I. O processo tutelar comum, é um processo de jurisdição voluntária, nele se impondo como limite recursório o Tribunal da Relação, sem prejuízo de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, desde que estejam verificados os pressupostos gerais de recorribilidade da decisão do Tribunal da Relação e estejam em causa questões de legalidade estrita.
II. Como casos típicos de decisões tomadas de acordo com critérios de conveniência ou de oportunidade são apontadas aquelas em que sejam ou devam ser ponderadas as circunstâncias concretas da vida de um menor ou da vida dos seus progenitores para que seja tomada uma decisão relativamente à guarda, ao regime de visitas e à pensão de alimentos, pois que nesse aspecto não há regras de determinação legal vinculativa moldando-se a decisão a proferir sobre princípios de ampla disponibilidade.
III. Nessa senda, estando em causa apenas aferir se é do superior interesse do menor a revisão do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais que havia sido fixado, na parte em que estabeleceu a residência alternada do menor com os seus progenitores, a revista não é admissível, pouco importando trazer à colação normas constitucionais, artigos da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, ou outras, por não se estar a aferir da sua eventual violação.
Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível
I – RELATÓRIO
Notificada da decisão do relator que não admitiu a revista, vem a Recorrente AA, ao abrigo do disposto no artigo 652º, nº3 do Código de Processo Civil, requerer que sobre a matéria recaia um acórdão.
Na sua alegação, após justificar a ora interposta reclamação para a conferência, alega, em suma que o acórdão recorrido:
- Viola “determinadas normas constitucionais e internacionais (às quais o Estado Português, e, portanto, os tribunais, está vinculado”, a “Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, a “Declaração Universal dos Direitos da Criança”, a “Convenção Sobre os Direitos da Criança”) e, outrossim, a “Constituição da República Portuguesa” e normas do Código Civil e do Código do Processo Civil.
Não houve resposta.
«III. DA INADMISSIBILIDADE DA REVISTA
Porque a situação factual (e jurídica) é “praticamente” a mesma, aqui seguiremos muito de perto a decisão já proferida por este Supremo Tribunal no mesmo Processo nº 1790/22.5T8TMR-A.E1.S1, relatada pelo aqui relator e também subscrita por um dos adjuntos (portanto, no apenso A – este é o apenso B) –, nos autos de regulação das responsabilidades parentais referentes mesmo menor BB, em que foram partes as destes autos (os mesmos progenitores, CC e requerida AA), tendo sido proferida decisão em 06/07/2023 que alterou o regime provisório anteriormente estabelecido, em 12/12/2022, fixando o regime de residência alternada de 2 em 2 dias, com cada um dos progenitores, assegurando o progenitor as recolhas e entregas da criança.
Ou seja: no primeiro apenso, recorreu-se da decisão da Relação que confirmou a decisão de 06/07/2023 que alterou o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais anteriormente estabelecido, em 12/12/2022; neste apenso, recorre-se da decisão da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância de 12.12.2023 que manteve o regime de residência alternada do menor com os seus progenitores que havia sido fixada por aquela decisão de 06 de Julho de 2023 por ter considerado que aquele regime, que implica pernoitas do menor com o progenitor, se mostra adequado à salvaguarda do interesse do menor – pretendia-se a revisão do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais que havia sido fixado mediante aquela decisão de 6 de julho de 2023 na parte em que estabeleceu a residência alternada do menor com os seus progenitores
Porém, a revista não é admissível, atento o estatuído no artº 988º, nº2 do CPC, que reza:
“Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.
Efectivamente, como dito, em causa está uma acção tutelar comum, na qual, por decisão de 12.12.2023 (do Juízo de Família e Menores de ...), foi indeferido o pedido de revisão do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais que havia sido fixado mediante decisão proferida em 6 de julho de 2023 na parte em que estabeleceu a residência alternada do menor com os seus progenitores.
Portanto, em suma, temos uma decisão relativa ao exercício das responsabilidades parentais relativas a menor.
O processo tutelar comum, como é o destes autos – alteração do exercício das responsabilidades parentais – é um processo de jurisdição voluntária (ut artigo 12º do RGPTC) cujas regras gerais se encontram nos artigos 986º a 988º do CPC. E sendo-o, resulta daquele artº 988º, nº2 do CPC a imposição como limite recursório o Tribunal da Relação, sem prejuízo de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, desde que estejam verificados os pressupostos gerais de recorribilidade da decisão do Tribunal da Relação e estejam em causa questões de legalidade estrita.
