PROVA EMPRESTADA
PROVA PROÍBIDA
DEVER DE DECLARAR DA TESTEMUNHA
DIREITO AO SILÊNCIO DO ARGUIDO
DECLARAÇÕES DE TESTEMUNHA QUE É ARGUIDO
GARANTIAS DE DEFESA
PROCESSO EQUITATIVO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário

I. A incompatibilidade da posição processual de arguido com a qualidade de testemunha, impede que as declarações prestadas por esta em processo anterior, mediante o dever de declarar, possam valorar-se em processo posterior, em que ela passa a ter a qualidade de arguido, como se de mera prova documental livremente apreciável se tratasse.
II. Trata-se, deveras, de valoração de prova proibida, vulneradora das garantias associadas ao processo equitativo, designadamente do direito à presunção de inocência, à imediação com a prova, ao contraditório e ao direito ao silêncio do arguido (artigos 125.º, 343.º, 345.º, 355.º, 356.º CPP e 20.º, § 4.º e 32.º, § 1.º da Constituição).
III. Há erro notório na apreciação da prova quando do próprio texto da decisão recorrida ressalta, com patente evidência, que o tribunal valorizou prova contra critérios legalmente fixados, designadamente por ter assentado a sua convicção quanto à quase totalidade dos factos julgados provados na valoração de prova proibida.

Texto Integral

I – Relatório
a. No … Juízo Central Criminal de …, procedeu-se a julgamento em processo comum, da competência do tribunal coletivo, de AA, militar da Guarda Nacional Republicana, nascido a …/…/1988; e de BB, militar da Guarda Nacional Republicana, nascida a …/…/1991, ambos com os demais sinais dos autos, estando ao primeiro imputada a autoria, na forma consumada, de:

- um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto no artigo 145.º, § 1.º, al a) e § 2.º do Código Penal (por referência aos artigos 143.º, § 1.º, 132.º, § 2.º, al. m) e 386.º, § 1.º, al. a) do Código Penal (CP);

- um crime de falsificação de documento agravada, previsto no artigo 256.º, § 1.º, al. d), § 3.º e 4.º, por referência aos artigos 255.º, al. a) e 386.º, § 1.º, al. a) CP;

- um crime de denegação de justiça e prevaricação, previsto no artigo 369.º, § 1.º, 2.º e 3.º, por referência ao artigo 386.º, § 1.º, al. a) CP;

- um crime de falsidade de testemunho, previsto no artigo 360.º, § 1.º e 3.º CP, com referência aos artigos 66.º e 67.º CP.

E à segunda, a autoria, na forma consumada, de:

- um crime de omissão de auxílio, previsto no artigo 200.º, § 1.º CP;

- um crime de falsificação de documento agravada, previsto no artigo 256.º, § 1.º, al. d), § 3.º e 4.º, por referência aos artigos 255.º, al. a) e 386.º, § 1.º, al. a) CP;

- um crime de denegação de justiça e prevaricação, previsto no artigo 369.º, § 1.º, 2.º e 3.º, por referência ao artigo 386.º, § 1.º, al. a) CP;

- um crime de falsidade de testemunho, previsto no artigo 360.º, § 1.º e 3.º CP, com referência aos artigos 66.º e 67.º CP.

Vindo o tribunal coletivo a proferir acórdão, no qual condenou o arguido AA como autor de:

- um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto no artigo 145.º, § 1.º, al a) e § 2.º do Código Penal (por referência aos artigos 143.º, § 1.º, 132.º, § 2.º, al. m) e 386.º, § 1.º, al. a), na pena de 1 ano e 9 meses de prisão;

- um crime de denegação de justiça e prevaricação, previsto no artigo 369.º, § 1.º, 2.º e 3.º, por referência ao artigo 386.º, § 1.º, al. a) CP (em concurso aparente com um crime de falsificação de documento agravada, previsto no artigo 256.º, § 1.º, al. d), § 3.º e 4.º, por referência aos artigos 255.º, al. a) e 386.º, § 1.º, al. a) CP, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão.

- um crime de falsidade de testemunho, previsto no artigo 360.º, § 1.º e 3.º CP, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão.

Operando o cúmulo jurídico das penas correspondentes aos crimes em concurso, condená-lo na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos.

Mais o condenando na pena acessória de proibição do exercício de função, durante o período de 3 anos.

E absolvendo-o da prática do crime de falsificação de documento agravada, de que fora acusado.

Condenando-se, por seu turno, a arguida BB pela prática, como autora, de um crime de falsidade de testemunho, previsto no artigo 360.º, § 1.º e 3.º CP, na pena de 1 ano de prisão, que se suspendeu na sua execução por igual período, declarando o perdão integral dessa pena, sob condição resolutiva de não praticar infração dolosa até 1 de setembro de 2024 (caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento das partes das penas perdoadas, em conformidade com o disposto no artigo 8.º, § 1.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto). Absolvendo-a da prática dos demais crimes de que fora acusada.

E julgou-se procedente o pedido de indemnização civil formulado por Centro Hospitalar de …, EPE contra o demandado AA, condenando-se este a pagar à demandante a quantia de 225,51€, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, devidos desde a data da notificação do pedido de indemnização e até integral pagamento. Absolvendo-se a demandada BB desse pedido

b. Inconformado com o assim decidido, o arguido AA apresenta-se a recorrer, extraindo da motivação do seu recurso uma síntese que denominou «conclusões»:

«(…)

B) Tendo o presente recurso como objecto toda a matéria de facto e de direito da decisão a quo, nos termos do disposto nos números 1 e 2 do art. 410º. do CPP e 412.º, n.º 3.

C) Finda a discussão da causa, o Tribunal a quo considerou provada toda a matéria da Acusação, considerando inexistir matéria de facto não provada com relevo para a decisão proferida.

D) O Tribunal a quo baseou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas CC e DD, aquele enquanto ofendido, esta enquanto testemunha ocular (a testemunha EE presenciou os factos, mas declarou que nada se recorda, devido ao seu estado clínico e psíquico).

E) Mais referindo que o depoimento de ambos, apesar das ligeiras discrepâncias detetadas – máxime a agressão com socos sustentada por DD e omitida por CC – adquiriu credibilidade pela forma tranquila, espontânea e serena como foi prestado.

F) Considerando ainda que basta o confronto de tais depoimentos com a realidade documental patente nos autos – factos enunciados a II – e que corresponde aos atos processuais relevantes praticados no âmbito do processo n.º 336/19.7…, bem como à transcrição dos depoimentos aí prestados por AA e BB, para imediatamente se perceber a incompatibilidade entre a narrativa arquitetada por ambos os arguidos naquele processo e a suposta verdade dos factos, devidamente, no entendimento do Ac., espelhada no depoimento de CC e DD, cujo conhecimento e credibilidade não foi contrariado por qualquer outra prova.

G) O Tribunal a quo deu assim especial relevância ao depoimento do ofendido, que na verdade, é interessado no desfecho dos presentes autos, tendo uma visão menos imparcial.

H) E se atentarmos a todo o seu discurso, no que seria relevante, o mesmo afirma por diversas vezes, “já não me lembro”, “supostamente”, “já não me lembrava” ou “em princípio”, sendo por diversas vezes relembrado e/ou induzido na sua resposta.

I) Mais entendeu o Tribunal a quo que o depoimento de DD é totalmente desinteressado e distante, assumindo acrescida credibilidade quando essencialmente concordante com o depoimento do ofendido.

J) Ao que desde já se insurge o arguido, porque do depoimento desta testemunha, como infra se demonstrará, são manifestas as contradições, chegando a relatar factos, cuja existência o próprio Ofendido negou – não se estando apenas perante “ligeiras discrepâncias”!

K) Salvo melhor opinião existe uma manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada (410.º, n.º 2, a) do CPP.

L) Com todo o respeito, que é muito e se estende a tudo quanto o aqui alegado, os Mms. Juízes a quo, não obstante a sua reconhecida competência técnica, fizeram uma errada apreciação da prova e distorcida aplicação do princípio da livre apreciação desta,

M) O que levou também a uma errada determinação da matéria de facto provada e incorrecta aplicação do direito no que concerne à qualificação jurídica e medida concreta da pena.

N) Ainda que assim se não entenda, o arguido insurge-se quanto ao errado cálculo do cúmulo; Ao excesso da aplicação das penas parcelares; À pena única aplicada; À suspensão da execução da pena aplicada e bem assim quanto à pena acessória aplicada.

O) Tendo existido, a final, uma clara violação do princípio do in dúbio pro reo, devendo, a final, ter sido o Recorrente absolvido.

P) Face à prova produzida, acompanhada da sua ponderação à luz da experiência comum, não podiam ter sido dados como provados os factos constantes em 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17,19, dando origem à condenação do aqui Recorrente quanto ao crime de ofensas à integridade física qualificada.

Q) Os presentes autos tido origem pela certidão extraída no âmbito do processo n.º 336/19.7, a requerimento do Defensor Oficioso do aí Arguido Sr. CC, acusado de crime de resistência e coação sobre funcionário, que assume a qualidade de ofendido nos presentes autos. (Cfr. transcrições da audiência de discussão e julgamento do processo n.º 336/19.7… de fls. 17 a 109)

R) Em primeiro lugar, ao contrário do entendimento espelhado no Acórdão recorrido (vide ponto 9) a versão dos Arguidos foi espelhada no auto de notícia e apresentada aquando do seu depoimento prestado no âmbito do processo n.º 336/19.7…, a qual pode e deve ser valorada para efeitos de prova nos presentes autos.

S) Depoimentos esse que se encontram transcritos na íntegra e juntos aos autos, cfr. transcrições da audiência de discussão e julgamento do processo n.º 336/19.7… de fls. 17 a 109, em concreto, o prestado pelo ora recorrente a fls. 54 a 75 e o prestado pela GNR BB a fls. a fls. 33v a 52.

T) E apenas foram valoradas no que ao crime de denegação e de falsidade de testemunho diz respeito, no sentido de, se contraditórias com a versão agora apresentada pelo ofendido, pois então serão falsas.

U) Ou seja, teriam sempre de ser atendidas também como elemento de defesa dos Arguidos, que exerceram o seu direito ao silêncio, é verdade (silêncio esse que não os pode prejudicar) mas apenas e tão só porque já haviam prestado declarações quanto aos factos, juntas aos autos.

V) A serem consideradas tais transcrições sempre se determinará decisão diversa da recorrida.

