Não existe uma fundamentação essencialmente diferente quando a sentença de 1.ª instância decide que não podia efetuar as deduções previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho porque não tinham sido pedidas e o Acórdão do Tribunal da Relação que decidiu que não era suficiente provar a celebração de um contrato de trabalho com outra entidade para pedir as referidas deduções.
Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
Knower Projects SA, Ré na ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum em que é Autora AA veio apresentar Reclamação ao abrigo do disposto nos artigos 643.º n.º 4 e 652.º n.º 3 do Código do Processo Civil do despacho do Relator neste Tribunal que indeferiu a sua Reclamação contra o indeferimento do recurso intentado ao abrigo do artigo 671.º do CPC (o Recorrente interpõe também a título subsidiário uma revista excecional)
Foi o seguinte o teor do despacho, objeto da presente Reclamação para a Conferência:
“Knower Projects SA, Ré na ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum em que é Autora AA veio apresentar, ao abrigo do disposto no artigo 643.º do Código do Processo Civil (doravante designado por CPC), reclamação do despacho de indeferimento do seu recurso de revista, interposto ao abrigo do artigo 671.º do CPC.
Sublinhe-se que o recurso interposto “visa a impugnação do segmento decisório relativo à dedução das remunerações intercalares” e que além do recurso interposto ao abrigo do artigo 671.º – e é deste que se trata na presente reclamação – foi interposto também um recurso de revista excecional a título subsidiário.,
Existe, ou não, dupla conformidade nas decisões das instâncias?
Na sentença afirmou-se que “não serão deduzidas as importâncias [mencionadas no artigo 390.º, n.º 2, alínea a) do Código do Trabalho] porquanto a Ré não peticionou essa dedução e a mesma não é de conhecimento oficioso”.
No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra pode ler-se a este respeito:
“Na verdade, é sobre a Ré empregadora que incumbia o ónus de alegação da obtenção por parte da Autora de rendimentos do trabalho, a deduzir nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, o que não ocorreu.
Mas, no caso, alega a recorrente que, apesar de não ter formulado um pedido de dedução, alegou e ficou provado que a recorrida celebrou novo contrato de trabalho em 1 de novembro de 2022 com I... (cfr. ponto 29 dos factos provados), pelo que nada obstava a que fosse ordenada a dedução.
Decidindo:
É verdade que está provado que a autora celebrou em 1.11.2022 um contrato de trabalho com a I....
Mas uma coisa é celebração desse contrato e outra é a prova de que esse contrato foi executado tendo a autora auferido quantias dele resultantes.
Ou seja, desconhece-se se, apesar da celebração do contrato, se a recorrida auferiu quaisquer importâncias (e pode muito bem não ter recebido pelas mais variadas razões) donde, não tendo a ré conseguido provar o recebimento pelo A. de quaisquer importâncias, não deve fazer-se operar a dedução”.
O Reclamante pretende que a fundamentação adotada pelas instâncias seria fundamentalmente diferente, afirmando que o Tribunal da Relação não lançou mão de um simples reforço argumentativo (n.º 9 da Reclamação), e que “foi necessário um fundamento jurídico completamente novo e não discutido nem tido em consideração na decisão de 1º instância para que se pudesse chegar à mesma conclusão” (n.º 12 da Reclamação), que “o acórdão recorrido manifestamente não concorda com a argumentação aduzida na decisão de 1.ª instância” (n.º 13 da Reclamação) e “[s]e a Relação na sua decisão não tivesse aduzido nova fundamentação, manifestamente teria concluído em sentido diverso ao que foi decidido pela decisão de 1.º Instância” (n.º 14 da Reclamação).
