I. O presente Código de Processo Civil não concede às partes a possibilidade de requerer ao tribunal que proferiu a sentença a respetiva aclaração.
II. Não existe nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal conhece uma questão, embora sem se pronunciar expressamente sobre todos os argumentos esgrimidos pelo recorrente, nem muito menos quando chega a um resultado interpretativo diverso do pretendido por este.
Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
AA, Autor na presente ação em que é Ré LISCONT-Operadores de Contentores S.A., veio “requerer a aclaração” do Acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, afirmando, designadamente, o seguinte:
“Nas conclusões XX a XXXII, do recurso do aqui requerente consta o seguinte:
XX
Até à entrada em vigor do Código do Trabalho, independentemente do teor de qualquer IRCT em matéria de cálculo dos valores devidos a título de pagamento de férias, subsídio de férias, e subsídio de Natal o regime legal era sempre aplicável, a não ser que a previsão da contratação colectiva fosse mais favorável do que o regime previsto pela lei.
XXI
Até à entrada em vigo do Código do Trabalho de 2003 era nula toda e qualquer cláusula de um instrumento de regulamentação colectiva que impusesse uma situação mais gravosa para o trabalhador relativamente àquela que se encontrava legalmente prevista.
XXII
Por força do disposto no nº2, do artº.14º. da Lei nº99/2003, de 27 de Agosto, as disposições de convenções colectivas que eram nulas ( expressão utilizada pelo próprio legislador ) face ao anterior regime, continuaram a sê-lo enquanto não foram objecto de alteração após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003.
XXIII
Conjugando o teor da Exposição de Motivos, com o disposto nos artºs.13º e 14º da Lei nº99/2003, de 27 de Agosto, a única conclusão plausível é no sentido de que o legislador quis dar oportunidade às partes contratantes de convenções colectivas de porem fim àquelas que se mostrassem desadequadas ao, então, novo Código do Trabalho, e negociarem novas convenções adaptadas ao novo regime legal.
XXIV
Como incentivo para esse fim específico, o legislador criou a possibilidade de as disposições nulas face ao “novo” Código do Trabalho de 2003 poderem vigorar durante mais um ano, tendo, contudo, imposto como limite inultrapassável a impossibilidade de convalidação das disposições que já eram nulas anteriormente ao início de vigência daquele.
XXV
Para incentivar a celebração de novas convenções colectivas ao abrigo do Código do Trabalho de 2003, o legislador impediu expressamente que as normas daquelas que eram nulas antes da início da vigência do dito Código, se pudessem convalidar, mesmo nos casos em que respeitassem as normas deste último.
XXVI
Tendo em atenção o disposto no artº9º, nºs.1 e 2 do Código Civil, a única forma de interpretar o disposto no artº.14º, nº2, da Lei nº99/2003, de 27 de Agosto, é no sentido de que as disposições de convenções colectivas que eram nulas face ao anterior regime, continuaram a sê-lo enquanto não foram objecto de alteração após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003.
XXVII
Tal regime manteve-se mesmo após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, por força do disposto no artº.7º, nºs.1, 2 e 3, da Lei nº7/2009, de 12 de Fevereiro.
XXVIII
Se anteriormente à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 as referidas cláusulas 47ª e 62ª do CCT de 1994, violavam normais legais imperativas em matéria de férias e de subsídio de férias, nomeadamente o disposto no artº.6º do D.L. nº874/6, de 28 de Dezembro, artº. 6º, nº1, alínea c), do D.L. nº519-C1/79, de 29 de Dezembro e artsº.82º e 86º do D.L. nº49408, de 24 de Novembro de 1969, com a entrada em vigor do CT de 2003, a nulidade de que padeciam as referidas cláusula manteve-se, por força do disposto no artº.14º, nº2, da Lei nº99/2003, de 27 de Agosto.
XXIX
A referida nulidade perpetuou-se durante toda a vigência do CCT de 1994 por virtude de o mesmo não ter sofrido qualquer alteração em matéria de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal desde a sua entrada em vigor até ao seu termo de vigência, ocorrido em 2014.
XXX
Por força do disposto nos artº.286º do Cód. Civil, o vício de nulidade é de conhecimento oficioso, razão pela qual aqui expressamente se invoca a nulidade das referidas cláusulas 47ª e 62ª do CCT de 1994, para todos os devidos e legais efeitos.
XXXI
A leitura conjugada dos artºs. 13º, nº1, do Decreto-Lei nº49408, de 24 de Novembro de 1969 da LCT, 6.º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, 14º, nº2, da Lei nº99/2003, de 27 de Agosto e 7º, nº3, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, apenas permite uma conclusão que é no sentido de que as normas de um IRCT que eram nulas durante a vigência dos dois primeiros diplomas, continuaram a sê-lo na vigência dos dois diplomas subsequentes até ao momento em que foram alteradas, ou em que cessou a vigência do IRCT.
