CONTRATO DE EMPREITADA
INCUMPRIMENTO
MORA
CLÁUSULA PENAL
MATÉRIA DE FACTO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
SANÇÃO ABUSIVA
EXECUÇÃO
PEDIDO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Sumário


I – A e R (recorrentes) firmaram, entre si, um contrato de empreitada;
II – A modificação parcial da decisão de facto, não afastou o antes assinalado incumprimento contratual da A (empreiteira), mas em termos moratórios, uma vez que a obra acordada foi aceite pela mesma R.
III – A cláusula penal acordada tem natureza compulsória e não compensatória, o que torna inexigível a cumulação da penalidade (pedida em reconvenção pela R/dona da obra) com o cumprimento coercivo da obrigação principal.

Texto Integral

ACORDAM NESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (2ª SECÇÃO)

I. Ernesto Ribeiro Ferreira, Lda./A contra, Zona Graça – Compra, Venda e Reabilitação, Unipessoal, Lda./R, ambas as sociedades completamente identificadas nos autos, deduziu procedimento de injunção, o qual foi transmutado em ação declarativa de condenação com processo comum.

Pedindo: - o pagamento da quantia de €53.084,48 de capital, acrescida de €2.902,52 a título de juros de mora, de €250,00 a título de outras quantias e ainda €153,00 relativos ao montante pago pela apresentação do requerimento injuntivo.

Causa de pedir: incumprimento de um contrato de empreitada.

A R apresentou oposição/contestação:

- Excepcionando que a requerente desistiu de outro processo de injunção, com base no mesmo contrato e as mesmas facturas.

- Impugnando os factos alegados pela A, alegando, em síntese que: os atrasos na execução da empreitada são imputáveis à própria, por faltar na colocação de meios mecânicos e humanos, que levou à aplicação, pela R da penalidade contratualmente prevista.

Deduziu ainda reconvenção, pedindo a condenação da A no pagamento da quantia de €97.752,28, valor que se refere à penalidade, às taxas pagas junto da Câmara Municipal, aos custos com a fiscalização e acompanhamento da obra, aos custos com a reparação de defeitos, às perdas relativas às rendas, aos danos provocados pela Requerente em prédio adjacente.

Em réplica, veio a A responder, invocando a irregularidade do mandato da R;
a improcedência da excepção, tendo em conta que o Balcão Nacional de Injunções não é dotado de competência jurisdicional para homologar desistências; que não se verifica incumprimento defeituoso imputável à Autora e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

A R apresentou articulado de resposta à réplica, mantendo o antes excepcionado.

Na audiência prévia exarou-se despacho saneador, julgando-se improcedente a excepção dilatória de caso julgado e a excepção de irregularidade de mandato, tendo sido identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, sem reclamação das partes.

Realizou-se audiência de julgamento, com produção probatória, após o que, foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente e o pedido
reconvencional improcedente e, em consequência, decidindo
:

"a) Condenar a Ré ZONA GRAÇA - COMPRA, VENDA E REABILITAÇÃO, UNIPESSOAL, LDA. a pagar à Autora ERNESTO RIBEIRO FERREIRA, LDA. a quantia de €53.084,48 de capital, acrescida de juros de mora vencidos calculados às sucessivas taxas fixadas nos termos da Portaria n.º 277/2013, de 26 de Agosto até à data de entrada do requerimento injuntivo - 12 de Novembro de 2018 - no valor de €2.902,52, para além dos vencidos e vincendos a partir dessa data, bem como a quantia de €40,00 a título de outras quantias;

b) Absolver a Ré do pedido de pagamento de € 210,00 relativo ao remanescente peticionado a título de outras quantias;

c) Absolver a Autora/Reconvinda dos pedidos reconvencionais formulados pela Ré/Reconvinte".

II. A Ré/R apelou, tendo a Relação proferido acórdãoparte decisória:

“-…-

Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.a Secção Cível, na parcial procedência da apelação, revogar a decisão recorrida, que se substitui pela presente, julgando parcialmente procedente o pedido da autora e, bem assim, parcialmente procedente o pedido reconvencional da ré e decidindo, em conformidade:

a) Reconhecer o crédito da autora sobre a ré, no montante de € 56.708,37 (cinquenta e seis mil, setecentos e oito euros e trinta e sete cêntimos);

b) Reconhecer o crédito da ré sobre a autora, no montante de € 332,19 (trezentos e trinta e dois euros e dezanove cêntimos);

c) Declarar a compensação entre tais créditos e, consequentemente;

d) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 56.376,18 (cinquenta e seis mil, trezentos e setenta e seis euros e dezoito cêntimos), acrescida de juros de mora, contabilizados desde 15-01-2019, à taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento, bem como, da quantia de € 40,00 (quarenta euros), a título de "outras quantias";

e) Absolver a ré do demais peticionado pela autora e;

f) Absolver a autora/reconvinda do demais peticionado pela ré/reconvinte.

Custas a cargo da apelante e da apelada, na proporção do decaimento havido.

-…-”

III. Do supra referenciado acórdão da Relação veio a Autora/A recorrer/revista para o Supremo Tribunal de Justiça/STJ, concluindo as suas alegações do seguinte modo:

1. Nos termos do artigo 674.º/3 do CPC, por remissão à prova documental carreada nos autos, no respeitante à emissão de licenças de ocupação de via pública no uso da competências administrativas da Câmara Municipal de Lisboa, importa corrigir a alteração parcial produzida no douto Acórdão recorrido no segmento da alínea a) para o facto provado nº 25, que deverá passar a ter a seguinte redacção: “25. A licença de ocupação da via pública (OVP) foi emitida em 18.04.2016 com duração de 10 meses - cf. Alvará 238/OVP-CML(2016); a) Em 17.03.2017 foi paga a OVP nº 3322 com prorrogação paga em 24.04.2017( doc.45); b) Em 21.06.2017 foi paga a OVP nº 7444”(doc. 46). 2 - Na apreciação da impugnação da matéria de facto, o douto Acórdão, para além da alteração parcial supramencionada, manteve o decidido pela sentença apelada, designadamente no vertido nas alíneas b), c) e d), assim se fixando: Que foram comunicadas 4 suspensões de obra temporárias;

2. Que a entrega da obra se operou com a recepção provisória em 19.06.2018;

3. E que não se imputou à empreiteira alguma concreta insuficiência de meios para a realização da obra, designadamente, meios mecânicos e humanos.

4. Já no âmbito da apreciação da impugnação de direito, o douto aresto, manteve a improcedência na matéria desenvolvida sob as alíneas h) e i), pelo entendimento de que é encargo da dona da obra a liquidação dos emolumentos necessários às emissões das licenças e alvarás do processo urbanístico.

5. Bem como os custos associados à fiscalização e acompanhamento de projectista da obra.

6. O segmento decisório relativo a uma eventual violação do princípio do contraditório, atenta a desconsideração da compensação pela 1ª instância arguido na alínea i) foi igualmente desatendida.

7. Embora complementando ou colmatando o decidido em 1ª instância, estes segmentos decisórios ficaram estabilizados por decisão unânime e sem fundamentação essencialmente diferente, razão pela qual se observa a restrição obstativa da dupla conforme impeditiva de recurso de Revista

8. Soçobram os segmentos cindíveis relativos à responsabilidade da Autora ora recorrente no atraso da conclusão da obra-alínea e) e em caso afirmativo, se a Ré podia aplicar penalidades-alínea g) e operar a retenção –alínea f) e compensação-alínea j).

