I. As referências teóricas e jurisprudenciais constantes da presente fundamentação, assim como os dois pontos do Sumário, foram extraídos, com a devida vénia, dos dois Acórdãos de 11/9/2024 e de 12.04.2024, proferidos, respetivamente, no Processo n.º 511/20.1T8FAR.E1.S2 (revista excecional) e no Processo n.º Processo n.º 3487/22.7T8VIS.C1.S1 (revista excecional), ambos relatados pelo Juiz Conselheiro MÁRIO BELO MORGADO.↩︎
II. Achando-se a contradição existente entre a mesma e a restante e relevante jurisprudência minoritária existente no panorama nacional suscitada igualmente pela recorrente, bastando recordar aqui a sua alegação recursória com base na alínea c) do número 1 do artigo 672.º do NCPC – que inicialmente, identificou quatro arestos dos tribunais da 2.ª instância e que, depois, a convite do anterior relator desta Revista, restringiu a oposição legalmente exigida à existente entre o recorrido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e o Aresto proferido pelo mesmo tribunal da 2.ª instância, em 03.12.2014, no processo 2923/10.0TTLSB.L1-4 [ação declarativa de condenação, com processo comum] e que foi relatado pelo Juiz Desembargador Dr. Ferreira Marques.↩︎
Recorrente: AA
Recorrida: TVI – TELEVISÃO INDEPENDENTE, SA
(Processo n. 751/21.6T8CSC – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo do Trabalho de ...- Juiz ...)
ACORDAM NA FORMAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 672.º, N.º 3, DO CPC, JUNTO DA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I – RELATÓRIO
1. AA intentou, em 12/03/2021, ação declarativa com processo comum laboral contra TVI – TELEVISÃO INDEPENDENTE, SA requerendo, a final, o seguinte:
“a) A reconhecer que o contrato existente entre ela, Ré e a Autora é um verdadeiro e próprio contrato de trabalho sem termo a que ela, Ré, procurou pôr termo com efeitos a 28 de Maio de 2020;
b) A reconhecer que a respetiva antiguidade deve ser reportada a 1 de Setembro de 2003;
c) A reconhecer a completa ilicitude do despedimento da Autora em que se corporiza a comunicação verbal de 28/05/2020 e, consequentemente, a reintegrar a Autora no mesmo estabelecimento da Ré, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, em alternativa e consoante opção da Autora a pagar-lhe a indemnização de antiguidade correspondente à existente desde 01/09/2003, à razão de 1,5 mês de retribuição (sendo esta no valor de € 13.000,00 mensais) por cada ano de antiguidade (16 anos, respetivamente), isto é, € 312.000,00 (trezentos e doze mil euros) - art.º 389.º, n.º 1, alínea b) e 391.º, n.º 1 do CT;
d) A pagar à Autora todas as remunerações que ela deveria ter normalmente auferido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, à razão de € 13.000,00 mensais - art.º 390.º, n.º 1 do CT;
e) A reconhecer a ilicitude da redução da retribuição da Autora correspondente ao período entre 1 de Janeiro de 2013 e 28 de Maio de 2020 e, em consequência, a proceder ao pagamento à Autora das diferenças salariais, a título de redução ilícita da retribuição, no montante de € 699.774,90 (seiscentos e noventa e nove mil setecentos e setenta e quatro euros e noventa cêntimos) - art.º 129.º, n.º 1, alínea d) do CT;
f) Ao pagamento à Autora dos subsídios de Férias e de Natal não pagos correspondentes aos anos de 2011 a 2019, no valor global de € 234.000,00 (duzentos e trinta e quatro mil euros) – artigos 263.º, n.º 1 e 264.º do CT;
g) Ao pagamento à Autora do proporcional correspondente aos subsídios de Natal e de Férias do ano de 2020, isto é, € 10.833,30 (dez mil oitocentos e trinta e três mil euros e trinta cêntimos) ̶ artigo 263.º, n.º 2, alínea b) e 264.º, n.º 1 do CT;
h) Ao pagamento à Autora, a título de indemnização por danos morais, decorrentes quer da supra referida conduta da Ré (e descrita designadamente nos n.ºs 1.º a 3.º, 11.º a 13.º, 16.º a 19.º, 26.º, 29.º a 39.º, 43.º, 49.º, 56.º a 65.º, 67.º a 70.º, 72.º a 77.º, da PI), quer posteriores à própria cessação do contrato de trabalho (e descritos sob os n.ºs 98.º a 102.º) e que ainda não cessaram de se produzir e por isso ainda não podem ser integralmente liquidados neste momento, o montante que, para já, se reputa não ser inferior a € 30.000,00 (trinta mil euros) - artigos 24.º, 29.º e 389.º, n.º 1, alínea a) do CT;
a) A pagar à Autora os competentes juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até integral pagamento, calculados sobre cada um dos montantes peticionados nas antecedentes al. c) a h).”.
“Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, em consequência absolvo a Ré TVI – TELEVISÃO INDEPENDENTE, S.A. de todos os pedidos contra si deduzidos pela Autora AA
[…]
Custas a cargo da Autora - (art.º 527.º do Código de Processo Civil, ex vi art.º 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho), sem prejuízo do apoio judiciário de que a Autora beneficia.
“Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Autora, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Registe e notifique.”.
«1.ª- O presente recurso de revista excecional mostra-se interposto tempestivamente e por quem tem para tal plena legitimidade.
2.ª- E encontra-se plenamente justificado por se encontrarem verificados os respetivos requisitos legalmente estabelecidos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 672.º, n.º 1 do CPC, aqui aplicável ex vi do art.º 1.º, n.º 2, al. a) do CPT. Com efeito,
3.ª- São 4, fundamentalmente, as questões suscitadas no âmbito do presente recurso, sendo que a primeira delas respeita à postura (de ausência de qualquer iniciativa e empenho na descoberta da verdade dos factos, assente numa completa violação do princípio do inquisitório a que o Julgador do Trabalho está obrigado) assumida pelas instâncias na questão ora sub judice – em que, estando em causa a verificação da existência, ou não, de subordinação jurídica, tal questão assume ainda maior relevo.
4.ª- A segunda respeita à problemática de saber se as sucessivas presunções legais do contrato de trabalho, e em particular a constante do art.º 12.º do Código do Trabalho de 2009, se aplicam ou não às relações jurídicas constituídas previamente à data de entrada em vigor delas e que ainda estão vigentes em tal data (ou antes se tais presunções se aplicam apenas às relações jurídicas nascidas ou constituídas posteriormente a tal data).
5.ª - A terceira destas relevantíssimas questões – que é distinta e independente da anterior – consiste em saber se, mesmo considerando não serem aplicáveis tais presunções, é ou não aplicável o método indiciário (já existente e sendo praticado à data da entrada em vigor do art.º 1.º da LCT e do art.º 1152.º do Código Civil) e, mais do que isso, se, sendo aplicável, os indícios a recorrer são apenas aqueles que eram utilizados em 1969 ou devem ser interpretados e aplicados de forma atualista à luz dos indícios já conhecidos e praticados no momento da cessação do vínculo (em 2020).
6.ª- Ora, todas essas questões – respeitando a primeira a todos os processos laborais e a segunda e terceira àqueles, cada vez mais frequentes e numerosos e, simultaneamente, complexos, em que se discuta a existência de um verdadeiro e próprio contrato de trabalho – são não apenas questões de enorme relevância jurídica e cuja correta apreciação e decisão é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito,
7.ª - Mas também questões em que estão em causa não somente os interesses privados ou particulares das partes, mas antes e sobretudo os de toda a comunidade, face às novas formas de organização e prestação de trabalho e aos crescentes fenómenos e instrumentos de “fuga ao Direito do Trabalho”, assumindo assim uma particularíssima relevância social.
8.ª- E, esta é a 4.ª questão, o Acórdão recorrido – se bem que se conheça alguma Jurisprudência deste STJ no sentido nele consagrado, mas inexistindo um acórdão de uniformização de Jurisprudência sobre esta mesma questão de Direito – está também em clara e frontal oposição com pelo menos 4 outros prolatados por outras Relações e até pela própria Relação de Lisboa, proferidos no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão essencial do Direito, in casu, a da aplicação da presunção legal de contrato de trabalho às relações contratuais pré-existentes (Acórdão da Relação de Lisboa de 07/05/2008 in Proc.º n.º 1875/2008-4, Relator Seara Paixão; Acórdão da Relação de Lisboa de 21/11/2012, in Proc.º 3805/11.3TTLSB.L1.4 – Relatora: Francisca Mendes; Acórdão da Relação de Lisboa de 03/12/2014, in Proc.º n.º 2923/10.0TTLSB.L1-4, Relator Ferreira Marques; Acórdão da Relação de Lisboa de 11/02/2015, in Proc.º n.º 4113/10.2TTLSB.L1-4, Relatora Alda Martins).