W) Quanto ao Facto n.º 7: “(…) após, AA conduziu CC a um muro com gradeamento, parte integrante de uma casa situada no local onde se encontravam, onde o encostou e procedeu à sua revista”, se atentarmos, na verdade, à prova feita, o mesmo deveria ter sido dado como provado no sentido de, pelo menos, a revista ter sido feita ao pé/no carro do ofendido, colocando este as suas mãos em cima do tejadilho, encontrando-se o mesmo incorrectamente julgado, o que se demonstrou pelas passagens concretas transcritas na fundamentação que impõem decisão diversa da recorrida (cfr. passagens concretas de minutos 00:30:20 a 00:33:35, 00:27:50 a 00:28:15 e 00:37:10 a 00:37:55, do depoimento de CC gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, em 11/03/2024, início 10h14 e termo pelas 10h58, com duração de 00:44:00 – faixa Diligencia_23-20.3T9ORM_2024-03-11_10-14-10; passagens concretas do depoimento de BB prestado em audiência de discussão e julgamento do processo n.º 336/19.7…, a fls. 33v a 52; Passagens concretas do depoimento de AA prestado em audiência de discussão e julgamento do processo n.º 336/19.7…, a fls. 54 a 75;

X) Quanto ao facto “10. (…) ato contínuo, dirigiu-se a CC, mostrando-se desagradado com o comentário e, sem que nada o fizesse prever, impulsionou a sua cabeça e com recurso à mesma desferiu uma pancada, vulgo “cabeçada” no topo do nariz de CC, fazendo com que o mesmo recuasse com o impacto”, a prova produzida revela-se manifestamente insuficiente para se dar tal facto como provado, encontrando-se o mesmo incorretamente julgado, o que se demonstrou pelas passagens concretas transcritas na fundamentação que impõem decisão diversa da recorrida (cfr. Passagens concretas de minutos 00:07:05 a 00:11:55 do depoimento de CC gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, em 11/03/2024, início 10h14 e termo pelas 10h58, com duração de 00:44:00 – faixa Diligencia_23-20.3T9ORM_2024-03-11_10-14-10)

Y) Versão esta que, a final, apenas é afirmada pelo Ofendido, CC, não foi corroborada por mais ninguém em julgamento, principalmente e considerando a relevância dada pelo Tribunal a quo, pela testemunha DD, que quanto a isto nada se referiu e que a ter assistido a tudo (como dado provado em 17.) sempre teria de ter presenciado e visto a cabeçada, a qual nunca referiu.

Z) Esta testemunha, DD, afirmou quando questionada directamente pelo Mmo. Juiz a quo ter assistido apenas a socos, não a qualquer cabeçada, nem, adiante-se, quanto à lanterna (Cfr. Passagens concretas de minutos 00:15:36 a 00:16:00 do depoimento de DD, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, em 11/03/2024, início 10:59 e termo pelas 11:34, com duração de 00:34:58 – faixa Diligencia_23-20.3T9ORM_2024-03-11_10-59-43.).

AA) Tendo o Tribunal a quo, apenas e tão só dado relevância, para dar como provado tal facto, unicamente o depoimento do Arguido, interessado no desfecho dos presentes autos.

BB) Dando credibilidade ao mesmo quando do seu discurso resulta uma certa animosidade em relação ao aqui Arguido, pois que ao longo do seu discurso o próprio afirmou que se dirigiu ao militar da GNR e dizia: isto não vai ficar assim! (– Cfr. Passagens concretas de minutos00:08:52a00:09:04 do depoimento de CC gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, em 11/03/2024, início 10h14 e termo pelas 10h58, com duração de 00:44:00 –faixa Diligencia_23-20.3T9ORM_2024-03-11_10-14-10.

CC) Mais se espanta – e que a nosso entender é uma particularidade que pareceu escapar ao Tribunal a quo – é que todos os envolvidos, à excepção do ofendido, afirmam que ambos foram ao chão: diga-se, a testemunha DD, os arguidos, militares da GNR (Cfr. Passagens concretas do depoimento de BB prestado em audiência de discussão e julgamento do processo n.º 336/19.7…, a fls. 33v a 52 e de AA prestado em audiência de discussão e julgamento do processo n.º 336/19.7…, a fls. 54 a 75.).

DD) A testemunha DD afirma que Não só viu o ofendido no chão, como a ser levantado e até a cabeça do Ofendido a ser empurrada contra o chão! –Cfr. Passagens concretas de minutos 00:08:02 a 00:08:26, 00:09:18 a 00:09:45 e 00:31:00 a 00:31:35 do depoimento de DD, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, em 11/03/2024, início 10:59 e termo pelas 11:34, com duração de 00:34:58 – faixa Diligencia_23-20.3T9ORM_2024-03-11_10-59-43.

EE) Já o Ofendido nega, mais que uma vez e perentoriamente, ter caído ao chão. Cfr. Passagens concretas de minutos 00:09:44 a 00:10:26 e 00:33:34 a 00:33:47 do depoimento de CC gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, em 11/03/2024, início 10h14 e termo pelas 10h58, com duração de 00:44:00 – faixa Diligencia_23-20.3T9ORM_2024-03-11_10-14-10.

FF) Convictos ficamos que tal contradição não pode, de todo, ser enquadrada numa ligeira discrepância.

GG) Ou seja, o que poderia explicar as lesões, como fez constar o arguido militar da GNR no auto elaborado (“tendo ambos caído ao chão”) e depois nas declarações prestadas em sede de julgamento (cfr. infra), o Ofendido, como que, sorrateiramente, omite na sua inquirição.

HH) Quando é o próprio ofendido que admite que o arguido “tentou imobilizar-me” – Cfr. Passagens concretas de minutos 00:09:00 a 00:09:10 e 00:11:46 a 00:11:54 do depoimento de CC gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, em 11/03/2024, início 10h14 e termo pelas 10h58, com duração de 00:44:00 – faixa Diligencia_23-20.3T9ORM_2024-03-11_10-14-10.

II) À luz da experiência comum, a versão do Arguido é a mais coerente – ou seja – fiscalização, resistência à algemagem, necessária manobra de imobilização e possíveis lesões que possam advir da mesma? - Cfr. Passagens concretas do depoimento de AA prestado em audiência de discussão e julgamento do processo n.º 336/19.7GAVNO, a fls. 54 a 75. – e foi corroborada pela GNR BB - - Cfr. Passagens concretas do depoimento de BB prestado em audiência de discussão e julgamento do processo n.º 336/19.7GAVNO, a fls. 33v a 52.

JJ) Revolta-se, ainda o recorrente, que o Tribunal a quo tenha descredibilizado as circunstâncias que se prendem com o facto de CC ter agredido o arguido, no exercício das suas funções – o que é corroborado pelo depoimento de BB, pelo Cabo FF, pela Fotografia e relatório dos Bombeiros junta aos autos a fls. ... e que ficou provado por Douta Sentença proferida no proc. 336/19.7… e transcrita nos presentes autos.

KK) E esse foi o motivo pelo qual lhe foi dada voz de detenção e, em sequência, ter oferecido resistência à algemagem, o que levou à queda de ambos ao chão.

LL)Mais não fundamenta o Tribunal a quo, como o deveria fazer, o facto de referir que a testemunha FF tem uma “memória prodigiosa”, quando prestou um testemunho isento, imparcial e credível, afirmando ter visto a lesão na face do GNR ora recorrente. – Cfr. Passagens concretas de minutos 00:02:46 a 00:05:49 do depoimento de FF gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, em 11/03/2024, início 11:41 e termo pelas 11:56, com duração de 00:14:35 – faixa Diligencia_23-20.3T9ORM_2024-03-11_11-41-51.

MM) Pelo que sempre teria o mesmo de ser absolvido, ainda que por aplicação do princípio do in dubio pro reo.

NN) Quanto ao ponto 11: “(…) em resultado da dor que sofreu, CC gritou e pediu ajuda”, também o mesmo apenas resulta da versão apresentada pelo Ofendido, não tendo sido corroborado por mais nenhum outro meio de prova.

OO) No que respeita ao facto n.º 12: (…) voltou a dirigir-se a CC, o qual começou a correr à volta do próprio carro, indo aquele, em passo apressado, atrás deste, no seu encalço. O mesmo também apenas resulta do depoimento prestado pelo Ofendido, não existindo qualquer prova que o corrobore. – Cfr. Passagens concretas de minutos 00:32:00 a 00:32:50 e 00:33:12 a 00:33:44 do depoimento de DD, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, em 11/03/2024, início 10:59 e termo pelas 11:34, com duração de 00:34:58 – faixa Diligencia_23-20.3T9ORM_2024-03-11_10-59-43.

PP) Sendo, perentoriamente, negado pela testemunha DD. Onde fica a dúvida?

QQ) Pelo que sempre tal facto devia ser dado como não provado ainda que pela dúvida!

RR) Por consequência, o facto n.º 13 também não pode ser dado como provado na sua íntegra, uma vez que, não resultou provado que o militar AA o tenha alcançado depois das ditas voltas ao carro que, diga-se, não existiram.

SS) Quanto ao facto dado como provado em 14. “(…) ao ver que CC se continuava a mexer, AA, com a sua mão direita, agarrou na lanterna que se encontrava no tejadilho da viatura, e, com recurso à mesma desferiu um golpe na cabeça de CC e 15 (_…)_ _e_m resultado do embate, a lanterna desmontou-se, tendo a lâmpada caído no solo.

TT) Estes factos nunca podiam ser dados como provados porquanto é o próprio ofendido que afirmou que nunca apresentou resistência e permitiu a algemagem de forma pacífica. – Cfr. Passagens concretas de minutos 00:34:00 a 00:34:20 do depoimento de CC gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, em 11/03/2024, início 10h14 e termo pelas 10h58, com duração de 00:44:00 – faixa Diligencia_23-20.3T9ORM_2024-03-11_10-14-10.

UU) Mais, não decorrendo de lado algum que o arguido agarrou na lanterna e desferiu um golpe na cabeça de CC porque este se continuava a mexer.

VV) Mais se estranha, a testemunha DD, que segundo o Acórdão a quo assistiu aos factos, também nunca se referiu a qualquer lanterna.

WW) Mais uma vez só o arguido fala no golpe com a lanterna. E mais uma vez o Tribunal a quo não dá relevância às declarações, transcritas e juntas aos Autos, de BB e do arguido, desconsiderando-as por completo, e que explicam que a lanterna estava em cima do tejadilho e caiu ao chão, no meio da confusão, desmontando-se. - Cfr. Passagens concretas do depoimento de BB prestado em audiência de discussão e julgamento do processo n.º 336/19.7…, a fls. 33v a 52 e - Cfr. Passagens concretas do depoimento de AA prestado em audiência de discussão e julgamento do processo n.º 336/19.7…, a fls. 54 a 75.

XX) Assim sendo, estamos, na verdade, perante duas versões contraditórias –a do Ofendido e a dos Arguidos – não tendo nenhuma delas sido corroborada por outros elementos de prova trazidos ao processo, em especial, pela testemunha DD, que nada referiu quanto a este facto dado como provado.

YY) Pelo que, também, este facto sempre teria de ser considerado não provado, ainda que fosse pela dúvida.

ZZ) No que toca ao facto n.º 17: “(…) após, atravessou a rua e foi conversar com DD, que assistiu aos factos relatados e havia solicitado por diversas vezes para que pusesse termo à sua conduta.”.

AAA) Desde já, se questiona ao que é que esta testemunha assistiu, na verdade e como pode o Tribunal a quo dar o mesmo como provado.

BBB) É a própria testemunha DD a contradizer-se quando, por um lado, refere ter assistido a tudo e, por outro, refere ter entrado em casa, pelo menos, por duas vezes. – Cfr. Passagens concretas de minutos 00:08:30 a 00:09:07, 00:19:03 a 00:19:30 e 00:21:25 a 00:21:40 do depoimento de DD, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, em 11/03/2024, início 10:59 e termo pelas 11:34, com duração de 00:34:58 – faixa Diligencia_23-20.3T9ORM_2024-03-11_10-59-43.

CCC)

DDD) Mais dizendo que nem sempre estiveram a olhar e, ainda que, como estava a falar com a sogra volta e meia não estava atenta a tudo.

EEE) Repare-se que esta testemunha conseguiu ver coisas que o Ofendido desconhece e nega, como socos!

