I. Prevê a Lei 54/2005 de 15-11 (art.º 1.º) que entidades particulares ou entidades públicas possam ser titulares de recursos hídricos na categoria de recursos patrimoniais (domínio privado) por contraposição com a categoria de recursos dominiais (domínio público).
II. Estando ao alcance dos particulares o mecanismo de “Reconhecimento de direitos adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos” previsto no artigo 15.º da referida Lei para verem reconhecidos os seus recursos patrimoniais.
III. A Lei 54/2005 de 15-11, a partir da alteração da Lei 34/2014 de 19-06, estabelece a par de um regime regra previsto no art. 15º nºs 2 a 4, um regime de exceção no nº 5 deste art. 15º, que dispensa os particulares da difícil prova de que os seus terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum, ou estavam na posse de particulares ou na fruição comum, antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868.
IV. Bastando para tanto que, o particular demonstre que o seu terreno está integrado em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão e, se encontre ocupado por construção anterior a 1951, através de comprovação documental.
V. A previsão normativa ao estabelecer o seu âmbito de previsão como “parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis” não distingue as parcelas de leitos ou margens das águas do mar relativamente às parcelas de leitos ou margens de águas navegáveis ou flutuáveis, não sendo legítima a interpretação de que o regime do art.º 15º nº 5 c) da Lei 54/2005, é de aplicação exclusiva para parcelas inseridas em área marítima ou costeira, com exclusão de parcelas inseridas em área de águas fluviais.
Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,
I - Relatório
1. AA, intentou ação declarativa com processo comum contra o Estado Português pedindo que seja reconhecido o direito de propriedade privada da Autora sobre a parcela de terreno localizada em zona de domínio público hídrico, na margem direita do rio ..., ocupando a mesma uma área de 99,06 m2 na qual se encontra implantado o prédio urbano sito na Avenida ..., União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., Concelho ....
Invocou para o efeito e no essencial que:
Encontra-se registado a favor da A. o prédio urbano composto de edifício de cinco pavimentos, destinado a comércio e habitação, sito na Avenida ..., da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., cidade e concelho ..., descrito na competente Conservatória sob o nº ...16 – ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...33. Prédio que a A. comprou.
Com vista a recuperar o edifício, a A. tem em curso um processo de licenciamento para operação urbanística de alteração e ampliação.
Chamada a pronunciar-se sobre o processo de licenciamento ao abrigo do estabelecido pelo artigo 13º-A do RJUE, em função da localização do prédio, a Administração dos Portos do ..., ... e ..., IP (doravante, A...) emitiu parecer favorável condicionado à apresentação de prova de reconhecimento de propriedade privada nos termos do artigo 15º da Lei 54/2005 de 15 de novembro.
O prédio da A. encontra-se implantado em pleno Centro Histórico da cidade ..., numa zona considerada de domínio público hídrico e na margem direita do rio ..., onde ocupa uma parcela de solo com a área de 99,06 m2, totalmente localizada na faixa de 50 metros prevista no artigo 11º, nºs. 1 e 2 da dita Lei nº 54/2005 de 15-11.
O rio ..., bem como todas as suas margens desde 200 metros a montante da Ponte ... até à foz, encontram-se sob jurisdição exclusiva da A....
O referido prédio e a parcela de solo por ele ocupada em espaço consolidado, encontram-se servidos de todas as infraestruturas essenciais de abastecimento de água e drenagem de águas residuais pluviais e domésticas, redes de energia elétrica, transportes e mobilidade e, cumpre integralmente os requisitos respeitantes ao alinhamento dos planos marginais por edificações de continuidade, achando-se totalmente alinhado com os demais edifícios existentes naquela via.
O mesmo encontra-se excluído da “faixa de salvaguarda à erosão costeira” e da “faixa de salvaguarda ao galgamento e inundação costeira” e, como tal, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar.
A inscrição matricial remonta a data anterior a 07/08/1951.
O reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de margens de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido pelos nºs. 1 a 4 do artigo 15º da Lei nº 54/2005 de 15-11, designadamente quando estejam integradas em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado, nos termos da alínea c) do nº 5 do mesmo artigo e diploma legal.
Pressupostos que no caso se verificam.
2. Na contestação o Réu pugnou pela improcedência da ação, defendendo que a A. não alegou, nem apresentou documentos donde resulte inequivocamente que o prédio objeto da ação tenha sido objeto de propriedade particular ou comum ou estava na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta da comunidade local, de forma ininterrupta antes de Dezembro de 1864, nem que haja sido objeto de ato desafetação do domínio hídrico, nem que se encontre fora da área da jurisdição da autoridade marítima nos termos da lei, nem que tenha sido declarado pela Autoridade Nacional da Água, como estando fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, pelo que o reclamado direito de propriedade da Autora nunca poderá ser judicialmente reconhecido através da presente ação.
Mais defende que, a parcela em análise nestes autos, não estando inserida em área marítima ou costeira (águas do mar), não lhe é aplicável caso o regime do art.º 15º nº 5 alª c) da Lei 54/2005, de aplicação exclusiva para parcelas inseridas em área marítima ou costeira.
Aplica-se-lhe, somente, o regime previsto nos nºs 2 a 4 e no nº 5 alíneas a) e b) do artº 15 da Lei nº 54/2005, com a sua atual redação.
3. Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou a ação procedente, e em consequência declarou reconhecido o direito de propriedade privada da Autora sobre a parcela de terreno localizada em zona de domínio público hídrico, na margem direita do Rio ... e onde ocupa uma área de 99,6m2, na qual se encontra implantado o prédio urbano sito na Avenida..., União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ..., e ..., concelho ..., descrito na Conservatória sob o nº ...16 – ... e Inscrito na Matriz sob o artigo ...33.
4. O Réu veio interpor recurso per saltum para este tribunal, deduzindo as conclusões que ora se transcrevem:
1 - A sentença recorrida reconheceu a propriedade da autora sobre o prédio supra identificado, integrado na margem direita do Rio ..., o qual é navegável, sendo que o respetivo troço, de águas interiores sujeitas à influência das marés, encontra-se sob jurisdição das autoridades marítima e portuária, respetivamente da Capitania do Porto ... e a A..., SA..
