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CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
VIOLAÇÃO DE PROIBIÇÕES OU INTERDIÇÕES
PRISÃO EFECTIVA
Sumário
I - A ingestão de álcool tem diversos efeitos com impacto visível na segurança da condução, como a diminuição da concentração, da acuidade e do campo visuais, o falseamento na apreciação das distâncias e das velocidades, o aumento do tempo de recuperação após encandeamento, a perturbação da audição, o aumento do tempo de reação, a diminuição dos reflexos e a criação de um falso estado de euforia e de sobrevalorização das capacidades. II - Não se estranha por isso que inúmeros estudos publicados revelem uma intensa relação entre o álcool e os acidentes de trânsito, chegando a afirmar-se, por exemplo, que um condutor com uma TAS de 1,5 g/l apresenta um risco de acidente que é cerca de vinte e duas vezes maior, por referência a um condutor com uma TAS de 0,0 g/l. III - Trata-se de um fenómeno que vem sendo sublinhado por instituições nacionais, como a Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária, e internacionais, como a Organização das Nações Unidas e a União Europeia. IV - No ano de 2022, segundo dados oficiais, registaram-se no Continente e nas Regiões Autónomas 34.275 acidentes rodoviários com vítimas e, de entre estas, 473 vítimas mortais, 2.436 feridos graves e 40.123 feridos leves. V - São assim elevadas as exigências de prevenção geral associadas ao crime de condução de veículos em estado de embriaguez. VI - Por outro lado, a partir do momento em que o sistema de justiça penal vai sucessivamente dando ao Arguido oportunidades de ressocialização em liberdade, em maior ou menor grau, que o mesmo, também sucessivamente, vai frustrando, no sentido em que volta a cometer crimes e até da mesma natureza, ao ponto de esta ser a sua sétima condenação pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, não mais é possível emitir um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro. VII - E essa conclusão surge ainda reforçada pelo facto de o Arguido voltar a cometer um crime de condução em estado de embriaguez durante o período de cumprimento de uma prisão em regime de obrigação de permanência na habitação que lhe fora aplicada precisamente pelo mesmo tipo de crime. VIII - É incontornável, nestas circunstâncias, impor uma pena de prisão efetiva.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
1 – RELATÓRIO
A. Pelo Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira (Juiz 1) foi proferida sentença, em 15 de abril de 2024, que contém o seguinte dispositivo (transcrição): «Nestes termos (…) decide-se: a) Condenar AA pela prática, em autoria material, e na forma consumada, e como reincidente, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de dez meses de prisão; b) Condenar AA pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de violação de imposições, obrigações e interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal, na pena de três meses de prisão; c) Em cúmulo jurídico das penas referidas em a) e b), condenar AA na pena única de onze meses de prisão; d) CONDENAR AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista na alínea a), do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, pelo período de vinte meses ordenando-se a entrega da carta de condução na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão sob pena de, não o fazendo, ser determinada a apreensão da mesma incorrendo o arguido na prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea b) do Código Penal; e) Condenar AA nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC e nos demais encargos previstos na lei, reduzida a metade (artigos 344.º, n.º 2. Al. c), 513º, 514º Código de Processo Penal, 8º, nº 9, 16º e Tabela III Anexa ao Regulamento das Custas Processuais).»
O Arguido interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «I. É convicção da defesa que ao arguido foi aplicada uma errada escolha e medida da pena, violando o artigo 70º do Código Penal, bem como, todos os princípios decorrentes da existência desta norma. II. O Direito Penal não é nem pode ser encarado só pela sua vertente condenatória e sancionatória, mas sim e também pela sua forte componente de reintegração do agente infrator na sociedade. III. Com o regime de permanência na habitação pretende-se evitar, a rutura com o ambiente familiar, social e profissional bem como as consequências económicas desastrosas, sendo ainda indesejável a rutura prolongada com o meio. IV. Por outro lado, o arguido continua inserido profissionalmente (continuando, naquilo que é essencial, com o exercício da sua atividade profissional – a atividade de .... V. Não pode o recorrente concordar com a afirmação do Tribunal a quo de que não há viabilidade face ao percurso criminal do recorrente de lhe ser aplicado outro regime que que não seja a pena de prisão. VI. Sem conceder, embora reconhecendo que as necessidades de prevenção geral e especial são grandes, o certo é que nos parece que existem condições para que o arguido possa vir a beneficiar de uma última oportunidade, cumprindo essa pena de prisão nos termos do art°43º do C.P., em regime de permanência na habitação, sujeito a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. VII. Tal forma de cumprimento da pena de prisão, poderá vir a satisfazer de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e ao mesmo tempo possibilitar ao recorrente a necessidade de interiorização do mal cometido e da necessidade de consolidar a alteração do rumo da sua vida. VIII. É indubitável que estamos perante alguém que teve já bastantes condenações anteriores, porém parece-nos que ainda estará a tempo de conhecer uma outra realidade em termos de pena antes de ser encarcerado numa prisão (assente que o cumprimento de uma pena de prisão efectiva será a última “ratio” da política criminal). IX. Além disso, esta forma de se cumprir uma pena de prisão permite que não se quebrem totalmente os laços sociais do recorrente com a sua família, assim impedindo a potenciação do efeito criminógeno particularmente activo nas penas de privação da liberdade. X. É imperioso conceder ao recorrente uma nova possibilidade de cumprimento da pena em vez da pena de prisão. XI. Pelo que entende o recorrente, que a pena efectiva de 11 meses de prisão aplicada mostra-se desproporcionada e desadequada devendo ser suspensa na sua execução, devendo em alternativa, a pena aplicada ser substituída e cumprida em regime de permanência na habitação (por este regime ser, neste caso, o adequado e preferível dentro do leque das penas de “substituição” detentivas disponíveis, sendo essa pena “ainda comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela de bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada”), assim se respeitando as normas dos artigos 43.º, 70.º, 71.º, n.º 1, 50, n.º 1 e 53.º, n.3, todos dos Código Penal. XII. Cremos, assim que a censura do facto e a ameaça da pena latentes numa pena de prisão suspensa na sua execução ou caso assim não se entenda, o regime de permanência na habitação, serão suficientes e bastantes para afastar o arguido da criminalidade e vai permitir ao Arguido continuar a trabalhar e sustentar a sua família. Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. Doutamente melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a, aliás, Douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências.»