Importa começar por sublinhar que, depois de citar jurisprudência, inclusive deste Supremo Tribunal, a afastar o conhecimento oficioso de outras deduções que não o subsídio de desemprego, o Acórdão afirma expressamente: “Na verdade, é sobre a Ré empregadora que incumbia o ónus de alegação da obtenção por parte da Autora de rendimentos do trabalho, a deduzir nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, o que não ocorreu”. Ou seja, concorda com o argumento aduzido pela 1.ª instância de que tais deduções não são de conhecimento oficioso. Aliás, tal resulta, também da citação pelo Acórdão recorrido de numerosa jurisprudência neste mesmo sentido, sendo que o referido Acórdão recorrido afirma a este propósito também o seguinte:
“É jurisprudência consolidada que a dedução no montante dos salários intercalares das importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento não é de conhecimento oficioso.
Pese embora o esforço argumentativo quer da recorrente quer do Srº PGA, continuamos a entender que inexistem razões para divergir da consolidada e “avassaladora” jurisprudência produzida no sentido das deduções não serem de conhecimento oficioso, salvo no que respeita ao subsídio de desemprego”.
E se tais deduções não são de conhecimento oficioso, deveria a Ré tê-las pedido e não o fez.
O Acórdão podia ter-se quedado por aqui, mas respondeu ao argumento esgrimido pela Ré no seu recurso de apelação, sublinhando que, em todo o caso, não foram provados no processo factos suficientes para operar tal dedução.
Ou seja, ainda que tal dedução tivesse sido pedida – e não foi – faltariam factos que permitissem realizá-la.
Trata-se de uma argumentação que surge em reforço e desenvolvimento da argumentação aduzida pela 1.ª instância, que o Tribunal da Relação, ao contrário do que pretende o Reclamante, expressamente aceita e em resposta a um argumento da Ré, tendo uma natureza praticamente subsidiária.
Não existe, pois, uma argumentação essencialmente diferente.”
Deste despacho veio a Recorrente reclamar para a Conferência ao abrigo dos artigos 643.º, n.º 4 e 652.º, n.º 3 do Código do Processo Civil.
Na sua Reclamação pode ler-se o seguinte (números 6 e seguintes):
6) “(…) resumindo, o que o Douto despacho reclamado entendeu é que a argumentação explanada pela Relação, entendendo pela improcedência da apelação na medida em que não ficou demonstrando o recebimento de quantias pela trabalhadora, se tratou apenas de um mero argumento subsidiário e em acréscimo à posição assumida, a título principal, pela própria Relação.
7) Em bom rigor, caso assim fosse, de facto, dúvidas também a aqui Reclamante não teria que nenhuma fundamentação essencialmente diferente se poderia retirar entre as duas decisões, ou seja, a decisão de 1.ª instância e a de 2.ª instância.
8) Contudo, contrariamente ao que é dito no despacho reclamado, e salvo melhor opinião, em nenhum momento tal resulta do acórdão proferido pela Relação.
9) No seu essencial dispõe este acórdão que: “Na verdade, é sobre a Ré empregadora que incumbia o ónus de alegação da obtenção por parte da Autora de rendimentos do trabalho, a deduzir nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, o que não ocorreu. Mas, no caso, alega a recorrente que, apesar de não ter formulado um pedido de dedução, alegou e ficou provado que a recorrida celebrou novo contrato de trabalho em 1 de novembro de 2022 com I... (cfr. ponto 29 dos factos provados), pelo que nada obstava a que fosse ordenada a dedução. Decidindo: É verdade que está provado que a autora celebrou em 1.11.2022 um contrato de trabalho com a I.... Mas uma coisa é celebração desse contrato e outra é a prova de que esse contrato foi executado tendo a autora auferido quantias dele resultantes. Ou seja, desconhece-se se, apesar da celebração do contrato, se a recorrida auferiu quaisquer importâncias (e pode muito bem não ter recebido pelas mais variadas razões) donde, não tendo a ré conseguido provar o recebimento pelo A. de quaisquer importâncias, não deve fazer-se operar a dedução. Com respeito pela opinião contrária, também aqui a apelação improcede. *** V – Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da decisão impugnada”.
10) Ora, daqui resulta primeiramente, que a argumentação relativa ao não conhecimento oficioso da dedução em causa não configurou por parte da decisão proferida pela Relação o seu escopo decisório.