2 - A parcela da margem do Rio ... onde os prédios se encontram implantados está compreendida no domínio público marítimo e integra o domínio público do Estado – art.ºs º3, al. e) e 4º da Lei nº 54/2005.
3 - No troço do Rio ... correspondente à margem em que os prédios se inserem, a mesma tem a largura de 50 metros (art.º 11.º, n.º 2, da Lei n.º 54/2005).
4 - Para o local em apreço não se apurou estar o domínio público marítimo delimitado segundo o formalismo legal exigido (Decreto-Lei n.º 353/2007, de 26/10 e Portaria 931/2010, de 20/9) nem se conhece qualquer diligência nesse sentido.
5 - Nesta medida, o reconhecimento de propriedade privada da parcela da margem do Rio ... ocupada pelo prédio está sujeito ao regime estabelecido no artigo 15.º n.ºs 2, 3 ou 4 da Lei n.º 54/2005.
6- Não existindo desafetação tácita, deveriam aqueles prédios ter sido reconhecidos como domínio público do Estado.
7- O art.º 3.º al. e) e 4.º da Lei n.º 54/2005, estabelece uma presunção de dominialidade a favor do Estado, que poderá ser afastada nos termos do art.º 15.º, do mesmo diploma.
8- O regime estabelecido no artigo 15.º n.ºs 2, 3 ou 4 da Lei n.º 54/2005, regula a forma de obtenção do reconhecimento da propriedade parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis.
9- A autora não configurou a sua pretensão para a apreciação do seu direito de propriedade nos termos dos referidos normativo, não alegando factos para o efeito.
10- O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito –art.º 5.º, n.º3, do CPC.
11- No entanto, o Juiz não pode alterar a causa de pedir, só pode servir-se dos factos articulados pelas partes – art.º 5.º, n.º1 e 2, do CPC, pelo que no caso em apreço o Tribunal tem de confinar a sua decisão à verificação dos pressupostos do art.º 15.º, n.º5, al. c), da Lei n.º 54/2005.
12- De salientar que aquilo que o legislador pretende com o disposto no art.º 15.º, n.º 5, da Lei n.º 54/2005 é dispensar o regime probatório instituído pelos n.ºs 2 a 4 do artigo 15.º da lei 54/2005 e, portanto, não incidindo sobre a matéria a necessidade de ser intentada ação judicial para reconhecimento da propriedade privada.
13- A alínea b), do n.º 5 do artigo 15.º, apenas se aplica quando se pretenda obter o reconhecimento de propriedade privada sobre parcelas do leito ou da margem de cursos de águas navegáveis ou flutuáveis não sujeitos à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias - o que não sucede nos autos dado que o Rio ..., encontra-se sob jurisdição das autoridades marítima e portuária, respetivamente da Capitania do Porto ... e a A..., SA..
14- A alínea c) do referido art.º 15.º, n.º5, pressupõe a verificação cumulativa de quatro pressupostos, a saber:
a) uma parcela de terreno integrada numa zona urbana consolidada;
b) fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, omitindo a lei a referência a “águas fluviais ou lacustres”;
c) ocupação por construção anterior a 1951;
d) e todos os requisitos devem ser “documentalmente comprovadas”.
Sendo os quatro requisitos cumulativos a falta de um deles torna inaplicável o referido normativo.
15- Centramos a nossa discordância da sentença recorrida no requisito da localização: “fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar”.
16- Nesta matéria, entende-se que integram este conceito zona de risco de erosão ou invasão do mar”, pelo menos, as zonas que sejam consideradas como faixas e áreas de risco nos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) aprovados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 309/93, de 2 de Setembro, e regulados no Decreto-Lei n.º 159/2012, de 24 de Julho, e ainda as que vierem a ser definidas nos novos Programas da Orla Costeira de acordo com o novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio.
17- Daqui resulta que a norma apenas tem aplicação quando estiverem em causa “águas do mar”.
18 - Assim, quando estejam em causa águas fluviais ou lacustres, não pode o regime simplificado de prova previsto na alínea c) do art.º 15.º ter aplicação.
19 - Estando o prédio em apreço inserido na margem do Rio ... – curso de água navegável sujeito à jurisdição dos órgãos locais da Direcção-Geral da Autoridade Marítima e da autoridade portuária não se encontra abrangido pelas alíneas b) ou c) do n.º 5, da Lei n.º 54/2005, mas antes pelo regime previsto nos seus n.ºs 2 a 4, pois o curso de água em apreço está sujeito a jurisdição das mencionadas entidades - o que afasta a aplicabilidade da alínea b) - e não estão em causa águas do mar - o que afasta a aplicabilidade da alínea c).
20- Nesta medida, não estaria a autora dispensada de provar os pressupostos de aplicação do disposto no art.º 15.º, n.º 2 , 3 ou 4, da Lei n.º 54/2005, o quais como já se referiu não se verificou.
21- Por todos estes motivos cumpria assim ao Tribunal a quo reconhecer que o prédio em causa integra o domínio público do Estado, negando o reconhecimento da propriedade privada da autora.
22- Nesta medida, impunha-se ao Tribunal a quo julgar improcedente a ação e absolver o Réu Estado Português do pedido.
23- A sentença recorrida violou de forma expressa, além do mais as normas contidas nos art.ºs º3, al. e) e 4º, por um lado, e as normas contidas no art.º15.º, n.º2, 3, 4 e 5, alªs a), b) e c), por outro, todas da Lei n.º 54/2005, quanto ao n.º5, por não verificação dos pressupostos de aplicabilidade das respetivas alíneas.