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
O Ministério Público respondeu ao recurso dessa sentença, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «1. Não assiste razão ao recorrente quando sustenta que a douta sentença violou o artigo 70.º do Código Penal, ao optar por aplicar ao arguido uma pena de prisão efectiva. 2. A suspensão da pena em causa, foi ponderada e afastada, por se entender que a mesma, em face dos antecedentes criminais do arguido, já não se mostrava minimamente adequada a salvaguardar as necessidades de prevenção especial que a situação em causa nos autos reclama. 3. Quanto à pretendida substituição por pena a cumprir em regime de permanência na habitação, cumpre-nos sustentar que tal aplicação não satisfaria de forma alguma, as elevadíssimas necessidades de prevenção especial que se fazem sentir. 4. O arguido-recorrente, anteriormente aos factos objecto destes autos, sofreu doze condenações pela prática de treze crimes, oito das quais pela prática do mesmo tipo de ilícito, além de três por outros crimes rodoviários, estreitamente conexos com os que estão em causa nos autos (condução sem habilitação legal). 5. Acresce que, das condenações pelos mesmos crimes, três o foram em pena de multa, duas em pena de prisão suspensa, uma das quais entretanto revogada, e determinado o cumprimento em regime de permanência na habitação, uma em prisão por dias livres, uma em prisão efectiva (em meio prisional) e a última anterior aos factos aqui em causa, em prisão efectiva, a cumprir em regime de permanência na habitação, a qual veio a ser revogada em 06/10/2022, e determinado o cumprimento do remanescente em ambiente prisional. 6. Refira-se ainda que os factos em apreço ocorreram no período de suspensão de uma das penas aplicadas, e durante o cumprimento de pena a cumprir em regime de permanência na habitação. 7. O certificado de registo criminal do arguido impõe que se conclua que, apesar da sua inserção social e profissional, as necessidades de prevenção da reincidência são enormes, sendo manifesto que nenhuma das penas anteriormente sofridas logrou alcançar o respectivo fim ao nível da prevenção especial da reincidência. Tanto assim é que o arguido foi acusado e condenado enquanto reincidente. 8. A actuação do arguido, ao cometer dois novos crimes rodoviários, enquanto cumpria pena em regime de permanência na habitação pela prática do mesmo crime de condução em estado de embriaguez, e enquanto tinha sobre si uma pena suspensa por ilícito de diferente natureza, aliado aos demais antecedentes criminais supracitados, demonstra uma total ausência de juízo crítico, e um claro desrespeito à ordem jurídica em geral e aos tribunais em particular. 9. Nem perante as privações de liberdade já sofridas pela prática deste crime, o arguido arrepiou caminho; pelo contrário, novamente colocado perante a possibilidade de não praticar novamente este crime, o arguido optou livremente pela reincidência criminosa. 10. A douta sentença não deixou de considerar que o mesmo se encontrava social e profissionalmente inserido, o que contudo não foi suficiente para o afastar da reincidência criminosa não obstante, em momento anterior, e por três vezes, já ter estado privado da liberdade. 11. Apesar de todas as oportunidades que lhe vêm sendo dadas desde 2001, a verdade é que o arguido continua a não se abster de praticar uma e outra vez crimes rodoviários, sendo que a sua postura relativamente às anteriores condenações, apontam para uma inexistente interiorização do desvalor da sua conduta e para o reduzido efeito que as penas anteriormente sofridas tiveram na sua pessoa, pelo que o juízo de prognose em relação ao comportamento futuro do arguido, não lhe é manifestamente favorável. 12. Perante tais elementos, afigura-se que ao douto Tribunal a quo não restava outra alternativa que não fosse a de concluir que a aplicação de nova pena a cumprir através de permanência na habitação (de que o arguido já beneficiou aliás e que incumpriu), não seria, de forma alguma, suficiente para assegurar as necessidades de prevenção geral, mas sobretudo especial. 13. Antes seria geradora de um total sentimento de impunidade face à sucessiva e reiterada violação da ordem jurídica, causaria alarme social e criaria um total descrédito na comunidade na aplicação da justiça. 14. Face aos índices de sinistralidade rodoviária que grassam no nosso país surge a necessidade premente de combater eficazmente comportamentos como os do arguido-recorrente que, pese embora as várias condenações sofridas, não se abstém de voltar a delinquir. 15. Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso do arguido não merece provimento pelo que deverá manter-se integralmente a douta sentença recorrida.»
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Chegados os autos a este Tribunal da Relação, a Sr. Procuradora-Geral Adjunta lavrou douto parecer, pugnando em suma pela improcedência do recurso.
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Cumprido o preceituado pelo art. 417º/2 do Código de Processo Penal, nenhuma resposta foi junta.
Não se mostra requerida a realização de audiência.
Proferido despacho liminar, foram colhidos os “vistos” e teve lugar a conferência.
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2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1 Questões a tratar
A problemática a tratar neste recurso é esta: se deve ou não ser suspensa a execução da pena única de onze meses de prisão fixada em 1ª Instância e, na negativa, se deve a prisão ser ou não cumprida em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
2.2 A sentença recorrida
A sentença recorrida tem o seguinte teor (transcrição das partes relevantes):
«(…) III.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO FACTOS PROVADOS Discutida a causa e produzida a prova, com relevância para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 16.07.2022, pelas 10h05m, o arguido circulava ao volante da viatura automóvel ligeira de mercadorias da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-TP, na ....
2. O arguido foi submetido ao exame quantitativo de pesquisa de álcool e apresentou uma TAS de, pelo menos 1,53 g/L, correspondente à TAS de 1,61g/L registada, deduzido o erro máximo admissível.
3. O arguido foi julgado e condenado por sentença proferida em 16.12.2021, transitada em julgado em 28.01.2022, no âmbito do processo n.º 883/21.0PBVFX que correu termos no Juiz 2 do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena principal de 9 (nove) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 18 (dezoito) meses.
4. O arguido podia ausentar-se da sua habitação para comparecer no seu posto de trabalho, de 2f a 6f, entre as 7h30 e as 19h30m e o regime de permanência na habitação estava subordinado ao cumprimento da obrigação de se sujeitar a consultas de alcoologia e respectivo tratamento, estando autorizado a sair da sua residência para cumprir tal obrigação.