FFF) Conseguiu afirmar que gritava e o próprio Ofendido nega ter ouvido. – Cfr. Passagens concretas de minutos 00:09:20 a 00:09:53 do depoimento de DD, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, em 11/03/2024, início 10:59 e termo pelas 11:34, com duração de 00:34:58 – faixa Diligencia_23-20.3T9ORM_2024-03-11_10-59-43 e – Cfr. Passagens concretas de minutos 00:35:00 a 00:35:22 do depoimento de CC gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, em 11/03/2024, início 10h14 e termo pelas 10h58, com duração de 00:44:00 – faixa Diligencia_23-20.3T9ORM_2024-03-11_10-14-10.

GGG) E nega ter sido feito o teste de álcool, quando o próprio arguido o confirma. – Cfr. Passagens concretas de minutos 00:14:09 a 00:14:56 do depoimento de DD, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, em 11/03/2024, início 10:59 e termo pelas 11:34, com duração de 00:34:58 – faixa Diligencia_23-20.3T9ORM_2024-03-11_10-59-43.

HHH) Pelo que, também nesta parte, ter-se-á de dar como não provado que DD assistiu a tudo.

III)Ainda que assim se não entendesse, face à contradição supra vertida, sempre teria o tribunal a quo dado como nãos provados face à dúvida.

JJJ) Quanto ao alegado em 19 Como consequência, direta e necessária da conduta de AA, CC sofreu dores nas regiões atingidas e fratura da pirâmide nasal e dos ossos próprios do nariz com edema facial associado, bem como corte na cabeça.

KKK) Considerando que não resulta provado que as lesões são consequência direta e necessária da conduta do arguido, nos termos e fundamentos dos factos que o Tribunal a quo deu como provados, também este facto não pode ser dado como provado.

LLL) Face à prova produzida o Tribunal a quo, nunca podia ter dado como provado os factos constantes dos n.os 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17 e 19 que levaram à condenação do arguido.

MMM) Na dúvida, do que verdadeiramente aconteceu e face às declarações contraditórias, sempre devia ser absolvido pela dúvida.

NNN) Violando-se assim o princípio do in dubio pro reo plasmado no art 32.º, n.º 2 da CPP, o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art. 127.º do CPP e bem assim o art. 143.º e 145.º do CP

OOO) Face à prova produzida, não podia ter sido concluído como foi o facto constante em 41, quanto ao crime de falsificação de documento agravada, violando-se assim o princípio do in dubio pro reo plasmado no art 32.º, n.º 2 da CPP, o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art. 127.º do CPP e bem assim o art. 256.º e 369.º do CP.

PPP) Quanto ao facto dado como não provado no n.º 41, cumpre esclarecer que CC, Arguido no âmbito do processo originado pelo auto de notícia elaborado pelo aqui Arguido foi aí absolvido pela “dúvida sobre o que verdadeiramente aconteceu.” (Cfr. Pág 183 de 185 das Transcrições - sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de … DIAP …).

QQQ) E tal facto não poderá levar à conclusão da falsidade do auto de notícia elaborado pelo Arguido, não obstante tal crime ser consumido pelo crime de denegação de justiça e prevaricação.

RRR) Face à prova produzida, não podiam ter sido dados como provados os factos constantes em 42, 43, 44, 46, 47, 48, 49, 50, 51 e 52 quanto ao crime de denegação de justiça e prevaricação e bem assim de falsidade de testemunho.

SSS) Quanto aos factos dados como provados n.os 42, 43, 44, 46, 47, 48 a 52 que deram origem à condenação pelo crime de denegação de justiça e prevaricação e bem assim de falsidade de testemunho, sempre se dirá, que a procederem os argumentos supra expostos e a dar-se como não provados os ilícitos em questão, ter-se-á também, em consequência, de se darem como não provados os presentes.

TTT) Com efeito, não se pode concordar e a prova feita isso não permite concluir que os factos que o Arguido relatou no auto de notícia não retratavam a realidade, o que sabia, aquela data.

UUU) Não se retira nada do Auto de Notícia que faça crer que as lesões do CC tiveram origem diferente da aí mencionada, cumprindo os requisitos do art 243.º, nem isso resultou provado.

VVV) O A. de Notícia refere e justifica as lesões a ambos decorrentes da algemagem e da queda ao chão, pelo que as não omite. Tendo o ofendido recusado assistência médica, assistência essa que lhe quiseram prestar.

WWW) O aqui Arguido não apresentou queixa contra o ofendido pelo crime de ofensas, mesmo tendo ficado lesionado e com o olho negro, pois que a envolvência entre ambos foi decorrente da algemagem, que teve de ser feita com recurso a técnicas de imobilização, por resistência, tendo ambos caído no chão, cfr supra se demonstrou. E por isso o crime que estava a ser julgado era de resistência e coação sobre funcionário.

XXX) Ora, tendo em conta tudo isto, sempre que do decorrer da elaboração de um Auto de Notícia resultasse uma absolvição do arguido, ainda que pelo princípio do in dúbio pro reo, perante tal interpretação feita pela acusação, o militar que o redigiu seria sempre acusado da prática deste crime!

YYY) Também da acusação não decorrem factos que permita concluir qualquer benefício para o arguido, tendo em conta o descrito no A. de Notícia. Não se provando que os arguidos tenham actuado com o propósito de obter benefícios que sabiam ser ilegítimos. Que benefícios seriam esses? Se ninguém requereu pedido de indemnização civil, não se recebe por mais ou menos detenções…

ZZZ) Assim sendo, V.ªas Ex.ªas, o Arguido não fez constar nenhuma menção falsa, não actuando com conhecimento, nem intenção de falsificação, nem com intenção alguma de causar qualquer prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime. Isto não resultou minimamente provado.

AAAA) Nem sequer se verifica um dolo eventual, porquanto o arguido não previu, nem se conformou com a verificação dos factos inscritos no tipo, por só deles ter tido conhecimento posterior e aquando do início do presente processo.

BBBB) Lidas e relidas as transcrições vertidas na acusação não se encontrou uma única contradição, quer entre os depoimentos entre ambos os arguidos, quer no depoimento do Arguido em confronto com o Auto de Notícia.

CCCC) O fundamento do crime da falsidade de testemunho é a própria declaração falsa e tal falsidade tem sempre por reporte a verdade que é necessariamente uma verdade processual.

DDDD) Sempre se questiona em que é que se baseia a acusação para dar como assente que a declaração do arguido é falsa.

EEEE) Não se provou que os GNR emitiram, perante Autoridade Judiciária competente para o efeito, na audiência de discussão e julgamento, depoimentos que sabiam não corresponderem à verdade.

FFFF) Tal só se entendia, se nos Autos a que deu origem o A. de Notícia, o Tribunal tivesse absolvido o Arguido por não se provarem os factos de que vinha acusado.

GGGG) E não foi isso que aconteceu, reitere-se o arguido CC, foi absolvido pela dúvida “sobre o que verdadeiramente aconteceu nesse dia”.

HHHH) Só estando fixada a verdade objetiva, que não está, é que se pode saber se o depoimento é falso.

IIII) Por outro lado, não basta dizer que um depoimento é falso. É preciso explicar em que factos concretos se contém essa falsidade o que a acusação não fez nem o acordão proferido pode fundamentar ou dar por provado a consequência a retirar é que a acusação proferida inviabiliza qualquer decisão condenatória.

JJJJ) Assim, não estão preenchidos os elementos do tipo legal de crime em nenhuma das modalidades de dolo, não incorrendo o arguido no crime de que vem acusado, não se podendo dar como provados os factos de supra referidos do Acórdão.

KKKK) Podemos afirmar que os elementos probatórios apurados em audiência de julgamento, apreciados conjugadamente, não permitem, concluir sem dúvidas – em termos de certeza e seguranças judiciárias que fundamentem um juízo inequívoco de culpabilidade do arguido – que o mesmo tenha praticado os factos constantes da acusação.

LLLL) Violando-se assim o princípio do in dubio pro reo plasmado no art 32.º, n.º 2 da CPP, o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art. 127.º do CPP e bem assim o art. 369.º, n.º 1, 2 e 3 e 360.º, n.ºs 1 e 3 do CP.

MMMM) Termos em que e impugnada a matéria de facto, devidamente contraposta com as declarações do denunciante e das testemunhas, relevados pelo Tribunal a quo não deverá a mesma manter-se como provada, devendo dar-se como não provados os pontos do acórdão supra.

NNNN) E ainda que tenha ficado na dúvida, sempre deveria o Tribunal a quo, observar e aplicar o princípio do in dúbio pro reo, o que não fez, violando-o.

OOOO) Havendo uma clara violação da presunção de inocência do arguido, que é princípio basilar da punibilidade jurídico-penal e que está consagrado no artigo 32.º da CRP e do princípio da livre apreciação da prova, elencado no artigo 127.º do CPP.

PPPP) Razões pelas quais, deverá a sentença recorrida ser revogada e o arguido Absolvido dos crimes de que vem acusado.

QQQQ) Mesmo que V.as Ex.as entendam que os factos se devem considerar como provados, à semelhança do Acordão recorrido - o que só por mera hipótese se concebe - levanta-se ainda a questão relativa ao seu enquadramento jurídico e qualificação jurídica.

RRRR) Com todo o respeito, os factos dados como provados no Acordão ora recorrido não são suficientes à qualificação do crime de ofensa à integridade física, como foi feita pelos Mms. Juízes a quo.

SSSS) Porquanto, a existência dos elementos elencados no n.º 2, do art. 132.º do Código Penal, não determinam, por si só, a qualificação do crime.

TTTT) Uma vez que as circunstâncias previstas no n.º 2, do art.º 132.º do CP, não são elementos do tipo mas da culpa, não sendo o seu funcionamento automático, nem taxativo, tendo sido violado este dispositivo legal.

UUUU) Sendo unânime a jurisprudência neste sentido, de que são exemplificativos os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31/01/2012, de 23/11/2011 e de 30/11/2011.

VVVV) A este propósito, leia-se, ainda, o sumariado no Ac. da Relação de Évora, datado de 28/06/2023, Processo 371/19.5T9ODM.E1:

WWWW) O grau de censurabilidade ou perversidade, que distingue o facto qualificativo, prende-se com as circunstâncias que podem revelar um maior ou menor grau de culpa do agente, o que obriga a que os elementos apurados revelem uma forma de culpa que justifique tal qualificação.

XXXX) Tais elementos devem ser determinados pelos factos dados como provados no acórdão que adiante-se não foram.

YYYY) Ora, os factos relativos ao arguido não podem integrar um crime de ofensa à integridade física qualificada, pois da matéria de facto dada como provada, não se pode concluir pela existência de especial censurabilidade ou perversidade do Recorrente.

ZZZZ) Não existindo, no caso concreto, circunstancialismo passível de preencher o conceito de especial censurabilidade ou perversidade do agente, ao contrário do entendimento dos Mmos. Juizes a quo.

AAAAA) Pois teríamos de estar perante uma atitude profundamente rejeitável, constituindo um indício de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade, o que, atento a tudo quanto exposto supra e à prova feita nos autos, não acontece no caso concreto.

BBBBB) Mais não ficou provada a intenção do agente, diga-se o dolo.

CCCCC) O Tribunal a quo não deu relevância às circunstâncias do sucedido.

DDDDD) O que devia face à prova produzida, concretamente ao facto de caírem no chão e as verdadeiras origens das lesões que eram recíprocas, lesões essas que o Tribunal fez tábua rasa.