9. O aresto recorrido, com fundamentação antagónica à da sentença de 1ª instância, considerou que a Autora não logrou ilidir a presunção de culpa no atraso de conclusão da obra no prazo convencionado de 31.08.2017, não se descortinando quaisquer motivos atendíveis e justificativos para o efeito - artigo 799.º do CC.

10. Ora por remissão à factualidade, a Autora alegou e provou circunstâncias que de modo algum lhe podem ser imputadas:-projecto de estabilidade/estruturas erróneo e desajustado ao verificado no local da obra, de responsabilidade da equipa projectista contratada pela Ré;-erros de medição e fragilidade do suporte estrutural(escoramento), ocultos, de responsabilidade da equipa projectista contratada pela Ré;-licença de OVP que acompanhou o projecto em 2014, emitida em 18.04.2016 estipulando prescrições desconformes e impossíveis de acomodar a fase inicial da empreitada tal como consignado no anexo que elenca as diversas fases da obra, junto ao contrato de empreitada;-nova licença de OVP só emitida em Novembro/2016;-medidas de recuperação de atraso acordadas com a Ré, obstaculizadas pela não obtenção de licença de ruído em períodos especiais;-constantes e reiterados pedidos de trabalhos a mais, em plena execução dos trabalhos contratualizados, em 2016, 2017 e até poucos dias antes da receção provisória da obra;-alteração estrutural que sequencialmente comprometeu o projecto de arquitectura, designadamente na componente de alteração de desenhos e medidas.

11. A alteração estrutural afectou todos os projectos afectos à sequência e cadência dos trabalhos, tendo a empreiteira de desenvolver a obra com a colaboração de terceiros-equipa projectista-, o que sucedeu, nomeadamente nos meses de Janeiro a Julho de 2017.

12. A Autora apresentou em todo o decurso da obra, mapas rectificativos dos trabalhos a analisar nas reuniões de obra semanais.

13. Nunca a dona da obra ou a fiscalização impuseram ou sugeriram meios ou formas alternativas de ultrapassar as vicissitudes da obra.

14. Está estabilizado nos autos que os atrasos na conclusão da obra não ocorreram por insuficiência de equipamentos e pessoal.

15. A Ré nunca liquidou as facturas no prazo contratualizado de 10 dias, chegando a fazê-lo, decorridos meses.

16. Ora, os prazos acordados de conclusão dos trabalhos têm por subjacente a estabilidade desse período.

17. Ao invés do invocado no douto Acórdão a Autora foi sempre perturbada na execução dos prazos contratados pelo pedido de execução de trabalhos a mais, fazendo repercutir a dilação desses trabalhos nos respectivos Planos apresentados em reuniões de obra, ficando meses a aguardar pela devolução da actas.

18. Nestas actas nunca constou a razão de ciência dos atrasos nem a razão do incumprimento da planificação.

19. Os atrasos só registados nestas actas obedecem a critérios meramente subjectivistas não plasmados na evolução da obra, fixando dias de atraso mesmo em matérias fora do escopo de execução da Autora.

20. Não é possível concluir que a Autora não ilidiu a sua culpa exclusiva do atraso pois resulta flagrante a concorrência de circunstâncias que não lhe podem ser imputadas, como vem exemplificado no discorrido II deste recurso.

21. O douto Acórdão omite a boa-fé negocial da Autora e as regras de experiência comum violando os artigos 341.º, 342.º de 799.º todos do CC, devendo neste segmento ser revogado e manter-se a decisão apelada.

22. No respeitante do direito de retenção, alínea f) do segmento decisório, a Autora reconhece e aceita a argumentação jurídica aplicada, mas discorda na oportunidade de compensação do valor retido.

23. Como melhor se desenvolveu em III, atento o teor da cláusula 17ª/2 do contrato de empreitada, ao quinto ano, após a recepção provisória, opera a recepção definitiva, a qual se verificou a 23.06.2023, não havendo por extemporaneidade esse direito de retenção de 332,19€, devendo o capital em divida da Autora manter-se intocável.

24. Extinto o contra crédito de 332,19€, carece de substância qualquer outro crédito da Ré para que se opere a pretendida compensação.

25. Os factos constitutivos do alegado direito à compensação do crédito da Ré provenientes de cláusula penal convencional por atraso na execução da obra, foram totalmente desconsiderados na 1ª instância, e diversamente, acolhidos no douto Acordão.

26. O único parâmetro relevante do qual depende o reconhecimento deste contra crédito advém da (contestada) imputabilidade da empreiteira por todos os atrasos na conclusão da obra.

27. Com fundamentação distinta, é entendido que a não aplicação das multas contratuais até à entrega da obra, diga-se, até à recepção provisória, impede a ulterior aplicação das sanções pecuniárias por incumprimento dos prazos de execução dos trabalhos.

28. Refira-se que este entendimento tem tido acolhimento em diversa jurisprudência emitida por este Ilustre Tribunal, bem como nas instâncias superiores dos tribunais administrativos, por razões imperiosas segurança e certeza jurídica, da tutela da confiança e da proporcionalidade, são normas de controlo e limitação da actuação dos poderes públicos face aos particulares, que no limite, e na situação dos autos, impedem que o dono da obra perpetue a liquidação da empreitada com os reflexos na solvência económica dos empreiteiros embrenhados em garantias e/ou seguros caução prestados e retenção de verbas e que compete libertar e repor num quadro de normalidade do tráfego comercial, obstaculizando a pendência destes processos quando os trabalhos estão executados há muito.

29. Nunca o tendo feito tempestivamente-não o fez no decurso dos trabalhos; não o fez na fase de liquidação da empreitada, chegando inclusive a remeter as contas à Autora para as aprovar como resulta das comunicações prévias à recepção provisória- 09.06.2018-veio a fazê-lo em carta recebida pela Autora em 12 de Novembro após a notificação do BNI da desistência de injunção (a primeira).

30. Tal como referido em 115 da Réplica “a ré não computou nem fez prova na forma devida, das eventuais penalizações a que tenha direito, nem as enquadrou no texto do contrato, razão pela qual deve soçobrar, ante a manifesta causa de pedir e abuso de direito, o direito à compensação peticionado”, o douto Acordão fez uma certeira aplicação da excepção peremptória do abuso de direito, de conhecimento oficioso, com fundamentação essencialmente diversa mas de efeito útil idêntico, improcedência do direito às penalizações, tal como preconizado em 1ª instância.

Termos em que, deve ser concedida a Revista nos segmentos não afectados pela dupla conforme, e alterada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que reconheça a não verificação de única e exclusiva responsabilidade culposa da Autora no incumprimento do prazo de conclusão da obra, daqui decaindo, a proceder, os pedidos dos contra crédito invocados e respectiva compensação;

Caso assim não se entenda, deverá manter-se a improcedência dos contra créditos, designadamente a título de penalidades por operar a excepção de abuso de direito e de extemporaneidade de retenção.

Também a Ré/R veio recorrer/revista para o STJ, alegando e concluindo do seguinte modo:

1. Vem o presente recurso do acórdão de 1.6.2023 que, acolhendo diversas das alterações na matéria de facto e na procedência parcial da apelação, decidiu, ao contrário do concluído em primeira instância.

2. O referido acórdão, diversamente da sentença de primeira instância, concluiu correctamente (i) que existiu um atraso na execução da empreitada da responsabilidade da Recorrida / empreiteira e (ii) que a Recorrente/dona da obra tem direito à compensação de créditos de que seja titular sobre aquela, tudo conforme segmentos E) e J) da decisão recorrida.

3. Todavia, acabou por rejeitar os contras créditos reclamados pela Recorrente, com a fundamentação vertida nos segmentos G) e H), que é diversa da primeira instância que rejeitou esses créditos, mas com fundamento na ausência de responsabilidade da Recorrida pelos atrasos na conclusão da empreitada.

