AÇÃO DE ANULAÇÃO
DOAÇÃO ENTRE CÔNJUGES
LEGITIMIDADE ATIVA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
INTERVENÇÃO PROVOCADA
RÉU
Sumário


I. Não há litisconsórcio necessário activo na acção de anulação da doação com encargos que cada um dos cônjuges fez dos bens que lhe pertenciam e integravam o património comum do casal até à doação a que ambos os cônjuges prestaram assentimento.
II. Tendo transitado em julgado a decisão que pôs termo ao processo declarando a ilegitimidade da autora por estar desacompanhada do seu cônjuge, então réu, também considerado parte ilegítima, não pode ser recusado o chamamento desse mesmo réu, com fundamento na sua anterior qualidade de réu.

Texto Integral

Recorrente: AA, habilitado pela autora

Recorridos: BB,

CC, réus


*


I – Relatório

I.1

AA apresentou recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 7 de Maio de 2024 que «julgou procedente o recurso de apelação interposto pelo “chamado” DD do despacho proferido em 11.5.2012 e, em consequência, revoga-se este despacho, que se substitui por outro que rejeita a intervenção principal daquele como associado da autora e a subsequente renovação da instância daí decorrente.

O conhecimento dos recursos interpostos da sentença final proferida em 17.7.2023 mostra-se prejudicado.»

O recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:

1. Citados para a presente acção, os três Recorrentes vieram deduzir excepção de ilegitimidade da A. para desacompanhada do também doador DD, intentar a presente acção.

2. Por seu lado, o Recorrente DD deduziu ainda excepção de ilegitimidade passiva relativamente a si próprio.

3. Por douto despacho de 25.11.2011, a Senhora Juíza de Primeira Instância acolheu a argumentação dos Réus, julgando procedentes as excepções de ilegitimidade activa por todos invocada e a excepção de ilegitimidade passiva invocada pelo ora Recorrente DD.

4. Ou seja,

Absolveu da instância os Réus BB e CC por preterição do litisconsórcio activo, por estes alegada e absolveu o Réu DD pela referida preterição do litisconsórcio activo e também por o julgar parte ilegítima do lado passivo, ambas estas ilegitimidades alegadas por este Réu.

5. Na sequência do que a Autora, ao abrigo do disposto no artigo 269º do Código de Processo, na redacção então em vigor, deduziu incidente de intervenção provocada do DD, para intervir nos autos, a seu lado - o que não pode deixar de ser entendido como a tácita conformação, da Autora, com as referidas teses dos RR., que o referido douto despacho de 25.11.2011 acolhera, despacho que assim transitou, de imediato, em julgado.

Na verdade,

6. Por um lado, nenhum dos RR, poderia recorrer desse despacho, na medida em que ele lhes era inteiramente favorável – conferir nº 1 do artigo 631ºdo Código de Processo Civil.

7. Por outro, em si própria, a decisão de deduzir incidente de intervenção principal do DD, por parte da Autora, corresponde sua tácita aceitação do mesmo despacho, com a implícita renúncia ao direito de, de tal, recorrer.

8. Impondo-se a conclusão de que – com a dedução incidente de intervenção principal do referido DD, ao lado da Autora – este perdeu a condição de Réu na acção, por força do consequente trânsito em julgado do despacho que o julgou parte ilegítima – aliás, repete-se, em conformidade com a excepção deduzida pelo próprio R.

Ainda que assim não se entenda, o que só por hipótese se admite,

9. Sempre o mencionado despacho transitaria a 16.01.2012, nos termos do artigo 685º-B do Código de Processo Civil, na redacção ao tempo em vigor – e, portanto, sempre muito antes do despacho que veio a admitir a intervenção do Recorrente.

Ora,

10. É certo que, por força do disposto 269º, nº2 do Código de Processo Civil, o incidente de intervenção principal destinado a assegurar o litisconsórcio necessário activo determina a renovação da instância.

Porém,

11. No caso dos autos a instância só se renovou com os RR. BB e CC, uma vez que a absolvição da instância destes RR. Resultou exclusivamente da preterição do litisconsórcio activo.

12. O mesmo não acontecendo com o R. DD, dado que este foi absolvido da instância, não só com aquele fundamento, mas também com fundamento na sua ilegitimidade passiva.

13. Razão pela qual, com o trânsito em julgado do despacho de 25.11.2011, o DD deixou de ser R. na acção passando, à condição de terceiro, condição que só se alterou com o despacho de 11.05.2012, que o admitiu a intervir nos autos, ao lado da Autora.

14. Obviamente, o dito DD nunca poderia intervir, na acção simultaneamente na qualidade de Réu e de Autor, mas nunca foi isso que aconteceu – o DD só assumiu a posição de interveniente principal, ao lado da Autora, através do douto despacho 11.05.2012, sendo certo que deixou, definitivamente, de ser Réu na mesma acção, passando a ser terceiro, em 21.12.2011, data em que a ora Recorrente tacitamente aderiu ao douto despacho de 25.11.2011, com isso provocando o imediato transito em julgado deste último despacho.

15. O que significa que, entre 21.12.2011 e 11.05.2012 o DD teve a condição de terceiro na presente acção.

E o que é mais,

16. Tanto a sua ilegitimidade passiva, como a necessidade da sua intervenção, ao lado da A., para assegurar a legitimidade activa, foram alegadas e defendidas pelo próprio Recorrente na sua contestação, pelo que o recurso em apreço constitui um gritante venire contra factum proprium que nunca poderá merecer acolhimento deste Venerando Tribunal.

Anote-se que,

17. O contrato objecto desta acção foi denominado pelos respectivos outorgantes – aqui Autora, Chamado e Réus – como “Contrato de doação com encargos”, precisamente porque engloba a transmissão de participações sociais dos doadores para os filhos, aqui RR. e, simultaneamente, determina a assumpção, pelos donatários, de determinados encargos, a favor de cada um dos doadores, aqui Autora e Chamado.

18. Isto significa que a posição deste último em relação à validade do contrato só por ele podia ser definida, porque só ele saberia se considerava prevalecente o interesse de anular o contrato, pelas razões invocadas pela Autora, ou, pelo contrário, o interesse em manter o seu crédito relativo aos referidos encargos assumidos pelos donatários.

Ora,

19. Foi precisamente essa “escolha” que o próprio Recorrente fez, ao alegar a sua ilegitimidade passiva e, simultaneamente, a ilegitimidade activa da primitiva Autora, para sozinha, desacompanhada de si próprio, intentar a presente acção.

20. Nem se diga, como sugerem os Senhores Juízes Desembargadores que sustentam a tese vencedora do acórdão recorrido, na sua nota de rodapé 7, que a A. deveria ter-se socorrido do procedimento processual de suprimento de consentimento conjugal.

21. A verdade é que o referido procedimento previsto nos artigos 1425º do Código de Processo Civil, na redacção ao tempo em vigor, só era aplicável ao caso dos autos na hipótese do casamento entre a Autora e o Chamado subsistir.

22. Acontece que, em 25.11.2011, data em que foi proferido o douto despacho que decretou a ilegitimidade activa da A., para desacompanhada do restante doador, intervir na presente acção, já estes se encontravam divorciados, por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, transitado em 06.07.2011, que confirmou a sentença de Primeira Instância proferida em 03.03.2011, em acção proposta a 08.09.2010, sentença que, de resto fez retroagir os efeitos do divórcio à data da separação do casal, ou seja a 29.07.2010.

23. O que significa que o procedimento de suprimento do consentimento conjugal, àquela data, nunca poderia ser accionado pela A. uma vez que o seu casamento com o Recorrente já fora dissolvido.

Efectivamente,

24. Nos termos do citado artigo 1425º do Código de Processo Civil o processo de suprimento judicial do consentimento só pode ser utilizado “nos casos em que a lei o admite”, o que nos remete para as normas dos artigos 1862º e seguintes do Código Civil – todas elas na pressupondo a subsistência de um casamento.

25. Donde resulta que a solução preconizada pelos Senhores Juízes Desembargadores não é passível de aplicação ao caso concreto.

