração, designadamente no que tange ao impacto das suas condutas nas respectivas vítimas, tem reduzido juízo crítico, fraco pensamento consequencial e sérias dificuldades na capacidade de mudança.
114. O arguido denota vínculo à família e capacidade de empreendedorismo, mas esses factores não se mostraram até ao presente contentores das suas actividades criminosas.
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115. A arguida nasceu em ........1985.
116. Reside na ..., numa habitação arrendada em nome da própria, com razoáveis condições de habitabilidade, onde coabita com as suas duas filhas e com o filho do arguido, BB, com dezassete anos.
117. Durante cerca de cinco anos, até à data da detenção de ambos no âmbito dos presentes autos, ocorrida em 28.02.2023, manteve com o arguido a relação acima referida no ponto 1.º.
118. Mantém comunicação com o arguido, com quem tem uma filha em comum, com cerca de 8 meses de idade.
119. Tem uma filha com cerca de cinco anos, fruto de outra relação, que indicia ser portadora de …; tem mais dois filhos de duas relações anteriores, um com 20 anos, já com vida autónoma, e outro com 13 anos, que se encontra a residir com o pai em ....
120. A relação acima referida no ponto 1.º era, na perspectiva da arguida, funcional e afectivamente estável.
121. A arguida concluiu o 9.º ano do ensino regular.
122. Trabalha na … desde os 16 anos, sem períodos significativos de desemprego.
123. Mantém-se a gerir o estabelecimento comercial ..., espaço arrendado em seu nome; actualmente, conta com o apoio de uma colaboradora e do referido filho do arguido, os quais desenvolvem a actividade de café, tendo suspendido o serviço de refeições na sequência das actuais circunstâncias de privação da liberdade dos arguidos.
124. Tem como despesas fixas o pagamento da renda de casa, no valor de 250 € e o da renda do café/restaurante, no valor de 850 €; os valores dos rendimentos líquidos do agregado rodam os 1200 € mensais; recebe o rendimento social de inserção, no valor de 208 €, e o abono das filhas, no valor de 150 €.
125. Às datas dos factos supra descritos a que globalmente se referem os presentes autos, a arguida usufruía de uma situação económica mais favorável; era o arguido que geria a vertente económica referente aos estabelecimentos comerciais que exploravam.
126. Relativamente à sua inserção sociocomunitária, a arguida apresentou ao longo da sua trajectória de vida e até ao presente dificuldades de adaptação ao cumprimento das normas vigentes.
127. À ordem dos presentes autos, ficou sujeita a prisão preventiva desde 01.03.2023 até 25.03.2023, estando desde esta última data sujeita à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, na morada sita na ..., não se registando situações de incumprimento.
128. Os arguidos revelam fraco juízo crítico no que tange aos correspondentes factos supra descritos a que se refere este processo, relativamente aos quais não manifestaram real arrependimento.»
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O acórdão recorrido estabeleceu os seguintes factos não provados:
«Factos respeitantes ao NUIPC 410/21.0PESNT:
a. foi de 200 € (duzentos euros) o levantamento realizado no dia 25.09.2021, pelas 00h04m22s, foi de 609,20 € (seiscentos e nove euros e vinte cêntimos) o total das operações bancárias a que se refere o ponto 16.º dos factos provados e a arguida efectuou aquela operação;
b. aquando do descrito no ponto 9.º dos factos provados, a arguida se encontrava no estabelecimento “...”;
c. a arguida, em cumprimento do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, procedeu como descrito nos pontos 13.º e 16.º dos factos provados;
Factos respeitantes ao NUIPC 533/21.5PESNT:
d. aquando do descrito no ponto 17.º dos factos provados, a arguida se encontrava no estabelecimento “...”;
e. a arguida, em cumprimento do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, procedeu como descrito nos pontos 21.º e 26.º dos factos provados;
Factos respeitantes ao NUIPC 396/22.3PBSNT:
f. aquando do descrito no ponto 27.º dos factos provados, a arguida se encontrava no estabelecimento “...”;
g. a arguida, em cumprimento do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, procedeu como descrito nos pontos 29.º e 31.º a 34.º dos factos provados;
h. aquando do referido no ponto 33.º dos factos provados foram subtraídas duas colunas de som da marca JBL;
Factos respeitantes ao NUIPC 367/23.2PBSNT:
i. aquando do descrito no ponto 36.º dos factos provados, a arguida se encontrava no estabelecimento “...”;
j. a arguida, em cumprimento do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, procedeu como descrito nos pontos 37.º e 39.º dos factos provados;
Factos respeitantes ao NUIPC 118/23.1GGSNT:
k. aquando do descrito no ponto 46.º dos factos provados, a arguida se encontrava no estabelecimento “...”;
l. a arguida procedeu como descrito nos pontos 47.º e 50.º dos factos provados;
m. foi pelas 07h18 que JJ deu entrada no ... ... ...;
Factos respeitantes ao NUIPC 1714/22.0PCSNT:
n. a arguida, em cumprimento do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, procedeu como descrito nos pontos 54.º, 57.º e 58.º dos factos provados;
o. o arguido efectuou um pagamento no valor de 8,40 € (oito euros e quarenta cêntimos) com o cartão bancário de KK;
Factos respeitantes ao NUIPC 1020/23.2T9SNT:
p. a arguida, em cumprimento do plano mencionado nos pontos 5.º a 7.º, procedeu como descrito nos pontos 67.º e 69.º dos factos provados;
Factos respeitantes ao NUIPC 276/23.5PLSNT:
q. tinha a matrícula ..-OF-.. o veículo a que se referem os pontos 79.º, 83.º e 85.º a 87.º dos factos provados;
r. nas circunstâncias descritas nos pontos 9.º a 16.º, 17.º a 26.º, 27.º a 35.º, 36.º a 39.º, 46.º a 51.º, 52.º a 58.º e 64.º a 70.º (NUIPC 410/21.0PESNT, 533/21.5PESNT, 396/22.3PBSNT, 367/23.2PBSNT, 118/23.1GGSNT, 1714/22.0PCSNT e 1020/23.2T9SNT) a arguida agiu em conjugação de esforços e de intentos e em execução de um plano previamente acordado entre si e o arguido com o propósito, concretizado, de retirar e fazer seus os mencionados cartões bancários, quantias em dinheiro, telemóveis, objectos em ouro e demais objectos que sabia não lhes pertencerem, como sabia que agia contra a vontade e em prejuízo dos seus donos;
s. nas correspondentes circunstâncias supra descritas referentes aos NUIPC 410/21.0PESNT, 533/21.5PESNT, 396/22.3PBSNT e 1714/22.0PCSNT a arguida se apoderou dos mencionados cartões de débito e do numerário correspondente a pagamentos e a levantamentos por si efectuados, sabia que os mesmos não lhe pertenciam, que actuava sem o conhecimento e contra a vontade dos seus legítimos donos e que não podia dispor dos mesmos, tendo querido actuar dessa forma e com o propósito, concretizado, de fazê--los coisas suas e utilizá-los para proceder a pagamentos de compras e a levantamentos em numerário por si efectuados através das quantias que estivessem afectas às respectivas contas bancárias, o que logrou alcançar;
t. a arguida actuou como descrito nos pontos 92.º e 93.º dos factos provados.»
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O acórdão recorrido fundamenta a decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
«O tribunal baseou a sua convicção relativamente à factualidade provada na análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, de toda a prova produzida, nos termos de seguida expostos.
Importa desde já realçar o seguinte:
A testemunha …, de forma isenta, revelou ser ..., trabalhar na farmácia a que se refere o ponto 8.º dos factos provados, que as aquisições de Dormicum a que respeitam as facturas juntas a fls. 251, 564 e 565 foram feitas com as necessárias receitas médicas, naquela farmácia, referindo-se também à aquisição daquele medicamento o documento comprovativo de venda suspensa igualmente junto a fls. 251, e não se recordar dos arguidos.
Explicou também que aquele medicamento tem um efeito calmante, que ajuda as pessoas a dormir mais facilmente, podendo, se ministrado em excesso ou a pessoas com problemas cardíacos, nomeadamente de baixa tensão, provocar estados de sonolência permanentes e profundos e coma.
A testemunha HH, de forma isenta, revelou conhecer ambos os arguidos e que o arguido, sabendo que a mesma tinha o seguro da ..., lhe pediu que lhe arranjasse receitas de Dormicum, o que ela fez; confirmou o relatado a fls. 16 e 17 do apenso com o NUIPC 367/23.2PBSNT (apenso A).
Ao abrigo do disposto no art. 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal, com o acordo aí previsto, foram lidas as declarações que prestou perante a PSP, em 31.07.2023, vertidas no auto de fls. 25 daquele apenso, e HH confirmou-as integralmente.
O arguido, nas declarações que prestou em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em 01.03.2023, cujo auto consta de fls. 343 a 357, estando gravadas no CD de fls. 358 e no sistema Citius, das quais os arguidos, o assistente, os demandantes e o Ministério Público afirmaram em audiência de julgamento estarem inteirados, considerando-as aí reproduzidas nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 357.º, n.º 1, al. b), e 355.º do Código de Processo Penal, admitiu a adulteração dos “bitoques” mediante a adição das substâncias que adquiria na “farmácia 24 horas” de ..., sem receita médica; instado a esclarecer a escolha dos fármacos, disse ter sido um seu conhecido, entretanto falecido, que lhe disse que o medicamento deixava as pessoas inconscientes, mas não lhes fazia mal; negou a participação da arguida nos factos; quando lhe foi perguntado se tinha consciência do mal que podia ter causado à saúde dos ofendidos ali referidos, cinco dos quais foram conduzidos às urgências do Hospital, disse “E quem paga as minhas contas?”.