5. A Autora, em contra-alegações, concluiu:
1ª - A douta sentença recorrida efetuou adequada subsunção dos factos aos dispositivos legais, que interpretou e aplicou de forma exemplar, não merecendo por isso qualquer censura;
2ª - Pelo contrário, o presente recurso assenta numa tese absolutamente infundamentada, que os Tribunais superiores vieram rejeitando inúmeras vezes, sempre e ao longo dos anos, não havendo conhecimento de qualquer aresto dissonante;
3ª - O direito de propriedade da apelada sobre a discutida parcela de terreno situada em área de domínio público hídrico [margem direita do rio ...] foi reconhecido pela douta sentença (e muito bem) com base exclusiva no preenchimento dos requisitos prescritos pela alínea c) do nº 5 do artigo 15º da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, ou seja, mediante a prova irrefutável de que aquela está integrada em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão e invasão do mar e ocupada por uma construção anterior a 1951;
4ª - É ao autor, e apenas ao autor, que compete configurar a causa de pedir da ação de harmonia com o enquadramento legal aplicável na sua perspetiva, que é, neste caso concreto, o regime dito simplificado ou excecional previsto na sobredita alínea c) do nº 5 do artigo 15º da mencionada Lei nº 54/2005;
5ª - O facto de ter resultado adicionalmente provado que o debatido prédio já existia anteriormente a 1869, tendo sido objeto de propriedade particular ou comum de forma ininterrupta desde Dezembro de 1861 [19] não contende com o princípio do dispositivo ínsito no artigo 5º, nºs 1 e 2 do CPC;
6ª - Isto porque o Tribunal não decidiu a causa com fundamento nos nºs. 2 a 4 do citado artigo 15º da Lei nº 54/2005, sendo também certo que a demonstração da anterioridade da posse relativamente a 1864 surgiu no contexto da seleção dos temas de prova efetuada no despacho saneador e teve apenas em vista complementar e apoiar a prova de um dos pressupostos essenciais da aplicação do regime simplificado, isto é, que a parcela de terreno cuja presunção de dominialidade pública foi ilidida está ocupada por construção anterior a 1951;
7ª - Outrossim, e pese embora tal não releve para apreciação do mérito do recurso, não recai sobre os particulares interessados no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre parcelas de terreno do domínio público hídrico o ónus de promover previamente a sua delimitação (Acórdãos da Relação de Lisboa de 20/09/2022, Proc. nº 28159/16.8T8LSB-F.L1-1, www.dgsi.pt, e deste Supremo Tribunal de 04/06/2020, Proc. nº 108/14.5T8PTS.L2.S1, www.jurisprudencia.pt), e muito menos estão obrigados ao preenchimento cumulativo das alíneas a), b) e c) do nº 5 daquele artigo 15º;
8ª - Logo, a única questão a apreciar circunscreve-se à aplicabilidade da alínea c) do nº 5 do artigo 15º da Lei nº 54/2005 aos terrenos situados na margem de rios, uma vez que o recorrente aceita que a parcela versada nos autos se encontra em zona urbana consolidada como tal definida pelo RJUE [9 a 11], fora da zona de risco de erosão ou invasão das águas do mar [12] e ocupada por construção anterior a 1951 [13 a 19];
9ª - Ora, a tese desenvolvida pelo apelante - no sentido de que o regime simplificado ou excecional da predita alínea c) apenas tem aplicação no caso de parcelas localizadas na margem das águas do mar – não encontra a menor sustentação na letra nem no espírito da lei;
10ª - Cotejando a Lei nº 54/2005 [na atual redação introduzida pela Lei nº 34/2024, de 19 de Junho] com o ordenamento jurídico pregresso [em especial o Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro], resulta claro que se manteve a presunção da propriedade do Estado sobre o domínio público hídrico, mas também que os particulares passaram a poder ilidi-la sem terem que recorrer à probatio diabolica da propriedade privada anterior a 1864, ou 1868 quando estejam em causa arribas alcantiladas;
11ª - Neste contexto em que o legislador visou facilitar essa prova no caso de terrenos localizados em zona urbana consolidada, a previsão normativa da alínea c) do nº 5 do artigo 15º da Lei nº 54/2005 corporiza o reconhecimento pelo Estado do gravame desproporcionado e excessivo que seria impor aos particulares que remontassem a datas ancestrais para provarem a propriedade privada; por conseguinte, não subsiste qualquer dúvida de que a norma visou equilibrar a proteção dos interesses do Estado com a tutela dos direitos adquiridos pelos ditos particulares;
12ª – Acresce que a proteção devida ao domínio público hídrico não sai minimamente beliscada pela simplificação da prova consequente da atual redação daquele artigo 15º, porquanto é precisamente nessas áreas de consolidação urbana que se verifica um apertadíssimo escrutínio, ou controlo, em matéria de fiscalização, planeamento e licenciamento levado a efeito pelas entidades competentes;
13ª - Prova evidente disso mesmo é que [5 a 7 dos factos provados] a operação urbanística desencadeada pela recorrida, mesmo que tendente a satisfazer um outro interesse relevantíssimo do Estado (que é a reabilitação do património urbano degradado num centro citadino) não pode prosseguir sem prévio reconhecimento da propriedade privada sobre a parcela em discussão;
14ª - Por outro lado, o legislador igualmente reconheceu que a disponibilidade jurídica conferida aos particulares nas zonas consolidadas, muitas vezes ao longo de séculos, dificilmente poderia articular-se com todas as restrições e condicionamentos que decorrem da dominialidade pública;
15ª - Nessa ordem de ideias, o legislador também não terá pretendido que a exigência da prova nos termos dos nºs. 2 a 4 do artigo 15º da Lei nº 54/2005 constituísse um bloqueio à recuperação de imóveis degradados e ao comércio jurídico em geral; se nos é permitido dizê-lo, terá mesmo reconhecido de uma forma tímida que compete ao Estado (em primeira linha) delimitar o seu domínio público hídrico, não devendo fazer recair esse ónus ou essa “função” sobre os particulares;
16ª - A alínea c) do nº 5 do artigo 15º da Lei nº 54/2005 não distingue “águas do mar” de “águas de rio” ou quaisquer outras, o que se afigura incontroverso de acordo com o elemento literal ou gramatical de interpretação;
17ª - Do ponto de vista dos elementos histórico e teleológico, já ficou demonstrado à saciedade que a intenção do legislador consistiu na simplificação do regime da prova da propriedade privada das parcelas sitas em áreas urbanas consolidadas;
18ª - Finalmente, quanto ao elemento sistemático da interpretação, este compreende o seu contexto, os seus lugares paralelos, o lugar que compete à norma no ordenamento global e a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de toda a ordem jurídica;