4. A verdade é que o acórdão recorrido, por remissão para a factualidade dada como provada, expressamente concluiu que, tendo-se a Recorrida comprometido a concluir a empreitada até 31.08.2017etendooautoderecepçãoprovisória sido assinado (apenas) a 19.6.2018, a obra teve um atraso de 292 dias.

5. Além do mais, sempre por remissão para a factualidade dada como provada, incluindo a respeito das vicissitudes e suspensões ocorridas durante a obra, o acórdão recorrido concluiu que “[A] Autora (ora recorrida) / empreiteira, que se vinculou a concluir a obra até 31.08.2017, o não fez, sem justificação atendível ou verificação de alguma circunstância imputável ao dono da obra, ou proveniente de causa de força maior ou de caso fortuito, vindo a obra apenas a ser objecto de auto de consignação provisória em 19.06.2018, daí resultando demonstrado, o atraso/mora no cumprimento da obrigação de executar pontualmente a obra (cfr. Artigo 406.º do CC), a obrigação que sobre si impedia e que não observou (cfr. Artigo 799.º, n.º1, do CC) – cf. pág. 43.

6. Nos termos da Cláusula 16ª, n.º 2 do contrato de empreitada, “por cada dia de atraso na conclusão de trabalhos, a Empreiteira indemnizará o dono da obra no seguinte termos: a) 1‰ (um por mil) do valor da empreitada por cada período de atraso correspondente a um décimo do prazo previsto para a empreitada; b) em cada período subsequente de igual duração, a multa sofrerá um aumento de 2 ‰ (dois por mil) até ao máximo de 5‰ (5 por mil) por dia; c) o montante máximo da multa não poderá exceder 25% (vinte e cinco por cento) do valor do presente contrato.

7. Nos termos da cláusula 10ª do mesmo contrato o preço global da empreitada foi fixado em € 197.037,69 (cf. pág. 50 do acórdão recorrido), pelo que o referido e demonstrado atraso da obra de 292 dias confere à Recorrente o direito de aplicar à Recorrida a penalidade prevista na alínea c), isto é, de € 49.259,42.

8. Todavia, o acórdão recorrido entendeu que essa penalidade ou indemnização não é devida por considerar tratar-se de uma cláusula exclusivamente compulsória, não tendo além do mais a Recorrente procedido até ao momento em que recepcionou provisoriamente a obra, à aplicação da mencionada penalidade contratual, incorrendo em abuso de direito.

9. Com efeito, o acórdão recorrido concluiu repentinamente, e sem aparente justificação ou fundamentação, que “apreciado o teor da estipulação contida no n. º2 da cláusula 16.ª do contrato dos autos, verifica-se que a função de tal estipulação se restringe à pretensão de compelir o empreiteiro a cumprir com a empreitada, visando colmatar a situação de mora em que o empreiteiro incorra até à conclusão dos trabalhos”.

10. Ora, compulsado, desde logo,otextodareferida cláusula (artigo238º do Código Civil), constata-se que do mesmo consta a expressa referência a indemnização, pelo que na sua literalidade a componente indemnizatória foi claramente acolhida pelas partes na referida disposição contratual.

11. Acresce que, considerando aquele que é o sentido que um declaratório normal pode deduzir dessa declaração contratual (artigo 236º do Código Civil) não se vislumbra como pode o acórdão recorrido ter afastado daquela disposição contratual um conteúdo indemnizatório, para lhe dar um conteúdo exclusivamente compulsório, uma vez que não parece que fosse razoável ou normal que o dono da obra tivesse querido que a referida cláusula 16º lhe assegurasse direitos ou protecção apenas na fase da execução dos trabalhos e que a protecção apenas fosse de compelir o empreiteiro, prescindindo desses direitos em caso de incumprimento.

12. Por outro lado, ainda, e recorrendo ao conjunto dos dispositivos contratuais vertidos no contrato, conforme critério de interpretação que vem sendo firmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, decorre da cláusula 41ª, n.º1, a) que as partes não configuraram essas penalidades com natureza exclusivamente compulsória e a ser exercida apenas durante a execução dos trabalhos, a que acresce que, tendo estipulado na cláusula 36.ª, nº6 os efeitos da recepção provisória da obra, não incluíram nesse elenco o fim ou cessação da possibilidade de aplicação de penalidades, efeito que o acórdão recorrido vem, sem explicação,

13. De resto, sempre se dirá, por último, que, como ficou demonstrado (cf. Facto n.º17 e Doc. 31 da oposição para que remete), a Recorrente/dona da obra, sinalizou, durante a execução dos trabalhos que, face à situação de mora existente sem que a mesma fosse ultrapassada com o cumprimento dos trabalhos em falta, teria a consequência da aplicação das penalidades previstas no contrato, pelo que não existiu abuso de direito quando a Recorrente/dona da obra, verificada a perduração da mora, aplicou as mesmas penalidades previstas no contrato.

14. Assim, ao decidir como decidiu, sustentando que a cláusula 16.ª do contrato configura uma cláusula penal compulsória e que a Recorrente incorreu em abuso de direito ao aplicá-la, o acórdão recorrido fez uma errada aplicação dos artigos 236.º, 238.º e 334º do Código Civil, devendo ser revogado nessa parte e substituído por decisão que condene a Recorrida / empreiteira a pagar à Recorrente / dona da obra a quantia de € 49.259,42.

15. Conforme resulta dos factos provados n.ºs 23 a 26, demonstrou-se que por causa do atraso na execução dos trabalhos e conclusão da empreitada, a Recorrente teve de requerer, junto da Câmara Municipal de Lisboa, sucessivas prorrogações da licença de obra e da licença de ocupação de via pública, suportando os respectivos custos, no valor de € 495,00, € 360,00 e € 180,00, cujo somatório perfaz a quantia de € 1.035,00.

16. Também se demonstrou, nos termos dos factos provados n.ºs 27 a 31, que em consequência do atraso na execução dos trabalhos e conclusão da empreitada, a Recorrente suportou custos adicionais com a fiscalização e acompanhamento da obra, respectivamente de € 1.700,00 e € 4.800,00, o que perfaz a quantia de € 6.500,00.

17. Todavia, o acórdão recorrido entendeu que os custos do licenciamento são, por regra, responsabilidade do dono da obra e que os custos com fiscalização e acompanhamento de obra e a circunstância de tais serviços se terem prolongado no tempo para além do período de 12 meses inicialmente previsto para a empreitada, mostrando-se independente de qualquer prazo de execução da empreitada, não podem ser repercutidos no empreiteiro.

18. Tal conclusão, contraria, desde logo e de forma expressa, a matéria de facto dada como provada, maxime os factos 23 a 31, dos quais expressamente consta que tais custos foram incorridos “por causa”, “em consequência” do atraso da Recorrida, demonstrando-se assim o nexo de causalidade entre esses danos e a conduta da Recorrida.

19. Consequentemente, ao decidir de forma diversa, o acórdão recorrido violou os artigos 798º e 563º do Código Civil.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência revogar-se o acórdão recorrido, substituindo-o por outra decisão que, na procedência do pedido reconvencional e para além do crédito já reconhecido de € 332,19 reconheça também os créditos da Recorrente de € 49.259,42 (penalidade) e de € 1.035,00 e € 6.500,00, relativos a custos com licenciamento, fiscalização e acompanhamento da obra para além do prazo contratual, considerando-os compensados com o montante das facturas reclamadas pela Recorrida e condenando-a pagar à Recorrente o excesso, assim se fazendo a habitual Justiça.