EEEEE) Ora, desde logo, o Arguido agiu legitimamente, no exercício das suas funções, ao dar a ordem de paragem a CC, a qual foi justificada.

FFFFF) Exercendo a força estritamente necessária para o algemamento.

GGGGG) Mais, ficou por provar, no processo n.º 336/19.7…, a prática do crime de resistência e coação sobre funcionário, por parte de CC, sobre o aqui Arguido, tendo aquele sido absolvido, pela “dúvida sobre o que verdadeiramente aconteceu.” (Cfr. Pág 183 de 185 das Transcrições - sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de …, DIAP …).

HHHHH) Já nos presentes Autos, com o devido respeito, que é muito, erradamente, dúvida nenhuma restou, quanto ao acontecimento dos factos, deixando de dar como provado, como devia, a queda ao chão, de ambos, porquanto presenciada pela testemunha DD, conforme supra demonstrado ou no limite restar a dúvida quanto à origem das lesões.

IIIII) Situação que afasta uma agressão praticada pelo militar da GNR, com grave abuso de autoridade e bem assim o dolo como elemento subjetivo específico deste tipo de crime.

JJJJJ) Pois que e apesar dos factos provados, demonstradas não ficaram as verdadeiras circunstâncias relativas à forma como tudo sucedeu.

KKKKK) Também não pode o Tribunal fundamentar “... conquanto se a própria operação de revista e busca a que sujeitou o Ofendido já extravasava em muito, por infundadas, as competências do órgão de polícia criminal, o que dizer então das agressões violentas e desnecessárias que protagonizou.”

LLLLL) Até porque deu como provado o ponto 6 e 8, em que CC já era conhecido da GNR por posse de estupefacientes.

MMMMM) Aliás o próprio registo criminal do mesmo espelha sucessivas condenações, sendo que o próprio ofendido, à data do julgamento, se encontrava a cumprir pena de prisão, tendo sido transportado pelos guardas prisionais de ….

NNNNN) Por conseguinte não podia o Tribunal a quo, com estes fundamentos sustentar uma especial censurabilidade.

OOOOO) Assim, o Tribunal a quo fez uma errada subsunção dos factos ao direito, porquanto não se mostram preenchidos os pressupostos do crime de ofensa à integridade física qualificada.

PPPPP) Pelo que, o Tribunal a quo ao efectuar a qualificação jurídica dos factos provados, pelo crime de ofensas à integridade física qualificada, violou as disposições dos artigos 40°, n.º 2; 71°, n.ºs 1 e 2; e 143°, n.º 2, todos do Código Penal.

QQQQQ) Mesmo que V.as Ex.as entendam que os factos se devem considerar como provados, à semelhança do Acordão recorrido - o que só por mera hipótese se concebe - levanta-se ainda a questão relativa ao seu enquadramento jurídico e qualificação jurídica, quanto ao crime ora em apreço.

RRRRR) Com esta fundamentação, o Tribunal a quo parte, erradamente, do princípio que na sequência da queixa apresentada, pelo aqui Arguido, com base no Auto de Notícia, contra CC, pela prática de crime de resistência e coação sob funcionário, o mesmo fora absolvido por os factos não se terem dado como provados.

SSSSS) O que não sucedeu, pois, explicitamente, refere a Sentença que a prova produzida deixou dúvidas ao Tribunal, do que verdadeiramente aconteceu, e foi pela dúvida que CC, foi absolvido.

TTTTT) Fundamenta, ainda, o Tribunal a quo, que o Arguido redigiu o auto de notícia com um relato falseado dos factos.

UUUUU) Lido o Auto de Notícia, o Arguido nada omite. Refere a manobra de imobilização que fez, após ter sido agredido no lado direito do olho, de forma a cessar a agressão e algemar CC; Não omite que ambos caíram ao chão; Não omite as lesões com que ambos ficaram, tanto é que lhe foi questionado se pretendia assistência médica.

VVVVV) Mais, não omite o hematoma com que ficou no olho, o que, aliás, se deu provado por sentença (página 173 das transcrições) ao referir-se “resulta provado que o arguido continuou a proferir expressões semelhantes às acima mencionadas e que após ter sido revistado do lado direito quando AA se encontrava a revistar a zona da perna esquerda do arguido, o Arguido atingiu este militar na face direita abaixo do olho.

WWWWW) Das Declarações prestadas pelo aqui Arguido, no processo n.º 336/19.7…, transcritas e juntas nos presentes Autos, o aqui Arguido, relatou exatamente a mesma coisa que descreveu no Auto, admitindo-se que, e bem, que melhor tenha detalhado.

XXXXX) No processo-crime, que correu termos em …, não se apuram as circunstâncias do sucedido e o aí Arguido é absolvido pela dúvida, pelo que mesmo o Tribunal a quo, ter tido outra interpretação dos factos, tendo em conta o supra referido, o arguido só devia ter sido punido pelo n.º 1 do art. 369.º.

YYYYY) Pois que e com os factos narrados no Auto de Notícia, não há nem houve qualquer prejuízo para CC (tanto que nem apresentou pedido de indemnização civil) ou benefício para o aqui Arguido.

ZZZZZ) Nem tal se veio posteriormente a demonstrar, não podendo o arguido ser condenado pelo n.º 2 do art. 369.º do C.P.

AAAAAA) Insurge-se, ainda, o Arguido quanto à medida concreta da pena aplicada.

BBBBBB) Caso venha a proceder tudo quanto supra alegado quanto à errada qualificação do crime de ofensa à integridade física qualificada, e sendo o arguido condenado pela prática de um crime de ofensas a integridade física simples p.p. no ar. 143.º do C.P., prevê este normativo, em alternativa, uma pena de multa.

CCCCCC) Caso venha a proceder tudo quanto supra alegado quanto à errada qualificação do crime de denegação de justiça e prevaricação p. e p. pelo artigo 369.º, n.ºs 1, 2 e 3, por referência ao artigo 386.º e sendo o arguido condenado pelo n.º 1 deste normativo, prevê este normativo, em alternativa, uma pena de multa.

DDDDDD) Já quanto ao crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal,) corresponde uma punição com pena de prisão até 5 anos ou pena de multa até 600 dias.

EEEEEE)Perante pena abstracta compósita alternativa (prisão ou multa), impõe-se sempre ao julgador começar por justificar especialmente a eventual escolha da pena (principal) de prisão, já que, nestes casos, o art. 70.º do Código Penal obriga o tribunal a dar preferência à sanção não privativa da liberdade “sempre que esta realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

FFFFFF) Diga-se, que o fundamento da elevada necessidade de prevenção geral, [50 do Acordão] único fundamento usado para a escolha feita, até porque é atendido pelo Tribunal que as necessidades de prevenção especial são reduzidas, não é bastante e suficiente para que a escolha da pena feita pelo Douto Tribunal seja a de pena prisão.

GGGGGG) Assim sendo, sempre teria o Tribunal a quo que optar por uma pena não privativa da liberdade, quanto ao crime de falsidade de testemunho, ou seja, uma pena de multa, e caso acolham os fundamentos quanto à errada qualificação dos 2 outros crimes em apreço, também deverá o Tribunal optar por uma pena de multa.

HHHHHH) Mais se insurge o arguido quanto ao cúmulo jurídico aplicado.

IIIIII) O tribunal recorrido, em cúmulo jurídico, aplicou ao recorrente uma pena única de quatro anos e três meses de prisão.

JJJJJJ) Consta do Acordão (pág 40) que “Tudo visto e ponderado, afigura-se justo, adequado e razoável, em face da personalidade, da culpa dos arguidos e bem assim das invocadas razões de natureza preventiva geral e especial, porque só a estas finalidades deve o julgador recorrer em sede de escolha e preferência por uma ou outra pena, a escolha por penas de prisão, vistas as elevadas necessidades de prevenção geral, assim as fixando no limite do primeiro terço.

KKKKKK) Ora, se assim é, com o devido respeito mais uma vez, excedeu o Coletivo o próprio limite por si fixado.

LLLLLL) Ultrapassando, no total, 7 meses, o que, manifestamente, influencia o próprio cúmulo jurídico feito. O que deverá ser revisto!

MMMMMM) Insurge-se o Arguido quanto ao excesso da aplicação das penas parcelares.

NNNNNN) Sem conceder e não obstante o supra exposto, as penas parcelares aplicadas ao arguido violam o princípio da proporcionalidade e da igualdade plasmado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

OOOOOO) A determinação da medida da pena, dentro dos limites da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (arts. 71º, nº1 e 40º, nº 2, do CP).

PPPPPP) A finalidade primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...”.

QQQQQQ) Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob aforma de defesa da ordem jurídica.

RRRRRR) Considerando tudo quanto supra alegado, quanto às circunstâncias não atendíveis, ao que acresce o facto do Arguido não ter antecedentes criminais e está inserido social e profissionalmente.

SSSSSS) Termos em que parece manifesto, o exagero das penas parcelares aplicadas aos crimes em apreço, as quais deverão ser revistas, face a tudo quanto acima alegado.

TTTTTT) Caso V. Exas. não acolham os fundamentos expendidos pelo recorrente, quer em sede de impugnação de matéria de facto, quer de direito, sempre terão de concordar que condenar o arguido na pena única de 4 anos e três meses de prisão, se afigura excessivo pela aplicação das penas parcelarmente consideradas.

UUUUUU) Dispõe o artº. 77º nº 2 que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 25 anos (…) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

VVVVVV)O tribunal recorrido, em cúmulo jurídico, aplicou ao recorrente uma pena única de quatro anos e três meses de prisão.

WWWWWW) Estamos perante uma actuação isolada, limitada temporalmente ao episódio em questão, e não perante uma actuação repetida – a entender-se como provada - prolongada no tempo, que pudesse apontar para uma tendência do arguido para a prática de crimes.

XXXXXX) O Arguido não tem qualquer condenação em factos da mesma natureza nem de outra.

YYYYYY)É jovem, sem que até hoje, lhe seja conhecida qualquer mácula no percurso pessoal e profissional, beneficiando de adequada integração social e familiar.

ZZZZZZ)Pelo que da sua adequada conduta anterior e posterior aliada ao tempo decorrido desde os factos, deverá considerar-se que a pena única não deverá ter uma duração que comprometa o esforço de reintegração que terão necessariamente de fazer.

AAAAAAA) A qual deverá situar-se próxima dos mínimos, avaliando os factos na sua globalidade, sendo justo, adequado e proporcional, sob pena de se comprometerem as finalidades de prevenção e retribuição, o que refletirá, porventura, o ponto ótimo que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas.

BBBBBBB) Ao decidir por uma pena única de quatro anos e três meses de prisão o tribunal a quo violou o disposto no artigo 70.º, 71.º e 77.º do Código Penal.

CCCCCCC) Não obstante tudo quanto exposto supra, a pena única de 4 anos e3 meses de prisão foi suspensa na sua execução por um período de 5 anos, entendendo-se que com os fundamentos expostos, o instituto da suspensão da execução da pena não foi correctamente aplicado pelo Tribunal a quo

DDDDDDD) Porquanto

EEEEEEE) Nos termos do n.º 5 do artigo 50.º do CPP – que estatui os pressupostos e duração da suspensão da execução da pena de prisão – o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.

FFFFFFF)Ou como comenta PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE “A Lei n.º 59/2007 estabeleceu que o período da suspensão da execução da pena tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença condenatória, mas nunca inferior a um ano”.