As pequenas imprecisões verificadas em denúncias e depoimentos, nomeadamente quanto a concretas datas ou valores, apenas revelaram a espontaneidade e o carácter não artificioso da sua realização pelas testemunhas em causa, tendo a conjugação desses elementos com a demais prova produzida permitido o rigoroso apuramento dos factos, nos termos que ficaram vertidos na factualidade provada.
As declarações que o arguido prestou em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, acima referidas, apenas se mostraram em concordância com o que no essencial evidentemente já decorria da prova recolhida.
No que concerne à factualidade respeitante ao NUIPC 410/21.0PESNT o tribunal atendeu em especial ao seguinte:
As testemunhas EE e OO descreveram, de forma que se mostrou isenta - pelo seu conteúdo e pelo modo simples e contido como depuseram -, os factos que vivenciaram e percepcionaram nas circunstâncias descritas nos pontos 9.º a 16.º dos factos provados, tendo revelado que nesse dia foi o arguido que os serviu, não viram a arguida e, naquela sequência, adormeceram.
OO confirmou ter captado a fotografia cuja cópia consta de fls. 22 do apenso com o NUIPC 410/21.0PESNT (incorporado no apenso B), por ter ficado surpreendido com o súbito adormecimento de EE e descreveu o que subsequentemente lhe aconteceu, depois de também ter adormecido, nos termos plasmados no ponto 15.º.
EE identificou-se naquela fotografia e confirmou que, tendo adormecido, foram então realizadas por outrem as operações bancárias referidas no ponto 16.º dos factos provados, que identificou no extracto de fls. 41 do apenso com o NUIPC 410/21.0PESNT.
Referiu também que sabe que o jantar foi pago, mas não sabe quem efectuou tal pagamento.
Ficou com a percepção de que foi drogado.
A documentação bancária, junta pela ..., constante de fls. 40 a 47 do apenso ora em referência evidencia a realização daquelas operações (também registadas no extracto de conta visível a fls. 9), a primeira das quais correspondente ao pagamento do jantar, todas realizadas em circunstâncias em que, como resultou dos depoimentos de EE e OO, nenhum deles estava já em condições de as realizar.
EE referiu também que por causa da realização dos mencionados levantamentos, na conta onde tinha o seu vencimento, teve que pedir dinheiro emprestado.
OO revelou ter problemas de coração, que já tinha tido um enfarte antes dos factos em causa e que posteriormente voltou a ter outro.
O tribunal atendeu ao auto de denúncia que deu origem ao NUIPC 410/21.0PESNT, nele junto de fls. 2, quanto à data, à hora e ao local da ocorrência e à identidade do denunciante (EE).
Não foi produzida prova quanto ao dado como não provado a respeito do NUIPC em referência.
No que concerne à factualidade respeitante NUIPC 533/21.5PESNT o tribunal atendeu em especial ao seguinte:
As testemunhas FF e PP descreveram, de forma que igualmente se mostrou isenta, os factos que vivenciaram e percepcionaram nas circunstâncias descritas nos pontos 17.º a 26.º dos factos provados, tendo revelado que nesse dia foi o arguido que os serviu, não viram a arguida e que, naquela sequência, quando FF se dirigiu para pagar ao arguido, já não conseguiu colocar o código para pagamento por Multibanco, tendo então ocorrido o descrito no ponto 23.º, do que PP, apesar de ser praticamente invisual, então se apercebeu pelas circunstâncias em que com eles se encontrava e por ter então visto, como manchas, os cartões do filho no chão e na mão do arguido, junto à máquina/terminal de pagamento do estabelecimento “...”.
FF relatou também que acordou no dia seguinte, “todo” urinado; a mãe disse-lhe que nunca o tinha visto “assim”, como estava quando foi para pagar ao arguido e nessa sequência.
Naquele dia seguinte, tentou levantar dinheiro com o cartão bancário que tinha na carteira, mas a máquina “comeu-lho”; soube, posteriormente, que esse cartão não era seu; o seu apareceu 2/3 meses depois, na PSP, tinha aparecido na carteira de outro senhor.
Na altura em que os factos em causa ocorreram já estava a fazer medicação para um problema no coração, de que o arguido tinha conhecimento.
Do auto de denúncia que deu origem ao apenso com o NUIPC 533/21.5PESNT (incorporado no apenso B), naquele junto a fls. 1, extrai-se que foi no dia 11.12.2021 que FF teve conhecimento das operações por outrem levadas a cabo com o seu cartão, subsequentemente ao jantar que, no dia 10.12.2021, realizou no estabelecimento “...”.
A documentação bancária constante de fls. 8 a 10 do apenso com o NUIPC 533/21.5PESNT evidencia a realização das operações descritas no ponto 26.º dos factos provados, a primeira das quais correspondente a pagamento e as seguintes a levantamentos, todas levadas a cabo em circunstâncias em que, como resultou da conjugação dos depoimentos de FF e PP, aquele não estava em condições de realizar.
Do auto de denúncia que deu origem ao NUIPC 396/22.3PBSNT, junto a fls. 25 e 26 do processo principal, e do auto de apreensão aí junto a fls. 34, extrai-se que o cartão bancário de FF veio a ser encontrado por GG na sua carteira e por este entregue à PSP, que nessa sequência o apreendeu. Esse cartão encontra-se junto a fls. 18 do apenso com o NUIPC 3199/22.1T9SNT (incorporado no apenso B).
Não foi produzida prova quanto ao dado como não provado a respeito do NUIPC em referência.
No que concerne à factualidade respeitante ao NUIPC 396/22.3PBSNT o tribunal atendeu em especial ao seguinte:
O ora assistente GG descreveu, de forma que igualmente se mostrou isenta, os factos que vivenciou e percepcionou nas circunstâncias descritas nos pontos 27.º a 35.º dos factos provados.
Revelou que apenas conhece o arguido, não a arguida, e que sempre que estava de folga ia tomar cerveja no estabelecimento “...”; na situação em causa, bebeu 2/3 goles da cerveja que o arguido lhe serviu e foi parar ao hospital; foi depois que, nos termos descritos, verificou que lhe tinham sido tirados os mencionados objectos e feitos os referidos pagamento e levantamentos.
O tribunal atendeu ao auto de denúncia que deu origem ao NUIPC 396/22.3PBSNT, junto a fls. 25 e 26 do processo principal, e ao respectivo aditamento a fls. 65, quanto à data, à hora e ao local da ocorrência, à identidade do denunciante e aos objectos associados, incluindo a menção da apreensão do cartão bancário de FF que GG verificou ter consigo e que, como supra referido, se encontra junto a fls. 18 do apenso com o NUIPC 3199/22.1T9SNT (incorporado no apenso B).
O auto daquela apreensão consta de fls. 34 do processo principal (a que pertencem as folhas doravante indicadas sem outra referência).
A documentação bancária constante de fls. 39, 40 e 73 a 75 evidencia a realização das operações descritas no ponto 34.º dos factos provados, a primeira das quais correspondente ao pagamento e as seguintes a levantamentos, todas levadas a cabo em circunstâncias em que, como resultou da conjugação das declarações de GG com a documentação clínica junta de fls. 59 a 64 e 106 a 111, este não estava em condições de realizar.
Não foi produzida prova quanto ao dado como não provado a respeito do NUIPC em referência, sendo de realçar a menção na denúncia a uma coluna Samsung e a correcção para JBL a que se refere o mencionado aditamento, pelo que, admitindo a possibilidade de confusão da memória de GG decorrente das circunstâncias dos factos e da passagem do tempo, o tribunal, em conformidade com o princípio in dubio pro reo, considerou como não provado o vertido na al. h).
No que concerne à factualidade respeitante ao NUIPC 367/23.2PBSNT o tribunal atendeu em especial ao seguinte:
A testemunha HH, já acima referida, descreveu, de forma que igualmente se mostrou isenta - não obstante o comprometimento revelado por se ter envolvido sexualmente com o arguido e por lhe ter fornecido receitas de Dormicum que obteve, de forma artificiosa, a pedido dele -, os factos que vivenciou e percepcionou nas circunstâncias descritas nos pontos 36.º a 39.º dos factos provados, tendo confirmado o relatado no auto de denúncia que deu origem ao NUIPC 367/23.2PBSNT (apenso A) - cfr. as respectivas fls. 16 e 17 -, e as declarações que prestou perante a PSP, em 31.07.2023, vertidas no auto de fls. 25 desse apenso - lidas em audiência de julgamento ao abrigo do disposto no art. 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal -, e revelado referirem-se a receita de Dormicum que “arranjou” para o arguido as mensagens de que juntou cópia de fls. 26 a 28 de tal apenso.
Não foi produzida prova quanto ao dado como não provado a respeito do NUIPC em referência.