26. O que sempre nos remete para o disposto nos artigos 325º e seguintes do Código de Processo Civil, na redacção ao tempo em vigor, por elementares critérios de economia processual e unidade do sistema - solução apontada pela Senhora Juíza de Primeira Instância, no douto despacho de 25.11.2011 - que a A. se limitou a cumprir.

27. E sustentada no douto despacho11.05.2012.

Na verdade,

28. A procedência da tese dos Recorrentes teria como única consequência obrigar o ora Recorrido a intentar nova acção, idêntica à presente, a que se seguiria uma inútil repetição de todo o processado, sem que daí resultasse qualquer reforço das possibilidades de intervenção processual do co-doador.

De resto,

29. Como bem salienta, o Senhor Juiz Desembargador autor do voto de vencido, no acórdão recorrido “(...) o incidente de intervenção principal em questão, assente primordialmente na necessidade de suprir a ilegitimidade activa por preterição de litisconsórcio necessário, resultou da defesa assumida pelo então 1º Réu, agora Apelante, e da subsequente decisão do Tribunal que concluiu pela procedência da invocada exeção de ilegitimidade e, consequentemente pela absolvição dos Réus.”

30. E ainda que “O caminho seguido pela Autora foi, afinal, o único que então lhe foi indicado pelo tribunal, porquanto não podendo o DD assumir a qualidade de Réu, sob pena de ilegitimidade processual ativa e passiva, apenas restava a possibilidade de assumir a qualidade de interveniente do lado ativo”

31. Sublinhando ainda – e bem - o mesmo Senhor Juiz Desembargador, que é princípio estruturante do nosso sistema jurídico a ideia de que “as normas de direito processual têm poi fim essencial servir os interesses presentes nas normas de direito substantivo, e não impor-se-lhes.

32. Salientando ainda que “o ora Apelante não deixou de poder defender ao longo de cerca de 14 anos os seus interesses na acção e isso é o que mais importa à luz do ’processo equitativo” (sublinhados nossos).

33. O douto acórdão recorrido viola as normas dos artigos 137º, 269º, 289º, 325º, 685º-B e 1425º, todos do Código de Processo Civil, na redacção ao tempo em vigor e do artigo 1684º do Código Civil.

Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e provado, revogando-se o acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto que antecede e proferindo-se douto acórdão que confirme o douto despacho do Tribunal de Primeira Instância proferido em 11.05.2012, com o que se fará JUSTIÇA.

DD apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes conclusões:

1. A instância iniciou-se pela proposição da acção, tendo o acto da proposição passado a produzir efeitos após a citação dos Réus nos autos (art. 267º, nºs 1e 2 CPC de 1961)

2. Citados os Réus, entre os quais o aqui Recorrido, a instância deve manter-se a mesma, quanto às pessoas, ao pedido, e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei. (art. 268º CPC de 1961)

3. O princípio da estabilidade da instância que veicula a ideia de que, citado o réu, a instância, em regra, deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, é excepcionado, na sua vertente subjectiva, pela intervenção de terceiros ( art. 268º e 270º, al. b)), como sustenta Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, 5ª edição, Almedina, pág. 81 e sgts

4. (esclarecendo de seguida que) O conceito de terceiro contrapõe-se ao conceito de parte, que envolve a ideia de pessoa por quem ou contra quem é solicitada, em nome próprio, alguma providência judicial tendente à tutela de um direito.

5. (E que) Na intervenção principal ocorre igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte principal a que se associa. O terceiro é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, assumindo o estatuto de parte principal. Trata-se de cumulação no processo da apreciação de uma relação jurídica da titularidade do interveniente substancialmente conexa com a relação material controvertida delineada perante as partes primitivas.

6. Visa a intervenção principal (seguindo ainda o mesmo Autor) perante uma acção pendente entre duas partes, proporcionar a terceiros, que a lei designa por intervenientes, o litisconsórcio ou a coligação com alguma daquelas,

7. e não é, naturalmente, admissível se forem contrapostos os interesses substantivos ou processuais do chamado e da parte ao lado de quem se pretende que intervenha.

8. O artigo 269 CPC de 1961 foi redigido para permitir a chamada a juízo de quem, até aí, não estava em juízo. Se a intervenção foi requerida antes do trânsito em julgado e o chamamento for admitido, a instância não chega a extinguir-se, como que se reanima; se, porém, o poder reconhecido à parte por este preceito vier a ser exercido nos trinta dias imediatos ao trânsito, a instância, que se extinguiu, renova-se ou ressurge. A instância renovada não é nova instância; mantêm-se, pois, os efeitos da proposição da acção a que se refere o art. 267° do CPC de 1961 (Rodrigues Bastos, in vol. II das Notas ao Código de Processo Civil, 3ª edição, na pág. 22, em anotação ao art. 269º CPC)

9. Se nos casos em que o chamamento é exercido nos trinta dias imediatos ao transito, a instância que se extinguiu renova-se – instância renovada que não é uma nova instância, tudo se passa como se ela nunca tivesse estado extinta (Ac. RP de 10/02/1994 acima citado) ! - por maioria de razão, requerida a intervenção antes deste transito, e admitido o chamamento, a instância não chega a extinguir-se, como que se reanima.

10. O seguimento do processo implica a renovação da instância, no entendimento de que esta ressurge, ou, que fica sem efeito a extinção derivada da absolvição da instância. (Prof Alberto dos Reis, no seu Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3, pág 71 acima já citado)

11. A Autora requereu o chamamento antes do transito … e chamou à acção o aqui Recorrido … que nela era já parte …

12. O chamamento, e como bem decidiu o Acórdão recorrido, não devia ter sido admitido porquanto foi chamado quem já é parte.

13. O art. 269º CPC de 1961 apenas se aplica a quem não está em juízo, e não consente interpretação no sentido ser processualmente admissível chamar à acção quem nela é já parte.

14. Mas, ainda que academicamente assim se não entenda, admitido o chamamento, o certo é que a instância não se chegou a extinguir relativamente a todos os Réus! Incluindo o Recorrido!

15. O Recorrido, o Réu DD, ao contrário do entendimento plasmado na fundamentação à decisão da 1ª Instância, não “… “perdeu” aquela qualidade de Réu “

16. Bem andou o Tribunal da Relação ao revogar no Acórdão sob recurso, aquele despacho da 1ª Instância e substituindo-o por outro que rejeita a intervenção principal do ora Recorrido DD como associado da Autora

17. A decisão da 1ª Instância havia fundamentado a decisão também no nº 2 do art. 269º CPC, o que importa questão não suscitada, com o que sempre violaria o disposto no art. 660º nº 2 CPC.

18. A interpretação pugnada pelo Recorrente AA, na prática, consubstanciaria verdadeira mutati libelli, que aqui, por cautela, vai invocada como excepção. Com interpretação ao disposto no art. 269º CPC de 1961, que a letra e o espírito do preceito não consente. E com o que ficaria violado o disposto no art. 268º CPC de 1961.

19. Porquanto é processualmente inadmissível, uma mesma pessoa, numa mesma acção judicial, ser Réu, ter contestado a acção e, posteriormente, ser aí admitido a intervir, como parte principal, ao lado da parte contrária, seja - como é o caso - sem ter perdido ainda essa qualidade de Réu, mas mesmo tal tivesse já acontecido …

20. As conclusões vertidas pelo Recorrente AA sob os nºs 1, 2, 3, 4 e10 do recurso a que se respondem são insusceptíveis, sem mais, de beliscarem tudo o que foi decidido no Acórdão recorrido.

21. As conclusões tiradas pelo Recorrente AA sob os nºs 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31e 32, seja pelo constante do Acórdão recorrido, seja também nos termos e com os fundamentos acima avançados, devem ser julgadas improcedentes.