19ª - Não se trata portanto de interpretar reportando à própria norma e de forma redutora, sem ter presente a unidade do sistema jurídico e passando um atestado de incompetência ao legislador, como pretende fazer o recorrente ao sustentar que a lei não utilizou a expressão “águas do mar” por ser óbvio que se trata das margens desse tipo de águas;
20ª - O raciocínio do intérprete deve ser rigorosamente o inverso, isto é, terá de presumir que o legislador previu as soluções jurídicas mais prudentes, aquelas que não se revelem inócuas ou desnecessárias, tendo expressado o seu pensamento nos termos adequados (artigo 9º, nº 3 do CC);
21ª - Se o legislador não separou “águas do mar” de “águas de rio” – e tê-lo feito se quisesse, como de resto sucedeu no caso da exclusão dos leitos verificável na alínea b) do mesmo comando normativo – não deve o intérprete distinguir onde a lei não distinguiu;
22ª - A possibilidade de prova da propriedade privada sobre parcelas de solo abrangidas pela citada alínea c) do nº 5 do artigo 15º não se limita portanto aos terrenos situados nas margens do mar, porque esse elemento não consta da previsão positiva da norma; na mesma linha, a referência à zona de risco de erosão ou invasão do mar é apenas enunciada como elemento delimitador negativo ou excludente dessa possibilidade;
23ª - Assim, a tese defendida pelo Ministério Público coarta e desvirtua o fim visado com a introdução da norma e pretende atribuir-lhe um sentido que ela não contempla, sem nenhuma correspondência verbal na letra da lei e conduzindo a um resultado interpretativo também proibido pelo artigo 9º, nº 2 do CC;
24ª - Os Tribunais superiores já se pronunciaram exaustivamente sobre a matéria, consolidando uma jurisprudência pacífica e uniforme no sentido de que o regime simplificado da alínea c) do nº 5 do artigo 15º da Lei nº 54/2005 tem inteira aplicação no caso de prédios situados nas margens de rios (confrontar, por todos, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 23/03/2021, Proc. nº 16389/18.2T8PRT.S1, www.gde.mj.pt, tirado a propósito de prédio no mesmo local e avenida, a muito poucos metros da discutida parcela, e de 01/03/2018, Proc. nº 248/15.3T8FAR.E1.S2, www.juris.stj.pt, bem como da Relação do Porto de 09/01/2020, Proc. nº 7742/17.0T8VNG.P1, e da Relação de Lisboa de 04/07/2023, Proc. nº 2376/19.7T8ALM-L1-7, estes últimos disponíveis em www.dgsi.pt;
25ª - Saliente-se finalmente por dever de ofício – e apesar de não ter sido suscitada a questão da alteração da matéria de facto - que a prova de que o prédio se encontra fora da zona da zona de risco de erosão e invasão do mar [12] resultou (e mais uma vez bem) da ponderação do teor de certidão emitida pela Câmara Municipal ..., documento autêntico e não arguido de falso, provindo de entidade competente;
26ª - Não identificando a lei a entidade emitente desse documento, é da competência da Câmara Municipal atestar tal facto, uma vez que o faz com base na Carta de Riscos Naturais do PDM, que resume por sua vez os planos de ordenamento de território elaborados por todos os organismos com jurisdição no local, incluindo o Plano Nacional da Água; o Programa da Orla Costeira ... e o Plano de Gestão da Região Hidrográfica ... (artigo 4º do RPDM do ...);
27ª - Tanto mais que, vigorando no território abrangido pelo Plano Diretor Municipal os mais diversos instrumentos de gestão territorial, o referido PDM integra e articula, por imposição legal, as orientações estabelecidas pelos programas de âmbito nacional, regional e intermunicipal, nos termos dos artigos 2º, nº 5 alínea a) e 95º do RJIGT instituído pelo Decreto-Lei nº 80/2015, de 14 de Maio;
28ª - Por todo o exposto, bem andou o Meritíssimo Juiz a quo ao julgar a ação procedente, reconhecendo o direito de propriedade da apelada sobre a parcela de terreno em discussão;
29ª - A douta sentença recorrida não violou nenhuma disposição legal, e muito menos qualquer das normas contidas nos artigos 3º, alínea e), 4º e 15º, nºs. 2, 3, 4 e 5, alíneas a), b) e c), todos da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, pelo que deverá ser integralmente confirmada.
II. Objeto do recurso
De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º 2, 635.º, nº .4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC), importa conhecer das seguintes questões:
- Da (in)aplicabilidade ao caso da previsão normativa estabelecida na alª c) do nº 5 do art. 15º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro.
- Do (não) preenchimento, face aos factos provados, dos pressupostos legais para o reconhecimento do direito de propriedade da Autora à luz dos nºs 2, 3, 4 e 5 alªs a) e b) do art. 15.º da Lei n.º 54/2005.
III – A 1ª Instância deu como provados os seguintes factos:
1) Encontra-se registado a favor da A. o prédio urbano composto de edifício de cinco pavimentos, destinado a comércio e habitação, sito na Avenida ..., da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., cidade e concelho ..., descrito na competente Conservatória sob o nº ...16 – ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...33 (docs. 1 e 2).
2) O referido prédio estava anteriormente descrito na Conservatória do Registo Predial ..., Secção 1, sob o nº ...95 do livro nº 8 (ainda doc. 1).
3) Tendo-lhe correspondido, também anteriormente, o artigo matricial ...85, urbano, da extinta freguesia de ... (de novo doc. 2).
4) O referido prédio adveio à propriedade da A. por o haver comprado a S..., Lda., conforme registo de aquisição constante da Apresentação nº 1103 de 2018/06/01 (conferir doc. 1).
5) Com vista a recuperar o edifício, que carece de profundas obras de conservação e reabilitação, a A. tem em curso – junto da Câmara Municipal ... e conjuntamente com os proprietários dos prédios confinantes com os nºs. 256-260 e 250-254 da mesma Avenida ... - um processo de licenciamento para operação urbanística de alteração e ampliação, ao qual foi atribuído o nº ...59/2019/CM... (doc. 3).
6) Tal pedido foi subscrito pela técnica responsável (arquiteta BB), estando o projeto de arquitetura em fase de aprovação.
7) Chamada a pronunciar-se sobre o processo de licenciamento ao abrigo do estabelecido pelo artigo 13º-A do RJUE, em função da localização do prédio, a A... (Administração dos Portos do ..., ... e ..., IP) emitiu parecer FAVORÁVEL CONDICIONADO à apresentação de prova de reconhecimento de propriedade privada nos termos do artigo 15º da Lei 54/2005 de 15 de novembro com redação atualizada (doc. 4).