No que concerne à factualidade respeitante ao NUIPC 975/22.9PBSNT o tribunal atendeu em especial ao seguinte:
II denunciou a factualidade que vivenciou e percepcionou nas circunstâncias descritas nos pontos 40.º a 45.º dos factos provados, tendo as correspondentes declarações prestadas perante a PSP, em 20.07.2022, constantes de fls. 5 e 6 do apenso com o NUIPC 975/22.9PBSNT (cfr. apenso B), sido lidas em audiência de julgamento com respeito pelo disposto no art. 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal.
A testemunha QQ, de forma que se mostrou isenta, revelou conhecer os arguidos por frequentar o estabelecimento “...” desde que os mesmos o abriram, onde via a arguida na cozinha e o arguido no balcão, e descreveu a situação, que presenciou, em que, à tarde, um rapaz ali entrou muito nervoso e a acusar o arguido de o ter assaltado, tendo ainda ido chamar mais pessoas, e ela veio com esse rapaz à rua, disse-lhe para ele se acalmar, contou-lhe o que lhe tinha sido contado sobre o sucedido com o seu vizinho GG (ora assistente), disse-lhe para ir à polícia e ele foi; o arguido manteve a calma, dizendo inclusivamente ao indivíduo que o tinha ajudado.
Assim, o tribunal atendeu ao auto de denúncia que deu origem ao NUIPC 975/22.9PBSNT, nele junto a fls. 5 e 6, também quanto à data, à hora e aos locais da ocorrência, à identidade do denunciante - II -, ao valor subtraído e à referência à testemunha QQ (QQ, como se verificou pela indicação do respectivo número de telemóvel - cfr. fls. 19 apenas na parte referente à identidade dessa testemunha).
A documentação clínica junta de fls. 13 a 15 do apenso com o NUIPC 975/22.9PBSNT evidencia que nas descritas circunstâncias II foi conduzido ao ... ... ..., onde lhe veio a ser detectada a presença de benzodiazepinas.
No que concerne à factualidade respeitante ao NUIPC 118/23.1GGSNT o tribunal atendeu em especial ao seguinte:
A testemunha JJ descreveu, de forma que igualmente se mostrou isenta, os factos que vivenciou e percepcionou nas circunstâncias descritas nos pontos 46.º a 51.º dos factos provados, tendo revelado que nesse dia foi o arguido que o serviu e que viu outro indivíduo, pensa que filho do mesmo, vir perguntar ao arguido acerca de um comprimido, na sequência do que este se referiu a uma “gripezita”.
Revelou também que à data já tomava medicação para o ouvido e para a tensão.
O documento junto a fls. 10 e a documentação clínica junta de fls. 11 a 15 e 18 a 19 do apenso com o NUIPC 118/23.1GGSNT (apenso G) evidenciam que nas descritas circunstâncias JJ foi conduzido ao ... ... ..., onde lhe veio a ser detectada a presença de benzodiazepinas.
O tribunal atendeu ao auto de notícia que deu origem ao apenso ora em referência, nele junto a fls. 4 e 5, quanto à data e ao local da ocorrência, à identidade da vítima e do suspeito e aos objectos associados.
Nas fotografias a fls. 20 desse apenso vê-se JJ a usar tais objectos.
De fls. 23 a 25 e 29 a 42 do mesmo apenso consta documentação (incluindo cópias de facturas e fotografias) comprovativa da venda de objectos em ouro no ano de 2022 pelo arguido - em Março, Abril, Julho, Outubro e Novembro -, e pela arguida - em 02 de Novembro -, incluindo da venda pelo arguido do cordão e da medalha de JJ em ........2022 (cfr. fls. 41 e 42).
Não foi produzida prova quanto ao dado como não provado a respeito do NUIPC em referência.
No que concerne à factualidade respeitante ao NUIPC 1714/22.0PCSNT o tribunal atendeu em especial ao seguinte:
A testemunha KK descreveu, de forma que se mostrou isenta, os factos que vivenciou e percepcionou nas circunstâncias descritas nos pontos 52.º a 58.º dos factos provados, tendo revelado que foi ao referido estabelecimento com um colega e que foi o arguido que os serviu.
A testemunha RR, de forma igualmente isenta, descreveu as circunstâncias em que ali esteve com KK e foram atendidos pelo arguido, tendo referido que só na quarta vez em que o arguido os foi servir é que o mesmo abriu as cervejas à frente deles e que depois RR foi para casa e o colega para o respectivo carro e que só no dia seguinte aquele soube o que, entretanto, aconteceu a este.
A documentação clínica junta de fls. 33 a 36 do apenso com o NUIPC 1714/22.0PCSNT (apenso H) evidencia que KK foi conduzido ao ... ... ... já no dia 20.11.2022.
O tribunal atendeu ao auto de denúncia que deu origem ao NUIPC ora em referência, nele junto a fls. 2 e 3, quanto à data, à hora e ao local da ocorrência e aos da sua comunicação à PSP, à identidade do denunciante (KK) e aos objectos à ocorrência associados.
A documentação bancária constante de fls. 13 e 19 a 29 desse apenso evidencia a realização das operações descritas no ponto 58.º dos factos provados.
Não foi produzida prova quanto ao dado como não provado a respeito do NUIPC em referência, sendo de realçar que, da análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, de toda a prova produzida, resultou evidente que o pagamento de 8,40 € foi realizado no terminal de pagamento existente no estabelecimento “...” na sequência dos consumos ali feitos por KK no dia 19.11.2022 - não obstante, por razão que se prende com o funcionamento daquele terminal, tenha ficado registado como tendo sido feito no dia 21.11.2022 -, e que aquando daquele pagamento o arguido usou de esquema, habitualmente utilizado, para repetidamente poder analisar o código de utilização do cartão (suposto pagamento cancelado, determinante de nova inserção do código para a sua final concretização – cfr. fls. 13 do apenso em causa).
No que concerne à factualidade respeitante ao NUIPC 474/23.1PBSNT o tribunal atendeu em especial ao seguinte:
A testemunha LL descreveu, de forma que se mostrou isenta, os factos que vivenciou e percepcionou nas circunstâncias descritas nos pontos 59.º a 63.º dos factos provados.
A documentação clínica junta de fls. 10 a 15 do apenso com o NUIPC 474/23.1PBSNT (apenso F) e de fls. 542 a 544 dos autos principais evidencia que nas descritas circunstâncias LL foi conduzido ao ... ... ..., tendo ficado em coma, tendo-se pressuposto na altura que em decorrência do mero consumo de álcool.
A documentação bancária constante de fls. 17 daquele apenso evidencia a realização do pagamento descrito no ponto 63.º dos factos provados, posterior ao na mesma data feito do consumo realizado por LL.
O tribunal atendeu ao auto de denúncia que deu origem ao NUIPC ora em referência, nele junto a fls. 3 e 4, quanto à data, à hora e ao local da ocorrência e aos da sua comunicação à PSP, à identidade do denunciante (LL) e à do suspeito (ora arguido).
No que concerne à factualidade respeitante ao NUIPC 1020/23.2T9SNT o tribunal atendeu em especial ao seguinte:
CC, ora demandante, descreveu, de forma que se mostrou isenta, os factos que vivenciou e percepcionou nas circunstâncias descritas nos pontos 64.º a 70.º e 95.º dos factos provados, tendo também revelado que frequentava o referido estabelecimento, daí conhecendo o arguido, como “responsável do café”, desde finais de 2022, e o filho deste, SS, com cerca de 17 anos, e que não conhece a arguida.
Referiu também que nunca lhe tinha acontecido nada assim, ficar sem memória; ficou triste, mora na zona há cerca de 30 anos, “foi como ser assaltado na sua casa”, podia ter morrido; naquele café, após as 18 horas, estando a decorrer um jogo, o pagamento era prévio; abriu a carteira 3 ou 4 vezes para pagar e pensa que foi assim que se aperceberam do dinheiro que tinha consigo.
O documento - Certidão de Comparência em Sinistro - junto a fls. 4 do apenso com o NUIPC 1020/23.2T9SNT (apenso E) evidencia que nas descritas circunstâncias, na sequência da chamada feita pelo 112 para os ..., pelas 22h48 do dia 15.01.2023, CC foi conduzido ao ... ... ....
A documentação clínica junta de fls. 148 a 154 dos autos principais evidencia as circunstâncias em que então CC foi assistido no ... ... ..., e as fotografias de fls. 155 a 158, apresentadas naquela sequência, mostram marcas das lesões pelo mesmo sofridas.
Os documentos juntos a fls. 146 e 147 dos autos principais revelam os valores pelos quais foram adquiridos os telemóveis mencionados no ponto 65.º dos factos provados.
O tribunal atendeu à denúncia que deu origem àquele NUIPC, nele junta a fls. 2 v.º e 3, quanto à data e ao local da ocorrência, à identidade do denunciante (CC) e à menção feita ao “dono” do café.
Não foi produzida prova quanto ao dado como não provado a respeito do NUIPC em referência.
No que concerne à factualidade respeitante ao NUIPC 316/23.8S3LSB o tribunal atendeu em especial ao seguinte:
A testemunha MM descreveu, de forma que se mostrou isenta, os factos que vivenciou e percepcionou nas circunstâncias descritas nos pontos 71.º a 78.º dos factos provados.