A autora/A contra-alegou em relação ao recurso/revista da ré/R, com os mesmos argumentos aduzidos no seu recurso/revista, concluindo, desta maneira:

“-…-

Termos em que deverá alterar-se o facto provado em 25) nos termos do art. 674.º/3 do CPC; a dupla conforme obsta à admissão da Revista ao segmento da matéria levada às Conclusões 15, 16, 17 e 18 que se deverão manter inalteráveis; em consequência, a Autora, ora recorrida não poderá ser a única e exclusiva culpada pelo atraso na entrega da obra - condição para a aplicação de multa contratual - e alterado o Acórdão recorrido, revogando-o por outro que reconheça a não verificação de única e exclusiva responsabilidade culposa da Autora no incumprimento do prazo de conclusão da obra, daqui decaindo, a proceder, os pedidos dos contra crédito invocados e respectiva compensação;

Caso assim não se entenda, deverá manter-se a improcedência dos contra créditos, designadamente a título de penalidades por operar a excepção de abuso de direito.

-…-”

IV. DA ADMISSIBILIDADE / INADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS / REVISTAS

A Relação admitiu os recursos deduzidos pelas autora/A e ré/R como sendo de revista, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo - artºs 629º, nº 1, 638º, nº 1, 671º, n.º 1, 675º, n.º 1 e 676º, n.º 1, a contrario, todos do CPC.

A ré/R juntou requerimento, enviado a este Supremo Tribunal de Justiça/STJ, em que questiona a legitimidade para recorrer da A, invocando o valor de sucumbência e a figura da dupla conforme: “Face ao exposto, deve ser rejeitado o recurso interposto pela Autora, por manifesta inadmissibilidade do mesmo segundo o critério geral de admissibilidade resultante do artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e por se ter recorrido dos factos materiais da causa em desrespeito pelo disposto no artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.”

A recorrente/A, na qualidade de empreiteira, questiona a factualidade apurada e não apurada, mais propriamente, alega “uso indevido” do disposto no artº 662º do CPC (modificabilidade da decisão de facto); e, por via da “alteração” factual pretendida, seja reconhecido que não foi a “única culpada” no que respeita ao discutido incumprimento da acordada empreitada quanto ao prazo de execução da obra.

“Prima facie” e nos termos do artº 671º nº 1 do CPC (mérito da causa) seria admissível o recurso/revista.

Porém, importa também aferir da existência, ou não de algum condicionamento relacionado com o valor do processo ou da sucumbência à luz do artº 629º nº 1 do CPC.

Ora, a impugnada decisão da Relação não foi desfavorável à A em montante superior a metade da alçada daquele Tribunal (€30.000,00 – artº44º da LOSJ) - cfr. relatório supra pontos I e II.

Acresce não se estar na presença das excepções previstas no nº 2 do Citado artº 629º do CPC.

Assim e pelos fundamentos anteriormente explicitados, não se admite o recurso/revista da A (empreiteira), confirmando-se, unicamente, a admissão do recurso da R (dona da obra).

V. APRECIANDO E DECIDINDO

Thema decidendum

Em função das conclusões do recurso/revista da reconvinte/R (único admitido) temos que:

- A recorrente/R, na qualidade de reconvinte e dona da obra pugna pela compensação de outros custos acrescidos, igualmente imputados à A/empreiteira, derivados da moratória na execução da obra e do montante da penalidade decorrente da cláusula penal estabelecida no contrato de empreitada firmado entre as partes.

VI. DOS FACTOS

A) PROVADOS NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:

1 - Entre Autora ERNESTO RIBEIRO FERREIRA, LDA. e B..., Lda foi
celebrado um contrato a 26-1-2016, designada por Empreitada de Construção
de um prédio destinado a moradia unifamiliar, sito Calçada ..., na freguesia
de ..., em ... (documento junto aos autos a fls. 49 a 91, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

2 - No decurso dessa empreitada, a dona da obra cedeu a sua posição contratual à Ré ZONA GRAÇA - COMPRA, VENDA E REABILITAÇÃO, UNIPESSOAL, LDA.

3 - A Ré solicitou à Autora, trabalhos a mais e não incluídos naquele contrato.

4 - Esses trabalhos a mais deram origem às facturas: n.º 29/2018, emitida em 8 de Fevereiro de 2018, no valor de € 8.544,97; n.º 60/2018, emitida em 7 de Março de 2018, no valor de € 15.507,95; -n.º 80/2018, emitida em 4 de Abril de 2018, no valor de € 7.373,72; -n.º 124/2018, emitida em 8 de Maio de 2018, no valor de € 18.339,48; -n.º 176/2018, emitida em 1 de Junho de 2018, no valor de € 1.760,93; -n.º 177/2018, emitida em 1 de Julho de 2018, no valor de €10.487,79 e -n.º 259/2018, emitida em 7 de Agosto de 2018, no valor de €4.424,13.

5 - Estas facturas, após os autos de medição dos trabalhos, foram enviadas à Ré.

6 - A Ré procedeu ao pagamento da quantia de €13.354,52.

7 - A primeira factura foi emitida pela Autora a 16-5-2016 e refere-se à adjudicação da Empreitada.

8 - Em reunião que teve lugar no dia 20-10-2016, a B..., Lda
e a Autora decidiram que: «1. A DONA DA OBRA aceita a quantidade de ferro a mais a aplicar na obra, tendo em conta a necessidade e face à nova solução de estrutura aprovada de acordo com os preços unitários previstos no orçamento; A EMPRETEIRA compromete-se a dar início à execução da nova solução estrutural a partir do dia de amanhã – 21-10-2016; A EMPREITEIRA compromete-se a que a execução do capítulo de estruturas, o betão e as alvenarias em tijolo, fiquem terminadas em 30-1-2016».

9 - Em 9-5-2017, em reunião de obra, ficou registado que «Foi efectuada
uma análise ao planeamento e chegou-se à conclusão que existem atrasos significativos em actividades consideradas no planeamento entregue pela EE como críticas (a vermelho), a saber: Projeção de microbetão: 31 dias de atraso; Pavimento térreo - 30 dias de atraso; Estrutura de madeira - 26 dias de atraso; Cobertura em telha cerâmica - 40 dias de atraso; Revestimento a chapa de zinco: 40 dias de atraso; Restauro/substituição de cantarias: 30 dias de atraso; Impermeabilização de caleiras: 16 dias de atraso; Soleira em pedra natural: 9 dias de atraso; Reboco tipo "tradibau": 10 dias de atraso; Isolamento térmico pelo exterior: 10 dias de atraso».

10 - Nessa data, os trabalhos a decorrer eram a projecção de microbetão e a aplicação de vigamento de madeira.

11 - Em 7-7-2017, em reunião de obra, ficou registado que «Foi efectuada uma análise ao planeamento e chegou-se à conclusão que existem atrasos significativos em actividades consideradas no planeamento entregue pela EE como críticas (a vermelho), a saber: Pavimento térreo: 87 dias de atraso; Revestimento a chapa de zinco: 97 dias de atraso; Restauro/substituição de cantarias: 87 dias de atraso; Impermeabilização de caleiras: 73 dias de atraso; Soleira em pedra natural: 65 dias de atraso; Reboco tipo "Tradibau": 67 dias de atraso; Isolamento térmico pelo exterior: 67 dias de atraso; Betonilha de regularização: 43 dias de atraso; Revestimentos de tetos: 16 dias de atraso; Paredes e forras interiores: 16 dias de atraso; Caixilharia de PVC: 67 dias de atraso (devido à cantaria não estar concluída); Redes de águas e esgotos: 16 dia de atraso; Instalações elétricas e telecomunicações: 16 dia de atraso; AVAC16 dia de atraso».