9.ª - É assim mais que fundado o entendimento de que todas estas quatro questões suscitadas, respeitando à magna temática da existência, ou não, de subordinação jurídica, em especial nas cada vez mais frequentes relações de trabalho caracterizada por elevado grau de autonomia técnica e organizativa e alto nível de qualificação do prestador de atividade, são questões que, por um lado, apresentam um inquestionável carácter paradigmático e exemplar, absolutamente transponível por todo um (muito extenso) conjunto de outras situações.
10.ª - E que, por outro lado, reclamam, para a sua justa solução, uma análise muito mais cuidadosa e aprofundada do que a realizada pelas instâncias,
11.ª - E a consequente e superior intervenção uniformizadora deste Supremo Tribunal visando – para mais tendo presente não apenas a contradição existente em particular entre Acórdãos da 2.ª instância, mas também, para não dizer sobretudo, a evidente e unânime posição da doutrina, sobre a aplicabilidade imediata da presunção legal às relações pré-existentes – uma melhor aplicação do Direito,
12.ª - Assim melhorando e reforçando as tão necessárias adequação, segurança, certeza e previsibilidade na interpretação e aplicação de Direito, tudo isto em questões que assumem uma relevância, autonomia e independência que vão muitíssimo para além dos concretos interesses das partes do presente processo.
13.ª - Não se trata, pois, e para já a este propósito da admissibilidade do presente recurso de revista excecional, das críticas e divergências da Autora/recorrente relativamente ao Acórdão recorrido – e que são diversas e bem profundas – mas da constatação de que elas não somente respeitam a problemática de particular alcance e relevância, bem como de assinalável complexidade jurídica,
14.ª - Como também bolem com interesses de toda a comunidade, socialmente muito relevantes, quer do ponto de vista quantitativo, quer qualitativo, da comunidade.
15.ª - Deste modo, justificando plenamente a necessidade e a utilidade de intervenção uniformizadora deste Supremo Tribunal.»
8. Com relevância para a decisão, há a considerar os factos provados e não provados que constam do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa [TRL] de 21/2/2024 [após a procedência parcial da Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto que foi deduzida pela Autora no seu recurso de Apelação] e cujo teor, atenta a sua extensão e complexidade, aqui apenas se dá por reproduzido, remetendo-se a sua leitura para as páginas 88 a 133 [factualidade assente: Pontos 1 a 174, sem prejuízo da alteração ou eliminação de alguns deles pelo tribunal da 2.ª instância] e 48 a 55 [factualidade dada como não demonstrada: alíneas a) a ccc)] do referido Aresto do TRL.
III - QUESTÕES SUSCITADAS AO ABRIGO DAS ALÍNEAS A) e B) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 672.º DO NCPC [1]
9. Nos termos e para os efeitos do art.º 672.º, n.º 1, alínea a), reclamam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça as questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, como tal se devendo entender, designadamente, as seguintes:
– “Questões que motivam debate doutrinário e jurisprudencial e que tenham uma dimensão paradigmática para casos futuros, onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa ser utilizada como um referente.” (Ac. do STJ de 06-05-2020, Proc. n.º 1261/17.1T8VCT.G1.S1, 4.ª Secção).
– Quando “existam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda quando o tema se encontre eivado de especial complexidade ou novidade” (Acs. do STJ de 29-09-2021, P. n.º 681/15.0T8AVR.P1.S2, de 06-10-2021, P. n.º 12977/16.0T8SNT.L1.S2, e de 13-10-2021, P. n.º 5837/19.4T8GMR.G1.S2).
– “Questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do STJ possa contribuir para a segurança e certeza do direito.” (Ac. do STJ de 06-10-2021. P. n.º 474/08.1TYVNG-C.P1.S2).
– “Questões que obtenham na jurisprudência ou na doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação com elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, suscetíveis, em qualquer caso, de conduzir a decisões contraditórias ou de obstar à relativa previsibilidade da interpretação com que se pode confiar por parte dos tribunais.” (Ac. do STJ de 22-09-2021, P. n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S2).
– Questão “controversa, por debatida na doutrina, ou inédita, por nunca apreciada, mas que seja importante, para propiciar uma melhor aplicação do direito, estando em causa questionar um relevante segmento de determinada área jurídica” (Ac. do STJ de 13-10-2009, P. 413/08.0TYVNG.P1.S1).
– “Questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir.” (Ac. do STJ de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1).