Revelou também que ia habitualmente ao estabelecimento quanto a si em causa, que tinha emprestado dinheiro aos arguidos e que, na descrita situação, tinha sido a arguida a convidá-lo para ali ir almoçar; acabou por se recordar que então esteve a almoçar na companhia de ambos os arguidos e de uma senhora que trabalhava no café, chamada TT. Chamou entremeada ao que comeu, mas explicou que é o que chama a uma sandes com carne no meio, a que vulgarmente se chama bifana.
A documentação clínica junta de fls. 5 a 9 do apenso com o NUIPC 316/23.8S3LSB (apenso D) evidencia que nas descritas circunstâncias MM foi transportado ao ..., onde lhe veio a ser detectada a presença de benzodiazepinas.
O tribunal atendeu ao auto de denúncia que deu origem a esse apenso, nele junto a fls. 3, quanto à data, à hora e ao local da ocorrência e aos da sua comunicação à PSP, à identidade do denunciante (MM) e aos objectos e valores associados, naturalmente identificados com maior precisão na data da denúncia, mais próxima da ocorrência.
No que concerne à factualidade respeitante ao NUIPC 276/23.5PLSNT o tribunal atendeu em especial ao seguinte:
A testemunha NN descreveu, de forma que se mostrou isenta, os factos que vivenciou e percepcionou nas circunstâncias descritas nos pontos 79.º a 88.º dos factos provados, tendo revelado que se deslocou ao estabelecimento em causa na referida data porque os arguidos lho tinham solicitado no dia anterior.
Revelou que já os conhecia pelo menos desde 2022, por serem clientes da DD, no âmbito de diversos estabelecimentos. O documento junto a fls. 244 dos autos principais corrobora anterior venda realizada pela DD à arguida, já em 01.06.2022, com referência ao estabelecimento “...”.
NN revelou também que tem arritmia e que por isso, embora não tome medicação, há cerca de 5 anos que é acompanhado no Hospital ... na sequência dos factos em causa andou dias em que perdia continuamente a memória.
As testemunhas UU e VV, de forma igualmente isenta, revelaram ser, respectivamente, vendedor de tabaco comercializado pela DD e director comercial - não já representante legal -, desta empresa, sendo a mesma ora demandante, e descreveram as circunstâncias do trabalho de distribuição nela realizado por NN e o modo e circunstâncias em que este veio a ser encontrado, estando, como descreveu UU, com a carrinha que para tal usava parada no meio da ..., entrando e saindo da mesma e não dizendo “coisa com coisa”.
De igual modo VV revelou que o apuramento do numerário que estava na carrinha foi feito com base no registo constante do PDA usado no serviço em causa e nunca ter havido nada que fizesse duvidar da honestidade de NN.
A documentação junta a fls. 10, 54 e 55 do apenso com o NUIPC 276/23.5PLSNT (apenso C) evidencia assim o valor daquele numerário e o dos maços de tabaco que dela foram retirados nas descritas circunstâncias.
A documentação junta de fls. 23 a 46 do mesmo apenso regista o percurso feito pela viatura ..-OF-.. no dia 17.02.2023 e os horários em que esteve em cada um dos locais aí identificados.
As imagens de videovigilância gravadas nos CD-R juntos a fls. 57 e 59, em conformidade com as quais foram elaborados os autos de visionamento constantes de fls. 58 e 60 a 76, e a documentação de registo e seguro automóvel junta a fls. 77 e 78 do apenso com o NUIPC 276/23.5PLSNT, evidenciam a global e decisiva participação de ambos os arguidos na prática dos factos provados descritos nos pontos 79.º a 87.º, sendo nessas imagens claramente visíveis a arguida, o carro do arguido e o próprio arguido (cfr. a fls. 60 a parte de trás da cabeça deste; cfr. também a sua fotografia de frente a fls. 26 do apenso A, com o NUIPC 367/23.2PBSNT).
WW revelou ser administrador da demandante DD e apenas ter conhecimento de que a mesma foi desapossada de tabaco e dinheiro, nada mais sabendo precisar.
A documentação clínica junta de fls. 47 a 52 do apenso com o NUIPC 276/23.5PLSNT evidencia que nas mencionadas circunstâncias NN foi conduzido ao ... ... ..., onde lhe veio a ser detectada a presença de benzodiazepinas.
A documentação (incluindo prints de rastreabilidade) junta de fls. 93 a 101 do apenso ora em referência e no apenso I (“Anexo”) corrobora a verificação de que os maços/volumes de tabaco apreendidos – cfr. 248 a 250, 265 a 267 e 284 –, são parte daqueles que, como descrito no ponto 86.º dos factos provados, no dia 17.02.2023 foram retirados da mencionada viatura utilizada por NN.
O tribunal atendeu ao auto de notícia que deu origem ao apenso com o NUIPC 276/23.5PLSNT, nele junto a fls. 3 e 4, quanto à data e ao local da ocorrência e aos da sua comunicação à PSP, à identidade das pessoas nele mencionadas, aos objectos e valores associados e à menção das diligências então realizadas.
Cabe referir que os maços de tabaco vendidos em território nacional têm uma estampilha, que é o selo da ... que atesta as respectivas qualidade e autenticidade, com os correspondentes prazos para a comercialização e venda ao público, tendo deixado de ser válidas as apostas nos maços de tabaco subtraídos a NN, pelo que os apreendidos não são vendáveis – cfr. Lei do Tabaco e, nomeadamente, o Despacho n.º 9050/2022, no DR n.º 142, 2.ª Série, Parte C, de 25.07.2022.
Não foi produzida prova quanto ao dado como não provado a respeito do NUIPC em referência, verificando-se que apenas por lapso foi mencionada na acusação a matrícula “..-OF-..” em lugar da matrícula “..-OF-..”.
*
A par dos elementos de prova supramencionados com referência às diversas situações, o tribunal atendeu:
- aos autos de busca e apreensão, levadas a cabo em 28.02.2023, constantes de fls. 215 a 218 dos autos principais (a que pertencem as folhas doravante indicadas sem outra referência) – diligências, realizadas na residência dos arguidos, em que teve intervenção o agente principal da PSP XX –, 248 a 250 – diligências, realizadas no veículo do arguido, em que teve intervenção o agente da PSP YY –, 259 – diligências, realizadas no veículo da arguida (cfr. fls. 129), em que teve intervenção o agente da PSP ZZ –, 265 a 267 – diligências, realizadas com o arguido e no estabelecimento “...” –, e 284 – diligências, realizadas no estabelecimento “...”, em que tiveram intervenção o agente da PSP ZZ e o agente principal da PSP AAA –, e aos isentos depoimentos das testemunhas XX, YY, ZZ e AAA, que confirmaram a sua participação na realização dessas correspondentes diligências e o teor dos respectivos autos;
- às fotografias captadas no âmbito dessas diligências, juntas de fls. 219 a 221, 253 a 257, 260 a 263, 268 a 273 e 285 a 289;
- aos contratos cujos suportes documentais foram apreendidos no âmbito daquelas diligências e constam de fls. 228 a 233, 234 a 240 e 241 a 243 – contrato de arrendamento comercial, contrato-promessa de compra e venda e acordo de compra e venda de equipamentos e recheio de imóvel, nos quais a arguida figura, respectivamente, como arrendatária, promitente-compradora e compradora;
- aos documentos, apreendidos no âmbito daquelas diligências, juntos a fls. 245 e 246 e a fls. 251 (factura e comprovativo de venda suspensa já supramencionados) e 252 (cópias dos documentos juntos a fls. 251);
- ao documento bancário junto a fls. 486, com base no qual foi verificado que o TPA n.º 1189976 tinha como morada de estabelecimento a do “...”;
- à informação prestada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal com referência a GG, CC e II, constante de fls. 466, de onde se extrai que a associação de etanol e benzodiazepinas pode ser determinante de um estado de sonolência e de diminuição das capacidades cognitivas e de memória;
- ao depoimento de BBB e às declarações pela mesma prestadas perante a PSP, em 28.02.2023, vertidas no auto de fls. 279 dos autos principais, que foram lidas em audiência de julgamento ao abrigo do disposto no art. 356.º, n.ºs 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal, e pela mesma aí confirmadas; com isenção revelou que: estava presente quando foi feita a busca ao estabelecimento/café “...” e aí foram apreendidos tabaco e um bastão; os arguidos foram seus patrões nesse estabelecimento desde 16.01.2023; ela trabalhava ali habitualmente com o filho do proprietário, sendo empregada de balcão e de mesas; o proprietário era o ora arguido, a sua companheira era a ora arguida e o nome do filho daquele é BB; os maços de tabaco ali encontrados avulso e apreendidos pela PSP previamente às suas declarações, na mesma data, foram para aquele estabelecimento levados pelo arguido na semana anterior; a mesma desconhecia a respectiva proveniência; existia uma máquina de tabaco no café, mas o arguido deu-lhe ordem para vender cigarros dos referidos maços à unidade, a 30 cêntimos o cigarro, e ela entretanto já tinha vendido alguns; desconhece a origem dos medicamentos então também apreendidos pela PSP no estabelecimento, não sabendo quem para ali os trouxe; no dia 17.02.2023 começou a trabalhar às 15 horas; nessa data não visualizou a entrega de tabaco no estabelecimento;
- ao depoimento de AA; com isenção revelou que: conhece os arguidos há cerca de 2 anos, namorou com o arguido durante quase 1 ano e trabalhou 1 mês no café “...”, desde que este abriu; estava presente quando foi feita a busca a esse estabelecimento, em 28.02.2023; tinha sido o arguido a, há cerca de 1 semana, para ali levar o tabaco que naquela data foi apreendido; o arguido disse-lhe que lho tinham dado para ser vendido ao volume, a 30 € o volume, que continha 10 maços; esse dinheiro era guardado à parte; ela já tinha vendido cerca de 20-30 volumes; não sabe se ele já tinha vendido algum; às vezes os clientes perguntavam pelo tabaco, que a máquina não tinha, e ela dizia que tinha aquele à parte, para vender ao volume; também fazia divulgação de que tinha tabaco mais barato; confrontada com as fotografias constantes de fls. 268 a 273 dos autos principais - com ocultação do restante conteúdo -, procedeu à descrição/explicação do que ali se vê: o café da ..., o tabaco na parte de trás daquele café, tapado com pladur, uma caixa que foi do tabaco, produtos que estavam na cozinha e para ali tinham sido levados pelo arguido, coisas de mãos, desinfectantes e caixas de luvas - disse que naquele café nunca viu medicamentos -, o dinheiro do cofre e o ordenado dela - que o arguido lhe pagava ao dia e ela deixava ali, fora do envelope -, pasta com dinheiro que ela não sabia que havia lá e caixas vazias na parte de trás, onde havia uma arrecadação, e que pensa que tenham sido do tabaco.