8) O referido prédio da A. encontra-se implantado em pleno Centro Histórico da cidade ..., numa zona considerada de domínio público hídrico e na margem direita do rio ..., onde ocupa uma parcela de solo com a área de 99,06 m2, totalmente localizada na faixa de 50 metros prevista no artigo 11º, nºs. 1 e 2 da dita Lei nº 54/2005, conforme levantamento topográfico e planta de localização adiante juntos (docs. 5 e 6).
9) A parcela de terreno onde se acha edificado o prédio da A. mostra-se integrada em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.
10) O imóvel sito na Avenida ... tem o seguinte enquadramento com o PDM, conforme certidão emitida pela Câmara Municipal ... (doc. 7 Carta de Qualificação do uso do solo: funcional (Área histórica), operativa (Espaço consolidado).
- Situa-se em solo urbano da Área Histórica ..., de acordo com a carta de qualificação do solo da planta de ordenamento (pág. 58 do relatório do PDM, doc. 8, precisamente na zona onde “nasceu” o velho burgo ..., que vem sendo ocupada desde tempo imemoriais, como se descreve a fls. 253 do relatório do PDM, doc. 8:
Centro Histórico ... - Perímetro de intra muralha fernandina de malhar urbana orgânica com parcelas de tecido urbano que revelam ainda uma estrutura viária medieva, acompanhada de áreas de expansão Almadina e oitocentista planeadas, que correspondem a épocas marcantes do desenvolvimento da cidade fora de muros; séc. XVIII e 1ª metade séc. XX. O Centro Histórico ... é constituído por uma malha urbana de grande valor histórico, cultural, artístico e arquitetónico, que está confinado à linha da muralha Fernandina do século XIV, mais alguns arrabaldes próximos tais como ... a Poente, e os ... e ... a Nascente (…) (ver ainda doc. 2 quanto à anterior denominação toponímica da Avenida ...).
11) O prédio da A., e a parcela de solo por ele ocupada em espaço consolidado, encontram-se servidos de todas as infraestruturas essenciais de abastecimento de água e drenagem de águas residuais pluviais e domésticas, redes de energia elétrica, transportes e mobilidade (artigo 12º, nº 1 do RPDM e plantas complementares do PDM, em especial as cartas de infraestruturas i, ii e iii).
12) O prédio da A. encontra-se excluído da “faixa de salvaguarda à erosão costeira” e da “faixa de salvaguarda ao galgamento e inundação costeira”, e, como tal, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, consoante certificado pela Câmara Municipal ... (ainda doc. 7).
13) O referido prédio da A. é de construção original anterior a 1951, tal-qual certifica uma vez mais a Câmara Municipal ... (de novo doc. 7).
14) Os antecedentes históricos da construção, bem como as vicissitudes dos múltiplos pedidos de licenciamento camarário efetuados ao longo dos últimos 150 anos, evidenciam que o dito prédio já existia no local desde, pelo menos, o ano de 1869 (ainda doc. 7).
15) A inscrição matricial remonta a data anterior a 07/08/1951, como decorre da respetiva caderneta predial (confrontar doc. 2).
16) O prédio foi erigido através de um sistema de construção centenário e típico do período muito anterior à data da entrada em vigor do RGEU, consoante memória descritiva e justificativa apresentada no processo de licenciamento camarário (doc. 9).
17) Apresenta paredes perimetrais em pedra, telhados tradicionais e claraboias burguesas ..., tudo características próprias das construções levantadas antes de 1951 (ainda doc. 9, com as correspondentes fotos).
18) E um sistema construtivo caracterizado vulgarmente como tipo séc. XIX, composto por paredes de fachada e meação em alvenaria de pedra, com cerâmico no alçado frontal (...), com estrutura dos pisos em travejamento de madeira revestida a soalho de madeira maciça, escadas em madeira e coberturas inclinadas (uma vez mais doc. 9).
19) O prédio já existia anteriormente a 1869, tendo sido objeto de propriedade particular ou comum de forma ininterrupta desde Dezembro de 1861.
Com relevância não ficaram por provar quaisquer factos
IV – Apreciação do Recurso
1. O regime legal
Defende o Réu/Recorrente que o regime do art.º 15º nº 5 c) da Lei 54/2005, é de aplicação exclusiva para parcelas inseridas em área marítima ou costeira, pelo que, não estando a parcela em análise nestes autos, inserida em área marítima ou costeira (águas do mar), mas em área de águas fluviais, tal previsão não se lhe aplica, sendo antes de aplicar o regime previsto nos nºs 2 a 4 e no nº 5 alíneas a) e b) do artº 15 da Lei nº 54/2005, com a sua atual redação.
Regime esse cujos pressupostos factuais não resultam demonstrados, não podendo à Autora ser reconhecido o pretendido direito de propriedade.
Importa, pois, apurar se os pressupostos de reconhecimento do direito de propriedade da Autora/Recorrida se excluem do âmbito de aplicação da alínea c) do nº 5 do art. 15º da referida Lei nº 54/2005, tendo antes previsão nas demais alíneas do nº 5, em concorrência com os nºs 2 a 4 do mesmo artigo. E se, no caso, nenhuma das previsões se mostra preenchida em face dos factos provados, como pretende o Recorrente.
1.1. O regime legal aplicável
A ação de natureza constitutiva (art. 10º nº 3 alª c) do CPC) foi intentada em 21-09-2022, aplicando-se ao caso a Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, (alterada pela Declaração de Retificação n.º 4/2006, de 11/01 e pelas Leis n.º 78/2013, de 21-11 e 34/2014, de 19-06, 31/2016, de 23/08), que veio estabelecer a titularidade dos recursos hídricos, definindo a pertença dos recursos hídricos nacionais, incluindo as águas os respetivos leitos e margens, zonas adjacentes, zonas de infiltração máxima e zonas protegidas.
Este regime classifica os recursos hídricos, em função da titularidade, como recursos dominiais, ou pertencentes ao domínio público e, como recursos patrimoniais, os pertencentes a entidades públicas ou particulares – art.1º, nº 2;
O domínio público hídrico abarca o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas – art. 2.º, n.º 1;
O domínio público marítimo compreende, por sua vez:
a) As águas costeiras e territoriais;
b) As águas interiores sujeitas à influência das marés, nos rios, lagos e lagoas;
c) O leito das águas costeiras e territoriais e das águas interiores sujeitas à influência das marés;
d) Os fundos marinhos contíguos da plataforma continental, abrangendo toda a zona económica exclusiva;
e) As margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas à influência das marés. – art. 3.º.