Assim, portanto, o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal vocacionado para salvaguardar a aplicação da lei, substantiva ou adjectiva - art.º 674º do Código de Processo Civil - está impedido de, nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, conhecer das medidas tomadas de acordo com critérios de conveniência e oportunidade – cit. art.º 988º n.º 2 do Código de Processo Civil. É que, “a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação (...) a lei restringiu a admissibilidade de recurso até à Relação”1.
Tal limitação do Supremo não implica, como dito, a total exclusão da intervenção do Supremo, mas confina-a à apreciação dos critérios normativos de estrita legalidade subjacentes à decisão, nomeadamente, quanto à apreciação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar e do respeito do fim com que esse poder foi atribuído2.
Como casos típicos de decisões tomadas de acordo com critérios de conveniência ou de oportunidade são apontadas aquelas em que sejam ou devam ser ponderadas as circunstâncias concretas da vida de um menor ou da vida dos seus progenitores para que seja tomada uma decisão relativamente à guarda, ao regime de visitas e à pensão de alimentos, pois que nesse aspecto não há regras de determinação legal vinculativa moldando-se a decisão a proferir dobre princípios de ampla disponibilidade3.
Ou, como se diz no Ac. do STJ de 30.05.20194, “na esfera da tutela de jurisdição voluntária, em que se protegem interesses de raiz privada mas, além disso, com relevo social e alcance de interesse público, são, por isso, conferidos ao tribunal poderes amplos de investigação de factos e de provas (art.º 986.º, n.º 2, do CPC), bem como maior latitude na determinação da medida adequada ao caso (art.º 987.º do CPC), em derrogação das barreiras limitativas do ónus alegatório e da vinculação temática ao efeito jurídico especificamente formulado, estabelecidas no âmbito dos processos de natureza contenciosa nos termos dos artigos 5.º, n.º 1, 260.º (quanto ao pedido e causa de pedir) e 609.º, n.º 1, do CPC.
É, pois, tal predomínio de oficiosidade do juiz sobre a atividade dispositiva das partes, norteado por critérios de conveniência e oportunidade em função das especificidades de cada caso, sobrepondo-se aos critérios de legalidade estrita, que justifica a supressão de recurso para o tribunal de revista, vocacionado como está, essencialmente, para a sindicância da violação da lei substantiva ou processual, nos termos do artigo 674.º do CPC.”.
Como igualmente se dispõe no Acórdão do STJ de 04-07-20175, “Nos processos de jurisdição voluntária só é admissível recurso para o Supremo quando as resoluções proferidas, excedendo critérios de mera conveniência ou oportunidade, emirjam de critérios de estrita legalidade, nestes se baseando exclusivamente, não bastando, consequentemente que o acórdão impugnado tenha interpretado normas jurídicas.”.
Neste acórdão, foi entendido que não é admissível recurso para o STJ do acórdão da Relação que, proferido em processo de regulação de responsabilidades parentais relativamente a três menores, pese embora ter feito alusão a uma norma legal – no caso, o art. 1906.º do CC –, tomou a resolução adaptada ao caso concreto, “recorrendo-se, nas suas próprias palavras, à razoabilidade, bom senso, prudência e moderação.”.
Posição esta que, ao que sabemos, se tem consolidado na Jurisprudência do supremo Tribunal de Justiça, como se pode ver, v.g., nos Acs. de Acórdãos de 11.11.2021 (proc. nº 1629/15.8T8FIG-D.C1.S1), 18-02-2020 (proc. n.º 29241/16.7T8LSB-A.L1.S1), de 07-11-2019 (proc. n.º 1971/12.0TBCSC.L2.S1), de 03-10-2019 (proc. n.º 784/18.0T8FAF-B.G1.S1), de 27-06-2019 (proc. n.º 8003/15.4T8GMR-B.G1.S1), de 06-06-2019 (proc. n.º 2215/12.0TMLSB-B.L1.S1), de 30-05-2019 (proc. n.º 5189/17.7T8GMR.G1.S1), de 29-01-2019 (proc. n.º 4505/11.0TBPTM.E1.S2), de 31-01-2019 (proc. n.º 3064/17.4T8CSC-A.L1.S1), de 17-05-2018 (proc. n.º 1729/15.4T8BRR.L1.S1) e de 05-12-2017 (proc. n.º 1530/14.2TMPRT-A.P1.S2).