12 - Nessa data, os trabalhos a decorrer eram a execução de reboco de parede de fachada principal exterior, aplicação de revestimentos de cobertura e rectificação de cantaria exterior.

13 - Em 28-7-2017, em reunião de obra, ficou registado que «Foi efectuada uma análise ao planeamento e chegou-se à conclusão que existem atrasos significativos em actividades consideradas no planeamento entregue pela EE como críticas (a vermelho), a saber: Pavimento térreo: 108 dias de atraso; Revestimento a chapa de zinco: 119 dias de atraso; Restauro/substituição de cantarias: 108 dias de atraso; Impermeabilização de caleiras: 94 dias de atraso; Soleira em pedra natural: 86 dias de atraso; Betonilha de regularização: 64 dias de atraso; Revestimentos de tetos: 37 dias de atraso; Paredes e forras interiores: 37 dias de atraso; Revestimento cerâmico em paredes: 34 dias de atraso; Caixilharia de PVC: 88 dias de atraso (devido à cantaria não estar concluída); Pavimento de madeira de Riga: 19 dias de atraso; Pavimento cerâmico: 19 dias de atraso; Carpintarias: 9 dias de atraso; Pinturas; 14 dias de atraso; Equip. sanitário: 11 dias de atraso; Redes de águas e esgotos: 37 dia de atraso; Instalações elétricas e telecomunicações: 37 dia de atraso; AVAC: 37 dia de atraso».

14 - Nessa data, os trabalhos a decorrer eram a aplicação de esgotos no piso 0 e aplicação de telha de cobertura.

15 - Em 7-10-2017, em reunião de obra, ficou registado que «Foi efectuada uma análise ao planeamento e chegou-se à conclusão que existem atrasos significativos em actividades consideradas no planeamento entregue pela EE a saber: Pavimento térreo: 207 dias de atraso; Restauro/substituição de cantarias: 207 dias de atraso; Soleira em pedra natural: 184 dias de atraso; Betonilha de regularização: 163 dias de atraso; Revestimentos de tetos: 135 dias de atraso; Paredes e forras interiores: 135 dias de atraso; Revestimento cerâmico em paredes: 132 dias de atraso; Caixilharia de PVC: 187 dias de atraso (devido à cantaria não estar concluída); Pavimento cimento afagado: 108 dias de atraso; Pavimento de madeira de Riga: 116 dias de atraso; Pavimento cerâmico: 116 dias de atraso; Carpintarias: 106 dias de atraso; Pinturas; 111 dias de atraso; Equip. sanitário: 111 dias de atraso; Redes de águas e esgotos: 134 dias de atraso; Instalações elétricas e telecomunicações: 134 dias de atraso; AVAC: 134 dias de atraso."

16 - Nessa data, os trabalhos a decorrer eram a aplicação de painéis tricapa.

17 - Por carta de 9-11-2017, a Ré, através dos seus mandatários, interpelou a Autora para, nas datas concretas ali indicadas terminasse todos os trabalhos listados nessa mesma carta.

18 - Em 7-12-2017, em reunião de obra, ficou registado que «Foi
efectuada uma análise ao planeamento e chegou-se à conclusão que existem atrasos
significativos em actividades consideradas no planeamento entregue pela EE a saber: Pavimento térreo: 234 dias de atraso; -Restauro/substituição de cantarias: 234 dias de atraso; -Soleira em pedra natural: 211 dias de atraso; -Revestimentos de tetos: 162 dias de atraso; -Paredes e forras interiores: 162 dias de atraso; -Revestimento cerâmico em paredes: 162 dias de atraso; -Pavimento cimento afagado: 135 dias de atraso -Pavimento de madeira de Riga: 143 dias de atraso -Pavimento cerâmico: 143 dias de atraso; Carpintarias: 133 dias de atraso; Pinturas; 138 dias de atraso; Equip. sanitário: 138 dias de atraso; Redes de águas e esgotos: 161 dias de atraso; Instalações elétricas e telecomunicações: 161 dias de atraso; AVAC: 161 dias de atraso».

19 - Nessa data, os trabalhos a decorrer eram a reparação de painéis tricapa em tectos, a execução de acabamento de pavimento térreo e montagem de vão exteriores.

20 - O Auto de recepção provisória foi assinado a 19-6-2018.

21 - A licença de obra inicial era válida até Dezembro de 2016, tendo sido objecto de prorrogação, paga em Outubro de 2016.

22 - Foi depois necessário requerer junto da Câmara Municipal de Lisboa uma segunda prorrogação, que foi paga em Abril de 2017.

23 - Em consequência dos atrasos, a Ré teve de requerer uma licença especial de obra, válida até Dezembro de 2017, que foi paga em Junho e Julho de 2017, com o que a Ré desembolsou o valor de € 495,00.

24 - A Ré teve de requerer uma segunda licença especial de obra, válida até Junho de 2018, com a qual desembolsou, em Dezembro de 2017, a quantia de € 360,00.

25 - A licença de ocupação de via pública (OVP) inicialmente emitida - o que sucedeu em 18-04-2016 (cf. alvará n.º 238/OVP-CML/2016 - doc. 5 da oposição) - foi prorrogada, com pagamentos dessa prorrogação em Março e Abril de 2017.

26 - Posteriormente, e por causa dos atrasos ocorridos, a Ré diligenciou no sentido de obter uma nova prorrogação daquela licença, que foi paga em Junho de 2017, com o que desembolsou a quantia de € 180,00.

27 - Em consequência do atraso na execução dos trabalhos da empreitada, a Ré teve de manter os serviços do Fiscal de Obra, o Engenheiro AA.

28 - Serviços esses que se mantiveram por mais doze meses de forma a ser possível garantir a continuação da fiscalização da obra.

29 - A Ré desembolsou, relativamente aos serviços do Fiscal de Obra, as seguintes quantias: €400,00, pelos serviços dos meses Setembro e Outubro de 2017; €600,00 pelos meses de Novembro e Dezembro de 2017 e Janeiro de 2018; €700,00 pelos meses de Fevereiro, Março, metade do mês de Abril, Maio e Junho de 2018.

30 - Foi necessário manter os serviços de projectista prestados pela I..., Lda, para o acompanhamento da obra, durante os meses decorridos entre Setembro de 2017 e Agosto de 2018.

31 - Com esses serviços, a Ré desembolsou a quantia mensal de € 400,00, num total de €4.800,00.

32 - Em reunião de 24-11-2017, ficou assente defeitos nas vigas de madeira, em remates do forro de madeira e na aplicação de painéis tricapa.

33 - A Ré tem por objecto social, entre outras actividades, o arrendamento de imóveis.

34 - A Ré obteve a licença de utilização a 2-7-2016.

35 - O contrato de empreitada e respectivo orçamento adjudicado é respeitante a um projecto de demolição, construção e reabilitação do edifício, datado de um processo de licenciamento de obras apresentado na Câmara Municipal de Lisboa em 2014.

36 - A Ré só conseguiu a licença de obras em 21-3-2016.

37 - O estado do edifício em 2016 tinha-se degradado e aparentava um risco iminente de colapso.

38 - O levantamento dos edifícios adjacentes foi efectuado a 6-4-2016.

39 - Só em Setembro de 2016 é que a Ré informou que estava abrangida pelos 6% e foi então efectuada a correcção da factura emitida.

40 - Só a partir dessa data, a Autora começou a facturar os autos com a informação correcta do IVA aplicável.

41 - Em Setembro de 2016, a Autora continuava a aguardar a licença de OVP,
reportada a segundo pedido nesse sentido.

42 - Em Outubro de 2016, a Ré pede novas alterações ao processo de OVP.