22. O douto Acórdão recorrido fez adequada interpretação e aplicação das normas de direito processual e substantivo aplicáveis, não violando nenhum dos artigos 137º, 269º, 289º, 325º, 685º-B e 1425º, todos do Código de Processo Civil, na redacção ao tempo em vigor e do artigo 1684º do Código Civil, pelo que é, também, de improceder a conclusão 33 ali tirada pelo Recorrente AA.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o recurso intentado pelo Recorrente AA ao Acórdão que foi proferido nos autos em 07/05/2024, refª ......95, ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão aí proferida de

“... julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo “chamado” DD do despacho proferido em 11.5.2012 e, em consequência, revoga-se este despacho, que se substitui por outro que rejeita a intervenção principal daquele como associado da autora e a subsequente renovação da instância daí decorrente.

O conhecimento dos recursos interpostos da sentença final proferida em 17.7.2023 mostra-se prejudicado.

As custas relativas ao recurso interposto do despacho de 11.5.2012, pelo seu decaimento, serão suportadas pelo autor/habilitado AA.

Sem custas, os demais recursos não conhecidos

com o que, e como sempre, se fará, JUSTIÇA !!!

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I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto no art.º 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.


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I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:

- Admissibilidade da intervenção principal provocada de DD como associado da autora.


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I.4 - Os factos

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1. A Autora e o Autor Chamado contraíram casamento católico, no regime da comunhão geral de bens, no dia .../.../1962.

2. Desse casamento nasceram os filhos, aqui réus, BB e CC, únicos filhos do casal.

3. No âmbito dos autos 342/10.7... do juízo de família de ... foi decretado Divórcio entre os Autores.

4. No dia ... de ... de 2009, a Autora e o Autor Chamado, seu marido, na qualidade de doadores, e o segundo e terceira Réus, na qualidade de donatários, celebraram um acordo que consignaram em documento particular, por todos subscrito, sob a designação “Doação com encargos”.

5. Nos termos do mencionado documento, à data da celebração do acordo, o Autor Chamado era possuidor de 1.977.404 (um milhão novecentas e setenta e sete mil quatrocentas e quatro) acções do valor nominal de um euro cada uma, representativas de 51,36% do capital social da “M... - SGPS, S.A.”, NIPC .......09, com sede no ... freguesia da ..., concelho de ..., com o capital social de €3.850.000.00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número de pessoa colectiva, e a Autora era titular e possuidora de 9.390 (nove mil trezentas e noventa) acções de valor nominal de um euro cada uma, representativas de 0.24% do capital social da mesma sociedade.

6. Em tal documento (“Doação com encargos”), as partes declararam que:

Considerando que:

I – O Primeiro outorgante marido é titular e legitimo possuidor de 1 997 7404 (um milhão novecentas e setenta e sete mil quatrocentos e quatro) acções do valor do valor nominal de um Euro cada uma e representativas de 51,36% do capital social da sociedade “M... - SGPS, S.A.”, NIPC .......09, com sede no lugar do ..., freguesia da ..., concelho de ..., com o capital social de €3.850.000,00, e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o seu número de pessoa coletiva;

II – A Primeira outorgante mulher é também titular e legitima possuidora de 9390 (nove mil trezentas e noventa) acções do valor nominal de um euro cada um e representativas de 0,245 do capital social da já identificada sociedade “M... - SGPS, S.A.”.

III – É pretensão dos primeiros outorgantes, e a título de liberalidade, doar as acções de que são titulares ao segundo e terceira outorgantes, nos termos a seguir explanados.

Assim, e atendendo aos princípios da boa-fé conjugado com o princípio da liberdade contratual, entre os outorgantes acima identificados é celebrado o presente contrato de doação com encargos, o qual se regerá pelas seguintes cláusulas, e no que for omisso, pelo Código Civil.

Cláusula primeira

1. Pelo presente contrato os Primeiros outorgantes doam ao Segundo e Terceira outorgante as acções da sociedade “M... - SGPS, S.A.”, de que são titulares da seguinte forma:

a) O Primeiro outorgante marido divide o lote de 1.977.404 acções em dois lotes iguais, cada um com 988.702 acções e doa um a cada um do Segundo e Terceira outorgantes;

b) A Primeira outorgante mulher divide o lote de 9.390 acções em dois lotes iguais, cada um com 4.695 acções e doa um a cada um do Segundo e Terceira outorgante;

2. Os primeiros outorgantes declaram desde já que a presente doação é feita a favor dos seus únicos herdeiros legítimos, pelo que é sua pretensão dispensá-la, nos termos e para os efeitos do artigo 2113º do Código Civil, da colação.

Segunda

1. As acções ora doadas encontram-se livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades e são transmitidas com todos os direitos e obrigações a elas inerentes.

2. As acções encontram-se devidamente tituladas e emitidas em nome dos Primeiros Outorgantes. Terceira

1. A presente doação é feita com os encargos a seguir identificados:

I – a) Ao Primeiro Outorgante marido, a atendendo à qualidade de fundador de todas as empresas do Grupo M...., ser-lhe-á concedido o livre acesso a todas e quaisquer instalações das sociedades do Grupo M...., bem como a manutenção do seu gabinete de trabalho existente, à data, na sede social.

b) Remuneração mensal de valor igual à que aufere, vitalícia, incluindo ajudas de custo, viatura e despesas de manutenção da mesma, actualizada anualmente, de acordo com os índices de actualização aplicados à renumeração dos membros do Conselho de Administração.

II – a) À Primeira Outorgante mulher ser-lhe-á também concedida uma renumeração mensal vitalícia equivalente a quatro salários mínimos nacionais, bem como a utilização de uma viatura automóvel e as respectivas despesas de manutenção.

2. O Segundo e a Terceira outorgante, desde já se comprometem a cumprir escrupulosamente os encargos supra identificados, sob pena de, não o fazendo, poder ser pedida a resolução da presente doação.

Quarta

No caso de ser pretensão do segundo e terceiro outorgante alienar as acções ora doadas, compromete-se, desde já, a pagar aos doadores o equivalente a 10 (dez) anos das renumerações identificadas nas alíneas a) do ponto I e a) do ponto II do número um da cláusula terceira.

Quinta

1. Os Primeiros outorgantes pretendem, ainda, subordinar os efeitos jurídicos deste contrato, à verificação de determinados comportamentos dos donatários, durante um período de dois anos, contados a partir da data de assinatura do presente contrato, a saber:

a) Os donatários deverão pautar a sua actuação no sentido de garantir que a administração e a gestão de todas as sociedades do Grupo M...., seja pautada pelos mais altos níveis de profissionalismo;

b) Os donatários deverão assegurar que a administração e a gestão de todas as sociedades do Grupo seja organizada atendendo ao interesse social para que se atinja o desenvolvimento da actividade empresarial;

c) Os donatários deverão assegurar a boa convivência familiar, fazendo com que a presente doação em nada afecte a mesma;

d) Os donatários deverão assegurar que todas as decisões tomadas no seio de cada uma das Sociedades são tomadas com o mais elevado grau de consenso entre si;

e) Os donatários devem promover o desenvolvimento económico das várias empresas do Grupo M...., reforçando o seu valor social.

2. No caso de se verificarem, durante o período mencionado no ponto um, qualquer um dos comportamentos identificados no número anterior, a presente doação não produz qualquer efeito e as acções revertem, automaticamente e sem necessidade formalidade prévia, para os doadores.

3. No caso de não se verificarem os comportamentos já referidos no ponto um, e findo o indicado período de dois anos, a presente doação torna-se perfeitamente válida e eficaz.

Sexta

1. A presente doação torna-se também eficaz, antes de decorrido o período de dois anos, no caso de falecimento de qualquer um dos doadores

2. No caso de falecimento de qualquer um dos donatários, e de acordo com o estipulado no artigo 960º do Código Civil, as acções revertem, livres de quaisquer ónus ou encargos, a favor dos doadores, nos exactos termos da presente acção.

Sétima

Tornando-se a presente doação válida e eficaz, quer nos termos da cláusula Quinta quer nos termos do número um da cláusula sexta supra, os primeiros outorgantes, ou o primeiro outorgante sobrevivo, respectivamente, procederão à inscrição nos títulos da respectiva declaração de transmissão, bem como diligenciarão no sentido de se proceder ao seu averbamento junto da sociedade emitente.