O que está em causa é, sim e apenas, aferir se é do superior interesse do menor manter-se o regime provisório anteriormente alterado pela decisão de 6.7.2023; se essa alteração que fixou a residência alternada a cada um dos progenitores – sendo dessa decisão que a recorrente discorda, pretendendo, por via deste recurso, a sua revogação – salvaguarda os superiores interesses da criança.
Isso mesmo é, aliás, reconhecido pela Recorrente, quando refere que “uma das principais questões a dirimir” – acrescentamos/esclarecemos nós que é a questão central dos autos, aquela que motiva esta revista – “consiste em determinar se o regime de residência alternada instituído pelo tribunal a título provisório teve um impacto negativo no menor e se este reage mal/não gosta estar com o pai durante a noite”.
Ou seja, afinal, se tal decisão foi prolatada no interesse da criança.
Como tal, igualmente se concorda com a Recorrente quando refere que “Dúvidas não existem de que o critério orientador e que terá necessariamente de presidir à decisão do tribunal é o interesse superior da criança e não os dos progenitores, o qual apenas terá e deverá ser considerado, até por imposição constitucional (arts. 36º, n.ºs 3 a 6, 67º, 68º e 69º da CRP), na medida em que se mostrem conformes ao interesse superior da criança, não colocando em crise esse interesse” – destaque nosso.
O que implica a análise e ponderação da factualidade apurada.
Ora, foi precisamente com sustento na análise e ponderação dos factos assentes e no fito da busca desse interesse superior da criança que foi proferida a decisão na primeira instância, corroborada pela Relação e de que a progenitora recorre.
É isso mesmo que ressalta à evidência da decisão recorrida, onde se escreveu:
«o que ora está em causa é, tão só, saber se a execução do regime provisório de residência alternada – que tem sido cumprido pelos progenitores – se tem revelado desadequado ao superior interesse do menor, considerando a factualidade superveniente alegada pela progenitora/recorrente, nomeadamente, que o regime instituído «tem causado muito sofrimento ao menor» (sic), «revelando-se desadequado a uma criança de tão tenra idade, ainda amamentado» (sic), que a criança apresenta, no dia que se segue a ter estado com o pai, «muitos sinais de cansaço, ansiedade e tristeza, ao contrário do que sucedia antes» (sic) e que o modelo atualmente em vigor é impeditivo de a mãe poder amamentar o filho e de este ser amamentado, «criando neste uma enorme angústia e ansiedade.
(…)
De acordo com o regime fixado em 06/07/2023 – e que entrou em vigor no dia 10 de julho de 2023 – o menor passou a viver de dois em dois dias com cada um dos progenitores (segunda e terça com um progenitor, quarta e quinta com outro progenitor e sexta e sábado com outro).
Na perspetiva da progenitora/apelante este regime tem-se manifestado desadequado ao interesse do menor, na medida em que:
I. tem causado sofrimento ao menor;
I. o menor apresenta, no dia a que se segue a ter estado com o pai, muitos sinais de cansaço, ansiedade e tristeza, mostrando-se totalmente exausto quando o pai o entrega à mãe;
II. passou a dormir mais horas do que o normal, acorda cerca de 4/5 vezes por noite, demonstrando ansiedade e chama de forma angustiada e repetida pela mãe; começou a bater repetidamente na própria cabeça;
III. quando é entregue pelo pai procura imediata e sofregamente o peito da mãe.
Ora a quase total improcedência da impugnação da decisão de facto dita o insucesso da presente apelação, na medida em que não se provaram os invocados efeitos nefastos do regime provisório na pessoa do menor. Com efeito, não se provaram quaisquer repercussões negativas das pernoitas com o pai no bem-estar e desenvolvimento do menor, tais como um alegado acréscimo de cansaço ou uma ansiedade que não se verificaria antes.» - destaques nossos.
Assim se percute que foi este “superior interesse do menor” que a Relação (secundando a 1ª instância) ponderou e tomou como determinantes para a prolação da decisão.