43 - Em Novembro de 2016, a Ré insistia com a Câmara Municipal de Lisboa.

44 - O início dos trabalhos estava dependente de reunião com a equipa projectista.

45 - Entre Maio e Setembro de 2016 decorre o processo de contenção / demolição / reforço que vai sendo definido em função do comportamento estrutural do edifício.

46 - Foram comunicadas 4 suspensões de obra temporárias, 3 por falta de resposta do projectista em tempo útil e uma por necessidade de obtenção de licença de OVP, suspensões aprovadas pelo dono de obra.

47 - No Plano de Trabalhos inicial foi estabelecido que a Autora concluiria a empreitada até 18-04-2017.

48 - Na sequência da reunião referida em 8 as partes acordaram um segundo Plano de Trabalhos, a que se refere o documento n.º 18 junto com a oposição (fls. 126-127).

B) NÃO PROVADOS NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO, OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA NÃO PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:

- Após a entrega da obra, permaneciam defeitos: A tinta utilizada pela Autora para pintar as paredes interiores estava a começar a estalar; os materiais dos rodapés das divisões começaram a ficar soltos; a caixa montada para o contador da EDP era demasiada pequena.

- A Ré teve de contratar um terceiro para reparar todos estes defeitos, com que desembolsou o valor de €957,86.

- A não entrega do imóvel pela Autora a Ré impediu esta de dar de arrendamento o imóvel a partir do dia 1-9-2017 e receber as respectivas rendas.

- Atenta a localização do imóvel, a respectiva composição e acabamentos, o valor da renda mensal nunca é inferior a €2.500,00.

- A fiscalização só começou funções em Junho de 2016.

- A licença de OVP foi emitida em 17-11-2016.

VI. DA QUESTÃO DE DIREITO

O contrato de empreitada está previsto no artº 1207º do Código Civil/CC: “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra realizar certa obra, mediante um preço.

A execução da obra deve ser em conformidade com o convencionado, e sem vícios que ponham em causa a sua aptidão – artº1208º do CC.

Ao dono da obra compete a sua fiscalização e os materiais devem ser, em regra, fornecidos pelo empreiteiro – artºs 1209º e 1210º do CC.

No acórdão recorrido foi feito um desenvolvido enquadramento legal, doutrinal e jurisprudencial sobre o tema (empreitada), de que destacamos, em função do caso sub judicio, os seguintes segmentos:

“-…-

A obrigação de realização da obra tem, prazo certo, estabelecendo as partes, normalmente, termo inicial e final para essa execução. Nessa eventualidade, o não cumprimento pelo empreiteiro no prazo estipulado determina mora debitoris (805.º/2, alínea a]), salvo se a ultrapassagem do prazo se dever ao dono da obra. Nessa hipótese o empreiteiro terá direito à prorrogação do prazo de cumprimento" (assim, Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo; Direito das Obrigações; Contratos em Especial, Vol. II, Almedina, 2012, p. 302), ficando ainda ressalvadas, nos termos gerais, as hipóteses de impossibilidade temporária, de caso fortuito ou de força maior.

Os atrasos podem ser devidos a causas mais diversas, como sejam: "(1) imputáveis ao dono da obra, se resultarem de causas da responsabilidade deste; (2) imputáveis ao empreiteiro, se resultarem de causas da responsabilidade do empreiteiro; (3) imputáveis a terceiros: casos de força maior, imprevistos ou fortuitos, que podem resultar de actos de terceiros" (assim, João Pedro Pereira Maia Couto; Incumprimento dos prazos na construção; Universidade do Minho, 2007, p. 276, texto consultado em: http://iepositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/7292),n Assim, "[s]e por exemplo um empreiteiro, por motivo a ele imputável, completar a obra com atraso face à data estipulada, haverá, verificados os respetivos pressupostos, responsabilidade contratual por mora no cumprimento (artigos 805.º/2/a) e 804.ºs do Código Civil)" - cfr., Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo; Direito das Obrigações; Contratos em Especial, Vol. II, Almedina, 2012, p. 371). Releva, em regra (a não ser que para a satisfação do interesse do credor releve o cumprimento de prazos parcelares - o que, no caso, perante os elementos contratuais acordados entre as partes, não se verificava), apenas o atraso referente ao prazo de execução final" e não os prazos parcelares, afirmação que se justifica se se tiver presente poder ser sempre possível recuperar os atrasos [parcelares], não gerando, assim, à partida, nenhum prejuízo para o dono da obra" (cfr., neste sentido, Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo; Direito das Obrigações; Contratos em Especial, Vol. II, Almedina, 2012, p. 371, nota 1428). No mesmo sentido, refere Agostinho Cardoso Guedes ["A responsabilidade do construtor no contrato de empreitada", in Contratos: Actualidade e Evolução, Actas do Congresso Internacional organizado pelo Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa, de 28 a 30 de novembro de 1991, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 1997, ISBN 972-8069-11-1, p. 325) que, assim, "se o construtor exceder o prazo contratualmente fixado para a conclusão da obra (mas já não quando são apenas ultrapassados prazos parcelares), constitui-se em mora, de acordo com o art.805.º, 2, alínea a)". O ónus da prova (cfr. artigo 342 do CC) traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-04-2017. A respeito da articulação das regras dos artigos 798.º e 799.º do CC e 342.º do CC, entre na situação de, numa ação (instaurada pelo empreiteiro) em que é demandado o réu/dono de obra, este, invocar um contra crédito fundado na aplicação de uma cláusula penal estipulada para o incumprimento pelo empreiteiro do prazo para a conclusão da obra em virtude de invocado atraso na execução da obra por este, concluiu-se no Acórdão do STJ de 14-04-2011 (P2 3830/06.6TBBRG.G1.S1) que: "Como decorre da sequência dos arts.798 e 799 - do CC, a presunção de culpa do devedor está normativamente estruturada para funcionar no âmbito das acções de incumprimento propostas pelo credor, tendo como elemento da causa de pedir complexa em que se fundam precisamente o inadimplemento da obrigação contratualmente assumida por parte do devedor /demandado - e recaindo sobre este, por via da dita presunção legal, o ónus de alegar os factos que demonstram a inexistência de culpa da sua parte , impeditivos da ilação que está subjacente à presunção contida no art.799º. Demandado o dono da obra pelo empreiteiro para pagamento do preço convencionado para a empreitada e excepcionando o réu, por via da compensação, um crédito sobre o autor, emergente do funcionamento de cláusula penal estipulada para o incumprimento pelo empreiteiro do prazo imposto para a conclusão dos trabalhos, incumbe ao réu, nos termos do n.°2 do artigo 342, a prova dos factos genéticos ou constitutivos do invocado contra credito, alegadamente extintivo do direito ao preço, incluindo a culpa do empreiteiro na demora na conclusão da obra, perspectivada como idónea para desencadear o funcionamento da referida cláusula penal". Em semelhante sentido, veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-09-2004 (pe 03B3497), concluindo que, "demandado o dono da obra pela empreiteira para pagamento de parte do preço não solvida, e excepcionando o réu em compensação um crédito sobre a autora devido a multa que lhe aplicara por incumprimento de prazo - prazo este cuja aplicabilidade dependia de não serem introduzidas alterações à obra no período considerado -, incumbe ao réu, nos termos do n.º 2 do artigo 342, a prova dos factos genéticos ou constitutivos do aludido contra credito, quiçá extintivo do direito ao preço Este entendimento formulado numa situação (na vigência do CPC anterior ao atualmente em vigor) de invocação da exceção de compensação, não se altera pela circunstância de a pretensão da ora ré ter sido deduzida, nos presentes autos, por via reconvencional”.