5. O arguido sabia e tinha plena consciência de que havido ingerido bebidas alcoólicas e que tal ingestão lhe poderia determinar, como determinou, a taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,53g/L, não se abstendo, ainda assim, de conduzir o veículo mencionado em 1. na via pública, o que quis fazer.
6. O arguido sabia que ao ausentar-se da sua residência com finalidade diversa daquelas a que estava autorizado e ao circular ao volante do veículo referido em 1. violava a proibição de condução decorrente da decisão proferida em 3., a qual era do seu conhecimento e que ao agir dessa forma desrespeitava uma ordem dada por entidade competente, incorrendo em responsabilidade penal, o que quis fazer.
7. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
8. Entre a data da prática do crime porque foi condenado no processo nº 883/21.0PBVFX e a prática do crime porque ora é acusado não passaram ainda 5 (cinco) anos.
9. A prática reiterada de tal atividade delituosa, nomeadamente contra a segurança da comunidade face aos riscos (em última instância para bens jurídicos individuais) e da frequência deste tipo de ilícito, demonstra que a decisão condenatória suprarreferida não constituiu suficiente advertência para o arguido.
10. Assim como demonstra que o arguido é um indivíduo com uma personalidade pouco propensa à vida em comunidade, com tendências desviantes para a prática de outros crimes.
11. A condenação anteriormente sofrida pelo arguido foi insuficiente para a sua readaptação social tendo a conduta ora em apreciação sido praticada no decorrer daquela pena, não tendo a mesma servido para prevenir a prática de outros ilícitos penais dolosos.
12. Mostra-se indispensável a aplicação ao arguido de uma pena mais severa, no caso com uma agravação de um terço do limite mínimo das molduras penais abstratamente aplicáveis. Mais se provou:
13. O arguido confessou integralmente e sem reservas;
14. É ... por conta de outrem, auferindo cerca de €800,00 por mês;
15. Vive com a companheira, inativa há vários anos por motivos de saúde, auferindo um total de 730€, quantia onde se inclui já o abono de família da filha do casal (de 17 anos de idade) bem como a respectiva bolsa escolar.
16. Vive em casa arrendada, pagando a quantia de €340,00 a título de renda da habitação e de uma garagem.
17. Tem o 9.º ano de escolaridade.
18. No âmbito do processo nº 883/21.0PBVFX do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira, Juiz 2, em que cumpriu pena de prisão em regime de permanência na habitação, o arguido foi autorizado a manter ocupação profissional, tendo ainda sido autorizado a comparecer a consultas de alcoolismo no N.A.T. de ..., às quais compareceu, e frequentado em 27-05-2022 a sessão “Álcool e Comportamento Rodoviário”, que decorreu nas instalações desta equipa em ....
19. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
a. O arguido foi condenado no processo n.º 656/01.7SILSB por decisão transitada em julgado em 14.05.2001 pela prática, em 27.04.2001, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 300$00 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 2 meses [pena extinta pelo cumprimento];
b. O arguido foi condenado no processo n.º 427/01.0GBVFX que correu termos no 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira por decisão transitada em julgado em 05.03.2007, pela prática em 13.05.2001 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses [pena extinta pelo cumprimento];
c. O arguido foi condenado no processo n.º 88/10.6PDVFX que correu termos no 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira por decisão transitada em julgado em 18.04.2011, pela prática em 23.04.2010 de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, numa pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 [pena extinta por prescrição];
d. O arguido foi condenado no processo n.º 124/09.9PHLRS que correu termos no 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures por decisão transitada em julgado em 30.03.2009, pela prática em 27.01.2009 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 2 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses [pena extinta pelo cumprimento];
e. O arguido foi condenado no processo n.º 713/12.4PEVFX que correu termos no 2.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira por decisão transitada em julgado em 16.01.2013, pela prática em 22.11.2012 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano com regime de prova e com condição de comparecer em consulta de avaliação e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 1 ano [pena extinta pelo cumprimento];
f. O arguido foi condenado no processo n.º 3767/12.0TAVFX que correu termos no 2.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira por decisão transitada em julgado em 06.06.2014, pela prática em 22.11.2012 de um crime de condução sem habilitação legal numa pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;
g. O arguido foi condenado no processo n.º 738/14.5PEVFX que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira – J2, por decisão transitada em julgado 26.02.2015, pela prática em 14.11.2014 de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez nas penas de 200 dias de multa e na pena de 6 meses de prisão a cumprir por dias livres e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 10 meses [pena extinta pelo cumprimento];
h. O arguido foi condenado no processo n.º 251/15.3PEVFX que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira – Juiz 1, por decisão transitada em julgado em 29.09.2015, pela prática em 22.03.2015 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 7 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 17 meses [pena extinta pelo cumprimento];
i. O arguido foi condenado no processo n.º 2395/15.2T9VFX que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira – Juiz 1, por decisão transitada em julgado em 27.02.2017, pela prática em 22.03.2015 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, acompanhada de regime de prova [revogação da suspensão da pena e cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, tendo a pena sido extinta em 23/10/2023];
j. O arguido foi condenado no processo n.º 105/19.4PBVFX que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira – Juiz 2, por decisão transitada em julgado em 04.07.2019, pela prática em 09.02.2019 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 5 meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica [pena extinta pelo cumprimento];
k. O arguido foi condenado no processo n.º 544/17.5PEVFX que correu termos no Juízo Local Criminal de Loures – Juiz 6, por decisão transitada em julgado em 26.09.2019, pela prática em 30.06.2017 e 01.07.2017 de um crime de violação na forma tentada e de um crime de ameaça, respectivamente, numa pena de 4 anos e 1 mês de prisão suspensa na sua execução por igual período acompanhada com regime de prova;