A propósito, escreve-se no acórdão recorrido:
«A apelante invoca como argumento essencial para a revisão do regime provisório fixado nos autos e, consequentemente, para a revogação da decisão recorrida, o direito à amamentação pelo peito materno da criança. De facto, aquela não é assegurada nos períodos em que o menor BB está com o pai e pernoita na sua companhia. Porém, independentemente da importância que se atribua à amamentação de uma criança que apesar de ter prazer na amamentação já não necessita do leite materno para a respetiva nutrição pois tem uma alimentação variada que inclui a ingestão de alimentos sólidos e em que existe vinculação afetiva entre o pai e filho, mostrando-se o primeiro competente para cuidar da criança, assegurando-lhe uma vivência feliz e securizante quando o filho está na sua companhia, proporcionando-lhe todos os cuidados necessários a um salutar desenvolvimento e que está profundamente comprometido com o bem-estar do filho o qual gosta de estar na companhia do pai e da avó paterna, no caso o que está em causa não é aquilatar se a amamentação ao peito deve ser preterida em benefício de um maior convívio com o pai que implica a pernoita com o mesmo – (…) – mas antes determinar se ocorrem factos supervenientes que aconselhem a revogação daquele regime que fixou um regime de residência alternada de 2 em 2 dias da criança com cada um dos progenitores, nomeadamente se a privação do peito materno nos dias em que pernoita em casa do pai tem interferido com o bem-estar emocional e psico-somático do menor em termos de lhe criar as invocadas ansiedade e angústia. O que a progenitora e ora recorrente não logrou provar.».
Como acima referimos, está excluído do recurso para o Supremo, quer a valoração das provas, quer a apreciação dos critérios de conveniência ou oportunidade subjacentes ao decidido6.
Ou seja, o recurso para o Supremo é circunscrito à apreciação de matéria normativa, assente em critérios de legalidade estrita, não cabendo, como tal, ao Supremo sindicar o decidido quanto à matéria de facto pelas instâncias – incluindo a substância das presunções judiciais utilizadas pelo julgador, de modo a, em consonância com as regras e «máximas de experiência», extrair ilações razoáveis dos factos «atomisticamente» provados em audiência, articulando-os, nomeadamente, com as ocorrências e vicissitudes documentadas pelo processo e com a plausibilidade das situações da vida – ou com a avaliação prudencial, casuística e fundada em juízos de oportunidade, conveniência e equidade da matéria litigiosa.
Reitera-se: a decisão recorrida não se “preocupou” em fazer uma subsunção normativa, antes procurou fazer uma análise psicológica, humana, fortemente subjectiva, da realidade factual que se lhe depara, de forma a aferir o que era melhor para a criança (continuar com a mãe, ou passar a viver, alternadamente, com ambos os progenitores?).
Neste sentido, também ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE de SOUSA7, ali dando, precisamente, como exemplo de inadmissibilidade da revista o caso em que o acórdão da Relação “fixe o regime da residência de menor, entre duas alternativas permitidas no quadro legal, ponderando qual a que melhor prossiga os interesses do menor, tendo em conta a sua situação concreta (STJ 23-4-15, 1986/11)”8, ou em que, “fazendo alusão ao artº 1906º e em processo de regulação de responsabilidades parentais, toma a resolução adaptada ao caso concreto, recorrendo à razoabilidade, bom senso, prudência e moderação (STJ 4-7-17, 996/16)”.
Das conclusões apresentadas pela Recorrente pode ver-se, aliás, que o objecto do recurso não se centra exclusivamente num processo de interpretação e aplicação da lei. Bem pelo contrário, a Recorrente faz apelo à ponderação das circunstâncias concretas da vivência da criança (maxime a questão da sua amamentação) e da conduta dos seus progenitores para concluir pela inexistência de razões que justifiquem a alteração da decisão relativa à guarda da mãe e sua substituição pelo regime de residência alternada. Ou seja, põe em causa – portanto, discordando – a apreciação casuística da situação levada a cabo pela Relação. Estamos, pois, perante questões de valoração puramente factual e não de valoração jurídica. Conclusão esta que, obviamente, não é afastada pelo facto de se invocarem normas jurídicas, nomeadamente de Convenções internacionais ou da Constituição da República Portuguesa.
A Recorrente não põe em causa, afinal, que o tribunal se tenha afastado da prossecução do superior interesse da criança, mas apenas que na prossecução desse fim fez uma errónea apreciação e concretização desse interesse.