Em audiência de julgamento, o arguido prestou declarações depois de produzida a prova testemunhal e apenas quis afirmar que “se, entretanto, tiverem provas contra mim, eu peço desculpa às pessoas lesadas”, e que queria pedir desculpa à arguida, sustentando que “ela não tem nada a ver com isto, só fez aquilo que eu lhe pedi”.
Já a arguida, que apenas prestou declarações em audiência de julgamento, depois de produzida a prova testemunhal e daquelas declarações do arguido, apenas quis referir que nada tem a ver “com estas acusações”, que, apesar de os estabelecimentos estarem em seu nome, quem os geria, bem como à sua conta bancária, era o arguido, ela na altura estava grávida, tem agora uma menina com 8 meses e tem uma menina que vai fazer 5 anos, que é autista e precisa de bastantes cuidados e atenção e, por isso, ela, arguida, passava muito tempo em casa, com essa filha, e não no café; hoje, essa filha já está na escola e já tem acompanhamento e terapias, mas na altura não tinha e então a arguida passava muito tempo com ela; a única coisa que fez foi receber boleia do senhor do tabaco até ao ..., e crê que isso não é nada de mal, nada mais tendo a dizer, a não ser que é inocente.
Ora, com base na análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, de toda a prova testemunhal e documental produzida a respeito das diversas situações em causa, o tribunal concluiu, sem qualquer dúvida, que o arguido ou o arguido e a arguida, consoante os casos, em conformidade com o plasmado na factualidade provada, actuou/actuaram em execução do referido plano e, nas situações em que ambos tiveram intervenção, em estreita e decisiva comunhão de esforços e intentos, cumprindo o plano entre si acordado, adoptando consistentemente o mesmo modus operandi, ou seja, utilizando as referidas substâncias químicas indutoras do sono nas bebidas e/ou nas comidas dos clientes que decidiram assaltar, de modo a que adormecessem, ficassem em modo passivo e/ou submissos e perdessem a consciência e a memória, como fizeram, com os descritos resultados, em todos os casos de desapossamento patrimonial feito às pessoas que com o/s arguido/s se relacionaram, tendo as mesmas ficado em todos os casos com idênticos sintomas na sequências dos respectivos contactos e, nas situações em que foram feitas as devidas análises, com detecção daquelas substâncias; em três situações - as referentes aos NUIPC 975/22.9PBSNT, 316/23.8S3LSB e 276/23.5PLSNT -, resultou claríssima, pelas razões supra expostas, a directa e decisiva intervenção da arguida nos termos descritos na factualidade provada.
As declarações dos arguidos nada acrescentaram ao que, nos termos expostos, se extraiu da restante prova produzida, verificando-se que:
- em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, o arguido admitiu os factos apenas na medida em que, pela análise que fez da prova recolhida, entendeu que eram inegáveis;
- em audiência de julgamento, o arguido já nem isso fez, sendo o que vagamente afirmou apenas revelador da permanência - apesar dos antecedentes criminais que já regista, do tempo de prisão preventiva a que esteve sujeito à ordem destes autos e da pena de prisão que entretanto cumpre à ordem de outro -, do seu reduzidíssimo juízo crítico;
- a arguida, podendo manter-se em silêncio sem que por tal pudesse ser prejudicada, optou por, de modo sonso e pouco sagaz, negar a globalidade dos factos, procurando assim ludibriar o tribunal, quanto ao que, por todas as razões expostas, não teve êxito, apenas assim tendo exposto o seu também actual muito reduzido juízo crítico.
Por tudo o exposto, pela análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica de toda a prova produzida, o tribunal concluiu, sem qualquer dúvida, que se verificou o vertido nos pontos 1.º a 95.º dos factos provados.
Por aplicação do princípio in dubio pro reo, não tendo a arguida sido vista por qualquer das testemunhas nas circunstâncias a que se refere a factualidade provada relativamente aos NUIPC 410/21.0PESNT, 533/21.5PESNT, 396/22.3PBSNT, 367/23.2PBSNT, 118/23.1GGSNT, 1714/22.0PCSNT e 1020/23.9T9SNT, nem existindo outro elemento de prova apto a demonstrar, com a clareza que impõe, a participação da arguida nos factos em causa nessas circunstâncias, o tribunal considerou não provada a correspondente factualidade no que tange à arguida.
Os factos descritos nos pontos 96.º e 97.º resultaram provados com base no teor dos CRC juntos aos autos sob as referências Citius 25227490 e 25227491, de 12.03.2024, no do acórdão proferido no Proc. n.º 1554/18.0PLSNT, cuja cópia está junta de fls. 626 a 646 (cfr. fls. 625) e na certidão extraída do Proc. n.º 967/19.5TELSB, junta sob a ref.ª Citius 25227857, de 12.03.2024.
Para a prova dos factos relativos à situação pessoal dos arguidos foram decisivos as declarações dos próprios, considerados o seu conteúdo e o modo como foram prestadas, e os respectivos relatórios sociais, constantes sob as referências Citius 24715293, de 28.12.2023, e 24711985, de 27.12.2023, estes apenas na medida em que se revelaram credíveis, em face dos elementos em que se baseou a elaboração de tais documentos e da sua análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, a par daquelas declarações, com toda a acima mencionada prova produzida no que tange à restante factualidade provada, a que nesta sede o tribunal também atendeu.
Resultou evidente que os arguidos têm uma personalidade, manifestada nos factos que levaram a cabo - de modo pré-ordenado, hábil e perseverante, com determinação e capacidade criminosas -, e nas declarações que prestaram, que lhes permitiu actuar do modo descrito, criando para tal as oportunidades, sem que, apesar do que levaram a cabo, dos prejuízos e dos perigos que assim causaram, e do tempo de privação da liberdade que até ao presente vivenciaram, qualquer deles revele real evolução do juízo crítico ou arrependimento relativamente às suas condutas criminosas provadas.
Como exposto na decisão proferida em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, “quanto ao arguido é notória a indiferença pelo mal causado. Não evidenciou qualquer sinal de arrependimento, empatia pelos ofendidos ou crítica quanto ao desvalor da conduta. Agiu claramente movido pelo propósito de aumentar os seus rendimentos”.
Nessa sede, a arguida não prestou declarações. Em audiência de julgamento, como referido, ambos os arguidos resolveram prestá-las depois de produzida toda a prova testemunhal.
Ora, em momento algum, desde a prática dos correspondentes factos até ao presente, qualquer dos arguidos revelou ter realmente interiorizado o desvalor do que nos termos provados levaram a cabo, sendo evidentes, em face da personalidade que manifestaram nos factos e do seu comportamento anterior e posterior aos mesmos, que apenas se preocuparam e preocupam consigo e com os seus, a sua insensibilidade relativamente às vítimas e às potenciais subsequentes vítimas das suas condutas, pelos efeitos e potenciais efeitos destas - desde logo pelos naturais e evidentes perigos associados ao indevido consumo das mencionadas substâncias, para a vida e para a saúde de quem inadvertidamente as ingeriu e, nomeadamente na situação a que se refere o NUIPC 276/23.5PLSNT, nos que com o ofendido NN se cruzassem na condução que exerceu, tendo acabado por ser encontrado na ..., desorientado, a entrar e a sair do veículo que ali por fim parou, como descrito pela testemunha UU -, tudo revelador, para além do reduzido juízo crítico de ambos os arguidos, também da sua completa falta de arrependimento (que evidentemente não se confunde com a sua mera verbalização ou com a preocupação consigo e com os seus)».