Relembra-se que a presente revista incide, unicamente, sobre a contra-acção/reconvenção, uma vez que o recurso da autora/A não foi admitido – cfr. ponto IV supra.

A reconvinte/R (dona da obra) defende que, para além do crédito já reconhecido de €332,19, devem ser reconhecidos, como igualmente seus créditos, as seguintes quantias: €49.259,42 (penalidade); €1.035,00 (fiscalização) e €6.500,00 (acompanhamento da obra).

Executada que foi a obra, com reconhecido incumprimento em mora, por parte da empreiteira/A, resta saber do destino final da contra-acção/reconvenção, nomeadamente, quanto à penalidade que a R/dona da obra quer ver aplicada aquela/A e às quantias derivadas dos novos licenciamentos e prolongamento da fiscalização e acompanhamento da obra, “para além do prazo contratual”.

Escreveu-se no acordão recorrido:

“-…-

A ré remeteu à autora a carta de 05-11-2018 (doc. 39 junto com a oposição) indicando a pretensão de exigir a correspondente penalidade que, em via reconvencional, veio a peticionar em juízo. Conforme sublinha Mário Aroso de Almeida ("Atos de aplicação de Sanções Contratuais: Sua Natureza Jurídica e Regime Processual", in Católica Law Review, Vol. I, n.9 1, jan. 2017, p. 93) - afirmação que, embora produzida a respeito de um caso de empreitada de obras públicas, evidencia os termos gerais a que deve presidir a aplicação de qualquer penalidade - «a questão da validade dos atos de aplicação de multas não se situa num plano meramente formal. Os atos de aplicação de multas devem obediência a critérios materiais de que depende a sua validade. Situa-se, portanto, no plano da validade desses atos, e em nenhum outro, a questão de saber se, no momento, em que eles foram praticados, se preenchiam os pressupostos para a aplicação das multas - para o efeito de saber se os atrasos ocorridos tinham sido ou não imputáveis ao empreiteiro, e em que medida - e se elas foram aplicadas no respeito pelo princípio da proporcionalidade».

Ora, é manifesto que a penalidade expressa na cláusula penal fixada no n.º 2 da cláusula 16.ª do contrato dos autos, se destinava a compelir a empreiteira a cumprir, sendo devida pelo atraso ou mora no cumprimento da sua obrigação de "conclusão de trabalhos" (cfr. cláusula 16.ª, n.º 2), tendo inequívoco conteúdo compulsório para o cumprimento de tal obrigação de termo dos trabalhos.

(…)

No caso, de acordo com as cláusulas 16. e 36., o momento relevante correspondia ao da receção provisória da obra (independendo a entrega da verificação de defeitos que a condicionassem, como no caso, terá sucedido).

(…)

A estipulação contratual de que «por cada dia de atraso na conclusão dos trabalhos, a EMPREITEIRA indemnizará o DONO DA OBRA» mediante uma multa aí fixada, consubstancia a fixação de uma cláusula penal (cfr. artigo 810.º, n.º 1 e 811º n.º 1, do CC) compulsória, com vista à atempada conclusão dos trabalhos, que, por se dirigir a penalizar os atrasos na execução da empreitada, deverá ser aplicada enquanto tais trabalhos decorrerem; não tendo a ré procedido até ao momento em que rececionou provisoriamente a obra, à aplicação da mencionada penalidade contratual, não poderá ver acolhida, sob pena de exercício abusivo de tal direito - cfr. artigo 334.º do CC - a pretensão correspondente, ulteriormente exercida.

A correspondente pretensão da recorrente deverá, pois, improceder.

Se a recorrente tem direito a ser indemnizada pelos custos suportados com prorrogações da licença da obra e com a fiscalização e acompanhamento da obra?

Por fim, conclui a recorrente no sentido de dever ser indemnizada pelos custos suportados com prorrogações da licença de obra e com a fiscalização e acompanhamento da obra (cfr. conclusão 18):

Todavia, relativamente à pretensão indemnizatória em questão da recorrente, o Tribunal recorrido concluiu o seguinte: Quanto aos valores peticionados a título de taxas junto da Câmara Municipal, custos com fiscalização e acompanhamento da obra (...), não sendo possível aferir a quem são imputáveis os atrasos, a Autora / Reconvinda não pode ser responsabilizada pelos valores gastos relacionados com esses atrasos (que se repete desconhece-se o período temporal).

(…)

Ora, este juízo alcançado pelo Tribunal recorrido não merece censura.

De facto, no que respeita aos custos com licenciamento efetuado, figurando o dono de obra como interessado em tal licenciamento, os mesmos constituem uma responsabilidade do dono de obra, que não poderá, na falta de estipulação, ser repercutido no empreiteiro.

(…)

A licença de ocupação da via pública é o «ato que licencia a ocupação da via pública ou de outros espaços públicos, por motivo da execução de qualquer obra, com tapumes, andaimes, depósitos de materiais e entulhos, equipamentos e contentores ou outras instalações com elas relacionadas» (cfr. artigo 3.º, al. d) do Regulamento de Ocupação da Via Pública com Estaleiros de Obras de Lisboa, aprovado pela Deliberação n.º 263/AML/2014, publicado no Boletim Municipal n.º 1079, de 23-10-2014).

Ora, como se disse, o interessado e requerente dos licenciamentos em questão foi a ré (e a sua antecessora) e, não, como poderia ter ocorrido, a autora.

Nada foi estipulado no contrato sobre o pagamento de taxas de licenciamento ou suas prorrogações.

Não se afigura, assim, poder a ré repercutir na contraparte um custo que lhe foi inerente e que não tem atinência com qualquer conduta da autora, não se tendo demonstrado que a obtenção de licenças ocorreu por facto derivado da autora.

A pretensão da ré, neste ponto, soçobra.

Quanto ao custo com a fiscalização, importa ter em conta o disposto no n. 1 do artigo 1209 do CC, ao estatuir que «o dono da obra pode fiscalizar, à sua custa, a execução dela, desde que não perturbe o andamento ordinário da empreitada». «A existência deste direito por parte do dono da obra não contende deforma alguma com a autonomia do empreiteiro na realização da mesma: este agirá sobre sua própria direcção, estando obrigado a produzir a obra [o resultado], como melhor achar, desde que o faça no respeito pelo plano contratual e sem vícios» (assim, Nuno Sousa e Silva; "O Direito de Fiscalização do Dono da Obra [art.1209.- do CC]", in Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, ISSN 1646-1029. N.^ 24, separata (2014), p. 102).

Em anotação a este preceito legal, referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Tomo II, 3.ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 793) o seguinte: «A fiscalização por parte do dono da obra tem como fim principal impedir que o empreiteiro oculte vícios de difícil verificação no momento da entrega. Pode, além disso, o dono da obra, por meio de avisos ao empreiteiro, evitar que a coisa seja executada em condições de não poder ser aceita, ou de necessitar de grandes ou pequenas alterações ao projecto para ser recebida (art. 1215.º). A simples fiscalização não significa o exercício da autoridade e direcção que caracterizam o contrato de trabalho (cfr. art. 1152°). O dono da obra limita-se a verificar se ela está a ser feita em conformidade com os requisitos a que deve obedecer a sua execução». Sendo a fiscalização feita no interesse imediato do dono da obra e por sua iniciativa, é este que deve custear as despesas dela. Não pode, portanto, o dono ocupar pessoal pago pelo empreiteiro, nem deduzir quaisquer despesas da fiscalização no custo da obra. Na mesma linha, salientam Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo (Direito das Obrigações; Contratos em Especial, Vol. II, Almedina, 2012, p. 267) que a fiscalização «corre por conta do dono da obra. Isto significa dever ele custeá-la e, salvo estipulação em contrário, não pode descontar o valor nela despendido no preço contratual devido ao empreiteiro, tudo isto, evidentemente, salvo determinação em contrário».