Ora, desde que a decisão prolatada tenha por fim a prossecução do superior interesse da criança, o concreto conteúdo dessa mesma decisão situa-se já no campo da melhor satisfação e maior adequação a esse interesse, ou seja, da conveniência e oportunidade9.
Com efeito, não apenas se não trata de situação de dupla conforme, dada a existência de um voto de vencido (pressuposto necessário para a admissibilidade de revista excepcional), como, não tendo a decisão assentado em critérios de legalidade (antes em critérios de conveniência – saber qual é melhor modo de proteger o superior interesse da criança não é uma questão de legalidade), nunca haveria lugar a revista excepcional, pois esta só seria possível se o único impedimento da revista (normal) fosse, precisamente, a dupla conforme (que, como visto, não é, antes é a própria lei, em norma expressa, a não admitir, na concreta situação, o recurso ao Supremo Tribunal).
É, de facto, esta a orientação constante da jurisprudência deste Supremo Tribunal: não sendo a revista admissível por via normal, também não será admissível por via excepcional, uma vez que esta última via se destina apenas a ser considerada quanto aos recursos não admissíveis por via normal em virtude do obstáculo da dupla conformidade10.
Não tem, assim, aplicação ao caso dos autos o disposto no art. 672.º do CPC.».
Nessa senda, foi ali decidido “não tomar conhecimento do recurso”
No acórdão recorrido estava sob apreciação aferir da manutenção, ou não, do despacho proferido em 12 de Dezembro de 2023 pelo Juízo de Família e Menores de ..., Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, na parte em que aquele manteve o regime de residência alternada do menor com os seus progenitores que havia sido fixada por decisão proferida em 6 de Julho de 2023, por ter considerado que aquele regime que implica pernoitas do menor com o progenitor se mostra adequado à salvaguarda do interesse do menor.
Mais concretamente: a progenitora interpusera recurso daquele despacho de 12 de Dezembro de 2023, por discordar da decisão que manteve “um regime de residência alternada, através do qual o menor, ainda amamentado, está de dois em dois dias (epor33 horas seguidas)” com cada um dos progenitores.
No essencial, invocava a progenitora que a residência alternada não deveria ser fixada porque põe em causa a possibilidade de a criança continuar a ser amamentada e viola os superiores interesses da criança.
Era isto, no essencial, e apenas isto, que estava sob apreciação no recurso de apelação e que a Relação apreciou e decidiu, mantendo o decidido em 1ª instância.
Para proferir a sua decisão, a Relação analisou a situação factual de forma a ponderar devidamente qual seria o regime de responsabilidades parentais que melhor defendesse os superiores interesses da criança, abordando, nomeadamente, a questão que mais preocupa a recorrente/reclamante, isto é, a da amamentação da criança, procurando justificar a posição tomada.
Ora, percutindo no que ficou dito na decisão singular, o que aqui se discute é, no essencial, o que já foi discutido, apreciado e decidido no Processo nº 1790/22.5T8TMR-A.E1.S1 (primeiro, em decisão singular do aqui relator e, depois, em Conferência que confirmou essa decisão).
A Autora/Recorrente, porém, volta “à carga”, com novo processo, discutindo, na essência, a mesma matéria ali já discutida e decidida: do interesse do menor na manutenção do regime de residência alternada do mesmo com os seus progenitores que havia sido fixada pela decisão de 06 de Julho de 2023.
Assim, dado que a situação factual (e jurídica) plasmada nestes autos é “praticamente”, e no essencial, a mesma que foi carreada naqueles outros, se tenha seguido “muito de perto” a decisão ali prolatada. É que, como dito na decisão singular, “no primeiro apenso, recorreu-se da decisão da Relação que confirmou a decisão de 06/07/2023 que alterou o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais anteriormente estabelecido, em 12/12/2022; neste apenso, recorre-se da decisão da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância de 12.12.2023 que manteve o regime de residência alternada do menor com os seus progenitores que havia sido fixada por aquela decisão de 06 de Julho de 2023 por ter considerado que aquele regime, que implica pernoitas do menor com o progenitor, se mostra adequado à salvaguarda do interesse do menor – pretendia-se a revisão do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais que havia sido fixado mediante aquela decisão de 6 de julho de 2023 na parte em que estabeleceu a residência alternada do menor com os seus progenitores”.