GGGGGGG) Parece ser claro que o legislador estabeleceu um limite mínimo para aplicação do instituto de 1 ano, mas o limite máximo a aplicar deverá ser sempre equivalente à pena de prisão determinada na sentença.

HHHHHHH) O que não se verifica nos presentes autos, uma vez que a pena única aplicada foi suspensa por um período de 5 anos e não por período igual à condenação, de 4 anos e três meses. O que deverá ser alterado.

IIIIIII) Violando assim o artigo 50.º, n.º 5 do CP.

JJJJJJJ) Conforme tem sido entendimento jurisprudencial, não sendo nenhuma das penas parcelares, englobadas no cúmulo jurídico, superior a três anos de prisão, nunca poderia ser aplicada a pena acessória de proibição do exercício de função.

KKKKKKK) Neste sentido, Acórdão da Relação de Évora, proferido em 28-06-203, Proc. 371/19.5T9ODM.E.

LLLLLLL) Assim e tendo em conta o entendimento perfilhado, a aplicação desta pena acessória terá de se reportar às penas parcelares, e não à pena única aplicada em cúmulo jurídico.

MMMMMMM) Sendo certo que nenhum dos crimes de que o arguido foi condenado é punido com pena de prisão superior a três anos, não pode, por inadmissibilidade legal, ao Arguido ser aplicada a pena acessória de proibição do exercício de função.

NNNNNNN) Culpa essa, reitere-se que não se provou nos presentes autos!

OOOOOOO) Violando-se assim o art. 65.º e 66.º do CP.

Termos em que e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, e por via dele, ser revogada a sentença recorrida nos termos enunciados, devendo ser, a final, o Arguido sempre absolvido.»

c. Admitido o recurso o Ministério Público junto do Juízo a quo respondeu ao recurso, pugnando em síntese pelo seguinte:

«1. Impõe-se assinalar que pretendendo, como pretende o recorrente, impugnar a matéria de facto, na sua motivação, AA não observou escrupulosamente o disposto no artigo 412.º, n.º 3 do CPPenal quanto à necessidade de especificar:

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) as provas que devem ser renovadas.

2.O recorrente apenas transcreveu depoimentos das testemunhas para, a final, os reputar de contraditórios.

3. O recorrente não identifica, expressa e objectivamente – limitando-se a emitir juízos de valor gratuitos acerca dos testemunhos –, qualquer antinomia de relevo para o desfecho do caso entre o depoimento de CC e o depoimento de DD, nem esclarece em que radica o alegado sectarismo de ambos.

4. As putativas discrepâncias assinaladas, não só não põem minimamente em crise a credibilidade dos depoentes, como respeitam a pormenores perfeitamente incidentais – e, consequentemente, mais susceptíveis à erosão da memória – no que à materialidade objectiva dos tipos de crime concerne, ensaiando o recorrente, com a sua alegação, a mera tentativa de criar uma dúvida perfeitamente artificial.

5. Impõe-se acrescentar, quanto ao alegado interesse na causa de CC, que o mesmo se revelou bem menor que o do arguido, evidenciando aquele, quando depôs, uma postura objectiva, de diminuto ressentimento, o que o levou a deter-se apenas nos pormenores verdadeiramente marcantes dos factos contra si perpetrados.

6. O mesmo se diga, em termos de isenção, do testemunho de DD, que, não conhecendo o arguido, somente relatou a sua conduta e, conforme qualquer homem médio, a inquietação e indignação que então experimentou, ao perceber que era manifestamente gratuita, ademais tendo em conta que o autor era um agente da autoridade.

7. Ao invés do assinalado pelo recorrente, não foram trazidas a estes autos duas versões dos factos, porque AA se remeteu ao silêncio e jamais o seu testemunho prestado noutro processo podia (equi) valer como declarações de arguido neste.

8. Se o recorrente pretendia apresentar a sua versão dos factos neste processo, podia e devia tê-lo feito em julgamento, resumindo-se a valoração pelo tribunal a quo do seu depoimento no Processo n.º 336/19.7… exactamente àquilo que é, o seu depoimento

9. Uma modalidade de ponderação discricionária da prova é a utilizada pelo recorrente, ao menosprezar as convergências probatórias relevantes e exaltar as diferenças (?) de pormenor insignificantes, em lugar de proceder a uma análise objectiva e a uma crítica imparcial e contextualizada de todos elementos de prova, análise que, pelas razões aduzidas na fundamentação, à luz das regras da experiência comum, foi decisiva para formar a convicção do tribunal.

10. A decisão da matéria de facto está bem fundamentada e a prova produzida em julgamento não é geradora de dúvida, inexistindo qualquer violação do princípio in dubio pro reo.

11. A insuficiência da matéria de facto para a decisão só se poderá afirmar quando os factos provados não permitem as ilações do tribunal a quo, ou seja, quando a premissa menor do silogismo judiciário, relativa ao facto, não permitir a conclusão que o julgador retirou da sua subsunção à matéria de direito aplicável.

12. Da leitura da matéria de facto dada como assente resulta claro ser esta perfeitamente suficiente para perfectibilizar os crimes de ofensa à integridade física qualificada, de denegação de justiça e prevaricação e de falsidade de testemunho pelos quais AA foi condenado.

13. Em particular quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada, dos factos provados emerge com meridiana clareza que efectivamente o arguido actuou com uma culpa qualificada.

14. É patente que depois da colaboração de CC na entrega dos seus documentos e dos do veículo e na realização do teste de despistagem de álcool no sangue e na revista, a actuação de AA é perfeitamente gratuita e movida por sentimentos desconhecidos, mas completamente alheios à sua missão de zelar pela ordem e segurança públicas.

15. Na ausência de comunicação de fundamentos cabais e válidos, a realização da revista, nas condições em que ocorreu, já extravasa largamente os normais procedimentos de fiscalização de um condutor de veículo cuja luz de presença traseira do lado direito não funciona.

16. De outra parte, tendo avançado, sem qualquer lastro de facto ou de direito, para a realização da busca à viatura de CC, a circunstância de determinar que fosse este a remover o que estava no interior dessa viatura é mais uma manifestação da pesporrência do arguido, convicto de que a sua farda lha permitia, e não do normal exercício de uma operação policial, manifestação que, a essa altura, desagradou ao ofendido.

17. Perante esse legítimo desagrado, ao invés de refrear os seus intuitos, AA aproveitou-se dele, de modo espúrio, para agravar a já inadmissível abordagem a CC, molestando-o na sua integridade física.

18. No que toca aos três crimes por que o arguido foi condenado, atendendo a um certo clima de crispação perante as autoridades, decorrente da verificação de alguns episódios de abusos policiais, as necessidades de prevenção geral são, obviamente, de tomo: só o exercício legítimo da autoridade é acatável, pelo que se impõe prevenir o seu exercício ilegítimo e, com ele, a degradação da confiança e respeito pelas autoridades.

19. As exigências de prevenção especial não são menos assinaláveis: o desdobramento da conduta delituosa do arguido em vários actos, sucessivamente mais graves, e a total ausência de autocensura – corporizada no silêncio por que optou e na falta de um esboço de arrependimento – são disso evidente demostração.

20. Importa valorar, outrossim contra o arguido, o dolo, enquanto elemento subjectivo do ilícito que, de harmonia com os factos nessa matéria assentes no acórdão recorrido, se expressou na sua forma mais intensa e que corresponde ao dolo directo – a realização dos tipos penais foi posta pelo arguido como o fim a atingir.

21. São também expressivas a ilicitude e a culpa: entre a ordem de paragem de CC e o decurso do julgamento passou tempo bastante para AA se redimir, ao menos, parcialmente. Pelo contrário, o arguido optou por objectificar o ofendido nafiscalização e, através do cometimento de novos ilícitos, tentar sair incólume do sucedido.

22. Considerando as circunstâncias do caso concreto, à luz dos critérios dos artigos 40.º, 71.º e 77.º do CPenal, as penas parcelares e única mostram-se justas e equilibradas, de molde a permitir a tutela retrospectiva dos bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras e, do mesmo passo, a “emenda” e ressocialização do arguido.

23. Na redacção anterior, a da Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, o artigo 50.º, n.º 5 do CPenal preceituava que, “O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.”, ao passo que com a alteração introduzida pela Lei n.º 94/2017 de 23 de Agosto passou a dispor que, “O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”.

24. Logo, a fixação do período de suspensão da execução da pena em medida superior ao da pena de prisão aplicada não merece reparo.

25. Na imposição da pena acessória de proibição do exercício de função, o tribunal a quo não observou um pressuposto formal dessa imposição: a condenação do arguido em pena parcelar de prisão superior a três anos.

26. Nenhuma das penas parcelares aplicadas a AA excede os três anos de prisão.

27. Destarte, a pena acessória de proibição do exercício de função aplicada deve ser revogada.»

d. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância pronunciou-se, no essencial, dizendo que o recurso deverá ser julgado parcialmente provido nos precisos sustentados na resposta apresentada junto do Juízo recorrido.

e. Assegurado o contraditório, não houve resposta.

f. Os autos foram aos vistos e à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A.Delimitação do objeto do recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (1). Suscitando-se as seguintes questões: i) Vício da decisão recorrida (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada); ii) Erro de julgamento da questão de facto (com impugnação dos pontos 7, 10 a 15, 17, 19, 41 a 44 e 47 a 52 dos factos julgados provados; iii) In dubio pro reo; iv) Erro de julgamento da questão de direito (qualificação jurídica dos factos; medida das penas principais; cúmulo jurídico das penas principais correspondentes aos crimes em concurso; e pena acessória).

B. O tribunal recorrido considerou provado o seguinte quadro factológico:

«I)

1. AA e BB são militares da Guarda Nacional Republicana, desde …/…/2016 e …/…/2018, respetivamente.

2. (…) os elementos da Guarda Nacional Republicana participam no exercício de funções essenciais do Estado, gozando para o efeito de prerrogativas de autoridade, para além de estarem vinculados ao respeito pelo cumprimento de regras e deveres, nomeadamente deveres gerais elencados na Lei Geral dos Trabalhadores em Funções Públicas, é-lhes exigido que cumpram com os deveres especiais, inerentes ao respetivo desempenho e legalmente elencados no Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana.

3. (…) à data de 16/10/2019, encontravam-se colocados no Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana de …, sito na Rua …, …, concelho de ….

4. (…) nesse dia, pelas 19h10m, os arguidos, no exercício das suas funções, quando se encontravam na Rua …, na localidade de …, concelho de …, deram ordem de paragem a CC (doravante CC) que conduzia na referida artéria veículo não concretamente apurado, sem a luz traseira de presença do lado direito, o que este acatou.

5. (…) após, solicitaram a CC que fornecesse os seus documentos de identificação e os documentos do veículo e ainda que efetuasse o exame de pesquisa de álcool no sangue, ao que aquele acedeu.

6. (…) de seguida, questionaram CC se tinha na sua posse produto estupefaciente, tendo este indicado que não.

7. (…) após, AA conduziu CC a um muro com gradeamento, parte integrante de uma casa situada no local onde se encontravam, onde o encostou e procedeu à sua revista.

8. (…) nada encontrando, logo questionaram CC acerca da possibilidade de realização de uma busca ao seu veículo, alegando para o efeito que o mesmo era conhecido da GNR por ter na sua posse produtos estupefacientes, tendo CC retorquido: “isto é sempre assim? Agora é isto todas as semanas, sempre que me veem”, todavia, acedeu na realização da referida busca.