11)Ou seja, como facilmente se verifica, trata-se da argumentação no sentido de que não deve ser colocado em causa esse não conhecimento oficioso, mas não reportando ao que exatamente aconteceu no caso concreto.
12)Aliás, conforme resulta das alegações, tanto de apelação como de revista apresentadas pela ora Reclamante, nunca é colocado em causa que a dedução não é suscetível de conhecimento oficioso.
13)Sendo certo e indiscutível, também para a Reclamante, que a seu cargo fica a alegação dos factos concretos que efetivamente devem fazer funcionar essa dedução.
14)A questão é que, conforme reconhece a Relação, a Recorrente, ora Reclamante, efetivamente o fez, alegando e deduzindo os factos concretos para o efeito, nomeadamente a celebração de contrato de trabalho posterior à cessação do contrato de trabalho em crise.
15)É por este facto que a Relação, confrontada com este facto, necessita de responder à questão de se deveria operar a dedução em causa??
16)E a resposta dada, bastando atender ao conteúdo decisório em causa, é a de que não se deverá atender a essa dedução porquanto pese embora a alegação e prova de factos concretos, não ficou provado o efetivo recebimento das quantias em causa.
17) Embora, como também já se alegou, não se concorde com este entendimento, é incontestável que o que está em causa é a suficiência ou não, dos factos alegados e provados para que possa operar a dedução.
18)Aliás, se a o entendimento da Relação fosse o mencionado pelo despacho recorrido,éevidentequearespostaaestaquestão,se sedeveriaoperaradedução nos termos do n.º 2 do artigo 390.º do CT, seria a de que não deveria operar porque não foi concretamente peticionada a sua dedução (embora esta “obrigação” não resulte nem de Lei aplicável nem de qualquer jurisprudência assinalada).
19)Com efeito, a expressão - “donde, não tendo a ré conseguido provar o recebimento pelo A. de quaisquer importâncias, não deve fazer-se operar a dedução.” - é absolutamente conclusiva e esclarecedora quanto a isso.
20)Em nenhum momento é dito que irrelevante será a alegação e prova do contrato de trabalho porque não existiu um pedido expresso de dedução.
21)Diga-se, ainda, que a expressão do despacho reclamado – “E se tais deduções não são de conhecimento oficioso deveria a R. tê-las pedido e não o fez” – respeita ao fundo da causa e é da exclusiva lavra do despacho reclamado, e não do Acórdão proferido pela Relação.
22)Conforme já se disse, a concordância da Relação com o não conhecimento oficioso da dedução não significou nem visou qualquer decisão para o caso concreto, tendo aliás, posteriormente discutido em que se deve consubstanciar esse conhecimento oficioso, nomeadamente a alegação e prova dos factos que podem originar a dedução em causa.
23)Daí que, reitera-se, não exista qualquer expressão ou declaração expressa de concordância ou aceitação com a argumentação da 1.ª instância no âmbito do Acórdão proferido.
24)Embora entrando no mérito da causa, não podemos deixar de mencionar, como a aqui Reclamante o fez nas suas alegações de apelação e revista, que a designada “avassaladora” jurisprudência a que se faz menção, é exatamente a mesma que a Reclamante ali invocou a seu favor.
25)Isto porque tal jurisprudência é igualmente “avassaladora” no sentido de que a inexistência do conhecimento oficioso da dedução nos termos do n.º 2 do artigo 390.º do CT implica para a entidade empregadora, a aqui Reclamante, a alegação e prova dos factos concretos que podem determinar essa dedução.
26)Ou seja, que sobre o empregador impende o ónus de provar os factos concretos, segundo as regras da exceção, pois importam a modificação da obrigação legal de pagamento das retribuições intercalares.
27)Ou seja, ainda, existindo tais factos, e não apenas qualquer dedução expressa concreta, sempre tal normativo obriga o tribunal a ordenar essa dedução, não se colocando nunca em causa, e tal também é entendimento “avassalador”, a imperatividade da obrigação de dedução em causa.