Assim sendo, não se vislumbram razões para alterar o que foi decidido pelo Exmº Relator, pois que, e em suma, a Relação teve em conta, na sua apreciação, os “superiores interesses da criança”, entendendo que “não se provaram quaisquer repercussões negativas das pernoitas com o pai no bem-estar e desenvolvimento do menor, tais como um alegado acréscimo de cansaço ou uma ansiedade que não se verificaria antes”.
Em específico, sobre o “direito à amamentação pelo peito materno da criança amamentação, referiu a Relação que “De facto, aquela não é assegurada nos períodos em que o menor BB está com o pai e pernoita na sua companhia. Porém, independentemente da importância que se atribua à amamentação de uma criança que apesar de ter prazer na amamentação já não necessita do leite materno para a respetiva nutrição pois tem uma alimentação variada que inclui a ingestão de alimentos sólidos e em que existe vinculação afetiva entre o pai e filho, mostrando-se o primeiro competente para cuidar da criança, assegurando-lhe uma vivência feliz e securizante quando o filho está na sua companhia, proporcionando-lhe todos os cuidados necessários a um salutar desenvolvimento e que está profundamente comprometido com o bem-estar do filho o qual gosta de estar na companhia do pai e da avó paterna, no caso o que está em causa não é aquilatar se a amamentação ao peito deve ser preterida em benefício de um maior convívio com o pai que implica a pernoita com o mesmo (…) mas antes determinar se ocorrem factos supervenientes que aconselhem a revogação daquele regime que fixou um regime de residência alternada de 2 em 2 dias da criança com cada um dos progenitores, nomeadamente se a privação do peito materno nos dias em que pernoita em casa do pai tem interferido com o bem-estar emocional e psico-somático do menor em termos de lhe criar as invocadas ansiedade e angústia”.
E rematou: “o que a progenitora e ora recorrente não logrou provar.”.
Daí que a Relação concluísse que a decisão recorrida não merecia censura.
Era, portanto, sobre a decisão assim configurada que este Supremo Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar-se, no interposto recurso revista. E são sobre outras questões (novas) que pudessem ser suscitadas.
Com o devido respeito, não tem razão a reclamante.
Com efeito, como é referido na decisão singular do Exmº Relator, atento o teor do acórdão recorrido – e da decisão da primeira instância sobre a qual ele incidiu – , «no presente caso, não se está a aferir da eventual violação de determinadas normas constitucionais, de artigos da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, de normas específicas do Código Civil ou do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, etc.. O que está em causa é, sim e apenas, aferir se é do superior interesse do menor manter-se o regime provisório anteriormente fixado ou se a alteração a tal regime provisório, efectivada com a fixação de residência alternada – decisão com a qual a recorrente discorda pretendendo, por via deste recurso, que seja ver revogada – salvaguarda os superiores interesses da criança.
O que implica a análise e ponderação da factualidade apurada.».
E, como ali se esclareceu, saber se é do superior interesse do menor manter-se o regime provisório anteriormente fixado ou se a alteração a tal regime provisório, efectivada com a fixação de residência alternada, salvaguarda os superiores interesses da criança, tem a ver com juízo de oportunidade, o que foi levado a cabo pela decisão recorrida na ponderação dos factos assentes, tendo em conta que o tribunal tem, neste tipo de processos (jurisdição voluntária), uma grande margem de actuação, sem vinculação ou amarras a normas estritas, antes procurando emitir um juízo, um tanto subjectivo é certo (que não, obviamente, arbitrário) mas sempre no fito de saber o que, no concreto, é melhor para o menor.
Note-se que pela natureza do processo em causa, em qualquer momento pode o tribunal, com audição do Ministério Público, alterar a decisão, ajustando-a à situação actual da criança, precisamente, e sempre, no objectivo de melhor assegurar o superior interesse do menor. Daí que a ausência de factos “novos” que justifiquem a alteração da decisão, acabe por ser uma “falsa” questão, pois o tribunal pode sempre alterar a sua decisão, na reponderação dos mesmos factos apurados até então, desde que considere que, nesse momento, a melhor solução passa por alterar o anteriormente decidido.
O que implica a análise e ponderação dos factos apurados.
A Recorrente não põe em causa, afinal, que o tribunal se tenha afastado da prossecução do superior interesse da criança, mas apenas que na prossecução desse fim fez uma errónea apreciação e concretização desse interesse.