9. (…) durante a realização da busca, AA ao verificar que CC tinha sacos no banco traseiro solicitou-lhe que os tirasse para o exterior, tendo o revistado retorquido: “mas quem é que está a fazer a busca? Sou eu ou o senhor militar?”.

10. (…) ato contínuo, dirigiu-se a CC, mostrando-se desagradado com o comentário e, sem que nada o fizesse prever, impulsionou a sua cabeça e com recurso à mesma desferiu uma pancada, vulgo “cabeçada” no topo do nariz de CC, fazendo com que o mesmo recuasse com o impacto.

11. (…) em resultado da dor que sofreu, CC gritou e pediu ajuda.

12. (…) voltou a dirigir-se a CC, o qual começou a correr à volta do próprio carro, indo aquele, em passo apressado, atrás deste, no seu encalço.

13. (…) quando o alcançou, AA agarrou CC de frente, virou-o de costas para si, encostando-o ao veículo automóvel, e fazendo uso do seu braço esquerdo, colocou-o à volta do pescoço do ofendido, de forma a imobilizá-lo.

14. (…) ao ver que CC se continuava a mexer, AA, com a sua mão direita, agarrou na lanterna que se encontrava no tejadilho da viatura, e, com recurso à mesma desferiu um golpe na cabeça de CC.

15. (…) em resultado do embate, a lanterna desmontou-se, tendo a lâmpada caído no solo.

16. AA algemou CC e encaminhou-o para o interior do veículo policial, tendo BB aberto a porta para o efeito, a fim de ser conduzido ao posto policial.

17. (…) após, atravessou a rua e foi conversar com DD, que assistiu aos factos relatados e havia solicitado por diversas vezes para que pusesse termo à sua conduta.

18. BB permaneceu no local, assistindo a toda a factualidade descrita sem nada ter feito ou dito para fazer cessar a conduta de AA.

19. Como consequência, direta e necessária da conduta de AA, CC sofreu dores nas regiões atingidas e fratura da pirâmide nasal e dos ossos próprios do nariz com edema facial associado, bem como corte na cabeça.

20. (…) tais lesões determinaram ao ofendido um período de doença fixável em 10 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.

21. (…) tendo carecido de assistência médica, a qual foi prestada no mesmo dia pelo Hospital de …, do CENTRO HOSPITALAR DE …, EPE, importando um dispêndio de 225,51€.

II)

22. No próprio dia 16/10/2019, AA elaborou o auto de notícia por detenção que deu origem ao NUIPC 336/19.7… e do qual fez constar, no campo destinado à descrição dos factos e informação complementar, que: “Eu AA nº …, a desempenhar funções no Posto Territorial de …, dou conhecimento do seguinte: Em 16 de Outubro de 2019 por cerca das 19H10, quando me encontrava a desempenhar as funções de militar de patrulha às ocorrências deste Posto, acompanhado pela Guarda BB nº …, decidimos abordar uma viatura por a mesma não possuir luz de presença direita traseira. Aquando da abordagem, o respectivo condutor abriu logo a porta da viatura sem ser solicitado, mostrando alguma impaciência tendo eu solicitado que aguarda-se dentro da mesma. A viatura era conduzida pelo senhor CC (doravante designado por arguido), foi lhe solicitada a sua documentação e a documentação referente ao veículo pedido a que o mesmo acedeu mas mostrando descontentamento. Após isso foi solicitado ao ora Arguido que saísse da respectiva viatura, foi efectuado teste de despistagem de álcool, tendo dado resultado negativo, por ser um individuo já referenciado neste Posto por posse de produtos estupefacientes, esta patrulha decidiu efectuar uma busca à viatura do Arguido, tendo o mesmo proferido diversas palavras de desagrado quanto à nossa actuação “ISTO É SEMPRE ASSIM; AGORA É ISTO TODAS AS SEMANAS SEMPRE QUE ME VEEM” agitando freneticamente os braços. Foi solicitado ao arguido que se mantivesse calmo e deixa-se esta patrulha fazer o seu trabalho. O ora Arguido indignou-se cada vez mais, nesse momento foi lhe dada a ordem de revista, tendo este militar solicitado ao mesmo que colocasse as suas mãos no cimo da sua viatura logo por cima da porta do condutor, por forma a proceder à mesma.

Aquando da revista o ora Arguido, não se mostrou colaborativo, reiterando afirmações semelhantes às anteriores, passada a revista ao lado direito do arguido passei para o lado esquerdo, quando me encontrava efectuar a revista na zona da perna esquerda senti um impacto na face do lado direito logo abaixo do olho. Após essa agressão efectuei uma manobra de imobilização, com o intuito de fazer cessar as agressões e algemar o mesmo, ao mesmo que resistiu tendo me proferido outros golpes no tronco com o cotovelo direito, nesse momento rodei para a direita com o Arguido tendo ambos caído ao chão ficando o mesmo por baixo de mim. Nesse momento já no chão e mesmo com a resistência que o ora Arguido exercia, conseguimos algemar o mesmo utilizando a força estritamente necessária para o efeito, tendo lhe sido dada a voz de detenção e de seguida transportado o mesmo para este Posto. Já neste Posto foi possível verificar as lesões no Arguido decorrentes da algemagem, bem como as lesões em mim em virtude da agressão. Foi questionado o Arguido por diversas vezes se pretendia assistência médica, ao que o mesmo recusou. Eu recebi assistência por parte dos BV … que me foi dada pelo Bombeiro de 1ª GG e pelo Bombeiro de 3ª HH. No arguido resultaram ferimentos ligeiros na face e nuca.” (sic)

23. (…) o ora descrito auto de notícia foi assinado pelo próprio punho por BB, na qualidade de testemunha policial.

24. No dia 07/11/2019, nas instalações do Juízo Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, sitas no …, em …, BB foi inquirida na qualidade de testemunha, no decurso da audiência de discussão e julgamento do referido processo 336/19.7….

25. (…) após ter prestado juramento legal e ter sido expressamente advertida das consequências penais no caso de faltar à verdade, questionada acerca da forma como tinha corrido a revista efetuada a CC no âmbito da fiscalização realizada, respondeu:

“Testemunha (ora arguida): A revista…a…foi o meu Camarada que fez…

Magistrada do M.P: Onde é que foi a revista, onde é que aconteceu?

Testemunha (ora arguida): Foi perto da viat…da porta do condutor. Pediu para ele pôr as mãos em cima da…da porta…e fez a revista…

Magistrada do M.P: Da porta do condutor da…do carro dele?

Testemunha (ora arguida): Do condutor sim.

Magistrada do M.P: Muito bem. E então o seu Camarada fez então a revista…

Testemunha (ora arguida): Sim.

Magistrada do M.P: E o quê que aconteceu?

Testemunha (ora arguida): Foi nesse momento que o meu Camarada foi agredido…pelo senhor CC, e o meu Camarada tentou imobiliza-lo…

Magistrada do M.P: Essa agressão foi como?

Testemunha (ora arguida): A…aquilo é um sitio escuro, eu não sei se…não lhe sei dizer se foi com o cotovelo, se foi com o…com o punho, não sei dizer como é que foi.

Magistrada do M.P: Hum…onde é que estava? A…relativamente a eles os dois?

Testemunha (ora arguida): Estava entre as duas viaturas porque nós estávamos numa estrada e lá não havia luz, e estavam carros a passar.

Magistrada do M.P: Hum, hum.

Testemunha (ora arguida): Estava a montar segurança.

Magistrada do M.P: Hum, hum…estava atenta aos carros ou estava a ver o quê que eles estavam a fazer?

Testemunha (ora arguida): Estava as duas coisas, a tentar ali controlar as duas situações.

Magistrada do M.P: Sim, então reparou só que ele, que o seu colega tinha sido…

Testemunha (ora arguida): Agredido…sim.

Magistrada do M.P: Não tem a certeza como…?

Testemunha (ora arguida): Não.

Magistrada do M.P: Pronto, e então o quê que aconteceu a seguir?

Testemunha (ora arguida): Foi depois o meu colega que tentou imobilizá-lo…

Magistrada do M.P: Hum, hum.

Testemunha (ora arguida): Depois verifiquei que eles os dois caíram…e foi aí que o conseguiu algemar.

Magistrada do M.P: A…foi…quem é que procedeu á algemag…a…

Testemunha (ora arguida): Foi o meu Camarada.

Magistrada do M.P: Não chegou a…não chegou a ir ao pé dele…a…

Testemunha (ora arguida): Não, só depois já quando ele estava algemado é que fui ao pé dele. Magistrada do M.P: Ah…está bem. Então o seu colega conseguiu algemá-lo sozinho? Testemunha (ora arguida): Sim.”

26. (…) questionada sobre a eventual dificuldade da algemagem, respondeu:

“Testemunha (ora arguida): Eles caíram os dois no chão e houve ali um…foi um bocado difícil sim, mas…mas conseguiu.

Magistrada do M.P: Porquê que diz que foi assim um bocado difícil?

Testemunha (ora arguida): Porque o senhor CC não colaborou.

Magistrada do M.P: E não colaborou como?

Testemunha (ora arguida): Não parava quieto.

Magistrada do M.P: Mas quê…?

Testemunha (ora arguida): Esbracejava com os braços…

Magistrada do M.P: Hum, hum. Esbracejava…e mais?

Testemunha (ora arguida): Estava a resistir, não estava a colaborar.

Magistrada do M.P: Sim, sim…mas…

Testemunha (ora arguida): Sim, sim…

Magistrada do M.P: Há uma forma de demonstrar como não colabora, não é só tipo “ai não me algemem”…

Testemunha (ora arguida): Sim, sim.

Magistrada do M.P: A…se estava, se estava só…a…a…se estava a esbracejar, se estava a pôr de pé, o quê que ele estava a fazer…?

Testemunha (ora arguida): Sim, estava…estava…

Magistrada do M.P: Para tornar difícil a algemagem…?

Testemunha (ora arguida): Estava a esbracejar sim, estava a esbracejar…é a primeira vez que sou ouvida, por isso é que estou assim um bocado…

Magistrada do M.P: Hum, hum. Esbracejava…e mais?

Testemunha (ora arguida): Estava a resistir, não estava a colaborar.

Magistrada do M.P: Sim, sim…mas…

Testemunha (ora arguida): Sim, sim…

Magistrada do M.P: Há uma forma de demonstrar como não colabora, não é só tipo “ai não me algemem”…

Testemunha (ora arguida): Sim, sim.

Magistrada do M.P: A…se estava, se estava só…a…a…se estava a esbracejar, se estava a pôr de pé, o quê que ele estava a fazer…?

Testemunha (ora arguida): Sim, estava…estava…

Magistrada do M.P: Para tornar difícil a algemagem…?

Testemunha (ora arguida): Estava a esbracejar sim, estava a esbracejar…é a primeira vez que sou ouvida, por isso é que estou assim um bocado…”

27. (…) quando questionada sobre se a revista a CC tinha sido efetuada ao pé de uma casa ou no carro, respondeu:

“Testemunha (ora arguida): Nós estávamos junto de uma casa mas não, a revista foi feita no carro.

Magistrada do M.P: Foi feita no carro com ele no tejadilho...

Testemunha (ora arguida): Sim.