28)Muito pelo contrário, o que ficou dito é que, pese embora a alegação e prova dos factos concretos relativos ao novo contrato de trabalho celebrado, estes não podem fazer operar a dedução por outros motivos concretos.
29)Ou seja, a motivação apresentada não é, por nenhuma forma, a que foi apresentada pela decisão em 1.ª instância.
30)E mais, como se disse, a Relação assumiu, com evidência, que à Reclamante cumpria a alegação e prova dos factos concretos que fazem operar a dedução, mas apenas, no seu entendimento, não o fez de forma suficiente.
31)Basta pensar que, segundo este entendimento da Relação, mesmo que a Reclamante tivesse realizado o “tal” pedido de dedução expressa, acabaria a mesma por improceder, enquanto que para a decisão de 1.ª instância tal não ocorreria.
32)Tal basta para que se compreenda a existência de fundamentação essencialmente diferente entre as decisões.
33)Com efeito, e como inicialmente se disse, merece crítica o despacho reclamado porquanto, em momento algum, o entendimento perfilhado resulta da decisão proferida pela Relação.
34)A decisão da Relação, contrariamente à decisão da 1ª instância, assentou na ausência de prova do recebimento de quantias, assumindo que, existindo essa prova, poderia operar essa dedução.
35)Caso contrário nem o raciocínio nem a argumentação em causa fariam qualquer sentido.
36)Com efeito, esta conclusão a que chega o despacho reclamado - Ou seja, ainda que tal dedução tivesse sido pedida – e não foi – faltariam factos que permitissem realizá-la. – não resulta, por nenhuma forma, da interação entre as decisões de 1.ª e 2.ª instância e é apenas e só da lavra do próprio despacho reclamado e não da própria Relação.
37)O que resulta é que, face aos factos provados, nomeadamente o da celebração de contrato de trabalho posterior à cessação do contrato de trabalho em crise, apenas não é possível operar a dedução porque não ficou demonstrado o efetivo recebimento de quantias pela trabalhadora.
38)Importa salientar que, contrariamente ao que parece acreditar a decisão reclamada, a questão decidenda não é do conhecimento oficioso ou não da dedução em causa, mas qual o modo de o empregador dar cumprimento ao seu ónus de alegação e prova que resulta da ausência dessa oficiosidade.
39)E mais, a evidência de que a Relação nunca proferiu a sua decisão com base na mesma fundamentação da decisão de 1.ª instância, é o facto de que o próprio despacho de indeferimento do recurso de revista comum, em nenhum momento menciona qualquer carácter subsidiário ou de mero acréscimo da argumentação produzida no acórdão.
40)Vejamos os arestos fundamentais deste despacho: O recurso interposto visa a impugnação do segmento decisório relativo à dedução das remunerações intercalares. Tanto a 1ª instância como esta Relação entenderam não haver lugar a essa dedução. Para o efeito ambas as instâncias entenderam que a dedução não pode ser ordenada oficiosamente. Mas enquanto a 1ª instância entendeu que não podia ordenar a dedução das remunerações intercalares porque a ré não peticionou esta dedução, esta Relação entendeu não haver lugar à dedução porque, pese embora a ré tivesse alegado e provado que a recorrida celebrou novo contrato de trabalho em 1 de novembro de 2022 com I..., uma coisa é celebração desse contrato e outra é a prova de que esse contrato foi executado tendo a autora auferido quantias dele resultantes. E por se desconhecer se a recorrida auferiu quaisquer importâncias em virtude desse contrato confirmou, também nesta parte, a decisão da 1ª instância. Resulta assim, que não se verifica uma fundamentação diferente no que concerne ao segmento decisório em questão na medida em que se deve entender que “há fundamentação essencialmente diferente” quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radical ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão recorrida, sendo de desconsiderar as discrepâncias marginais, secundárias ou periféricas, que não representem efetivamente um percurso jurídico diverso, e bem como ainda o mero reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada pela decisão apelada ou até o aditamento porventura de outro fundamento jurídico, que não tenha sido considerado, desde que não saia do âmbito/perímetro normativo/substancial/material emquesemoveu a decisão recorrida. Como assim, não estando verificados os pressupostos a que alude o nº 3 do artº 671º do CPC, não admito a revista “normal”.