10. A nossa jurisprudência, quanto aos invocados interesses de particular relevância social que são enunciados na alínea b) do número 2 do artigo 672.º, fala-nos em “aspetos fulcrais para a vida em sociedade” (Ac. do STJ de 13.04.2021, P. 1677/20.6T8PTM-A.E1.S2), assuntos suscetíveis de, com maior ou menor repercussão e controvérsia, gerar sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça ou indignação (Acs. do STJ de 14.10.2010, P. 3959/09.9TBOER.L1.S1, e de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1), ou que “exista um interesse comunitário significativo que transcenda a dimensão inter partes” (Ac. do STJ de 29.09.2021, P. n.º 686/18.0T8PTG-A.E1.S2), sendo certo que nesta matéria “não basta o mero interesse subjetivo do recorrente” (Ac. do STJ de 11.05.2021, P. 3690/19.7T8VNG.P1.S2).
11. Debrucemo-nos, primeiramente, sobre a extensão e os limites dos princípios do inquisitório e da oficiosidade no âmbito do direito processual do trabalho que são suscitados pela recorrente e que, em tese, nos remetem, preferencialmente, para o conteúdo, sentido e alcance do estatuído nos artigos 27.º e 72.º do Código de Processo do Trabalho e ainda para o regime supletivo e subsidiariamente aplicável dos artigos 5.º e 6.º do NCPC [na parte em que os textos legais não coincidem, ativa ou passivamente].
Trata-se de uma relevante e importante matéria de natureza adjetiva que, não obstante a cada vez maior proximidade entre direitos processuais e jurisdições quanto à interpretação e aplicação dos correspondentes dispositivos legais, ainda se diferencia, em termos qualitativos e quantitativos, no campo jurídico-laboral, quer em si própria, quer quando conjugada e confrontada com outras regras básicas e essenciais do nosso direito processual, como os princípios do dispositivo, da cooperação, da boa fé e da correção, quer em função da execução distinta da mesma nos processos que correm os trâmites nos tribunais comuns ou nos tribunais de trabalho.
O Direito do Trabalho e as normas e procedimentos especiais que lhe procuram assegurar, na vertente formal e judicial, uma maior celeridade, eficácia e intensidade, em nome da busca da verdade material, possuem ainda uma natureza específica, particular, distinta, que não pode ser confundida, reconduzida, reduzida ao mínimo denominador comum do direito processual geral, onde não relevam e estão em causa, de forma tão abrangente e frequente, direitos de natureza indisponível e irrenunciável e necessidades e deveres de interesses e ordem pública.
Nessa medida, poderia ter uma assinalável importância e significado a definição, densificação e concretização por parte deste Supremo Tribunal de Justiça de tais princípios do inquisitório e da oficiosidade no seio do Direito Processual do Trabalho.
Importa, contudo, atentar na forma como a Autora, em concreto, perspetiva tais questões e que aponta, efetiva e fundamentalmente, para uma intenção mais ou menos declarada de colocar em crise a Decisão sobre a Matéria de Facto, por força da discordância manifestada pela recorrente relativamente à maneira como as instâncias julgaram, de facto e de direito, a complexa problemática da qualificação jurídica do vínculo profissional dos autos, criticando não apenas a sua postura na apreciação e valoração dos meios de prova produzidos nos autos, como na fixação dos factos provados e não provados por parte daqueles, postura essa que é qualificada de passiva e desconforme com o poder-dever do juiz de trabalho de averiguação e intervenção oficiosas, na procura da verdade material.
Ora, se cruzarmos este cenário processual com o regime processual que regula, no quadro do recurso de revista, as questões relativas à Decisão da Matéria de Facto e os poderes bastantes restritos conferidos ao Supremo Tribunal de Justiça quanto à alteração de tal factualidade e que se acham previstos no número 3 do artigo 674.º e no número 3 do artigo 682.º [sem olvidar a irrecorribilidade das decisões dos tribunais da relação tomadas ao abrigo dos números 1 e 2 do artigo 662.º, de acordo com o seu número 4], facilmente se conclui que esta primeira temática sobre a extensão e os limites dos princípios do inquisitório e da oficiosidade no âmbito do direito processual do trabalho, ao visar essencialmente a apreciação por este STJ de aspetos que se radicam na impugnação da fundamentação de facto do Acórdão recorrido e da sentença da 1.ª instância e que lhe estão vedados em termos de conhecimento e apreciação, não pode ser admitida por Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos da alínea a) do número 1 do artigo 672.º do CPC/2013.