l. O arguido foi condenado no processo n.º 883/21.0PBVFX que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira – Juiz 2, por decisão transitada em julgado em 28.012022, pela prática em 01.11.2021 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 9 meses de prisão em regime de permanência na habitação, sujeita à condição de o arguido frequentar consultas de alcoologia e tratamento médico [revogação do regime de permanência da habitação em 06/10/2022 e consequente cumprimento do remanescente da pena em ambiente prisional, tendo a pena sido extinta em 23/11/2022]. FACTOS NÃO PROVADOS Inexistem. * MOTIVAÇÃO DE FACTO O tribunal fundou a sua convicção com base na confissão livre, integral e sem reservas do arguido o qual igualmente prestou esclarecimentos credíveis sobre a sua situação pessoal, tendo ainda sido relevado o teor do relatório social junto aos autos. Para prova dos factos 3 e 4 foi tida em consideração a certidão do processo n.º 883/21.0PBVFX , junta a fls. 70 a 81. Relativamente à taxa de álcool com a qual era exercida a condução foi tido em linha de conta o resultado do talão de fls. 11 e o certificado de fls. 12. O facto 18 resulta provado do teor do relatório social junto aos autos. Os antecedentes criminais do arguido resultam do teor do certificado do registo criminal junto aos autos (facto 19). * IV. ENQUADRAMENTO JURIDÍCO-PENAL Do crime de condução de veículo em estado de embriaguez Dispõe o artigo 292º, nº 1 do Código Penal que “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. (…) Pelo exposto, cometeu o crime de que vem acusado, porquanto a sua conduta preenche o tipo objectivo e subjectivo do ilícito criminal em apreço pelo que, e não tendo resultado demonstradas causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, se impõe a sua condenação. Do crime de violação de imposições, obrigações e interdições O arguido vem acusado da prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal. Estabelece o citado normativo que “quem violar imposições, proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias”. (…) Vertendo ao caso dos autos, resultou provado que o arguido, no âmbito do processo n.º 883/21.0PBVFX, por sentença transitada em julgado em 28/01/2022, foi condenado, entre o mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 18 meses. Sucede que, sabendo que não o podia fazer, e que isso significava violar proibição que lhe tinha sido imposta por sentença criminal, o arguido, no dia 16/07/2022, ou seja, no decurso do período da proibição, conduziu o veículo automóvel identificado no ponto 1. do elenco de factos provados, o que fez de forma voluntária, livre e consciente, pelo que actuou de forma dolosa, na modalidade de dolo directo (cfr. artigo 14.º, n.º 1 do Código Penal). Encontram-se, pois, preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do crime de violação de imposições, proibições ou interdições, de que o arguido vem acusado. (…) V. ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA O crime de condução em estado de embriaguez é punido com pena de prisão de 1 (um) mês até 1(um) ano, ou multa de 10 (dez) até 120 (cento e vinte) dias (artigos 292.º, n.º 1, 41º. n.º 1 e 47.º, nº 1 do Código Penal). O crime de violação de imposições, proibições ou interdições é punido com pena de prisão de 1 (um) mês a 2 (dois) anos ou com pena de multa entre 10 (dez) e 240 (duzentos e quarenta) dias - cfr. artigos 353.º, n.º 1, 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1 do Código Penal. Nos termos do disposto no artigo 70.º do Código Penal, sendo o crime punível com pena privativa e pena não privativa da liberdade, dará o Tribunal prevalência a esta última se considerar que ela é adequada e suficiente para prosseguir as finalidades da punição previstas no artigo 40.º Código Penal: a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente. A função primordial da pena consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos - prevenção geral – função essa prosseguida no quadro da moldura penal abstracta entre o mínimo, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização. A escolha da pena terá assim de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos estipulados no referido artigo 40.º do Código Penal (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15.10.2003, Proc. 5028/2003-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt.) As necessidades de prevenção geral são elevadas, em função das expectativas da comunidade e da garantia de defesa do ordenamento jurídico, sendo fundamental garantir a confiança da comunidade na protecção dos bens jurídicos em apreço, importando salientar que essas necessidades de prevenção geral mostram-se elevadíssimas, não apenas em face do elevado número de crimes desta natureza praticado diariamente no nosso país, mas também atentas as nefastas consequências do mesmo na taxa de sinistralidade das estradas portuguesas. Conduzir é uma actividade perigosa; fazê-lo em estado de embriaguez consubstancia uma situação de perigo muito superior. As necessidades de prevenção especial são igualmente muito relevantes como o bem espelham os antecedentes criminais do arguido. Com efeito, importa atentar a que, à data da prática dos factos o arguido já havia sido condenado por onze vezes pela prática de crimes estradais, contando igualmente com condenações pela prática de outros crimes, de natureza diversa. No que se refere aos crimes estradais, é de notar que o arguido já foi condenado pela prática do crime de condução em estado de embriaguez por sete vezes, sendo esta a sua oitava condenação. É, pois, evidente que as anteriores condenações não inibiram o arguido de delinquir mais uma vez, sendo manifesta a absoluta indiferença do arguido perante todas as anteriores condenações sofridas. Tais circunstâncias são bem reveladoras de que a personalidade do arguido não se mostra conformada com o dever ser jurídico penal e que a prática de ilícitos criminais, em concreto no que respeita a crimes rodoviários (mas não só), não se apresenta como ocasional, ou um momento irreflectido, antes resulta evidenciado que o arguido não interiorizou devidamente as anteriores condenações sofridas. De referir que a primeira condenação do arguido pela prática do crime de condução em estado de embriaguez remonta ao ano de 2001 e a última, a factos praticados em 01/11/2021, sendo que no seu percurso criminal, o arguido foi condenado em penas de multa e em penas de prisão, incluindo prisão efectiva, sem que tais condenações tivessem inibido o arguido de reincidir na prática do mesmo crime. Quanto ao crime de violação de imposições, proibições ou interdições, o arguido conta igualmente com uma condenação anterior. Em face do exposto, é manifesto que a condenação do arguido em pena de multa já não é suficiente para acautelar devidamente as finalidades da punição que se fazem sentir essencialmente porque as condenações anteriores e a absoluta indiferença do arguido a tais condenações o demonstram à abundância, pelo que, in casu, será de aplicar uma pena de prisão. * Quanto à medida da pena, diga-se que a dosimetria concreta da pena nos termos do artigo 71.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, deve respeitar os limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, considerada a finalidade das penas indicada no artigo 40.º do Código Penal, havendo ainda que atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime, possam depor a favor do arguido ou contra ele, designadamente, às enunciadas exemplificativamente no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal. No entanto, a pena tendo como suporte axiológico uma culpa concreta, a sua individualização pressupõe proporcionalidade entre a pena e a culpabilidade, e não esquecendo as exigências de prevenção e de reprovação do crime, a execução deve nortear-se num sentido pedagógico e ressocializador e, em caso algum, a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de violação do princípio “de proibição de excesso” (artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal).” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.07.2003, Proc- 4260/2003-9, disponível para consulta em www.dgsi.pt). No caso vertente é ainda de considerar que na acusação se requer a condenação do arguido enquanto reincidente. Dispõe o artigo 75.