41. Ora, sem mais delongas, a própria Relação responde, de forma expressa e direta que “Mas enquanto a 1ª instância entendeu que não podia ordenar a dedução das remunerações intercalares porque a ré não peticionou esta dedução, esta Relação entendeu não haver lugar à dedução porque, pese embora a ré tivesse alegado e provadoque a recorrida celebrou novocontratode trabalhoem 1 de novembrode 2022 com I..., uma coisa é celebração desse contrato e outra é a prova de que esse contrato foi executado tendo a autora auferido quantias dele resultantes. E por se desconhecer se a recorrida auferiu quaisquer importâncias em virtude desse contrato confirmou, também nesta parte, a decisão da 1ª instância”
42)Posto isto, não resultam dúvidas de que a Relação, única e exclusivamente, entendeu que não existiu lugar à dedução por não ter ficado comprovado o recebimento das quantias em causa.
43)O que vem dito de forma clara, e desconhecendo porque o despacho reclamado não atendeu ao que a própria Relação expressamente esclareceu e reconheceu, é que a decisão da 1.ªinstância assentou num entendimento, e a decisão da Relação noutro entendimento diverso.
44)Assim, e antes de mais, não existe, contrariamente ao invocado no despacho reclamado, qualquer argumentação subsidiária ou complementar face ao decidido em 1.º instância, sendo tal expressamente confirmado pela própria Relação, como está escrito.
45) Não resulta nem corresponde à realidade, e a Relação assim o confirmou, o entendimento do despacho reclamado que “ao contrário do que pretende o Reclamante, expressamente aceita e em resposta a um argumento da Ré, tendo natureza praticamente subsidiária.”
46)Como se demonstra, em nenhum momento a Relação aceita expressamente o entendimento da decisão de 1.ª instância.
47)Aliás, o que resulta, apenas e só, é que a Relação decide em desacordo com a decisão de 1.ª instância, ou seja, decidiria por fazer operar a dedução em causa caso não fosse a nova argumentação que deduziu.
48)Ou seja, há uma similitude na decisão, dado que ambas as decisões consideram que a dedução não deve ser ordenada, mas, de forma evidente, com fundamentação essencialmente diferente.
49)Contudo, a Relação não considerou a existência de fundamentação essencialmente diferente, indeferindo o recurso de revista, mas não certamente, como a própria não afirmou, por ter apenas desenvolvido a argumentação da 1.º Instância, quando na verdade com a mesma nem sequer concordou.
50)Na verdade, no seu despacho de indeferimento do recurso, limitou-se a genericamente evidenciar o que jurisprudencialmente se evidencia como fundamentação essencialmente diferente, sendo certo que, como se fez nota da reclamação apresentada e alvo de decisão singular ora reclamada, nenhuma razão assiste para tal entendimento.
51)Face ao exposto vale a aqui a argumentação explanada na reclamação apresentada e que sobre a mesma se fará recair o acórdão que resultada presente reclamação”.
Cumpre apreciar.
Desde logo, importa ter presente que nos termos do n.º 3 do artigo 671.º o recurso de revista (ao abrigo do artigo 671.º) está excluído se o Acórdão da Relação confirmar sem voto de vencido a decisão proferida na 1.ª instância, desde que a fundamentação não seja essencialmente diferente. Ou seja, a fundamentação pode até ser diferente, e não se deverá admitir o recurso, se a diferença não for essencial.