Magistrada do M.P: Nunca o puseram ao pé de um muro…de um gradeamento de uma casa…

Testemunha (ora arguida): Não”

28. (…) questionada sobre se AA tinha desferido murros sobre CC, respondeu:

“Testemunha (ora arguida): Que eu me tenha apercebido não lhe deu nenhum murro.

Magistrada do M.P: Hum…e não lhe fez nenhuma…gravata?

Testemunha (ora arguida): Quando foi tentar imobilizá-lo no carro.

Magistrada do M.P: Hum…fez uma gravata…

Testemunha (ora arguida): Foi quando, ele depois…ele tirou as mãos da viatura e foi aí que o meu colega tentou…a…tentou fazer técnicas de imobilização.

Magistrada do M.P: Hum…e essas técnicas de imobilização envolveram murros na cara? Testemunha (ora arguida): Não…

Magistrada do M.P: Não. É que o senhor, o senhor aqui…o senhor CC depois tinha…apresentou aqui o nariz partido…não…

Testemunha (ora arguida): Não sei, não sei. Foi o que eu disse…vi que tinha sangue na face e um golpe aqui atrás…agora como não…não sei se tinha nariz partido se não tinha…”

29. (…) questionada sobre se AA teria feito uso de uma lanterna ou de algum objeto de ferro para dar na cabeça de CC, respondeu:

“Testemunha (ora arguida): Nós usamos umas lanternas foi para fazer uma busca á viatura porque não, é um sítio sem luz.

Magistrada do M.P: Hum…e para lhe dar na cabeça?

Testemunha (ora arguida): Não…

Magistrada do M.P: Não? Não teve que andar á procura de uma peça da…desse objeto que…

Testemunha (ora arguida): A lanterna caiu, caiu no chão.

Magistrada do M.P: Hum…

Testemunha (ora arguida): O meu Camarada quando fez a revista…pousou a lanterna em cima do carro e ela durante aquela confusão toda caiu no chão.

Magistrada do M.P: Muito bem…

Testemunha (ora arguida): E eu apanhei uma peça que estava debaixo da viatura do senhor CC.

Magistrada do M.P: Hum…não foi por lhe ter batido?

Testemunha (ora arguida): Não.”

30. (…) questionada sobre se alguém viu ou ouviu os factos, nomeadamente algum vizinho, respondeu:

“Testemunha (ora arguida): Não.

Magistrada do M.P: Eram só vocês os três?

Testemunha (ora arguida): Sim, eramos nós os três.

Magistrada do M.P: Disse que era um lugar com pouca luz…

Testemunha (ora arguida): Sim.

Magistrada do M.P: Era ao pé de alguma casa…?

Testemunha (ora arguida): Sim, sim, era perto de uma…de uma habitação…mas não tinha, não tinha luz.”

31. (…) questionada acerca da luminosidade do local onde ocorreu a abordagem a CC, respondeu:

“Testemunha (ora arguida): Não…naquele momento…não sei dizer se foi mesmo ás 19:00h…se foi mais 10 menos 10…já estava escuro.

Mandatário: Aquela estrada…eu pergunto-lhe…e a senhora responde…

Testemunha (ora arguida): Sim.

Mandatário: Aquela estrada tem luz…iluminação pública.

Testemunha (ora arguida): Tem mais abaixo, naquele sitio onde nós fizemos a abordagem não tem.

Mandatário: Tem, tem a certeza?

Testemunha (ora arguida): Naquele sitio tenho.

(…)

Mandatário: A…ás 19 horas e 10 minutos…pense lá bem, lembre-se…eu peço que se lembre…a sua memória visual…para saber se tinha ou não tinha luz…

Testemunha (ora arguida): Não tinha, não tinha luz, eu sei que…”

32. (…) questionada acerca do motivo pelo qual CC ficou com sangue na cara, respondeu:

“Testemunha (ora arguida): Porque eles caíram os dois no chão, houve imensa confusão entre os dois, não sei em que momento é que aconteceu como é que não aconteceu, como é que ele ficou como é que ele não ficou…

(…)

Mandatário: E o senhor CC, ele estava em cima ou estava de costas o senhor CC? Testemunha (ora arguida): O senhor CC caiu com a cara no chão, e o meu colega caiu também para baixo…por cima dele.

Mandatário: Ou seja, o seu colega atirou-se para cima do senhor CC?

Testemunha (ora arguida): Caíram os dois…

Mandatário: Estou-lhe a perguntar…

Testemunha (ora arguida): Caíram os dois, sim.

Mandatário: Está bem, mas caíram os dois…a…podem ter tropeçado…torno-lhe a perguntar, o quê que viu?

Testemunha (ora arguida): Vi os dois a caírem no chão

Mandatário: Como?

Testemunha (ora arguida): Desequilibraram-se não sei.

Mandatário: A senhora não sabe o quê que se passou?

Testemunha (ora arguida): Não sei o quê que se passou, vi os dois a cair no chão já lhe disse

(…)

Mandatário: O seu colega é maior que o senhor CC não é?

Testemunha (ora arguida): É, por isso é que ele conseguiu imobilizá-lo sozinho.

Mandatário: Então e diga-me uma coisa, não acha que houve excesso de…força?

Testemunha (ora arguida): Não, se o senhor CC não colaborou…não deixou o meu Camarada…

Mandatário: Mas como não colaborou, diga-me assim…”não colaborou por isto” porque “não colaborou” é uma coisa muito genérica.

Testemunha (ora arguida): Pronto, o meu Camarada estava-lhe a fazer a revista…

Mandatário: Ao carro…ou a ele?

Testemunha (ora arguida): Ele…a ele.

Mandatário: E ele estava encostado aonde?

Testemunha (ora arguida): E ele deu-lhe uma pancada, foi aí que o meu colega tentou imobilizá-lo, não conseguiu caíram os dois no chão…

Mandatário: Então…deu-lhe uma pancada como?

Testemunha (ora arguida): Ele acertou-lhe, ele acertou-lhe na cara que o meu colega ficou com um hematoma na cara e também lhe acertou aqui nesta zona.

Mandatário: Mas acertou o quê…com a cabeça?

Testemunha (ora arguida): Não sei se acertou com a cabeça…se não acertou não vi”

33. No dia 28/11/2019, nas instalações do Juízo Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, sitas no …, em …, AA foi inquirido na qualidade de testemunha, no decurso da audiência de discussão e julgamento do referido processo 336/19.7….

34. (…) após ter prestado juramento legal e ter sido expressamente advertido das consequências penais no caso de faltar à verdade, questionado acerca da forma como tinha corrido a fiscalização efetuada a CC no âmbito da fiscalização realizada, respondeu:

“(…)

Testemunha (ora arguido): Depois de eu ver a identificação dele como já havia a outra situação que eu presenciei…não foi comigo foi com outros Camaradas meus que eu tive conhecimento…a…da posse de droga, foi um NUIPC anterior…a…nós como já está referenciado pedimos para ele sair da viatura…para fazer o sopro da…ao teste de despistagem das bebidas alcoólicas que tem que se fazer…e foi-lhe solicitado para passar a revista á viatura. Só depois quando estávamos a passar a revista á viatura o senhor começou a mostrar desagrado…”é sempre a mesma coisa…agora todas as semanas é isto…estão-me sempre a mandar parar…”…pronto, palavras assim de desagrado. Pronto, foi-lhe solicitado para ele manter a calma, para não estar a…ali a importunar-nos não é, estávamos ali a prestar…pronto…estávamos a fazer o nosso trabalho…mas ele nunca…começou, começou sempre a reiterar as mesmas afirmações, que a…”é sempre a mesma coisa, agora andam sempre atrás de mim…isto é…sempre a mesma merda”, pronto essas coisas assim. E a…pronto, a minha Camarada BB é que estava a passar a revista á viatura…foi passada a revista á viatura, não foi encontrada qualquer estupe, produto estupefaciente…foi questionado a ele se tinha algum produto estupefaciente…ele disse não mas foi-lhe passada na mesma a revista de segurança.

Magistrada do M.P: Consigo directamente passou-se alguma coisa? Testemunha (ora arguido): Foi quando eu lhe estava a passar a revista…passei a revista ao lado direito dele, e quando passei para o lado esquerdo…a…quando ia com a mão esquer…pronto, eu tinha a mão na omoplata dele, a mão direita estava na omoplata dele…e a mão esquerda estava a passar a revista…estava a passar a revista á perna…pronto, ele durante este tempo esteve sempre a levantar as mãos…a…a falar etc e senti um impacto aqui na vista. Aqui no lado direito.

Magistrada do M.P: (imperceptível).

Testemunha (ora arguido): Não sei se foi uma cotovelada ou se foi um murro, que eu estava…pronto, estava concentrado…como eu estava a fazer a (imperceptível), pronto, estava a ver o que estava a fazer e não, não consegui perceber…

Magistrada do M.P: Estava a fazer a revista na perna.

Testemunha (ora arguido): Exactamente, e não conseguia perceber se foi com a mão se foi com o cotovelo.

(…)

Magistrada do M.P: A…quando diz impacto, foi com a mão ou com o cotovelo…?

Testemunha (ora arguido): Eu…eu penso que foi com o cotovelo, pronto, se fosse com a mão…eu sou mais alto terá que ser com o cotovelo…é o que eu deduzo…mas não consegui me aperceber porque eu estava a ver para baixo…e senti um impacto…

Magistrada do M.P: (imperceptível) não estava a olhar para cima…

Testemunha (ora arguido): Sim.

Magistrada do M.P: E atingiu-o aonde?

Testemunha (ora arguido): Aqui nesta zona aqui do olho.

Magistrada do M.P: Ficou com lesões?

Testemunha (ora arguido): Fiquei.

Magistrada do M.P: Sim? A…depois disto a situação piorou ou (imperceptível)…

Testemunha (ora arguido): Não, depois disto eu…pronto, face á agressão fiz-lhe a manobra para o imobilizar não é, ele deu-me mais dois ou três cotoveladas aqui no tronco, no lado direito…eu nesse momento rodei e caímos os dois ao chão.

Magistrada do M.P: Quando…apontou para o tronco, apontou para o lado direito do tronco é isso?

Testemunha (ora arguido): Sim, para este lado aqui da…da…esta zona aqui dos rins e das costelas, exactamente.

Magistrada do M.P: Costelas… A…e depois…?

Testemunha (ora arguido): Depois caímos ao chão, eu fiz, pronto, fiz a algemagem dele e levamo-lo para o Posto…depois no Posto é que vi-mos pronto, vi-mos as lesões dele também, começou-se a ver o inchaço na minha cara mais…”

35. (…) questionada acerca da forma concreta como decorreu a algemagem de CC, respondeu:

“Testemunha (ora arguido): Não, não, esteve sempre a querer-se libertar pronto…a…

Magistrada do M.P: A querer-se libertar?

Testemunha (ora arguido): Esperneava…

Magistrada do M.P: O quê que dizia em concreto?

Testemunha (ora arguido): Diga?

Magistrada do M.P: O que dizia em concreto…

Testemunha (ora arguido): Ah…dizia asneiras…a…esperneava…tentava…eu puxava-lhe a mão e ele puxava a mão para o lado dele…pronto, não colaborou com a algemagem. Em momento nenhum.

Magistrada do M.P: A…depois dessa situação, de estar devidamente algemado… Testemunha (ora arguido): Sim.”