Oitava

Segundo e Terceira outorgantes expressamente declararam que aceitam a presente doação, nos exatos termos aqui exarados.

Nona

Os Primeiros outorgantes reciprocamente autorizam a presente doação, nos exatos termos aqui explanados.”

7. À data do acordo referido em 6, o Réu BB já era dono de acções representativas de 30% do capital social da M... - SGPS, S.A., enquanto a Ré CC era dona de acções representativas de 18% do capital social da “M... - SGPS, S.A.”.

8. Na sequência da outorga do documento referido em 5 e 6, os Autores promoveram uma festa em família, tendo a Autora referido que estava emocionada e satisfeita com a doação das acções aos filhos.

9. Após o acordo referido em 6 o Autor/Chamado (DD) deixou de acompanhar o evoluir dos negócios.

10. E o marido da Ré CC, durante anos director comercial da M... - SGPS, S.A., foi gerir as explorações de coelhos e no matadouro, em ... e em ....

11. Também após o acordo referido em 6 o Réu BB foi aumentado em seis salários mínimos, dois por cada nova empresa que passou a administrar e o vencimento da Ré CC não sofreu qualquer actualização.

12. E o Réu BB levantou parte dos suprimentos por ele feitos à sociedade.

13. O Réu BB esteve de baixa por doença, cerca de um ano, recebendo o respectivo subsídio da segurança social, cumulando tal subsídio com os vencimentos que o grupo “M... - SGPS, S.A.” lhe pagava e com compensações pagas pelos seguros.

14. Correu termos sob o nº 475/10.0... nos serviços do Ministério Público de ... procedimento criminal intentado pela Autora contra o Autor DD, por factos ocorridos no dia .../.../2010, tendo em sede de julgamento o Autor sido absolvido do crime que lhe é imputado.

15. Essa queixa teve origem numa discussão da Autora com o seu ex-marido, DD sendo que, na sequência dessa discussão, a Autora foi viver para casa do irmão onde residiu durante alguns meses.

16. Nessa queixa ficou a constar que a discussão se ficou a dever a um desentendimento causado por divergência quanto ao funcionamento de um televisor.

17. Em data não concretamente apurada, ao entrar em casa, com o objectivo de recolher algumas roupas e objectos pessoais, a Autora encontrou um “segurança”, à porta que a impediu de entrar.

18. A Autora cortou relações com o Autor DD, seu marido.

19. O Réu BB, sua mulher e sua filha deixaram de conviver e de falar com a Autora, de a visitar, de lhe telefonar e de a convidar para as suas reuniões e festas familiares, como antes faziam.

20. Tornando-se frias e distantes as relações entre a Autora e o Réu BB, a mulher deste e as filhas do casal.

21. Até há cerca de cinco anos, a convivência entre donatários manteve-se inalterada em relação à que existia antes do contrato de doação.

22. Assim, os donatários visitavam-se regularmente, faziam refeições em conjunto, eram convidados reciprocamente em festas dos aniversários dos cônjuges e dos filhos, iam em conjunto, a convívios familiares e a reuniões de amigos comuns, passavam, em conjunto, datas festivas, nomeadamente os dias de consoada e passagem de ano e interessavam-se reciprocamente pelos problemas de saúde, de bem-estar, de projectos, de passeios, do crescimento dos filhos.

23. Em algumas questões da vida societária os donatários não têm a mesma opinião, expressam e defendem os seus pontos de vista, mas tem sido possível, quase sempre, e também depois do contrato de doação, tomar as deliberações por unanimidade.

24. A convivência entre os donatários e o pai mantém-se inalterável.

25. Ao imporem a cláusula quinta alínea c), a preocupação dos doadores apenas teve a ver com o facto de se assegurarem que os donatários continuariam a manter, entre si, uma boa convivência familiar, mas não impor-lhes a obrigação de assegurar uma boa convivência entre doadores.

26. Até ao presente, a Autora não recebeu qualquer remuneração do grupo M...., designadamente nos termos da cláusula terceira do contrato referido em 5 e 6.

27. Relativamente ao mês de Setembro de 2011, por carta de 16/08/2011; de Outubro de 2011, por carta de 11/10/2011; de Novembro de 2011, por carta de 11/11/2011; de Dezembro de 2011, por carta de 14/12/2011; de Janeiro de 2012, por carta de 12/01/2012 e de Fevereiro de 2012, por carta de 13/02/2012, os donatários, atendendo ao n.º II a) da cláusula 3.ª do contrato referido em 5 e 6, remeteram à Autora cheques que, em cada mês, e no valor global de €1.940,00, titulavam a quantia mensal ali prevista.

28. Na carta enviada pelos Réus à Autora a 29 de Setembro de 2011, os mesmos referem o seguinte:

Como muito bem sabe, o espírito da doação era o de as prestações só serem devidas decorridos que fossem os dois anos previstos na cláusula quinta.

Entendemos igualmente que essa é a solução que resulta de uma interpretação correcta do contrato.

Resulta, porém, da sua carta de 15 de Setembro que perfilha um entendimento diferente, que vai no sentido de que as prestações deviam ter tido início em 09 de Setembro de 2009.

Surpreende-nos tal entendimento porquanto nunca nos interpelou para fazermos qualquer prestação, o que seria natural se realmente esse fosse o seu entendimento.

No entanto, não queremos que o litígio subsista, se apenas estiver em causa o serem ou não devidas as prestações de 09 de setembro de 2009 a 09 de Setembro de 2011. Não temos dúvida em satisfazer as 48 prestações em causa se o entendimento correcto for o de que as prestações são devidas.

Portanto, vimos propor que se submeta o contrato de doação à apreciação de um jurista que ambas as partes aceitem como idóneo, com o compromisso de que o entendimento desse jurista a todos vincule

29. A Autora não procedeu ao levantamento de nenhum dos cheques em causa, nem procedeu à sua devolução.

30. Pelo que os donatários lhe comunicaram que suspenderiam o envio de cheques.

31. Só em 28 de Dezembro de 2010, com a presente acção, a Autora veio invocar o incumprimento da cláusula 3º, sendo que, até então nunca interpelou os réus donatários para a cumprirem.

32. Na constância do casamento com o Chamado, a Autora sempre teve à sua disposição um veículo automóvel, que à data da separação era um ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-XM.

33. Por carta registada com AR, subscrita pelos dois Réus donatários, como administradores da M... - SGPS, S.A., datada de ... de ... de 2011, os referidos donatários exigiram à Autora a devolução do mencionado veículo automóvel, no prazo de 48 horas.

34. Como a Autora pedisse explicações para esta exigência, os mesmos Réus, por carta por eles subscrita, como administradores da M... - SGPS, S.A., reiteraram a sua pretensão de restituição do veículo.

35. As cartas referidas em 33 e 34, segunda parte, supra, foram enviadas pela M..., S.A., a quem a viatura pertencia e em nome de quem estava registada.

36. A viatura foi devolvida à M..., S.A., com utilização de um pronto-socorro solicitado pela Autora.

37. Os Réus decidiram recusar o pagamento desses serviços.

38. Durante o período que esteve entregue à Autora a viatura sofreu um acidente.

39. Em 08.09.2011 os Réus puseram à disposição da Autora a viatura, indicando onde a mesma podia ser levantada.

40. A Autora recusou o veículo posto à disposição.

41. Quando os Réus propuseram facultar de novo carro à Autora, haviam decorrido cerca de quatro meses, sem que os Réus manifestassem qualquer propósito de entregar, à Autora, aquele ou outro veículo.