Assim, a realização de custos com fiscalização e acompanhamento de obra e a circunstância de tais serviços se terem prolongado no tempo para além do período de 12 meses inicialmente previsto para a empreitada, mostrando-se independente de qualquer prazo de execução da empreitada, não determina que, o correspondente dispêndio - voluntariamente assumido pelo dono de obra - possa, salvo estipulação em contrário, ver repercutido o seu custo no empreiteiro.

No caso, tal estipulação diversa não teve lugar, pelo que, igualmente, soçobra esta pretensão da ora recorrente.

O mesmo se refira relativamente ao custo tido pela ré com a manutenção dos serviços de projetista, que se inscreve na sua exclusiva esfera, não podendo o seu custo ser repercutido para a esfera jurídica da empreiteira.

-…-”

Começando pelos pedidos, de menos valor, os relacionados com os custos derivados das novas licenças, bem como do prolongamento da fiscalização e do acompanhamento da obra.

A Relação, e bem, imputou tais custos à dona da obra/R, em consonância com o decidido pela 1ª Instância.

Senão, vejamos.

Quanto à fiscalização da obra o artº 1209º do CC atribui o seu custo ao dono da obra/R.

Como foi referido pela 1ª Instância e reafirmado pela Relação: “os valores peticionados a título de taxas junto da Câmara Municipal, custos com fiscalização e acompanhamento da obra (...), não sendo possível aferir a quem são imputáveis os atrasos, a Autora / Reconvinda não pode ser responsabilizada pelos valores gastos relacionados com esses atrasos (que se repete desconhece-se o período temporal).”

Além dos atrasos da responsabilidade da empreiteira/A, também se apurou que: “a R (dona da obra) só conseguiu a licença de obras em 21-3-2016; o levantamento dos edifícios adjacente com risco iminente de colapso ocorreu em Abril de 2016; - a licença de ocupação de via pública (OVP) inicialmente emitida, em 18-04-2016 teve sucessivas prorrogações, a última das quais com validade até Dezembro de 2017; entre Maio e Setembro de 2016 decorreu o processo de contenção/demolição/reforço que vai sendo definido em função do comportamento estrutural do edifício; foram comunicadas 4 suspensões de obra temporárias, 3 por falta de resposta do projectista em tempo útil e uma por necessidade de obtenção de licença de OVP, suspensões aprovadas pelo dono de obra; as partes acordaram um segundo Plano de Trabalhos (documento nº 18, junto com a oposição/contestação), no qual foi estabelecida uma nova data para a recepção provisória da obra, 31-08-2017; a obra não foi recepcionada pela ré em 31-08-2017, apenas tendo vindo a ser assinado o auto de recepção provisória da obra, 31-08-2017.”

Tais vicissitudes levaram à aprovação pelas partes dum “segundo Plano de Trabalhos” e duma nova data para a recepção provisória: 31-08-2017.

Porém, o “Auto de Recepçâo” só foi assinado, em 19-6-2018.

Segundo a R/dona da obra a moratória de 292 dias que mediou, entre aquelas duas datas, obrigam à aplicação à A/empreiteira da sanção pecuniária prevista contratualmente na cláusula 16ª nº 2, no valor total de €49.959,42.

Ao contrário da cláusula penal compensatória, que pressupõe o incumprimento definitivo, a cláusula penal moratória pode cumular-se, uma vez que visa o ressarciamento dos danos decorrentes do atraso no cumprimento – neste sentido, Calvão Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, edição de 1987 /247).

Nas palavras de Nuno Pinto de Oliveira, “quando o credor e o devedor acordam em fixar uma pena que acresce ao cumprimento, ou à indemnização dos danos causados pelo não cumprimento, diz-se que convencionam uma cláusula penal exclusivamente compulsória ou compulsivo-sancionatória; quando o credor e o devedor acordam em fixar uma pena que substitui o cumprimento, ou a indemnização dos danos causados pelo não cumprimento, diz-se que convencionam uma cláusula penal em sentido estrito” in Cláusulas acessórias ao contrato: Cláusulas de exclusão e de limitação do dever de indemnizar e cláusulas penais, Centro de Estudos Judiciários, Almedina, 3ª ed. / 923.

Pinto Monteiro esclarece também doutrinalmente que “haverá, pois, que distinguir, consoante a intencionalidade das partes, diferentes espécies de cláusulas penais. Trata-se, fundamentalmente, de um problema de interpretação negocial (art. 236.º). A cada figura ou espécie de cláusula penal corresponde um regime jurídico próprio. As soluções consagradas no art. 811.º pressupõem, tão-só, uma dessas espécies, mais exatamente, a cláusula de fixação antecipada da indemnização, que o art. 810.º define. Só dessa se ocupa, (directamente, pelo menos) a lei. E só nesse caso é que a pena, objecto da cláusula, será uma indemnização predeterminada. Nos restantes casos, a pena é uma sanção de índole compulsória, podendo acrescer à indemnização ou, ao invés, substituí-la, em conformidade com o escopo visado” - in sobre a cláusula penal, Scientia Ivridica, Tomo XLII, Julho/Dezembro, 1993, Universidade do Minho / 263).

Em regra, a cláusula penal compulsória visa forçar o devedor a cumprir o programa contratual delineado pelas partes, não visando reparar o credor pelo dano do incumprimento.

Como acontece no caso sub judicio, a sanção em causa tem como escopo compelir o empreiteiro a terminar a obra na data acordada, sendo de elementar justiça que essa sanção seja contabilizada apenas até ao momento em que se alcance o interesse do/a dono/a da obra, ou seja, no momento da conclusão dos trabalhos.

Ora, tendo as partes acordado livremente (artº 406º CC) uma cláusula compulsória, a mesma não pode ser entendida como de natureza indemnizatória (artº 810º CC).

A constituição do credor em mora não exige que a sua falta de cooperação seja culposa.

Só assim será quando, sem motivo justificado, não aceitar a prestação, no caso a obra, a qual, no caso vertente, foi aceite – artº 813º do CC e a nível doutrinal com referências jurisprudenciais, Almeida da Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição, Almedina, fls. 1079 a 1084, em especial fls. 1080.

Interpretando a vontade das partes, em termos de normalidade (artº 236º CC), recaia sobre a R/dona da obra o ónus de contabilizar, em concreto e ao longo da execução da obra, os atrasos passíveis da sanção diária estabelecida na cláusula negociada (cláusula 16º nº 2)

Não o tendo feito, a recorrente/dona da obra transformou a aludida cláusula compulsória numa cláusula compensatória, a qual é inexigível, cumulativamente, com o cumprimento coercivo da obrigação principal (artº 811º CC).

Concluindo e sumariando:

1 – A e R (recorrentes) firmaram, entre si, um contrato de empreitada;

2 – A modificação parcial da decisão de facto, não afastou o antes assinalado incumprimento contratual da A (empreiteira), mas em termos moratórios, uma vez que a obra acordada foi aceite pela mesma R.

3 – A cláusula penal acordada tem natureza compulsória e não compensatória, o que torna inexigível a cumulação da penalidade (pedida em reconvenção pela R/dona da obra) com o cumprimento coercivo da obrigação principal.

DECISÃO

- Assim e pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a revista deduzida pela R (única admitida) e consequentemente, mantém-se o decidido pelo acórdão recorrido.

Custas pela recorrente/R.

Lisboa, 17-10-2024

Afonso Henrique (relator)

Emídio Santos

Fernando Baptista