***
B) APRECIAÇÃO DO RECURSO
Conforme acima enunciado, face às conclusões do recorrente, são as seguintes as questões a apreciar:
1.- Impugnação da matéria de facto;
2.- Da medida concreta da pena única do cúmulo;
3.- Das ações cíveis enxertadas:
a) Se deve o arguido ser absolvido quanto às indemnizações fixadas a favor de GG, II e MM, em consequência da absolvição dos respetivos crimes (já na parte relativa às indemnizações fixadas a favor de CC, FF, HH, LL, o recurso foi rejeitado);
b) Se deve ser reduzido o valor da indemnização fixada a favor de a DD Lda. (já na parte relativa à indemnização fixada a favor de NN o recurso interposto foi rejeitado).
*
1.- Impugnação da matéria de facto:
O recorrente, face às conclusões II e V, pretende impugnar a decisão da matéria de facto, por em seu entender não estarem provados os factos relativos aos “processos nºs 410/21.0PSNT, 533/21.5PESNT, 396/22.3PBSNT, 367/22.2PBSNT, 474/23.1PBSNT, 975/22.9PBSNT, 1714/22.0PCSNT, 1020/23.9T9SNT, 316/23.8SLSB, 276/23.5PLSNT”, ou seja, não se tendo provado que os respetivo ofendidos tenham ingerido dormicum (indutor do sono), uma vez que não foi feita prova médica desse facto. Por outro lado, não foi “feita prova de que o arguido sabia o código bancário das testemunhas”, que “se apoderou dos cartões bancários das testemunhas” nem que “induziu as testemunhas a ingerir o medicamento dormicum, ou qualquer outro indutor do sono”. Verifica-se, assim, “uma dúvida séria da prática dos factos pelo arguido”.
Concretiza os fundamentos nos pontos 5 a 17 das suas alegações de recurso e que são, em síntese, os supra referidos e ainda que, por o arguido ser “o único gerente de facto dos restaurantes”, “não existiu aqui uma comunhão de esforços entre os arguidos para aplicar um plano que tinha delineado entre si” (cfr. ponto 5).
Vejamos.
Importa, desde já, esclarecer que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto pode ser feita por uma de duas vias, ou seja, ou através da arguição dos vícios previstos no artº 410º, nº 2 do Código de Processo Penal ou mediante a impugnação ampla da matéria de factos, nos termos do artº 412º, nºs 3, 4 e 6 do Código de Processo Penal.
Fazemos esta distinção, porque se nos afigura que o recorrente, face ao teor das suas alegações e conclusões, fica a meio caminho entre uma e outra modalidade de impugnação.
No primeiro caso, denominado de impugnação em sentido restrito ou revista alargada, equivalente a error in procedendo, por força do disposto no artº 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, o vício tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com a as regras da experiência e tem por fundamento, nos termos desta norma (e passamos a citar):
“a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova”.
No segundo caso, denominado de impugnação ampla da matéria de facto, equivalente a error in judicando, nos termos do artº 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, “o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõe decisão diversa;
c) As provas que devem ser renovadas”.
Por força do disposto no nº 4 do mesmo artigo, nas especificações referidas alíneas b) e c) do nº 3, o recorrente deve indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Em tal caso, “o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa” (artº 412º, nº 6 do Código de Processo Penal).
“O incumprimento das formalidades impostas pelo artº 412º, nºs 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla. Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso” (Ac. RE de .../.../2018, relatado por Ana Brito, in dgsi.pt).
Começando pela primeira modalidade, nos termos do artº 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, na sentença, “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do julgador”.
Deste modo, deve o Tribunal recorrido, ao nível da fundamentação da decisão da matéria de facto, fazer uma exposição concisa, mas completa, dos motivos que o levaram a dar como provados e como não provados os factos que assim elencou, indicando os meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal e fazendo o seu exame crítico, cabendo neste, a razão de ciência das testemunhas (em que o Tribunal se baseou), a forma como depuseram e a sua relação com o litígio, os tipos de documentos em que o Tribunal se baseou, seu valor e origem, bem como o valor, origem e credibilidade da demais prova que acudiu à formação da convicção do coletivo de julgadores, sem esquecer o recurso às regras da experiência comum.
Não é necessário reproduzir o teor da prova, uma vez que, tal não constitui requisito legal para a fundamentação da decisão da matéria de facto, sendo o seu conteúdo sindicável, não por via da motivação da decisão da matéria de facto, mas sim através da leitura dos documentos e relatórios periciais e da audição das gravações dos depoimentos prestados.
Conforme é hoje pacífico, tanto na jurisprudência como na doutrina, que conforme resulta da letra da lei, é a completa ausência de fundamentação sobre a decisão da matéria de facto que gera a nulidade prevista no artº 379º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal, ao referir que “é nula a sentença (…) quando não contiver as menções”.
Tais menções, no que se refere à fundamentação da decisão da matéria de facto são:
1) A “indicação (…) das provas que serviram para formar a convicção do julgador”; e
2) O “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do julgador”.
Deste modo, apenas a sentença que não indica as provas em que se baseou para dar como provados e como não provados os factos que assim elencou e não faz o exame crítico de tal prova, gera a nulidade invocada.
«O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção» (cfr. Ac. S.T.J. de 30.01.2002, proferido no processo nº 3063/01, in http://www.dgsi.pt.).
Na aferição do rigor e suficiência do exame crítico da prova devem ser tidos em conta critérios de razoabilidade, devendo tal exame permitir exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte, tornar percetível aos destinatários da decisão e sindicável pelo Tribunal de recurso, as razões da convicção do Tribunal que efetuou o julgamento, quanto aos factos que deu como provados e aos que deu como não provados (neste sentido, entre outros: Ac. S.T.J. de 03/10/2007, proc. 07P1779; Ac. R.L. de 10/07/2018, proc. n º 106/15.1PFLRS.L1-5, e Sérgio Poças, Da Sentença Penal – Fundamentação de facto, in Revista “Julgar”, n.º 3, págs. 21 e segs.).
Segundo é pacífico (e referido nos arestos e artigo citados no parágrafo anterior), o raciocínio lógico, motivado e objetivado na análise das provas não tem de implicar uma tomada de posição expressa e individualizada sobre todos os meios de prova produzidos por todos os sujeitos processuais, quando esses meios de prova não têm qualquer interesse, relevância ou utilidade para a decisão, sob pena de não ser crítico e antes corresponder a uma mera reprodução da atividade probatória desenvolvida, sem qualquer juízo valorativo que permita perceber qual foi o percurso intelectual seguido pelo julgador para dar como provados uns factos e como não provados outros.
Da leitura da fundamentação da decisão da matéria de facto do acórdão recorrido verificamos que o mesmo indica de forma completa os meios de prova em que se baseou para dar como provado que os arguidos agiram em comunhão de esforços para aplicarem um plano que tinham delineado entre si, bem como para dar como provados os factos relativos aos NUIPC’s a que se referem os arts 6º a 17º das alegações de recurso e II. das respetivas conclusões (ou seja, os factos constantes dos pontos 9. a 45., 52. a 63. e 71. a 78. dos factos provados do acórdão recorrido), fazendo uma análise crítica dos mesmos. Explana de forma clara, perfeitamente percetível e circunstanciada, o raciocínio que seguiu para a decisão tomada sobre a matéria de facto, explicando a razão de ciência de quem depôs e a forma como o fez, analisando as restantes provas, face ao seu legal valor probatório. Conjuga as diversas provas entre si e com as regras da experiência comum, analisando-as à luz das regras da lógica e da experiência comum, esclarecendo ainda, de forma racional, bem explicada e circunstanciada, porque não se baseou numas e desvalorizou ou não lhe merecerem credibilidades outras.
Teve ainda o especial cuidado de explicar, com recurso aos diversos meios de prova, nomeadamente os depoimentos dos respetivos ofendidos (que esclarecerem, de forma circunstanciada e credível, o que lhes sucedeu na sequência de terem ido ao estabelecimento comercial dos arguidos, os sintomas que sofreram após a ingestão de bebidas e ou comidas no referido estabelecimento e quais os bens e valores que tinham e de que foram desapossados imediatamente após tais ocorrências) e porque concluiu (mesmo nos casos em que não foram realizados exames toxicológicos para deteção da substância indutora do sono) porque razão concluiu que os mesmos tinham ingerido, fazendo-o de forma racional, lógica e consentânea às regras da experiência comum, esclarecendo ainda porque lhe merecerem credibilidade os respetivos depoimentos, para dar como provados os factos integradores dos crimes imputados ao arguido, e que resultaram provados.
Como bem refere o Ministério Público, na resposta ao recurso “tendo todos os ofendidos estado nos estabelecimentos de restauração propriedade do Recorrente, sido atendidos pelo mesmo ou pela sua companheira e apresentado sintomas idênticos – perda de sentidos e de memória -, facilmente se pode concluir que o Recorrente, ao servi-los, lhes colocou aquele medicamento na comida ou na bebida com o objetivo de, uma vez inanimados, lhes ser retirado dinheiro, cartão bancário através do qual foram feitos levantamentos e pagamentos e, até, as chaves da residência para ali se deslocar e retirar os objetos que melhor lhe permitisse angariar quantias monetárias através da sua venda”.
Tal raciocínio lógico dedutivo a que se socorreu o Tribunal para concluir pela ingestão de substância indutora do sono, por parte daqueles ofendidos relativamente aos quais não foram realizados exames toxicológicos, bem como que lhes foi servido pelo arguido (e ainda que os factos praticados resultaram de plano prévio), assenta, também, em presunções judiciárias, legalmente admissíveis, quer em processo penal, quer no caso concreto.