42. A viatura sempre esteve e está segura, tendo a M..., S.A., em 2011, optado por fazer o seguro na A....... ........

43. No dia ... de ... de 2011, a A. recebeu uma convocatória para Assembleia Geral de Accionistas da M... - SGPS, S.A. designada para o dia ... mês, com a seguinte ordem de trabalhos:

“Ponto um: Discutir e deliberar sob a proposta de venda das participações sociais das sociedades: “M..., S.A.; “M...Imobiliária, S.A.”; M...transportes, S.A.; “L...comercialização de..., S.A. ; “L... produção de..., S.A.”; “ L..., S.A.”; “P..., S.A.” e “C..., Lda, conforme proposta apresentada pelo Conselho de Administração em vinte e quatro de Março corrente ano.

Ponto dois: Discutir e deliberar sobre a alteração da redação do artigo primeiro (firma) e do número um do artigo segundo (sede social) do pacto social.-

Ponto três: Discutir e deliberar sobre renúncias apresentadas pelos membros do conselho de Administração, datadas do pretérito dia 29 de Março.

Ponto quatro: Discutir e deliberar sobre a nomeação de novos membros para os cargos vagos.”

44. No dia 20 de Abril de 2011, reuniu a Assembleia-Geral de accionistas da M... - SGPS, S.A., S. A., sendo o seguinte o teor da acta da Assembleia-Geral em questão:

ACTA NUMERO ONZE:

Aos vinte dias do mês de Abril de dois mil e onze, pelas dezassete horas, reuniu na sede social sita no Lugar do ..., Concelho de ..., a assembleia geral da sociedade “M... - SGPS, S.A.”, com o capital social de três milhões oitocentos e cinquenta mil euros, NIPC .......09, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o seu número de pessoa colectiva.-----------------------------------------------------------------------------

Encontravam-se representados os accionistas representativos de noventa e oito vírgula oitenta e um por cento do capital social, conforme lista de presenças e cartas de representação que ficam a fazer parte integrante da presente acta.----------------------------------------------------------------------------------

Assumiu a presidência a Exma. Sra Dra. EE, secretariada pela Exma Sra. Dra. FF que verificaram a regularidade da reunião, com a seguinte ordem de trabalhos.---------------------------------------------------------------------------------------------------

“Ponto um: Discutir e deliberar sob a proposta de venda das participações sociais das sociedades: “M..., S.A.; “M...Imobiliária, S.A.”; “M...transportes, S.A., “L...comercialização de..., S.A.; L... produção de..., S.A.; “ L..., S.A.”; “P..., S.A.” e “C..., Lda, conforme proposta apresentada pelo conselho de Administração em vinte e quatro de Março do corrente ano.-------------

“Ponto dois: Discutir e deliberar sobre a alteração da redação do artigo primeiro (firma) e do número um do artigo segundo (sede social) do pacto social.----------------------------------------------------------

Ponto três: Discutir e deliberar sobre renúncias apresentadas pelos membros do Conselho de Administração, datadas do pretérito dia 29 de Março.--------------------------------------------------------

Ponto quatro: Discutir e deliberar sobre a nomeação de novos membros para os cargos vagos.

Aberta a sessão foi de imediato levado a votação o assunto incluído no ponto um da ordem de trabalhos, tendo o mesmo obtido a seguinte votação:----------------------------------------------------------

- O acionista DD aqui representado pela Exma Sra. Dra. EE absteve-se;------------------------------------------------------------------------------------------------------------

- Os accionistas BB e CC aqui representados pela Exª Sra. Dra EE votaram a favor.-----------------------------------------------------

Passando à analise do assunto incluído no ponto dois da ordem de trabalhos, foi proposta à Assembleia a alteração da firma da sociedade para “I... - SGPS, S.A.” assim como a alteração da sede social para a Rua ..., freguesia e concelho de ..., o qual teve a seguinte votação:---------------------------------------------------------------------------------------

- O acionista DD aqui representado pela Exma Sra. Dra. EE absteve-se;-------------------------------------------------------------------------------------------------

- Os accionistas BB e CC aqui representados pela Exª Sra. Dra EE votaram a favor.-----------------------------------------------------

Face ao ora aprovado, é agilizada as redações dos artigos primeiro e do número um do artigo segundo, as quais passarão a ser as seguintes:-----------------------------------------------------------------

ARTIGO 1º

A sociedade adopta a firma “I... - SGPS, S.A.

ARTIGO 2º

1. A sociedade é na Rua ..., ... freguesia e concelho de ....---------------------------------------------------------------------------------------------

2. (Mantém-se).------------------------------------------------------------------------------------------------------

3. (Mantém-se).-----------------------------------------------------------------------------------------------------

De seguida foi levado a votação a assunto incluído no ponto três da ordem de trabalhos, relativo à renúncia apresentada pelos membros do conselho de administração desta sociedade, nos seguintes termos:------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

- Exmo Sr. DD renuncia ao cargo de ... do Conselho de Administração comunicada por carta datada de 29 de Março último.-----------------------------------------------------------

- Exmo Sr. BB, renúncia ao cargo de ...do Conselho de Administração comunicada por carta datada de 29 de Março último.-----------------------------------------------------------

- Exma Sra. CC renuncia ao cargo de ... do Conselho de Administração comunicada por carta datada de 29 de Março último.-----------------------------------------------------------

Levado à votação este ponto do dia obteve os seguintes resultados:----------------------------------------

- O accionista DD representado pela Exma Sra Dra EE absteve-se;------------------------------------------------------------------------------------------------------------

- Os accionistas BB e CC representados pela Exma Sra Dra EE votaram a favor.--------------------------------------------------------

Por último e passando à análise do assunto incluído no ponto quatro da ordem de trabalhos foi levado à discussão a única proposta apresentada para o preenchimento dos cargos sociais ora vagos, composta com os seguintes elementos:---------------------------------------------------------------------------

Para o cargo de ... do Conselho de administração o Exmo Sr. Dr. BB, casado, residente na Rua ..., ...;---------------------------

Para o cargo de ... do conselho de administração a Exma Sra CC, casada, residente na Rua ..., ...; --------------------------------------

A proposta ora apresentada teve a seguinte redacção:--------------------------------------------------------

- O accionista DD representado pela Exma Sra Dra. EE absteve-se;------------------------------------------------------------------------------------------------------------

- Os accionistas BB e CC representados pela Exma Sra Dra. EE votaram a favor.---------------------------------------------------

45. No dia 18 de Abril de 2011, pelas 14,30 horas, a Autora deslocou-se à sede da M... - SGPS, S.A. para obter cópia da proposta do Conselho de Administração, de 24 de Março de 2011, referida no ponto um da ordem do dia, da “nova redacção” dos artigos do pacto social, mencionada no ponto dois e das renúncias mencionadas no ponto três da dita ordem de trabalhos, constantes da convocatória referida em 43.

46. Sendo tais elementos recusados à Autora, alegando o funcionário da M... - SGPS, S.A. que a atendeu, que só lhe fornecia tais elementos mediante a exibição das acções de que é titular ou de documento comprovativo do respectivo depósito.

47. A Autora nunca teve em seu poder as ditas acções, as quais nunca lhe chegaram a ser entregues pela empresa.

48. A Autora participou nas Assembleias Gerais de 31/03/2006, 1/08/2006, 22/01/2010 e 15/07/2010, sem que lhe fosse exigido a exibição das acções, não estando presente nas reuniões da Assembleia Geral n.º 3, n.º 4, n.º 5, n.º 7, n.º 8, n.º 10, n.º 11 e n.º 12.

49. Com a mesma alegação, a Autora foi impedida de participar na Assembleia-Geral de 20 de Abril de 2011.

50. Só após 21 de Abril de 2011 a Autora teve conhecimento que, na Assembleia-Geral de Accionistas da M... - SGPS, S.A., ocorrida em 20 de Abril de 2011, referida em 44, se deliberou vender todas as participações sociais daquela sociedade nas empresas do grupo, e só então teve, também conhecimento de que, na Assembleia Geral se deliberou:

a) Que a sociedade passava a denominar-se I... - SGPS, S.A.

b) Que passava a ter a sua sede no número 40 da ..., em ....