O domínio público lacustre e fluvial compreende:
a) Cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos, e ainda as margens pertencentes a entes públicos, nos termos do artigo seguinte;
(…).
A margem é a faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas – art. 11.º, n.º 1 – que, quando referente a águas do mar ou águas navegáveis sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direcção-Geral da Autoridade Marítima, tem a largura de 50 metros – art. 11.º, n.º 2;
O domínio público marítimo pertence ao Estado – art. 4º. e o restante domínio público hídrico pode pertencer ao Estado, às Regiões Autónomas e aos municípios e freguesias - art.º 2º nº 2 e art.º 6º nº 1 da Lei nº 54/2005.
Mas não é imperioso que assim seja.
Prevendo a Lei 54/2005 de 15-11 (art.º 1.º) que entidades particulares ou entidades públicas possam ser titulares de recursos hídricos na categoria de recursos patrimoniais (domínio privado) por contraposição com a categoria de recursos dominiais (domínio público).
Estando ao alcance dos particulares o mecanismo de “Reconhecimento de direitos adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos” previsto no artigo 15.º da referida Lei para verem reconhecidos os seus recursos patrimoniais.
1.2. A localização do prédio da Autora
A Autora pede o reconhecimento do direito de propriedade sobre prédio implantado em pleno Centro Histórico da cidade ..., numa zona considerada de domínio público hídrico e na margem direita do rio ..., onde ocupa uma parcela de solo com a área de 99,06 m2, totalmente localizada na faixa de 50 metros prevista no artigo 11º, nºs. 1 e 2 da dita Lei nº 54/2005 (facto provado 8).
A localização do prédio da Autora na margem direita do rio ..., onde ocupa uma parcela de solo com a área de 99,06 m2, totalmente localizada na faixa de 50 metros prevista no artigo 11º, nºs. 1 e 2 da Lei nº 54/2005, torna seguro estar o mesmo implantado numa zona considerada de domínio público hídrico.
O artigo 15.º da Lei 54/2005 de 15-11 tem, a partir da alteração da Lei 34/2014 de 19-06, a seguinte redação:
«1 - Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, cabendo ao Ministério Público, quando esteja em causa a defesa de interesses coletivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais, contestar as respetivas ações, agindo em nome próprio.
2 - Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868.
3 - Na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
4 - Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas.
5 - O reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido nos números anteriores nos casos de terrenos que:
a) Hajam sido objeto de um ato de desafetação do domínio público hídrico, nos termos da lei;
b) Ocupem as margens dos cursos de água previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º, não sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias;
c) Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado.
6 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, compete às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira regulamentar, por diploma das respetivas Assembleias Legislativas o processo de reconhecimento de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos, nos respetivos territórios.» (sublinhados nossos).
1.3. O âmbito de aplicação do regime excecional previsto no nº 5
O texto do nº 5 resultou das alterações ao diploma suportadas pela Lei n.º 34/2014, de 19-06, a qual teve na sua génese o Projeto de Lei n.º 557/XII/3.ª (PPD/PSD e CDS-PP).
Consta deste Projeto de Lei a seguinte exposição de motivos (https://app.parlamento.pt/):
«A presunção de dominialidade dos terrenos dos leitos e das margens de águas navegáveis e flutuáveis remonta ao Decreto Régio de 31 de dezembro de 1864, tendo desde então sido mantida nas diversas leis que se sucederam nesta matéria, das quais se destacam o Decreto Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, que aprovou o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico, e a Lei n.º 54/2005, de 21 de novembro, atualmente vigente, que aprovou o regime jurídico da titularidade do domínio hídrico, revogando o Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro. Para além da sua função tradicional de assegurar o acesso e a fruição comum dos leitos e das margens das águas do mar e das águas interiores navegáveis e flutuáveis, constitui hoje um instrumento jurídico fundamental para a prossecução das medidas de gestão e mitigação dos riscos das zonas costeiras e marginais, concretizando, neste domínio, as tarefas fundamentais do Estado de assegurar a proteção de pessoas e bens, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correto ordenamento do território. A presunção legal da dominialidade dos leitos e margens das águas do mar e das águas navegáveis e flutuáveis não prejudica, porém, a possibilidade de os particulares comprovarem o seu direito de propriedade sobre parcelas desses leitos ou margens, que era igualmente conferida pelo artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro. Em todo o caso, o facto de ser reconhecida a propriedade privada sobre terrenos dos leitos e margens não deixa desguarnecidos de tutela jurídica os valores inerentes ao regime do domínio público hídrico, uma vez que, nesse caso, tais terrenos ficam sujeitos às restrições e de servidões administrativas estabelecidas no mesmo regime jurídico.
A Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, que revogou parcialmente o Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, mantém, no essencial, o regime de dominialidade dos leitos e margens das águas do mar e das águas navegáveis e flutuáveis, sem prejuízo de introduzir duas importantes inovações: (i) clarificar a sujeição do reconhecimento da propriedade privada a decisão judicial, em conformidade com a esfera de jurisdição dos tribunais comuns, à luz do quadro jurídico-constitucional vigente; e o (ii) estabelecimento de um prazo limite para o efeito, fixado em 1 de janeiro de 2014, no sentido de estabilizar definitivamente a situação jurídica desses terrenos. Reconhecendo a dificuldade na recolha da prova exigida para o reconhecimento da propriedade privada de leitos ou margens de águas navegáveis ou flutuáveis, a Lei n.º 78/2013, de 21 de novembro, estendeu para 1 de julho de 2014 o prazo limite para o efeito, determinando igualmente que, dentro do mesmo prazo, a Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, seja revista, redefinindo-se os requisitos e prazos necessários para a obtenção do reconhecimento de propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas de mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis.