12. Oposta perspetiva temos quanto à problemática que, desde há alguns anos divide uma parte significativa da nossa doutrina nacional e a grande maioria da nossa jurisprudência [2] - que, quanto a tal temática, segue, aliás, a posição que este Supremo Tribunal de Justiça tem professado [ainda que sem a ter vertido num qualquer Acórdão Uniformizador de Jurisprudência] – e que gira em torno da aplicação retroativa ou não [chamemos-lhe assim, por facilidade de expressão] da presunção constante do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 a relações de cariz profissional que conheceram o seu início em data anterior a 17 de fevereiro de 2009 e que são carreadas para os juízos e secções de trabalho a fim de ser qualificadas como emergentes de contratos de trabalho, independentemente de terem, posteriormente [v.g., após a entrada em vigor do atual Código do Trabalho], conhecido ou não alterações essenciais ou, pelo menos, significativas, do concreto percurso laboral.
Sendo assim, consideramos verificado quanto a esta questão a alínea) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.
13. No que concerne à terceira questão levantada pela recorrente e que se traduz na convocação do método indiciário para a qualificação jurídica de um dado vínculo jurídico-profissional como sendo de trabalho, como subsidiário ou alternativo às presunções legais [v.g., dos artigos 12.º e 12.º-A do CT/2009], não se ignora que os elementos ou aspetos que, só por si e/ou em conjunto com outros que a jurisprudência tem vindo paulatinamente a identificar e a reconhecer como significativos, por permitirem afirmar, ainda que indiciariamente, a existência de uma relação laboral, estão na base da construção das aludidas presunções legais, quando não são chamados supletivamente à colação em cenários em que, por qualquer razão, os factos dados como provados numa dada ação e num caso concreto que está a ser julgado num juízo ou secção de trabalho não conseguem integrar suficientemente a dita presunção do artigo 12.º ou do artigo 12.º-A do Código do Trabalho de 2009.
Ora, não obstante existir essa conexão entre tais institutos jurídicos - que, porventura e nessa medida, podem exigir uma análise conjunta ou, no mínimo, comparativa entre ambos -, não nos parece que haja divergência ou polémica relevantes acerca da necessidade de uma perspetiva atualista ou atualizada na aplicação do referido método indiciário, a adotar por força da complexa e multifacetada evolução que tem sido sentida no mercado de trabalho [cada vez mais digital], nas formas díspares e difusas de prestação das inerentes atividades e funções e nas variadas posturas ou posições que cada um dos atores dessas relações nelas assumem.
A alteração ou mesmo o abandono de muitos dos clássicos e habituais indícios que, no âmbito de aplicação da LCT e da legislação complementar ou até do Código do Trabalho de 2003 [cujas duas presunções legais foram, como sabemos, vazias de sentido e alcance] eram usualmente utilizados, justifica-se e impõe-se, por si e atentas tais circunstâncias.
Comprovar a inoperacionalidade ou a transformação de muitos desses velhos índices, constatar a criação e a existência de novos sinais, compreender a inevitabilidade da adaptação, reeleitura ou de substituição de uns por outros, numa progressiva modernização dos indícios de laboralidade de tal método parece-nos óbvio, evidente, obrigatório.
Nessa medida, não nos parece que se possa falar aqui, verdadeiramente, de uma questão controversa, premente, «cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” ou sequer em interesses de particular relevância social, de maneira a se mostrarem suficientemente verificados os requisitos das alíneas a) e b) do número 1 do artigo 672.º do NCPC quanto a esta terceira questão.
IV – OPOSIÇÃO DE JULGADOS [ALÍNEA C) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 672.º DO NCPC]
14. Face ao que se deixou acima decidido, torna-se inútil apreciar tal oposição entre Acórdãos reclamada pela alínea c) do número 1 do artigo 672.º do NCPC, quanto à questão da aplicabilidade da presunção de laboralidade do artigo 12.º do CT/2009 a relações profissionais que tiveram o seu começo antes da sua entrada em vigor.
IV – DECISÃO
15. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 672.º, números 1, alínea a) e 3 do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça em admitir parcialmente o presente recurso de Revista excecional interposto pela Autora AA quanto às questões abordadas sob o número 12 da fundamentação do presente Aresto.
Custas do presente recurso a cargo da recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 16 de outubro de 2024
José Eduardo Sapateiro - (Relator)
Júlio Gomes
Mário Belo Morgado