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, que « 1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.». São, pois, pressupostos formais da reincidência: a prática de um crime doloso (por si só ou sob qualquer forma de participação); punição que, sem considerar a reincidência, seria de prisão efectiva superior a 6 meses; condenação anterior sofrida pelo agente, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a seis meses a respeito de cometimento doloso; e hiato não superior a cinco anos entre a prática do crime anterior e a do novo crime (suspendendo-se este prazo durante a privação de liberdade imposta ao agente mercê de cumprimento de pena/medida de segurança ou de medida de coacção). Por outro lado, a condenação enquanto reincidente tem ínsito um pressuposto material, ou seja, que a condenação ou condenações anteriores tenham sido insuficientes para demover o agente do cometimento de crimes. Conforme refere Figueiredo Dias, «o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido à admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa, exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (v.g., o afecto, a degradação social e económica, a experiência especialmente criminógena da prisão, etc.) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenação anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, se não é a distinção dogmática entre reincidência homótropa e polítropa que reaparece em toda a sua tradicional dimensão, é em todo o caso a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel. Decisiva será, em todas as situações, a resposta que o juiz encontre para a questão de saber se ao agente deve censurar-se o não se ter deixado motivar pela advertência contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores» (As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, pp. 268-269). Vertendo ao caso dos autos, temos por verificados os pressupostos de natureza formal e material da reincidência. Com efeito, atentos os vastos antecedentes criminais do arguido, designadamente no que ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez diz respeito, é de considerar que a pena de prisão a aplicar-lhe seria necessariamente superior a 6 meses, não se olvidando, também, o dolo directo e a intensidade da culpa com que actuou, mormente por ter praticado os factos no decurso do cumprimento de pena de prisão em que foi condenado pela prática de crime de idêntica natureza. Por outro lado, é de registar que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticado pelo arguido tem natureza dolosa, sendo que o mesmo sofreu condenações transitadas em julgado nos cinco anos que antecederam o cometimento dos factos ora em apreciação, concretamente no processo n.º 883/21.0PBVFX que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira – Juiz 2, em que, por decisão transitada em julgado em 28.01.2022, e pela prática em 01.11.2021 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, foi condenado na pena de 9 meses de prisão, em regime de permanência na habitação, O pressuposto de natureza material, como já acima se fez alusão, atém-se à falta de suficiente advertência das anteriores condenações no sentido de obstarem à prática de novos crimes por banda de um mesmo agente, o que é aferido mediante uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Essa íntima conexão, quando não está em causa uma situação reconduzível a crimes da mesma natureza pode e deve ser explicitada através da alegação concretizada de factos, porém também pode ser revelada através de sucessivas condenações atinentes ao cometimento de crimes que tutelam um mesmo bem jurídico. Na verdade, «estando em causa (…) uma reincidência homogénea, ou específica, é lógico o funcionamento da prova por presunção em que a premissa maior é a condenação anterior e a premissa menor a prática de novo crime do mesmo tipo do anteriormente praticado. Se o arguido foi condenado anteriormente por crime do mesmo tipo e agora volta a delinquir pela mesma prática é liminar a inferência de que lhe foi indiferente o sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.1.2017, processo n.º 488/15.5GDGDM.P1, disponível em www.dgsi.pt). Regressando novamente ao caso dos autos, é de registar que a sucessão de condenações sofridas por banda do arguido evidencia, por si só, uma forte propensão para o cometimento do crime de condução em estado de embriaguez, resultando inequívoco que as anteriores condenações sofridas pelo arguido, mormente as que são respeitantes ao mesmo tipo de crime, não tiveram o efeito de lhe obstar ao cometimento dos factos ora em análise, o que é revelador de reincidência. Tal circunstância, ante o que resulta inscrito no artigo 76.º, n.º 1, do Código Penal, determina a elevação de um terço do limite mínimo da pena aplicável, mantendo-se inalterado o limite máximo. Assim, a moldura penal abstracta aplicável quanto ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez é de prisão de 40 (quarenta) dias até 1 (um) ano. A pena concreta será assim fixada entre um limite mínimo, definido pela moldura abstracta, e um limite máximo determinado em função da culpa, funcionando entre estes limites não apenas os outros fins das penas bem como todas as circunstâncias que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, deponham a favor ou contra o arguido. No caso concreto, há a ponderar:
i. o nível de ilicitude, que se afere por elevado, tendo em conta que os factos foram praticados no decurso do cumprimento de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação, em que o arguido foi condenado pela prática do crime de condução em estado de embriaguez;
ii. a intensidade do dolo (na forma directa);
iii. a conduta anterior e posterior do arguido - havendo nesta sede a considerar, a seu desfavor, os antecedentes criminais, em particular os que se referem a crimes de idêntica natureza aos dos autos; a seu favor, milita somente a circunstância de ter confessado integralmente e sem reservas. Como acima se disse, as necessidades de prevenção geral são muito elevadas, atendendo ao elevado número de crimes de natureza rodoviária e às nefastas consequências para a integridade física e vida das vítimas de acidente, sendo imperioso repor a confiança da comunidade. Também as necessidades de prevenção especial são igualmente relevantes, por elevadas, atendendo ao passado criminal do arguido já anteriormente exposto. Tudo ponderado temos por adequada e necessária a condenação do arguido nas seguintes penas: - crime de condução de veículo em estado de embriaguez: 10 (dez) meses de prisão; - crime de violação de imposições, proibições ou interdições: 3 (três) meses de prisão. * Do Cúmulo Jurídico das Penas De acordo com o disposto no artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. A punição do concurso de crimes é feita pela aplicação de uma pena única, a extrair de uma nova moldura penal que tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa – (artigo 77.º, nº 2 do C. Penal), ponderando-se na determinação da respectiva medida concreta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, nº 1 do C. Penal). O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única é, portanto, a personalidade do agente. Impõe-se, por isso, a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constituir uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente. E aqui, nota Figueiredo Dias, (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 291 e seguintes), de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.”(de novo Figueiredo Dias, agora citado no Ac. do STJ de 6-03-2008, CJ (STJ) 2008, I, 249). Nesta operação, impõe-se ter presente o que atrás deixámos exposto em sede de determinação da medida concreta da pena, que aqui se reedita. Vertendo ao caso dos autos cumpre referir que o arguido praticou dois ilícitos criminais. Como acima se explanou, importa, nesta sede, proceder à análise da gravidade do ilícito global. Ora, neste conspecto cumpre ter presente que os factos foram praticados sob o efeito do álcool, e que o arguido mostrou reconheceu em audiência o desvalor das suas condutas, tanto que confessou integralmente e sem reservas. Em face do exposto, atenta a moldura penal em que aqui nos movemos- 10 (dez) meses a 13 (treze) meses, entendo que a pena única a decretar, se deve fixar em 11 (onze) meses. Esta a pena que, não excedendo a culpa, se mostra como a ajustada e adequada às necessidades de prevenção geral e especial que aqui se colocam. - Ponderação de aplicação de pena substitutiva Atenta a duração da pena de prisão em que se condena o arguido, impõe-se a ponderação da eventual aplicação de uma pena substitutiva. É, pois, de ponderar, no caso concreto, o disposto no artigo 45.