51. Todas as participações sociais alienadas na sequência da deliberação referida em 44 foram adquiridas pela Sociedade “O..., SGPS, S.A., outorgando os respectivos contratos em representação da “I... - SGPS, S.A.” cuja anterior denominação era “M... - SGPS, S.A.”, os réus BB e CC, e em representação da O..., SGPS, S.A., o Réu BB.

52. Até à referida deliberação, a M... - SGPS, S.A. tinha a sua sede num edifício moderno, amplo e funcional, no lugar do ... freguesia da ....

53. Em consequência da deliberação relativa ao ponto dois da ordem de trabalhos, da Assembleia Geral de Accionistas, a sede da empresa passou para a Rua de ..., da freguesia e concelho de ..., a que corresponde a uma única sala que não pertence à sociedade, sendo arrendada.

54. A O..., SGPS, S.A. tem a mesma natureza jurídica, o mesmo objecto, o mesmo C.A.E., a mesma forma de se obrigar e o mesmo Fiscal Técnico da anterior M... - SGPS, S.A., SA.

55. Tem sede exactamente no mesmo local onde a M... - SGPS, S.A. tinha, até à Assembleia-Geral de 20 de Abril de 2011.

56. E o respectivo Conselho de Administração é constituído pelas mesmas pessoas que constituíam o Conselho de Administração da M... - SGPS, S.A. – ou seja, pelos dois Réus e pelo Chamado.

57. A constituição da O..., SGPS, S.A. foi registada pelas 9h53m do dia 24 de Março de 2011, sete minutos antes de reunir o Conselho de Administração da M... - SGPS, S.A., que se pronunciou sobre a venda das participações sociais nas empresas do grupo à dita O..., SGPS, S.A..

58. No grupo de empresas de que foram alienadas participações, existem três cuja denominação contém a palavra M... - SGPS, S.A..

59. O produto da alegada venda de participações sociais da M... - SGPS, S.A. nas empresas do grupo entrou nos cofres da M... - SGPS, S.A. (agora I... - SGPS, S.A.) mas dela tinha saído antecipadamente para sócios aqui réus, a fim de estes provisionarem a conta da O..., SGPS, S.A., e esta poder comprar a M... - SGPS, S.A., ficando a conta desta, momentaneamente, a descoberto.

60. As vendas referidas em 51 provocaram uma diminuição muito acentuada na actividade da M... - SGPS, S.A..

61. A compra e venda de participações sociais referida em 44 e 51 integrou-se no âmbito do objecto social da sociedade M..., S.A. de compra e venda de participações sociais.

62. A respectiva deliberação foi tomada em Conselho de Administração, cujos membros decidiram levar este assunto a uma Assembleia-Geral.

63. Em 27.12.2010 foram solicitados 5 financiamentos à Caixa Geral dos Depósitos, de 500.000,00€ cada um, pelas seguintes empresas do grupo:

a) M..., S.A.;

b) M...Imobiliária, S.A.;

c) M...transportes, S.A.;

d) P..., S.A.;

e) L...comercialização de..., S.A..

64. As transmissões referidas em 44 e 51 efectuaram-se em 28 de Abril de 2011.

65. O Autor Chamado, DD é ... da O..., SGPS, S.A..


***


II – Fundamentação

Admissibilidade da intervenção principal provocada de DD como associado da autora

Para contextualizar a futura decisão e tornar evidente que o Código de Processo Civil é um meio de conduzir à tutela jurisdicional efectiva e não um jogo de peripécias que possam conduzir a negar direitos, desde que devidamente utilizado, passaremos a analisar alguns dos trâmites processuais ocorridos.

Na petição inicial alegou a falecida autora, além do mais, que


Nos termos do mencionado documento, à data da celebração do acordo, o primeiro R. era titular e legítimo possuidor de 1.977.404 (um milhão novecentas e setenta e sete mil quatrocentas e quatro) acções do valor nominal de um euro cada uma, representativas de 51,36% do capital social da “M... - SGPS, S.A.”, NIPC .......09, com sede no ... freguesia da ..., concelho de ..., com o capital social de € 3.850.000,00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o seu número de pessoa colectiva.


Por seu turno a A. era também titular e legítima possuidora de 9.390 (nove mil trezentas e noventa) acções de valor nominal de um euro cada uma, representativas de 0,24 do capital social da mesma “M... - SGPS, S.A.”.


Pelo acordo acima referido, o primeiro R. dividiu o seu lote de 1.977.404 acções em dois lotes iguais de 988.702 e doou cada um destes lotes a cada um dos segundo e terceira RR., seus filhos – cit. doc. 6 -


Por seu lado a A. dividiu o seu lote de 9.390 acções em dois lotes iguais de 4695 acções e doou um desses lotes ao segundo R., seu filho, e o outro à filha, a terceira R. – cit doc.

11º

Acresce que, por força do regime de bens do seu casamento que, como se disse, é a comunhão geral, todas as referidas acções integram o património comum do casal.

14º

As mencionadas doações foram feitas com os seguintes encargos:

“Terceira

1. A presente doação é feita com os encargos a seguir identificados:

I – a) Ao Primeiro Outorgante marido, a atendendo à qualidade de fundador de todas as empresas do Grupo M...., ser-lhe-á concedido o livre acesso a todas e quaisquer instalações das sociedades do Grupo M...., bem como a manutenção do seu gabinete de trabalho existente, à data, na sede social.

b) Remuneração mensal de valor igual à que aufere, vitalícia, incluindo ajudas de custo, viatura e despesas de manutenção da mesma, actualizada anualmente, de acordo com os índices de actualização aplicados à remuneração dos membros do Conselho de Administração.

II – a) À Primeira Outorgante mulher ser-lhe-á também concedida uma remuneração mensal vitalícia equivalente a quatro salários mínimos nacionais, bem como a utilização de uma viatura automóvel e as respectivas despesas de manutenção.

66. O Segundo e a Terceira outorgante, desde já se comprometem a cumprir escrupulosamente os encargos supra identificados, sob pena de, não o fazendo poder ser pedida a resolução da presente doação.”

16º

Nos termos da cláusula quinta, os primeiros outorgantes subordinaram os efeitos jurídicos do contrato em causa à verificação de determinados comportamentos por parte dos donatários, durante um período de dois anos, contados a partir da data da assinatura do contrato, ou seja, 9 de Setembro de 2009.

17º

Designadamente, nos termos da alínea c) da mencionada cláusula “os donatários deverão assegurar a boa convivência familiar, fazendo com que a presente doação em nada afecte a mesma”

18º

Dispondo do nº2 da mesma cláusula:

“No caso de se verificarem, durante o período mencionado no ponto um, qualquer um dos comportamentos identificados no número anterior, a presente doação não produz qualquer efeito e as acções revertem, automaticamente e sem necessidade de qualquer formalidade prévia, para os doadores.”

Invocou que as relações familiares se foram deteriorando de forma grave e que não foram cumpridos os encargos estipulados.

Formulou os seguintes pedidos:

• Anulação das doações a que os autos se referem, por força do disposto no artigo 1687º do Código Civil.

• Quando assim não se entenda, a resolução das ditas doações, com base no número 2 da respectiva cláusula terceira.

• Ainda quando assim não se entenda, deverá ser declarada a ineficácia das mesmas doações por força do disposto do número dois da respectiva cláusula quinta.

O réu DD na contestação deduziu a excepção de incompetência do Tribunal, excepção da sua ilegitimidade passiva e da ilegitimidade activa por preterição de litisconsórcio necessário dado estarem em causa bens que integram o património comum do casal cuja alienação ou oneração carece de consentimento de ambos os cônjuges e acrescentando:

«Opondo­se o Réu, a todos os títulos, à presente acção, como acima já inequivocamente declarado, carece a Autora de legitimidade para peticionar, sobretudo nos concretos termos em que aqui o faz, a anulação, a ineficácia ou a resolução da doação feita pelo Réu seu marido.».

Idêntica posição foi adoptada pelos demais réus.

Em 14 de Julho foi declarada a incompetência do Tribunal do Comércio e remetido o processo ao Juízo de Grande Instância Cível de ... (actualmente Juízo Central Cível de ...).