Ora, como dito na decisão singular, desde que a decisão prolatada tenha por fim a prossecução do superior interesse da criança, o concreto conteúdo dessa mesma decisão situa-se já no campo da melhor satisfação e maior adequação a esse interesse, ou seja, da conveniência e oportunidade.
I. — O art. 988.º, n.º 2, do Código de Processo Civil determina que não é admissível recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas no âmbito de processos de jurisdição voluntária segundo critérios de conveniência ou de oportunidade.
II. — Entre as decisões de que não é admissível recurso de revista estão aquelas em que sejam ou em que devam ser ponderadas as circunstâncias concretas da vida de um menor ou da vida dos seus progenitores para que seja tomada uma decisão sobre o regime de residência alternada ou sobre o regime de visitas dos pais, de acordo com critérios de adequação e de razoabilidade.
III. — O facto de se alegar que foi violado um conjunto de disposições legais, sem especificar as razões de facto e de direito por que teriam sido violadas, não significa que sejam suscitadas questões de legalidade e, em todo o caso, nunca transformaria questões de conveniência ou de oportunidade em questões de legalidade”11.
Referindo-se no texto do acórdão que “..…Entre os casos típicos de decisões tomadas de acordo com critérios de conveniência ou de oportunidade estão aquelas em que sejam ou em que devam ser ponderadas as circunstâncias concretas da vida de um menor ou da vida dos seus progenitores para que seja tomada uma decisão sobre o regime de residência alternada12…”
Idem, o ac. do STJ de 10.03.2022, proc. 506/21 – Ac. STJ 10.3.22 (relatora: Catarina Serra)
Ponderando todo o explanado, não há lugar à revista, nenhuma censura merecendo a decisão singular do Exmº Relator.
Termos em que se indefere a reclamação deduzida, mantendo-se a decisão singular do Exmº Relator.
Custas pela Reclamante, fixando-se em três (3) Ucs a taxa de justiça.
Lisboa, 17.10.2024
Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)
Catarina Serra (Juíza Conselheira 1º adjunto)
Orlando dos Santos Nascimento (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)
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1. Ac. do STJ de 20/01/2010, proferido no processo n.º 701/06.0TBETR.P1.S1 (Lopes do Rego).
2. Cf. os acórdãos do STJ de 20.01.2010, proc. 701/06.0TBETR.P1.S1, de 22.04.2015, proc. 17892/12.3T2SNT.L1.S1, e de 16.03.2017, proc. 1203/12.0TMPRT-B.P1.S1.
3. Cfr., designadamente, os acórdãos do STJ de 17.05.2018, proc. 1729/15.4T8BRR.L1.S1, de 06.06.2019, proc. 2215/12.0TMLSB-B.L1.S1, de 18.03.2021, proc. 4797/15.5T8BRG-E.G1.S1, e de 17.11.2021, proc. 1629/15.8T8FIG-C.C1.S1.
4. Proc. 5189/17 (Tomé Gomes).
5. Proc. n.º 996/16.0T8BCL-D.G1-A.S1 – destaque nosso.
6. Ainda o Ac. do STJ de 10/4/08, proferido no p. 07B3832.
7. Código de Processo Civil Anotado (2020 – reimpressão), vol. II, em anotação ao artº 988º.
9. Cfr., inter alios, os acórdãos do STJ de 29.04.2021, proc. 4661/16.0T8VIS-R.C1.S1 e de 17.11.2021, proc. 1629/15.8T8FIG-C.C1.S1.
10. Neste sentido, cfr., inter alia, os acórdãos do SJ de 25-01-2024 (proc. n.º 1931/18.7T8PBL-B.C1.S1), de 17-10-2023 (proc. n.º 18124/20.6T8SNT.L1.S1), de 12-10-2023 (proc. n.º 1341/14.5T8VNF.G1-A.S1), de 06-09-2022 (proc. n.º 213/22.4T8BRR.L1.S1), de 23-09-2021 (proc. n.º 309/19.0TBALM-B.L1.S1) e de 09-03-2021 (proc. n.º 720/06.TBFIG-E.C2.S1), todos publicados em www.dgsi.pt.
12. Cfr. acórdãos do STJ de 17 de Maio de 2018 — processo n.º 1729/15.4T8BRR.L1.S1 — e de 6 de Junho de 2019 — processo n.º 2215/12.0TMLSB-B.L1.S1. – destaque nosso.