Nos termos do artº 349º, nº 1 do Código Civil, as presunções “são ilações que (…) o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”. Ora, tais presunções, nos termos das disposições conjugadas dos arts 351º do Código Civil e 125º do Código de Processo Penal, são perfeitamente admissíveis em processo penal, segundo é jurisprudência consolidada (cfr. Ac. STJ de 10/07/2007, acessível em dgsi.pt).
Por outro lado, e diversamente do que ensaia o recorrente, nenhuma contradição existe entre o facto de ser o único gerente de facto dos restaurantes, e ter havido uma comunhão de esforços entre os arguidos para aplicarem um plano que tinham delineado entre si, já que, enquanto esta se reporta aos crimes praticados (ou seja, aos factos imputados e jurídico penalmente relevantes), aquela refere-se à administração prática dos estabelecimentos de restauração e bebidas.
Como se refere no sumário do Acórdão da Relação de Coimbra de 25/03/2010 (proferido no processo nº 1058/08.0TACBR.C1, relatado por Brízida Martins), “da conjugação de provas materiais, concretizadas e objetivadas, com outras indiretas e de cariz meramente indiciário, pode o tribunal formular uma conclusão em termos de determinar o modo como o pedaço da realidade em equação efetivamente sucedeu, sua motivação e intencionalidade e quem são os seus agentes, sem que, com isso, sejam postergadas as regras aplicáveis ao processo subjetivo de formação da convicção do julgador, por um lado, e as garantias constitucionais do arguido, por outro”.
Estando, como está, à luz das exigências legais, bem fundamentada, a decisão da matéria de facto constante do acórdão recorrido, já que indica as provas em que se fundamenta, que são claramente suficientes para a prova dos factos que vieram a ser dados como provados, faz um correto e completo exame crítico das mesmas, o qual é conforme às regras da experiência comum, e os factos provados são claramente suficientes para a decisão tomada, improcede o recurso, nesta parte.
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Vejamos agora da segunda modalidade de impugnação da matéria de facto, também denominada de impugnação ampla da matéria de facto, equivalente a error in judicando.
Defende o recorrente arguido que “houve comunhão de esforços entre os arguidos para aplicarem um plano que tinham delineado entre si” (“impugna os factos” 2. a 8. da matéria de facto dada como provada no acórdão), bem como que, quanto aos factos “relativos aos “processos nºs 410/21.0PSNT, 533/21.5PESNT, 396/22.3PBSNT, 367/22.2PBSNT, 474/23.1PBSNT, 975/22.9PBSNT, 1714/22.0PCSNT, 1020/23.9T9SNT, 316/23.8SLSB, 276/23.5PLSNT”, não está provado “que os respetivo ofendidos tenham ingerido dormicum (indutor do sono)”, por não ter sido feita “prova médica desse facto”, nem que o arguido a ministrou. Por outro lado, não foi “feita prova de que o arguido sabia o código bancário das testemunhas”, nem que “se apoderou dos cartões bancários das testemunhas”, concluindo que se verifica “uma dúvida séria da prática dos factos pelo arguido”.
Conforme acima já referimos, nos termos do artº 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, quando o recorrente impugne a matéria de facto, pretendendo o seu reexame, deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa (e, se for o caso, as provas que devem ser renovadas).
Ora, quando a prova tiver sido gravada, como ocorre no caso em apreciação, o recorrente deve indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Em tal caso, “o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa” (artº 412º, nº 6 do Código de Processo Penal).
O incumprimento das formalidades impostas pelo artº 412º, nºs 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla.
No caso, o recorrente, ainda que de forma não completa, indicou os pontos de facto que considera incorretamente julgados, ainda que de forma não completamente concretizada, ou seja, que não deveria ter sido dado como provado (1) o acordo prévio ou plano por parte dos arguidos, (2) que os ofendidos ingeriram dormicum (indutor do sono), (3) que “o arguido sabia o código bancário das testemunhas” e que (4) “se apoderou dos cartões bancários das testemunha”.
Não indicou as provas produzidas que impunham decisão diversa, nem tão-pouco faz qualquer referência às concretas passagens da prova gravada, na parte impugnada.
O recorrente, ao não cumprir o ónus estabelecido pelo artº 412º, nºs 3, als a) e b), e 4 do Código de Processo Penal, deixa o recurso sem objeto, na parte relativa à reapreciação da prova gravada, nos termos definidos por lei para a cognição deste fundamento de recurso.
Na verdade, e segundo é pacífico, tanto na doutrina, como na jurisprudência, a impugnação ampla da matéria de facto não se destina, em sede de recurso, a um novo julgamento da causa, mas sim a corrigir concretos erros de julgamento e, portanto, quanto a concretos pontos em que houve uma errada decisão da matéria de facto.
No caso, os elementos em falta não constam, nem das conclusões, nem das alegações, o que torna inadmissível a formulação de um convite ao seu aperfeiçoamento, em ordem ao suprimento das falhas detetadas na impugnação recursiva da matéria de facto.
Nos termos do artº 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, só é admissível o aperfeiçoamento das conclusões, desde que os elementos em causa (e em falta nas conclusões) constem das alegações.
Na verdade, não constando os elementos em falta, nem sequer das alegações/motivação, um convite ao aperfeiçoamento implicaria permitir ao recorrente ampliar o objeto do recurso e o seu âmbito, o que equivaleria a conceder-se-lhe um novo prazo para recorrer, o que contende com o caráter perentório do respetivo prazo e não está incluído no âmbito do direito ao recurso (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 259/2002 de 18/06/2002, in DR, IIª Série, de 13/12/2002, e nº 140/2004, de 10/03/2004, in DR, IIª Série, de 17/04/2004).
Invoca, ainda, o recorrente que, existia uma dúvida séria sobre o cometimento, pelo arguido, dos factos em apreciação, pelo que, por aplicação do princípio in dubio pro reo deviam tais factos ter sido dados como não provados e o arguido deles ser absolvido.
Para que tenha lugar a aplicação de tal princípio, aplicável apenas à decisão sobre a matéria de facto, implica que se tenha instalado ou se pudesse instalar a dúvida razoável sobre a verificação ou não dos factos imputados ao arguido e, perante tal dúvida, a forma de a resolver passaria por, em aplicação do princípio da presunção de inocência, considerar não provados os factos imputados ao arguido de cuja verificação surgisse a referida dúvida razoável.
Contudo, e segundo resulta da leitura da fundamentação da decisão da matéria de facto constante do acórdão recorrido, nenhuma dúvida sobreveio ao julgador (da primeira instância) ou seria suscetível de se instalar ou sobrevir, quanto à prática pelo arguido dos factos que aquele deu como provados.
Aliás, resulta de forma cristalina, do texto do acórdão recorrido que o tribunal após ponderar e analisar criticamente a prova produzida, ficou plena e fundadamente convencido da efetiva verificação dos factos cometidos pelo arguido e que resultaram provados, sem qualquer dúvida razoável e de forma consentânea com as regras da experiência comum.
Acresce que, ouvida a prova gravada, em especial os depoimentos dos ofendidos, é manifesto que o tribunal recorrido apenas se poderia convencer no sentido em que formou a sua convicção.
A reapreciação da matéria de facto e a audição da prova gravada não se destinam a formar uma nova convicção pelo Tribunal de recurso, mas apenas a sindicar erros de julgamento do Tribunal de primeira instância, segundo é pacífico na jurisprudência e na doutrina. Vale por dizer que, havendo depoimentos a relatar os factos provados – e há-os e são aqueles em que o Tribunal recorrido se baseou para dar como provados os factos que deu - e tendo o Tribunal recorrido valorado tais depoimentos para dar aqueles como provados, afastado está qualquer erro de julgamento a corrigir. Questão diversa é a de ser possível, a partir dos depoimentos prestados, formar duas diferentes convicções, sendo uma a que o Tribunal recorrido formou e outra diversa. Neste caso, não se destinando o recurso da matéria de facto a efetuar um novo julgamento, não pode o Tribunal de recurso substituir a convicção daquele pela sua convicção.
Assim, tendo o Tribunal de recurso, ao ouvir a prova gravada, concluído, como efetivamente concluiu, que a factualidade em apreciação e dada como provada foi relatada pelas testemunhas em cujos depoimentos o Tribunal recorrido fundou a sua convicção para dar tais factos como provados, como ocorre na situação em apreciação, temos de julgar o recurso improcedente, nesta parte.