Neste contexto, justifica-se, por isso, repor a possibilidade de os titulares do direito de propriedade sobre parcelas de terrenos de leitos e margens de águas navegáveis e flutuáveis anterior a 31 de dezembro de 1864 ou, no caso de arribas alcantiladas, a 22 de março de 1868 instaurem, a todo o tempo, as ações judiciais para reconhecimento dos seus direitos. Por outro lado, constata-se que a exigência de prova de propriedade privada reportada às datas atrás referidas pode revelar-se, em certos casos, excessiva. Trata-se, nomeadamente do caso de terrenos situados em zonas urbanas consolidadas com construção anterior a 1951 (data a partir da qual passou a ser genericamente exigido, pelo Regulamento Geral das Edificações Urbanas, o licenciamento municipal de construções dentro dos perímetros urbanos e nas zonas rurais de proteção) quando situados fora de zona de risco, que constitui a preocupação fundamental deste regime, ou das margens de águas interiores não sujeitas à jurisdição marítima, pois é nestas últimas que incidem com maior acuidade os valores da segurança de pessoas e bens e da proteção da natureza e do ambiente, subjacentes à tutela da dominialidade: nestes casos, mostra-se adequada a dispensa de prova da propriedade anterior a 1864 ou 1868.
Para além deste desiderato principal, passados mais de oito anos de vigência, a experiência de aplicação da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, demonstra a necessidade de, adicionalmente, se proceder a alguns acertos e clarificações, que ora também se propõem, entre os quais avultam: a densificação do conceito de «águas navegáveis ou flutuáveis», de modo a permitir uma aplicação uniforme do mesmo e a sua apreensão de modo claro por todos, e a alteração de algumas normas relacionadas com esta matéria; a clarificação da qualidade em que intervém o Ministério Público no âmbito das ações judiciais de reconhecimento de propriedade privada intentadas ao abrigo do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, atribuindo-lhe diretamente a competência para contestar tais ações, uma vez que o que aí está verdadeiramente em causa é a defesa dos interesses coletivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais.» (sublinhados nossos).
O confronto deste diploma com o antecedente permite concluir que se manteve a presunção de propriedade do Estado sobre o domínio público hídrico (que inclui o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas), se manteve igualmente a equiparação ao conceito de águas do mar do conceito de águas navegáveis ou flutuáveis, para efeitos de ilisão da presunção dominial e alargaram-se os casos de ilisão dessa presunção e reconhecimento da propriedade privada sobre terrenos inseridos nesse domínio, sem recurso a probatio diabolica da propriedade anterior a 1864 ou 1868.
A Lei 54/2005 de 15-11, a partir da alteração da Lei 34/2014 de 19-06, estabelece assim, a par de um regime regra previsto no art. 15º nºs 2 a 4, um regime de exceção no nº 5 deste art. 15º, que dispensa os particulares da difícil prova de que os seus terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum, ou estavam na posse de particulares ou na fruição comum, antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868.
Ora, é no âmbito deste alargamento dos casos de ilisão da presunção e reconhecimento da propriedade privada, sobre terrenos inseridos no domínio público que se posiciona a pretensão da Autora, nomeadamente à luz do art. 15.º, n.º 5, al. c) da Lei n.º 54/2005.
Estabelecido para parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis que:
- Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação;
- Fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar;
- E se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado.
A previsão normativa ao estabelecer o seu âmbito de previsão como “parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis” não distingue as parcelas de leitos ou margens das águas do mar relativamente às parcelas de leitos ou margens de águas navegáveis ou flutuáveis.
A localização do terreno cujo direito de propriedade o particular reivindica terá de se localizar fora da zona de risco de erosão ou de invasão das águas por razões de segurança e proteção públicas.
Incluem-se nessas zonas, pelo menos, as “zonas ameaçadas pelo mar”, previstas na Lei, algumas das zonas tidas por faixas e áreas de risco nos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC), regulados no D.L. n.º 159/2002, de 24-07, sem prejuízo das demais situações em que se comprove faticamente a existência de algum dos previstos riscos.
Não sendo de excluir os casos em que há encontros e interpenetrações entre as águas do mar e as águas do rio, podendo estas ser potencialmente ameaçadas por invasão do mar.
Não sendo, assim, legítima a interpretação do Recorrente no sentido de que, o regime do art.º 15º nº 5 c) da Lei 54/2005, é de aplicação exclusiva para parcelas inseridas em área marítima ou costeira, logo, não estando a parcela em análise nestes autos, inserida em área marítima ou costeira (águas do mar), mas em área de águas fluviais, tal previsão não se lhe aplica, sendo antes de aplicar o regime previsto nos nºs 2 a 4 e no nº 5 alíneas a) e b) do artº 15 da Lei nº 54/2005.
Interpretação que, com todo o respeito, se mostra contrariada quer pela letra da lei, quer pela intenção do legislador, quer pela finalidade da lei (art.º 9º nº 1 do Código Civil).
Podendo, desse modo, a Autora fazer uso do regime previsto no nº 5 do art. 15º da Lei 54/2005, em qualquer das previsões estabelecidas, alternativamente, nas suas alíneas a), b) e c) para reclamar seu direito.
2. Os pressupostos legais do reconhecimento do direito de propriedade da Autora à luz do art. 15.º, n.º 5, al. c) da Lei n.º 54/2005.
Como referimos, o nº 5 do artigo 15º da Lei nº 54/2005, de 15-11, para efeitos de demonstração da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis, isenta do regime de prova fixado nos nº 2 a 4 do mesmo artigo, além do mais, os casos de terrenos integrados em zona urbana consolidada, como tal definida no RJUE, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado.
Reconduzida a causa de pedir da ação ao disposto no art. 15º nº 5 alª c) da Lei nº 54/2005, será no âmbito desta previsão que se apurará se estão verificados os pressupostos para o reconhecimento da propriedade particular em relação ao prédio da Autora.
Assim:
Importa apurar se a Autora demonstrou que o seu terreno:
- Está integrado em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação;
- Fora da zona de risco de erosão ou de invasão; e,
- Se encontre ocupado por construção anterior a 1951.
- Através de comprovação documental.
A definição da integração em zona urbana consolidada deve resultar do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, regime esse previsto no Decreto-Lei n.º 555/99 de 16-12.
Dispõe o seu art.º 2.º alª o), na redação dada pela Lei n.º 60/2007 de 04-09, em vigor, que: para efeitos do presente diploma entende-se por «Zona urbana consolidada», a zona caracterizada por uma densidade de ocupação que permite identificar uma malha ou estrutura urbana já definida, onde existem as infraestruturas essenciais e onde se encontram definidos os alinhamentos dos planos marginais por edificações em continuidade.»