º, n.º 1, do Código Penal, que preceitua que «a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes», sendo ainda de atentar que o artigo 58.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, dispõe que «se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição». A dosimetria da pena concreta permite, em abstracto, a substituição da prisão pela multa ou pela prestação de trabalho a favor da comunidade, todavia, no que ao caso concreto respeita, é de considerar que qualquer uma das penas de substituição ora mencionadas é manifestamente insuficiente para suprir as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir, reiterando-se, a esta parte, o percurso delituoso do arguido. Da ponderação da suspensão da execução da pena de prisão O artigo 50.°, nº 1 do Código Penal determina que «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». Como defende Figueiredo Dias, para recorrer a tal instituto o tribunal terá sempre de concluir «por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente», para a formulação do qual «não pode bastar nunca ou só a personalidade ou só as circunstâncias do facto» (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 50-53). Com efeito, para além do pressuposto formal (pena não superior a 5 anos de prisão), a lei exige um pressuposto de ordem material, ou seja a verificação, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do caso, de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido no futuro. Tal juízo não equivale a uma certeza, mas a uma expectativa/prognose fundada, tendo em vista os pressupostos do artigo 50.º e os factos apurados nesse âmbito. A suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime: «estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa» (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 520). Na base de tal decisão, está em causa a ponderação, não de razões atinentes à culpa, mas apenas de razões ligadas às finalidades preventivas da punição, especialmente as que respeitam à prevenção especial de ressocialização, acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral. A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é, pois, o afastamento do agente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correcção ou melhoria das concepções daquele sobre a vida e o mundo. Por conseguinte, a suspensão da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, sendo que, a ser determinada, constituirá numa crença fundada de que a socialização, em liberdade, possa ser conseguida. O Tribunal poderá, pois, "correr o risco" fundado e calculado sobre a manutenção do agente em liberdade, a não ser que haja razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, devendo neste caso o juízo de prognose ser desfavorável e a suspensão negada. Em tal juízo de prognose, há que ter em conta a personalidade do agente, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias desse mesmo facto. No caso concreto, afigura-se-nos que as condenações criminais já sofridas pelo arguido pela prática de factos da mesma natureza, não apontam minimamente para um juízo de prognose positivo no sentido de que a censura do acto e a ameaça de prisão sejam já suficientes para realizarem, de forma adequada, as finalidades da punição. De facto, não podemos olvidar o extenso passado criminal do arguido, com particular relevo, no que ora interessa, na circunstância de o mesmo ter já ter sido condenado i) em pena de prisão efectiva [pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, no processo n.º 251/15.3PEVFX em que o arguido foi condenado na pena de 7 meses de prisão], ii) em pena de prisão suspensa na sua execução [v.g., pela prática do crime de condução sem habitação legal no processo n.º 2395/15.2T9VFX em que o arguido foi condenado na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, acompanhada de regime de prova, tendo a suspensão sido revogada e determinado o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação], e iii) em pena de prisão em regime de permanência na habitação [pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez no processo n.º 883/21.0PBVFX, tendo sido revogado o regime de permanência na habitação e determinado o cumprimento do remanescente da pena em meio prisional]. Conclui-se, pois, que a mera ameaça da prisão, dado o quadro de condenações do arguido e em face da evidente falta de consciência crítica do seu comportamento, não constituirá, como não constituiu no passado, suficiente desincentivo à reiteração futura do comportamento que se sanciona. Pelo exposto, entende-se não ser de suspender a execução da pena de prisão aplicada. * Da ponderação da aplicação do regime de permanência na habitação Estabelece o artigo 43.º do Código Penal: «1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efectiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efectiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º 2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas. 3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado. 4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, susceptíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente: a) Frequentar certos programas ou atividades; b) Cumprir determinadas obrigações; c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado; d) Não exercer determinadas profissões; e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas; f) Não ter em seu poder objectos especialmente aptos à prática de crimes. 5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.» No caso vertente, a medida concreta da pena permite a aplicação desta pena de substituição. Contudo, o percurso delituoso do arguido, associado à sua personalidade, em particular o facto de, na última condenação pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, o mesmo já ter beneficiado do regime de permanência na habitação, que veio a ser revogado durante a execução da pena [processo n.º 883/21.0PBVFX], não permitem que se conclua que através desse regime se realizam no caso em apreço, de forma adequada e suficiente, as finalidades da execução da pena de prisão. De resto, não podemos olvidar que os factos em apreciação nos presentes autos foram praticados enquanto decorria o cumprimento de pena nesse mesmo processo, o que é mais do que suficiente para se concluir pelo afastamento da possibilidade de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação. Com efeito, atenta a personalidade do arguido evidenciada nos autos, entendo que tal regime não se mostra adequado nem suficientemente dissuasor à prática de novos crimes, motivo pelo qual afasto a sua aplicação. - DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é, ainda, punido com pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1 Código Penal. (…) Assim, atentos os elementos referidos ponderados para determinação do quantum da pena principal, já acima identificados, e que aqui se reeditam, tem-se por adequado fixar a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de vinte meses. (…)»
2.3 Conhecendo do mérito do recurso
Conforme referimos atrás, a problemática a apreciar neste momento é, em síntese, esta: se deve ou não ser suspensa a execução da pena única de onze anos de prisão fixada em 1ª Instância e, na negativa, se deve a prisão ser ou não cumprida em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
Afigura-se-nos que o recurso não merece provimento.