Apesar de nesta acção não estar em causa qualquer alienação ou oneração de participações sociais, em 25/11/2011, decide o Tribunal de 1.ª instância:

«(…) A alienação ou oneração de participações sociais não é um acto de administração ordinária. Na gestão dos bens comuns a regra, imperativa (1699º, nº 1 al. c) do C.C.), é a da direcção conjunta (art. 1678º, nº 3 do C.C.).

Carece do consentimento do cônjuge não considerado sócio, a alienação ou oneração de participação social. Assim, a Autora não tem legitimidade para peticionar, sobretudo nos concretos termos em que o faz, e com os fundamentos em que o faz, o pedido de anulação, ou de ineficácia ou de resolução da doação relativa às acções do aqui Réu, renovando a alegação de que a presente acção devia ser proposta por marido e mulher – litisconsórcio necessário o que, no caso, não sucede, pelo que se verifica, consequentemente, ilegitimidade plural activa (art. 18º n.º 1 e 28.º nº 1 do CPC; art.º 1682.º-A n.º 1 al. DD é parte ilegítima nos autos, enquanto tal (na qualidade de Réu).

Termos em que deverá proceder a excepção de ilegitimidade invocada pelos Réus.

A ilegitimidade processual é uma excepção dilatória que importa a absolvição da instância -cfr. art.º 493.º, n.º 2 e art.º 494.º, al. e) do C.P.C..

Face ao exposto, julgo procedente a excepção de ilegitimidade invocada pelos Réus e em consequência absolvo os mesmos da instância.».

Não foi interposto recurso desta decisão, explicando a A., neste recurso, que se conformou com a mesma porque se decidiu a deduzir o pedido de intervenção principal do réu DD, que havia igualmente sido absolvido da instância por ilegitimidade passiva, sugerido pela decisão, e, laboriosamente explicou porque tal decisão transitou em julgado em virtude da ausência de recurso a interpor pela A..

Em 11 de Maio de 2012 foi proferida a seguinte decisão:

«Nos termos do disposto no art.º 269.º, n.º 1 do C.P.C., "Até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir, nos termos dos artigos 325.º e seguintes." Refere-se no n.º 2 que "Quando a decisão prevista no número anterior tiver posto termo ao processo, o chamamento pode ter lugar nos trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado; admitido o chamamento, a instância extinta considera-se renovada (...).

Por sua vez, dispõe o art.º 325.º, n.º 1 do C.P.C. que "Qualquer das partes pode chamar a juízo qualquer interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária."

Destina-se este incidente a fazer intervir na causa os co-titulares da mesma relação material controvertida, seja do lado activo ou do lado passivo.

No caso dos autos, tendo em conta a causa de pedir invocada, considerou-se que a Autora, desacompanhada do co-doador, não tinha legitimidade activa para pôr em causa (por anulação, ineficácia ou resolução) a doação feita por ambos os doadores, por preterição de litisconsórcio necessário activo, nos termos do disposto no art.º 28.º, n.º 1 do C.P.C..

Foi em face desta decisão que a Autora, como meio de suprir tal ilegitimidade (activa), veio suscitar o presente incidente de intervenção principal provocada do co-doador DD.

(…) Nos presentes autos todos os Réus foram absolvidos da instância por ilegitimidade da Autora, por preterição de litisconsórcio activo necessário com o co-doador das acções cujo acto de doação pretende atacar.

Mas além disso, o Réu DD foi ainda considerado parte ilegítima enquanto tal, ou seja, como Réu, tendo em consequência sido absolvido da instância.

Assim, em face de tal absolvição, já transitada em julgado, o Réu DD "perdeu" aquela qualidade de Réu.

Por outro lado, o procedimento previsto no art.º 269.º do C.P.C. destina-se a regularizar a instância por falta de determinada pessoa em juízo, renovando-se a instância extinta - cfr. n.º 2. Mas esta renovação só se opera em relação a quem não foi absolvido da instância com qualquer outro fundamento. Ou seja, no caso dos autos, a renovação só opera em relação à Autora e aos Réus BB"».

Quando, em 21/12/2011 foi deduzido o incidente de intervenção principal provocada de DD a decisão proferida em 25/11/2011 tinha transitado em julgado, por não ter sido interposto recurso dessa decisão pela autora, no prazo de 10 dias contados da sua notificação ocorrida em 28/11/2011, nos termos do disposto nos art.º 677.º e 685.º do Código de Processo Civil, então vigente.

Tendo em conta que a acção está pendente desde 2010 importa precisar que numa fase inicial foi regulada pelo Código de Processo Civil de 1961, na versão vigente em 2010.

Com a aprovação do actual Código de Processo Civil pela Lei n.º 41/2013 de 2013-06-26, que no seu art.º 4.º revogou o Código de Processo Civil de 1961 e diplomas que o alteraram até Janeiro de 2013, o presente processo passou a ser regulado pelas actuais normas do Código de Processo Civil, desde a entrada em vigor deste, nos termos do disposto no art.º 5.º n.º1 daquela Lei, posto que não enquadrável numa das situações constantes do referido artigo que excepcionam e imediata aplicação do novo Código de Processo Civil às acções pendentes. Em todo o caso, os preceitos que passarão a ser enunciados do actual Código de Processo Civil que rege este processo desde 2013 têm a mesma redacção que os anteriores que lhe correspondiam no Código de Processo Civil de 1961.

A instância ficou renovada, com a admissão do incidente de intervenção principal provocada do anterior réu DD, agora na qualidade de interveniente principal, mas apenas contra os dois anteriores réus que não foram objecto de qualquer declaração de ilegitimidade passiva, sendo esta instância renovada, com estes intervenientes processuais que nos chegou neste recurso em 2024.

A autora deduziu o incidente de intervenção provocada de DD porque a decisão anterior fundara a sua ilegitimidade na circunstância de não ter proposto a acção acompanhada pelo seu cônjuge que era réu na acção inicialmente proposta.

Estamos em presença de duas doações modais das acções do R. e das acções da A. no capital social da mesma sociedade, constantes do mesmo contrato e reciprocamente autorizadas por ambos os cônjuges, com encargos diversos a favor de cada um deles.

Os pedidos formulados na petição inicial foram os seguintes:

. serem anuladas as doações a que os autos se referem, por força do disposto no artigo 1687º do Código Civil.

. Quando assim não se entenda, o que só por hipótese se admite, devem ser declaradas resolvidas as ditas doações, com base no número 2 da respectiva cláusula terceira.

. Ainda quando assim não se entenda, deverá ser declarada a ineficácia das mesmas doações por força do disposto do número dois da respectiva cláusula quinta.

A acção não pretende qualquer alienação ou oneração de participações sociais ou qualquer outro negócio de natureza comercial, mas exercer o direito potestativo pessoalíssimo do doador de anular ou resolver uma doação com fundamento no incumprimento dos encargos que estavam previstos no contrato de doação.

Relativamente à doação feita pela A., autorizada pelo seu cônjuge, a ela compete a legitimidade para exigir o cumprimento dos encargos de que a autora é beneficiária e usar dos meios legais ao seu alcance para, em caso de incumprimento, obter dos donatários o cumprimento dos encargos ou a anulação ou revogação da doação que efectuou, não existindo qualquer situação de litisconsórcio necessário no que tange à doação das acções da A., celebrada pela A..

A ilegitimidade activa, tal como invocou o réu na sua contestação, apenas ocorre para o pedido de anulação ou resolução da doação que ele celebrou, mas não decorre de qualquer preterição de litisconsórcio necessário.

A A., ainda que casada segundo o regime de comunhão geral de bens, não precisa do consentimento ou acompanhamento processual de ninguém para exigir o cumprimento dos encargos que lhe dizem respeito ou exigir a anulação ou resolução da doação que celebrou. Mas só o réu/interveniente pode exigir o cumprimento dos encargos que lhe dizem respeito ou pedir a declaração de anulação ou resolução da doação que efectuou e não pode ser obrigado a fazê-lo porque não quer, ou eventualmente porque em relação a ele não haja qualquer incumprimento dos encargos emergentes dessa doação.