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II. Da determinação da pena única do cúmulo:
O acórdão recorrido condenou o arguido na pena única de 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de prisão, resultante da condenação pelos seguintes crimes nas seguintes penas parcelares:
“- quatro crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situações I. - NUIPC 410/21.0PESNT -, II. - NUIPC 533/21.5PESNT -, IV. - NUIPC 367/23.2PBSNT -, e VIII. - NUIPC 474/23.1PBSNT), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisãocada um;
- um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência aos arts. 204.º, n.º 2, al. e), e 202.º, al. f) - II), do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situação III., NUIPC 396/22.3PBSNT), na pena de 6 (seis) anos de prisão;
- um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, em co-autoria material, na forma consumada (situação V., NUIPC 975/22.9PBSNT), na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
- um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situação VI., NUIPC 118/23.1GGSNT), na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
- um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situação VII., NUIPC 1714/22.0PCSNT), na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão;
- um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situação IX., NUIPC 1020/23.9T9SNT), na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, em co-autoria material, na forma consumada (situação X., NUIPC 316/23.8SLSB), na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência aos arts. 204.º, n.º 2, al. a), e 202.º, al. b), do Código Penal, em co-autoria material, na forma consumada (situação XI., NUIPC 276/23.5PLSNT), na pena de 7 (sete) anos de prisão;
- dois crimes de burla informática, p. e p. pelo art. 221.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situações I. - NUIPC 410/21.0PESNT -, e II. - NUIPC 533/21.5PESNT), na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisãocada um;
- dois crimes de burla informática, p. e p. pelo art. 221.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situações III. - NUIPC 396/22.3PBSNT -, e VII. - NUIPC 1714/22.0PCSNT), na pena de 2 (dois) anos de prisãocada um;
- um crime de burla informática, p. e p. pelo art. 221.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material, na forma consumada (situação VIII. - NUIPC 474/23.1PBSNT), na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.»
Vejamos se a pena única do cúmulo é ou não ajustada.
Determinadas as penas (parcelares) dos catorze crimes cometidos pelo arguido, importa determinar a pena do concurso, em ordem a apurar qual a pena única na qual o mesmo deve ser condenado, em conformidade com o disposto no artº 77º, nº 1 do C.P. (cfr. Ac. do S.T.J. de 24/03/99, in C.J., tomo I, pág. 255).
Nos termos do artº 77º, nº 2 do C.P., “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (...); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretas aplicadas aos vários crimes.
No caso, temos catorze penas concretas, sendo a mais elevada de 7 anos.
A soma das penas concretas totaliza 57 anos.
Assim, a moldura abstrata da pena única a aplicar ao arguido tem como limite mínimo 7 (sete) anos e como limite máximo 25 (vinte cinco) anos.
Dentro da moldura encontrada, é determinada a pena concreta do concurso, tomando em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artº 77º, nº 1 do C.P.).
Assim, e à luz dos critérios supra expostos, tendo em consideração, no seu conjunto, os factos praticados pelo arguido (ao longo de cerca de 2 anos e 5 meses – de 24/09/2021 a 17/02/2023 – nos seus estabelecimentos comerciais de restauração e bebidas, cometeu crimes de roubo, dois deles agravados, e dois crimes de burla informática, servindo às vítimas - seus clientes nos seus estabelecimentos – apoderando-se de dinheiro e objetos de valor das vítimas e dos seus cartões bancários e códigos, para efetuarem levantamentos e pagamentos com os mesmos, levando a maioria das vítimas a carecer de assistência hospitalar devido às substancias ingeridas e, em parte dos casos, chegou a ir às viaturas e casas das vítimas e do respetivo interior retirar e fazer outros objetos e valores, com grave violação, não só do património, mas também da integridade física e saúde dos ofendidos, e da intimidade das respetivas habitações) e a personalidade revelada pelo mesmo (patenteada nos factos praticados, com grave violação dos seus deveres, com o renovar da resolução criminosa por pelo menos doze vezes e em relação a doze vítimas diferentes, todas clientes dos seus estabelecimentos, traindo a confiança dos mesmos). A que acrescem os seus antecedentes criminais, registando diversas condenações anteriores, por doze crimes cometidos entre 2010 e 2018, revelando, assim, uma persistente e consistente carreira criminosa, que só a prisão preventiva à ordem dos presentes autos interrompeu.
Assim, concluímos que a pena única de 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de prisão, determinada no douto acórdão recorrido não é excessiva nem desproporcionada, mas moderada face à gravidade dos factos considerados no seu conjunto.
Como bem refere o douto acórdão do STJ de 19/05/2021 (Proc. 10/18.1PELRA.S1., acessível em http://www.dgsi.pt), «no que respeita à decisão sobre a pena, mormente à sua medida, começa por lembrar-se que os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico. Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar.»
Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto.
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3.- Das ações cíveis enxertadas:
a) Se deve o arguido ser absolvido quanto às indemnizações fixadas a favor de GG, II e MM, em consequência da absolvição dos respetivos crimes (já na parte relativa às indemnizações fixadas a favor de CC, FF, HH e LL, o recurso foi rejeitado).
Na conclusão IV do seu recurso, o arguido demandado defende que, em vez de condenado, deve ser absolvido da obrigação de pagar as indemnizações fixadas no acórdão recorrido, a favor de (…) GG, (…) II (…) e MM, “pois também requereu a absolvição das respetivas penas parcelares”.
Quer-nos parecer que o arguido, ao referir que “requereu a absolvição das respetivas penas parcelares”, quer dizer que, ao ser alterada a decisão sobre a matéria de facto e passando a não provados os factos integradores dos crimes imputados ao arguido e que tiveram como vítimas os referidos ofendidos, deixariam de se verificar os pressupostos do dever do arguido de indemnizar os referidos ofendidos.
Acontece, porém, que se mantêm inalterados (e, portanto, provados) os referidos factos provados em que se funda o dever do arguido de indemnizar os referidos ofendidos. Acresce que, da factualidade provada resulta, como resultava, que o quantum indemnizatório corresponde efetivamente ao valor dos danos sofridos por aqueles ofendidos, em consequência das condutas criminosas (e, portanto, ilícitas e culposas) e danosas do arguido.
Improcede, assim, nesta parte o recurso imposto pelo arguido.
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b) Se deve ser reduzido o valor da indemnização fixada a favor da DD Lda. (já na parte relativa à indemnização fixada a favor de NN, o recorrente também pediu a redução, mas o recurso interposto foi rejeitado nesta parte).
Constitui matéria tratada pelo arguido, igualmente no ponto IV das doutas conclusões do seu recurso, ao referir que, “no que diz respeito às indemnizações em que foi condenado, relativamente à DD deve receber uma indemnização não superior a 5 (cinco) mil euros, pois a maior parte dos maços de tabaco foram recuperados pela DD
A este respeito, nada mais o recorrente acrescentou nas suas alegações de recurso, em relação ao teor do ponto IV das conclusões do seu recurso (conclusão IV e alegações relativas à conclusão IV têm o mesmo conteúdo).
Vejamos, ainda assim, se o referido montante indemnizatório deve ou não ser reduzido.
Nos termos do artº 129º do Código Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada na lei civil, quantitativamente e nos seus pressupostos. Por conseguinte, são aplicáveis as normas constantes dos arts 483º e segs. do Código Civil.
De acordo com o disposto no artº 483º, nº 1 do Código Civil, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos provenientes da violação.
Os pressupostos do dever de indemnizar são: um facto ilícito e culposo do lesante, um dano para o lesado e um nexo de causalidade entre aquele e este (Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 8ª edição, vol. I, pág. 533 e Ac. S.T.J. de 13/2/96, C.J., tomo I, pág. 95).
Face à factualidade provada, não restam dúvidas de que o arguido/demandado, ao agir da forma descrita, violou dolosamente o direito à propriedade da ofendida, pelo que se constituiu na obrigação de indemnizar os danos sofridos decorrentes dessa violação (arts 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, 70º, nº 1 e 483º do Código Civil, ex vi artº 129º do Código Penal).
O dever de indemnizar compreende todos os danos patrimoniais (e não patrimoniais) resultantes do evento lesivo (artº 562º do Código Civil), visando-se, deste modo, e segundo a teoria da diferença, repor o lesado na situação em que se encontraria se não ocorresse o evento lesivo (artº 562º do Código Civil).
A regra geral, em sede de obrigação de indemnizar, é a reconstituição natural (artº 566º, nº 1 do Código Civil).
Quando não for possível a reconstituição natural, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, é a indemnização fixada em dinheiro, e tem como medida, a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos, nos termos do artº 566º, nº 2 do Código Civil (cfr. Ac. R.E. de 14/7/83, B.M.J., nº 331, pág. 618). Trata-se da consagração legal da chamada teoria da diferença (A. Varela, ob. cit., vol. I, pág. 920).
Provou-se que o(s) arguido(s) se apropriou(aram) de 3758 maços de tabaco com o valor total de €17.679,00 (dezassete mil seiscentos e setenta e nove euros) e de numerário na quantia €4.355,50 (quatro mil trezentos e cinquenta e cinco euros e cinquenta cêntimos) ambos pertencentes à DD ,que assim ficou privada dos referidos bens e numerário.
Diversamente do que o arguido refere, não resulta da factualidade provada que os referidos bens e numerário tenham sido recuperados pela sua proprietária, nem mesmo parcialmente.
Assiste, assim, ao demandante, o direito a ser ressarcido do valor total daqueles bens e numerário, tal qual e em cujo montante foi fixado no douto acórdão recorrido.
Bem andou, pois, o Tribunal recorrido, pelo que, também nesta parte improcede o recurso interposto pelo arguido/demandado.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordamos em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, o douto acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça por si devida em 5 (cinco) UC.
Comunique de imediato à 1ª instância (para o efeito previsto no artº 215º, nº 6 do C.P.P.).
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Lisboa, 24 de outubro de 2024
Os Juízes Desembargadores, Eduardo Sousa Paiva Ana Marisa Arnedo Jorge Rosas de Castro