Na sentença de 1.ª instância pode ler-se o seguinte:
“Já no que concerne à dedução dos rendimentos do trabalho que o trabalhador auferiu após o despedimento, o entendimento dominante na jurisprudência é no sentido de não admitir que o tribunal ordene a dedução oficiosamente (neste sentido, os Acs. do STJ de 12.07.2007, relatado por Vasques Dinis e de 10.07.2008, relatado por Mário Pereira e da RL de 26.09.2012 e de 21.072.2012, ambos relatados por Isabel Tapadinhas). Note-se, porém, que este entendimento não vale para a dedução do subsídio de desemprego, que se tem considerado dever ser oficiosamente ordenada pelo tribunal (neste sentido, o Ac. da RL 10.09.2014, relatado por Duro Mateus Cardoso). Mas não serão deduzidas as importâncias que a autora tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento (artigo 390.º, n.º 2, alínea a) do CT), porquanto a Ré não peticionou esta dedução e a mesma não é oficiosa, como supra se deixou expresso”.
Sintetizando, a sentença decidiu que as deduções a que se reporta a alínea a) do n.º 2 do artigo 390.º do CT não são de conhecimento oficioso e a Ré não pediu que tais deduções fossem feitas.
O Tribunal da Relação, no Acórdão recorrido, por seu turno, disse o seguinte:
“Na verdade, é sobre a Ré empregadora que incumbia o ónus de alegação da obtenção por parte da Autora de rendimentos do trabalho, a deduzir nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, o que não ocorreu. Mas, no caso, alega a recorrente que, apesar de não ter formulado um pedido de dedução, alegou e ficou provado que a recorrida celebrou novo contrato de trabalho em 1 de novembro de 2022 com I... (cfr. ponto 29 dos factos provados), pelo que nada obstava a que fosse ordenada a dedução.
Decidindo:
É verdade que está provado que a autora celebrou em 1.11.2022 um contrato de trabalho com a I.... Mas uma coisa é celebração desse contrato e outra é a prova de que esse contrato foi executado tendo a autora auferido quantias dele resultantes. Ou seja, desconhece-se se, apesar da celebração do contrato, se a recorrida auferiu quaisquer importâncias (e pode muito bem não ter recebido pelas mais variadas razões) donde, não tendo a ré conseguido provar o recebimento pelo A. de quaisquer importâncias, não deve fazer-se operar a dedução.
Com respeito pela opinião contrária, também aqui a apelação improcede”.
Antes de mais, sublinhe-se que, como se afirmou no despacho objeto da presente Reclamação, a argumentação do Acórdão surge como resposta a ter o Recorrente invocado no recurso de apelação que estava provada a celebração de um contrato de trabalho com outra entidade.
Mas é o desenvolvimento da argumentação da sentença e não uma argumentação essencialmente diferente. Com efeito, implícita está a noção de que estas deduções não são de conhecimento oficioso e por isso mesmo cabia à Ré, e ora Recorrente, provar o recebimento das mesmas pela Autora. Se estes factos fossem de conhecimento oficioso o Tribunal teria utilizado os poderes que lhe cabem para ampliar a matéria de facto.
Na sua Reclamação, o Recorrente veio, no entanto, afirmar que a questão a decidir não é a do conhecimento oficioso destas deduções (n.º 38 da Reclamação), afirmando inclusive que concede que as mesmas não são de conhecimento oficioso (Conclusões 12 e 13). Ao fazê-lo, no entanto, a Reclamante pretende suprimir a premissa que permite apreender que a fundamentação do Acórdão não é essencialmente diferente da fundamentação da sentença de 1.ª instância. Esta decidiu que não podia efetuar as deduções porque não tinham sido pedidas. Aquele decidiu que não era suficiente provar a celebração de um contrato de trabalho – e suficiente para quê? para pedir as referidas deduções. Trata-se de um desenvolvimento ou de um reforço argumentativo e nada mais, como aliás refere o despacho do Exmo. Relator no Tribunal da Relação.
Decisão: Acorda-se em Conferência em indeferir a presente Reclamação, confirmando o despacho objeto da mesma.
Abra-se conclusão ao Relator para envio do recurso à Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do CPC, única com competência para decidir da admissibilidade da revista excecional, interposta a título subsidiário pelo Recorrente.
Lisboa, 16 de outubro de 2024
Júlio Gomes (Relator)
Albertina Pereira
José Eduardo Sapateiro