Porquê?
Antes de mais, importa dizer que o Tribunal de 1ª Instância enunciou com inteiro acerto as normas aplicáveis e os critérios gerais a considerar nesta matéria e deu-lhes aplicação também acertada, merecendo por isso a nossa adesão; assim é que temos como reproduzido neste espaço tudo quanto se fez plasmar na douta decisão recorrida.
Em qualquer caso, sempre acrescentaremos algumas considerações.
Em primeiro lugar, há que ter uma exata noção do que falamos quando falamos de condução de veículos em estado de embriaguez.
A ingestão de álcool tem, como é consabido, diversos efeitos com impacto visível na segurança da condução:
- diminuição da concentração;
- diminuição da acuidade visual (os contornos dos objetos perdem nitidez);
- diminuição do campo visual (o estreitamento do campo visual que pode até chegar «à visão em túnel»);
- falseamento na apreciação das distâncias e das velocidades;
- aumento do tempo de recuperação após encandeamento;
- perturbação da audição;
- aumento do tempo de reação;
- diminuição dos reflexos (os gestos são lentos, por vezes bruscos, em qualquer dos casos imprecisos);
- criação de um falso estado de euforia e sobrevalorização das capacidades (inhttps://www.invicta.pt/codigo/alcool_drogas.asp).
Sem surpresa alguma, todos os estudos publicados revelam uma intensa relação entre o álcool e os acidentes de trânsito.
De acordo com os dados disponíveis, estima-se que os condutores com uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 0,5 g/l têm 1,4 vezes mais risco de ter um acidente; com uma TAS de 0,8 g/l têm 2,7 vezes mais risco de ter um acidente; com uma TAS de 1,2 g/l têm 8,9 vezes mais risco de ter um acidente; e com uma TAS de 1,5 g/l têm 22,1 vezes mais risco de ter um acidente (inhttps://prp.pt/portfolio-items/alcool/) .
Sublinhe-se este dado: com uma TAS de 1,5 g/l, o risco de acidente é cerca de 22,1 vezes maior – ora, o Arguido apresentava 1,53 g/l.
Estes números têm uma repercussão desde logo para o próprio condutor: o risco de um condutor morrer na sequência de um acidente rodoviário é pelo menos três vezes maior, se tiver uma TAS entre 0,2 g/l e 0,5g/l; 6 vezes maior, se tiver uma TAS entre 0,5 g/l e 0,8g/l; e 11 vezes maior, se tiver uma TAS entre 0,8 g/l e 1,0g/l. Mais ainda: observa-se que o peso da sinistralidade associada ao consumo de álcool é mais alto ao fim de semana e nos períodos da noite e madrugada (43% das mortes e 40% dos feridos graves neste horário resultaram de acidentes em que pelo menos um condutor apresenta uma TAS ≥ 0,5 g/L), o que aponta claramente no sentido de que onde houver mais condutores com álcool, o risco de acidentes com mortes e feridos graves agiganta-se (tudo isto pode consultar-se inhttps://prp.pt/portfolio-items/alcool/).
Ainda que noutro quadrante geográfico, chegou a perceber-se que em cerca de 70% dos acidentes um dos intervenientes apresentava uma taxa de álcool superior a 1,0 g/l de sangue, com predomínio, e este um elemento que nos merece aqui referência útil, para atropelamentos e colisões. Vejam-se estes últimos dados no estudo muito sugestivamente intitulado «O impacto do álcool na mortalidade em acidentes de trânsito: uma questão de saúde pública» (inhttps://www.scielo.br/j/ean/a/sBZJBMKTkn84qN8rP9FryLJ/#).
A Organização Mundial de Saúde vem acompanhando esta problemática, tendo ainda recentemente dado nota pública, entre o mais, (i) de que todos os anos morrem na estrada, em todo o mundo, cerca de 1.19 milhões de pessoas; (ii) de que os acidentes na estrada representam a principal causa de morte em pessoas entre os 5 e os 29 anos e a décima segunda causa de morte para o conjunto de toda a população mundial; (iii) e de que o álcool está muito frequentemente presente nos acidentes mortais (Global Status Report on Road Safety 2023, https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/375016/9789240086517-eng.pdf?sequence=1). E também a União Europeia tem tomado posição nesta matéria, nomeadamente com a chamada Declaração de La Valletta sobre Segurança Rodoviária, de 29 de março de 2017, em que sublinhou a persistência de um elevado número de mortes nas estradas (em 2015 foram 26.100 na União Europeia) e a ingestão do álcool como uma das causas principais dos sinistros (https://eumos.eu/wp-content/uploads/2017/07/Valletta_Declaration_on_Improving_Road_Safety.pdf).
Um último dado: segundo informação prestada pela Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária, no ano de 2022 registaram-se no Continente e nas Regiões Autónomas 34.275 acidentes rodoviários com vítimas e, de entre estas, 473 vítimas mortais, 2.436 feridos graves e 40.123 feridos leves (in http://www.ansr.pt/Estatisticas/RelatoriosDeSinistralidade/Documents/2022/Relat%C3%B3rio%20Anual%20de%20Sinistralidade%20a%2024h,%20fiscaliza%C3%A7%C3%A3o%20e%20contraordena%C3%A7%C3%B5es%20rodovi%C3%A1rias%202022.pdf) .
Estamos em crer que não é necessário introduzir neste espaço mais informação para que se compreenda o que os números, na sua frieza, não conseguem revelar em toda a sua extensão: que o consumo de álcool, associado à condução de veículos, constitui um comportamento altamente propício ao despedaçamento espúrio de vidas e famílias, com o horror das mortes e feridos graves a que sempre levou e continua a levar: do lado do condutor e do lado dos demais utilizadores da via pública, que circulem apeados ou noutros veículos e que num ápice veem a sua vida mudar para sempre ou terminar, sem que para isso tenham contribuído com mais do que estarem a fazer as suas vidas normais.
É disto que falamos quando falamos de condução de veículos em estado de embriaguez.