XXXII
Qualquer outro entendimento, viola o princípio constitucional da confiança, pelo que, ao ano entender assim violou o Venerando Tribunal a quo o referido princípio ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2º. da Constituição e também o direito a um processo justo e equitativo, previsto no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e no art.º 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Acrescenta-se, seguidamente, no teor do requerimento que “[d]a fundamentação do douto Acórdão resulta que as questões acima suscitadas não foram objeto de qualquer tipo de análise por parte desse Colendo Supremo Tribunal”, invocando-se o artigo 608.º n.º 2 do Código do Processo Civil.
Em primeiro lugar, importa assinalar que o Código de Processo Civil em vigor não confere às partes a possibilidade de requerer ao Tribunal a aclaração da sentença como sucedia anteriormente (antigo artigo 669.º n.º 1 alínea a) do anterior Código do Processo Civil). A ininteligibilidade da decisão configura agora uma causa de nulidade da sentença como resulta da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do atual CPC.
Da leitura da Reclamação parece, no entanto, possível convolar o pedido de aclaração que já não é processualmente admissível em uma invocação de nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d).
A esse propósito pode ler-se no Acórdão objeto da presente reclamação:
“Por conseguinte, a cláusula da convenção coletiva que previa o pagamento no subsídio de Natal, no subsídio de férias e na retribuição durante as férias de um montante inferior ao da retribuição na sua globalidade (que incluía a média do pagamento do trabalho suplementar quando este fosse realizado com tal regularidade que tal pagamento devesse ser considerado parte integrante da retribuição, como no caso dos autos) era nula.
O Autor invoca, contudo, o direito transitório da Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, para sustentar que a cláusula não se convalidou. O artigo 14.º n.º 1 da referida Lei dispunha que “[a]s disposições constantes de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que disponham de modo contrário às normas imperativas do Código do Trabalho têm de ser alteradas no prazo de 12 meses após a entrada em vigor deste diploma, sob pena de nulidade”, acrescentando o n.º 2 que “[o] disposto no número anterior não convalida as disposições de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho nulas ao abrigo da legislação revogada”. Decorre daqui, no entanto e simplesmente que a cláusula que era nula antes da entrada em vigor do Código permaneceu nula quanto a esse período anterior; no entanto, após a vigência do Código do Trabalho de 2003 a cláusula deixaria de ser nula, já que o Código de 2003 deixou de consagrar a solução da correspondência do valor do subsídio de Natal e do subsídio de férias ao valor da retribuição e no seu artigo 4.º permitiu em geral à convenção coletiva que se afastasse das normas legais que não fossem absolutamente imperativas em sentido desfavorável ao trabalhador. Sublinhe-se que para que a cláusula da convenção coletiva passasse a ser válida não era necessária sequer qualquer alteração do seu teor literal não se aplicando o n.º 1 do artigo 14.º – bastava que as partes da convenção deixassem intocada a redação da cláusula, como fizeram.
No entanto, e como destaca o já referido Acórdão deste Tribunal de 07-07-2023, proferido no processo n.º 16462/21.0T8LSB.L1.S1, é necessário ter igualmente em conta o disposto no artigo 11.º n.º 1 da Lei n.º 99/2003 (“a retribuição auferida pelo trabalhador não pode ser reduzida por mero efeito da entrada em vigor deste Código”).”
Como se vê, o Tribunal conheceu expressamente a questão da aplicação do direito transitório. Considerou que a cláusula da convenção coletiva era nula antes da entrada em vigor do Código de 2003. Considerou, igualmente, que uma cláusula com idêntico teor literal seria já válida após a entrada em vigor desse Código. Nesta situação não era necessário que as partes da convenção alterassem o teor da cláusula já que não seria para esta específica situação que fora concebida a norma do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 99/2003 de 27 de agosto, bastando que exprimissem a sua vontade tacitamente, mantendo o clausulado intacto, como fizeram. Não há, pois, qualquer nulidade por omissão de pronúncia – há sim um resultado interpretativo com que o Autor pode discordar, mas a presente Reclamação não tem, nem pode ter, o escopo de ser um novo recurso. E atribuir valor ao comportamento tácito das partes da convenção coletiva, como sendo ainda uma manifestação da vontade negocial coletiva em nada ofende a Constituição.
Decisão: Indefere-se a presente Reclamação.
Custas pelo Reclamante.
Lisboa, 16 de outubro de 2024
Júlio Gomes (Relator)
Albertina Pereira
José Eduardo Sapateiro