Nem a lei, nem o negócio jurídico estabelecem qualquer imposição de litisconsórcio necessário nesta situação que só se verificaria se o pedido de anulação de cada uma das doações, por incumprimento dos encargos que a oneram, só pudesse ser exercido por ambos os doadores, circunstância não verificada.

Seguindo a sugestão constante da referida decisão veio a A. deduzir o pedido de intervenção principal provocada do anterior réu DD, que foi admitida, apesar dos grandes protestos deste interveniente e da apresentação de articulado próprio em que contestava toda a versão da autora e concluía pela improcedência da acção.

O acórdão recorrido, chamado a pronunciar-se sobre o recurso interposto pelo anterior réu DD da decisão que admitira a sua intervenção como parte principal do lado activo entendeu que:

Acontece, porém, que o art. 269º do Cód. de Proc. Civil de 1961 se destina a assegurar a intervenção de novas pessoas nos autos, pessoas essas que deveriam estar no processo e não estavam, o que motivara anterior decisão absolutória da instância por ilegitimidade.

Só que DD já se encontrava no processo como réu e, por isso, a disciplina deste preceito legal não lhe pode ser aplicada. Não pode passar, num mesmo processo judicial, de réu para associado da autora.

Além disso, mesmo aceitando-se o discutível entendimento de que, pese embora a operada renovação da instância, esta não englobaria DD, pois perdera a qualidade de réu, não pode a intervenção principal deste ser acolhida, isto porque existe uma evidente contraposição dos interesses substantivos e processuais, por um lado, do chamado e, por outro, da autora, ao lado de quem se pretende que intervenha.

E, como já atrás se referiu, através do incidente de intervenção principal não se pode proceder à cumulação de interesses substantivos contrapostos.

(…) Com efeito, a autora pretende a anulação, declaração de ineficácia ou resolução das doações realizadas, em 9.9.2009, por si e por DD, que abrangeram a totalidade das ações que estes possuíam na “M... - SGPS, S.A.” , ao passo que este em sentido contraposto pretende que essas doações se mantenham.

Deste modo, sem necessidade de outros considerandos, impõe-se a procedência do recurso interposto por DD, no seu primeiro segmento, com a revogação da decisão proferida em 11.5.2012 que deferira a sua intervenção como associado da autora.

A procedência deste recurso, com a rejeição da intervenção principal de DD, faz com que a instância não se possa considerar renovada nos termos do art. 269º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil de 1961, assim subsistindo a anterior decisão de 25.11.2011, transitada em julgado, que absolvera todos os réus da instância por ilegitimidade.

Como consequência desta procedência, fica sem efeito o que foi processado após o despacho de 11.5.2012, aí se incluindo a audiência de julgamento realizada e também a sentença proferida em 17.7.2023.».

Nesta acção, em 25 de Novembro de 2011, foi decidido que não podia ser conhecido do mérito da acção porque a autora desacompanhada do seu cônjuge, então réu DD, era parte ilegítima o que determinou a absolvição da instância de todos réus, para agora entender o Tribunal da Relação que, uma vez que se apresenta acompanhada do anterior réu DD, seu cônjuge à data da propositura da acção, não pode ser conhecido do mérito da acção porque a autora está agora acompanhada dessa mesma pessoa cuja falta determinou a decisão da sua ilegitimidade.

O processo civil é um mero instrumento da realização dos direitos pelo que importaria desde logo equacionar como poderia a autora ver, então, apreciado o mérito das suas pretensões?

As considerações tecidas pelo tribunal recorrido sobre a relevância dos interesses contrapostos entre a autora e o seu ex-cônjuge poderiam ser adequadas se a autora tivesse vindo interpor uma nova acção. Mas a autora decidiu usar da faculdade que lhe era conferida por lei – art. 269º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil de 1961 – causando a renovação da instância com o suprimento da sua ilegitimidade pela exacta forma determinada pelo tribunal na decisão que a julgou parte ilegítima, o que faz toda a diferença na medida em que esta decisão, tendo transitado em julgado, produz caso julgado formal, impondo-se dentro do processo, com o fim de evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior – arts. 494.º, al. i), e 497.º, n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961. A decisão recorrida contradiz frontalmente a decisão de 25 de Novembro de 2011, que tem de ser cumprida, não havendo, com base nela, obstáculo à intervenção principal de DD.

Ora se é certo que a autora não pode ficar privada do seu direito potestativo de requerer a anulação ou revogação da doação que efectuou com fundamento no incumprimento dos encargos nela assumidos pelos donatários, é igualmente certo que a autora não pode impor que o outro doador assuma idêntica iniciativa processual face à doação que ele celebrou. Não pode porque não é titular ou gestora do direito potestativo desse doador de pedir ou não pedir a anulação ou revogação da doação que efectuou, tanto mais que, quanto a ele pode bem ter acontecido que os donatários hajam cumprido os encargos que assumiram. Mas mesmo que o incumprimento dos encargos também o haja atingido, só a ele compete decidir se vai reagir judicialmente, ou não a esse incumprimento. Não foi invocado que este doador padeça de qualquer incapacidade jurídica do exercício dos seus direitos que envolve necessariamente, também, o direito de não os exercer pelo menos sob tutela judicial.

O primeiro erro de direito cometido nos autos foi considerar que estávamos perante um litisconsórcio necessário.

A leitura atenta da decisão proferida pelo Tribunal do comércio, com uma muito correcta análise da relação material controvertida, teria permitido lançar luz sobre que tipo de acção estava em causa. Duas pessoas casadas entre si celebraram no mesmo momento dois contratos de doação aos seus filhos, com consentimento reciproco dos doadores – necessário para a validade das doações por estarem a ser doados bens que integravam o património comum do casal - com o estabelecimento de encargos em benefício de cada um dos doadores, a menção de possibilidade de revogação das doações em caso de incumprimento dos encargos, que foi aceite pelos donatários. Depois de doadas tais acções deixaram de integrar o património comum do casal e, com a aceitação da doação, contemporânea da doação, passaram a integral o património dos donatários. Nunca nesta acção esteve em causa a alienação ou oneração de bens comuns do casal, nem o pedido formulado tem a ver com actos de administração ou disposição de bens integrantes do património comum do casal, não se trata de uma acção de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as acções que tenham por objecto, directa ou indirectamente, a casa de morada de família, não tendo aqui qualquer aplicação o disposto no art.º 28-A.º do Código de Processo Civil de 1961 e 34.º do actual Código de Processo Civil. Desta acção nunca pode decorrer uma oneração ou alienação do património comum do casal que apenas poderia sofrer incremento, no caso de procedência da acção, permanecendo imutável no caso da sua improcedência.

Aqui poderia ocorrer um litisconsórcio voluntário, uma simples acumulação de acções, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes - art.º 27 do Código de Processo Civil de 1961 e 34.º do Código de Processo Civil - caso o doador marido pretendesse também reaver as acções que doou, mas não pretende, para que cada um aproveitasse da prova produzida conjuntamente.

Como foi proposta a acção, em obediência ao disposto no art.º 27 do Código de Processo Civil de 1961 e 34.º do Código de Processo Civil, por estarmos em face de uma situação em que a lei e o negócio são omissos, e a relação material controvertida tal como configurada pela autora na petição inicial respeita a várias pessoas, verificando-se a oposição do doador DD ao pedido formulado pela autora a acção pode também ser proposta por um só interessado, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respectiva quota-parte do interesse, ainda que o pedido abranja a totalidade.

Procede, pois, a revista, devendo os autos regressar ao Tribunal da Relação para que conheça dos demais fundamentos do recurso de apelação.


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III – Deliberação

Pelo exposto acorda-se em conceder a revista, revogar o acórdão recorrido, e, determinar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para que conheça dos demais fundamentos do recurso de apelação.

Custas pelo vencido a final.


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Lisboa, 17 de Outubro de 2024

Ana Paula Lobo (relatora)

Maria Graça Trigo

Catarina Serra