Para efeitos do respetivo diploma este conceito releva para a comunicação prévia de operações urbanísticas (art.º 4.º alª e)).
O que nos remete para as características urbanísticas, física e materialmente existentes no local.
Resultou provado que:
- O imóvel sito na Avenida ... tem o seguinte enquadramento com o PDM, conforme certidão emitida pela Câmara Municipal ... (doc. 7 Carta de Qualificação do uso do solo: funcional (Área histórica), operativa (Espaço consolidado) - Facto 10).
- Situa-se em solo urbano da Área Histórica ..., de acordo com a carta de qualificação do solo da planta de ordenamento (pág. 58 do relatório do PDM, doc. 8, precisamente na zona onde “nasceu” o velho burgo ..., que vem sendo ocupada desde tempo imemoriais, como se descreve a fls. 253 do relatório do PDM, doc. 8: Centro Histórico ... - Perímetro de intra muralha fernandina de malhar urbana orgânica com parcelas de tecido urbano que revelam ainda uma estrutura viária medieva, acompanhada de áreas de expansão Almadina e oitocentista planeadas, que correspondem a épocas marcantes do desenvolvimento da cidade fora de muros; séc. XVIII e 1ª metade séc. XX. O Centro Histórico ...é constituído por uma malha urbana de grande valor histórico, cultural, artístico e arquitetónico, que está confinado à linha da muralha Fernandina do século XIV, mais alguns arrabaldes próximos tais como ... a Poente, e os ... e ... a Nascente (…) (ver ainda doc. 2 quanto à anterior denominação toponímica da Avenida ...) - Facto 10).
O prédio da A., e a parcela de solo por ele ocupada em espaço consolidado, encontram-se servidos de todas as infraestruturas essenciais de abastecimento de água e drenagem de águas residuais pluviais e domésticas, redes de energia elétrica, transportes e mobilidade (artigo 12º, nº 1 do RPDM e plantas complementares do PDM, em especial as cartas de infraestruturas i, ii e iii)- Facto 11).
O que permite concluir, embora a sentença o tenha igualmente factualizado no facto 9), que:
“A parcela de terreno onde se acha edificado o prédio da A. mostra-se integrada em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação”.
Encontra-se igualmente provado que: O prédio da A. encontra-se excluído da “faixa de salvaguarda à erosão costeira” e da “faixa de salvaguarda ao galgamento e inundação costeira”, e, como tal, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, consoante certificado pela Câmara Municipal ... ( doc. 7) - facto 12.
E ainda que:
O referido prédio da A. é de construção original anterior a 1951, tal-qual certifica uma vez mais a Câmara Municipal ... (doc. 7) - facto 13).
Os antecedentes históricos da construção, bem como as vicissitudes dos múltiplos pedidos de licenciamento camarário efetuados ao longo dos últimos 150 anos, evidenciam que o dito prédio já existia no local desde, pelo menos, o ano de 1869 (doc. 7) - facto 14).
A inscrição matricial remonta a data anterior a 07/08/1951, como decorre da respetiva caderneta predial (doc. 2) – facto 15.
O prédio foi erigido através de um sistema de construção centenário e típico do período muito anterior à data da entrada em vigor do RGEU, consoante memória descritiva e justificativa apresentada no processo de licenciamento camarário (doc. 9) – facto 16.
Apresenta paredes perimetrais em pedra, telhados tradicionais e claraboias burguesas ..., tudo características próprias das construções levantadas antes de 1951 (doc. 9, com as correspondentes fotos) – facto 17.
E um sistema construtivo caracterizado vulgarmente como tipo séc. XIX, composto por paredes de fachada e meação em alvenaria de pedra, com cerâmico no alçado frontal (…), com estrutura dos pisos em travejamento de madeira revestida a soalho de madeira maciça, escadas em madeira e coberturas inclinadas (doc. 9) – facto 18.
O prédio já existia anteriormente a 1869, tendo sido objeto de propriedade particular ou comum de forma ininterrupta desde Dezembro de 1861 – facto 19.
Tais factos assentam em prova documental.
De toda a factualidade exposta decorre estarem preenchidos os pressupostos para concessão do pedido, com base na alínea c), nº 5, do artº 15º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro.
Assim, bem andou o tribunal a quo ao reconhecer a propriedade particular da Autora em relação à parcela dos autos.
Nesta conformidade, a Revista deverá improceder.
V. Sumário:
1. Prevê a Lei 54/2005 de 15-11 (art.º 1.º) que entidades particulares ou entidades públicas possam ser titulares de recursos hídricos na categoria de recursos patrimoniais (domínio privado) por contraposição com a categoria de recursos dominiais (domínio público).
2. Estando ao alcance dos particulares o mecanismo de “Reconhecimento de direitos adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos” previsto no artigo 15.º da referida Lei para verem reconhecidos os seus recursos patrimoniais.
3. A Lei 54/2005 de 15-11, a partir da alteração da Lei 34/2014 de 19-06, estabelece a par de um regime regra previsto no art. 15º nºs 2 a 4, um regime de exceção no nº 5 deste art. 15º, que dispensa os particulares da difícil prova de que os seus terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum, ou estavam na posse de particulares ou na fruição comum, antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868.
4. Bastando para tanto que, o particular demonstre que o seu terreno está integrado em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão e, se encontre ocupado por construção anterior a 1951, através de comprovação documental.
5. A previsão normativa ao estabelecer o seu âmbito de previsão como “parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis” não distingue as parcelas de leitos ou margens das águas do mar relativamente às parcelas de leitos ou margens de águas navegáveis ou flutuáveis, não sendo legítima a interpretação de que o regime do art.º 15º nº 5 c) da Lei 54/2005, é de aplicação exclusiva para parcelas inseridas em área marítima ou costeira, com exclusão de parcelas inseridas em área de águas fluviais.
V.I. DECISÃO
Pelo exposto, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão recorrida.
Sem custas artº 4º, a), do RCP..
Lisboa, 29 de outubro de 2024
Anabela Luna de Carvalho (Relatora)
Maria Clara Sottomayor (1ª Adjunta)
Manuel Aguiar Pereira (2º Adjunto)