Não foi ao acaso que o legislador consagrou como contraordenação a condução de veículos com uma taxa de álcool no sangue a partir dos 0,5 g/l e nalguns casos logo a partir de 0,2 g/l (art. 81º, nºs 1 a 3 do Código da Estrada): fê-lo por ter reconhecido aquilo que para todos é um dado empírico óbvio, gerador de grande inquietação social e que a todos interpela – a extrema perigosidade de conduzir veículos sob a influência do álcool.
Dito isto, olhemos em concreto para a situação do Arguido, que reclama a oportunidade de ressocialização sem cumprimento de pena de prisão efetiva.
Estamos diante alguém que, à data dos factos aqui em causa, fora já objeto de doze condenações criminais. Nada menos que isso.
Por outro lado, a primeira das condenações ocorreu em 2001 e a última em 2022, o que sugere de forma muito consistente que, em todo esse trajeto, as penas que lhe foram sendo aplicadas não o demoveram de continuar a praticar ilícitos criminais.
E isto que vimos de dizer surge reforçado e ainda mais esclarecido se tivermos em conta o que motivou a generalidade das condenações: para além de um crime de tentativa de violação e de ameaça, de um crime de violação de proibições e de três crimes de condução sem habilitação legal, encontramos – sublinhemos este número - seis crimes de condução em estado de embriaguez.
Mais: pelo primeiro deles foi condenado em multa; pelo segundo em dois meses de prisão suspensa na sua execução; pelo terceiro em nove meses de prisão suspensa na execução com regime de prova; pelo quarto com seis meses de prisão por dias livres, pelo quinto já em sete meses de prisão efetiva e pelo sexto em nove meses de prisão com cumprimento em obrigação de permanência na habitação; e, acrescente-se, por nenhum dos demais crimes que cometeu foi o Arguido condenado em pena de prisão efetiva.
Por que haveremos de crer que, agora sim, o Arguido não voltará a cometer novo crime?
Com exceção do sucedido no Processo nº 251/15.3PEVFX, em que foi aplicada prisão efetiva, o sistema de justiça penal foi sucessivamente dando ao Arguido oportunidades de ressocialização em liberdade, em maior ou menor grau, que o mesmo foi, também sucessivamente, frustrando, no sentido em que voltava a cometer crimes e até da mesma natureza, ao ponto de esta ser a sua sétima condenação pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez. De resto, não podemos também deixar de realçar que o Arguido cometeu este novo crime durante o período de cumprimento da pena de prisão em permanência na habitação de que fora alvo escassos meses antes, pela prática do mesmíssimo tipo de crime, e também durante o período de suspensão da execução de uma outra pena de prisão que lhe fora aplicada por crimes diversos, o que diz bem da insuficiência ou inadequação dessas outras penas.
Chega um momento em que é inevitável concluir que não é mais possível emitir um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do Arguido; chega um momento em que a comunidade exige que a pena a aplicar seja de prisão e efetiva, com cumprimento em estabelecimento prisional, por de outro modo sentir seriamente comprometida a convicção geral de que as normas e os valores que lhes subjazem ainda têm aplicação e inspiram respeito. Se o Arguido volta a cometer um crime de condução em estado de embriaguez durante o período de cumprimento de uma prisão em regime de obrigação de permanência na habitação que lhe fora aplicada precisamente pelo mesmo tipo de crime, como pode haver dúvidas, com tudo o que antes já disséramos, de que a prisão efetiva é a única solução neste momento aceitável?
E se essa solução é compatível com o limite da culpa, como temos por certo que aqui é, dadas as circunstâncias concretas de cometimento do ilícito e a personalidade que o Arguido nelas revelou, prestando-se a um intenso juízo de censura, então tudo converge para que a prisão efetiva seja na verdade o único caminho admissível no caso.
E a tanto não obsta o facto de o Arguido ter confessado a prática dos factos, desde logo pela reduzida relevância probatória da confissão, face à natureza evidente da prova, mas ainda e sobretudo porque essa confissão, por todo o histórico conhecido ao Arguido, em nada nos induz a pensar que corresponda a alguma forma de genuíno arrependimento, primeiro passo para uma mudança efetiva.
Como à prisão efetiva também não obsta a circunstância de se tratar de pessoa profissional e familiarmente integrada. Não só porque essa integração não o impediu de (mais uma vez) cometer novo ilícito criminal; mas ainda e também porque há um domínio da vida do Arguido em que este se encontra profundamente desintegrado e carecido de ressocialização: o domínio da condução de veículos e em particular o que se prende com a imperatividade legal e ético-social de não conduzir depois de ingerir bebidas alcoólicas e com isso por em perigo a segurança de terceiros.
Em suma: não é possível emitir um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do Arguido e as exigências comunitárias da punição opõem-se firmemente, quer a uma eventual suspensão da execução da pena de prisão, quer a um possível cumprimento desta em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, com o que improcederá o recurso e se confirmará a pena aplicada.
Por fim, duas notas adicionais.
A primeira é esta: face à inoperância ou insuficiência das penas já aplicadas ao Arguido, importa efetivamente sujeitá-lo à mais gravosa das penas disponíveis. Não o fazer, nas circunstâncias conhecidas, poderia até estar na base de uma violação, pelo Estado Português, das suas obrigações positivas de atuação em matéria de proteção da vida e da integridade física das pessoas que se encontrem sob sua jurisdição e decorrem da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; basta para isso conjeturar que o Arguido, continuando em liberdade, reiteraria a condução em estado de embriaguez (o que muito provavelmente aconteceria) e, nessa condição, provocava um acidente fatal para terceiro (vide o Ac. do TEDH Smiljanić v. Croatia, nº 35983/14, de 25/03/2021, §§ 82-86, in https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-208755%22]}).
A segunda nota: é óbvio que o cumprimento da pena de prisão acarretará para o Arguido um prejuízo pessoal, sócio-familiar e previsivelmente económico com significado. Trata-se, porém, do resultado final do seu comportamento, que apenas a si próprio se deve e que tornou incontornável uma reação vigorosa por parte do sistema de justiça penal.
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3 - DISPOSITIVO
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida.
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Custas pelo Arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta [arts. 513º/1 e 3 do Código de Processo Penal, e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a este anexa], sem prejuízo de eventual apoio judiciário de que beneficie.
Registe e notifique.
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Lisboa, 24 de outubro de 2024
Os Juízes Desembargadores (processado a computador pelo relator e revisto por todos os signatários; assinaturas eletrónicas)
Jorge Rosas de Castro
Manuela Trocado
Paula Cristina Bizarro