36. (…) questionado acerca da busca à viatura de CC, respondeu:

“Mandatário: Quem é que fez a revista…fez a revista ao automóvel do senhor?

Testemunha (ora arguido): Foi a Camarada BB.

Mandatário: E no momento em que ela estava a fazer…a…a revista…o senhor estava…o quê que estava a fazer quando ela estava a fazer a revista?

Testemunha (ora arguido): Estava a montar segurança, é o procedimento.

(…)

Testemunha (ora arguido): Estou de segurança, estou ali…imagine, enquanto você está a dar atenção por exemplo á Senhora Juíza não é, alguém tem que estar a dar atenção…ao Arguido, á pessoa que está…olhe, ao adversário neste caso.”

37. (…) questionado acerca da revista efetuada a CC, respondeu:

“Mandatário: E então onde é que fez a revista? Foi na parte de trás do carro? Testemunha(ora arguido): Não senhor, foi na zona lateral da viatura.

Mandatário: Lateral do lado…

Testemunha (ora arguido): Lateral do lado do condutor. Com a porta aberta.

Mandatário: Então encostou-o…á lateral do carro, do lado da estrada…

Testemunha (ora arguido): Sim, sim.

Mandatário: Do lado da estrada…com a porta aberta…

Testemunha (ora arguido): Hum, hum…

Mandatário: E depois diz que levou a pancada do lado…?

Testemunha (ora arguido): Direito

Testemunha (ora arguido): Eu ainda estava a passar a revista á perna esquerda. Mandatário: E a sua mão direita estava aonde?

Testemunha (ora arguido): Tinha na omoplata…o que não é correcto, que eu devia de ter, a minha mão devia de estar no corpo dele. Pronto, isso aí é que são os procedimentos correctos mas…também não tenho que estar…até aquele momento o senhor estava descontente mas ninguém iria dizer que ele me ia agredir, percebe? Por isso é que eu meti a mão na omoplata, agora o correcto, o procedimento é eu meter a mão no…no cotovelo. Não meti, foi olhe…foi parvoíce minha e paguei por isso.

Mandatário: Então mas…então e…

Testemunha (ora arguido): Mas no entanto não invalida que eu tenha sido agredido não é.”

38. (…) questionado acerca do sangue que CC tinha cara, respondeu:

Testemunha (ora arguido): É assim, este golpe aqui assim aconteceu, o tal da nunca eu não sei como é que isso aconteceu, não consigo explicar, não sei se ele bateu com a cabeça no carro quando eu o rodei porque a gente…tinha a porta aberta, não sei se foi aí. Ele tinha marcas sim senhora na cara agora não sei se são estas aqui ou não, ele estava…tinha escoriações.

(…)

Testemunha (ora arguido): Tinha escoriações na cara, tinha escoriações na cara sim, e foi por isso…pronto, mas eu prestei-lhe assistência.

(…)

Testemunha (ora arguido): Eu, isso deve ter sido decorrente da…da algemagem, poderá ter sido.

Mandatário: Da algemagem. Então e quando…

Testemunha (ora arguido): No chão.”

39. (…) questionado acerca da conversa por si estabelecida com CC, respondeu:

“Mandatário: E alguma vez…alguma vez…disse…ou referiu durante este episódio…referiu a última vez que o Arguido tinha estado no Posto da GNR com os seus colegas?

Testemunha (ora arguido): Como assim, não estou a perceber.

Mandatário: Se alguma vez…disse ao Arguido…

Testemunha (ora arguido): Sim.

Mandatário: Que “a última vez que estiveste na Esquadra gozaste muito!”…

Testemunha (ora arguido): Eu?

Mandatário: Sim, estou-lhe a perguntar…uma pergunta de sim ou não.

Testemunha (ora arguido): Não.”

40. (…) questionado novamente acerca das lesões sofridas por CC, respondeu:

“Juiz de Direito: Se isto é compatível…com o que vocês…com o que ocorreu durante a algemagem?

Testemunha (ora arguido): Sim. Sim…é assim, o da nunca eu não consigo explicar isso, não sei se ele bateu com a cabeça na porta ou não…a…porque quando eu, quando eu fiz a manobra para o imobilizar e ele me deu as cotoveladas no tronco, nós rodamos, batemos ali na porta, eu não sei se ele bateu com a cabeça na porta e se foi aí que…que abriu, esse eu não consigo explicar. Agora, ele caiu ao chão desamparado…eu caí por cima dele…eu tenho 86 quilos, eu não sei quanto é que ele pesa…ele caiu desamparado, eu estava-lhe a segurar um braço ele não teve como meter as mãos á frente, ele caiu. E eu a seguir pronto, fiz as manobras que tinha que ser para o algemar a fazer a força estritamente necessária para o algemar, pronto, foi isso que eu fiz.

Juiz de Direito: Eu ia perguntar isso directamente, que é…ás vezes com a exaltação…a…aconteceu em algum momento usar a força para além do que era necessário?

Testemunha (ora arguido): Não, nunca.

(…)

Juiz de Direito: Vocês levaram convosco uma lanterna?

Testemunha (ora arguido): Sim.

Juiz de Direito: Hum, hum…em nenhum momento a lanterna por alguma razão lhe bateu na cabeça?

Testemunha (ora arguido): Não. A lanterna foi posta em cima do carro…quando foi a passar a revista.

Juiz de Direito: Foi posta em cima do carro…

Testemunha (ora arguido): Sim. Do carro dele.”

41. Na douta sentença proferida no âmbito daquele processo, já transitada em julgado em 24/01/2020, foi decidido absolver CC pela prática em 16/10/2019, na Rua … - …, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelos artigos 347.º, n.º 1 do Código Penal.

III)

42. Ao desferir uma pancada no nariz de CC e ao atingir a sua cabeça com uma lanterna, AA agiu de forma livre, bem sabendo que com a sua conduta molestava o corpo e a saúde daquele, o que representou, quis e logrou concretizar, mais sabia que se encontrava no exercício das suas funções de militar da GNR, e que com tais factos agia com grave abuso de autoridade, o que representou.

43. AA, ao redigir o auto de notícia, sabia que os factos que ali escreveu não retratavam a realidade, que elaborava e utilizava escritos de conteúdo falso, e bem assim que a conduta de CC aquando da detenção não consubstanciou a prática de crime, e fê-lo com o propósito concretizado de ser instaurado procedimento criminal por crime de natureza pública contra CC apenas para o prejudicar, o que representou.

44. (…) mais sabia que o fazia contra o direito, não observando as regras constantes da lei substantiva e adjetiva criminal, as quais bem conhecia, abusando dos seus poderes e violando os deveres inerentes às suas funções, com intenção de prejudicar CC e de se beneficiar.

45. (…) e BB, na qualidade de testemunha, assinou, com conhecimento de que o seu teor não correspondia à verdade.

46. (…) AA agiu com o propósito concretizado de colocar em causa a fé pública dada ao auto de notícia acima discriminado e, com isso, prejudicar Jorge Araújo e se beneficiar, o que representou.

47. Com os depoimentos acima transcritos narrados, em audiência de julgamento, AA e BB agiram com o propósito concretizado de relatar factos que não tinham nem poderiam ter ocorrido, apesar da advertência que lhes tinha sido previamente feita, o que representaram.

48. (…) sabiam igualmente que tinham prestado juramento legal e que, em consequência do mesmo, tinham de falar a verdade e só a verdade, sob pena de incorrerem na prática de crime.

49. (…) não obstante, quiseram e prestaram aqueles depoimentos, sabendo que, dessa forma, atentavam contra a cabal realização da justiça do caso concreto, deturpando o apuramento da verdade e a realização da justiça.

50. (…) agiram deste modo bem sabendo que prestavam depoimento como testemunhas, com o dever de falar verdade, perante o Tribunal competente para receber o seu depoimento como meio de prova.

51. (…) sabiam ainda que, dessa forma, prejudicavam a administração da justiça.

52. AA e BB agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

IV)

53. AA vive com a esposa e com o filho, sendo o relacionamento afetivo descrito por ambos como gratificante e coeso.

54. (…) o contexto familiar decorre num ambiente estruturado.

55. (…) agregado familiar reside num apartamento próprio, de tipologia 2, dispondo de condições de habitabilidade e conforto, referindo que se localiza em zona urbana sem problemáticas sociais e/ou criminais.

56. (…) tem o 12.º ano de escolaridade.

57. (…) está colocado no Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana em … desde … de … de 2017, encontrando-se ausente do serviço desde … de 2023, por se encontrar a gozar licença ilimitada por … dias.

58. (…) durante os períodos em qua exerce funções apresenta uma postura com aprumo, mas distante de muitos dos camaradas que prestam serviço e que no âmbito da missão geral da Guarda Nacional Republicana, talvez fruto das ausências ao serviço, apresenta alguma falta de conhecimentos técnico-profissionais.

59. (…) possui rendimentos no valor de 844,50€.

60. (…) a subsistência familiar é assegurada pelo arguido e pela esposa. A situação económica é percecionada como positiva para garantir as necessidades pessoais, familiares e financeiras.

61. (…) desde … de 2023 que se encontra a beneficiar de uma licença sem vencimento da guarda e, desde essa altura até à presente data que se encontra a trabalhar no setor da ….

62. (…) beneficiou de um desenvolvimento familiar estruturado, tendo-lhe sido transmitidos valores e princípios adequados ao seu desenvolvimento pessoal e emocional.

63. (…) encontra-se integrado num contexto familiar equilibrado e coeso e apresenta um percurso laboral dedicado essencialmente à vida militar.

64. (…) é visto pelos seus pares como uma pessoa respeitada.

65. (…) e não tem antecedentes criminais.

66. BB é solteira, reside sozinha há cerca de um ano.

67. (…) mantém com os familiares de origem, pais e um irmão 3 anos mais velho, um bom relacionamento, com a existência de laços de afetividade e interajuda.

68. (…) possui o 3º ano do curso de … do …

69. (…) ingressou no exército, no ano de 2009, na categoria de praças, tendo ficado colocada em …, até ao ano de 2012.

70. (…) nesse ano vem para …, onde integrou a brigada de intervenção do exército (secção de pessoal) até 2016.

71. (…) após ter terminado o contrato de 6 anos no exército, entre 2016/2018, frequentou o ensino superior, no curso de …, que não terminou.

72. (…) no ano de 2018, ingressou como militar da GNR no Posto Territorial de …, onde exerceu funções até 2020.

73. (…) de 2020/2021 esteve no Posto Territorial da … e de 2012/2022 no Posto Territorial da ….

74. (…) nesse mesmo ano, transitou para o Posto Territorial de …, onde se mantém.

75. (…) tem um rendimento líquido mensal no valor de 1.243,69€.

76. (…) sente-se receosa, quanto a eventuais consequências legais e profissionais, que considera que poderão pôr em causa todo o investimento e empenhamento, que tem tido relativamente à sua profissão.

77. (…) é descrita como uma profissional que desempenha com zelo e profissionalismo as suas funções e que mantém com os colegas um bom relacionamento interpessoal.

78. (…) é vista pelos seus pares como educada, respeitadora, prudente e uma pessoa de valores.

79. (…) e não tem antecedentes criminais.»

B.1 E motivou a sua convicção nos seguintes termos:

«Visando a motivação da factualidade relevante, o Tribunal baseou a sua convicção na conjugação e análise crítica da prova produzida devidamente descrita na acusação, carreada documentalmente para os autos e resultante das atas de julgamento, gerada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e, salvaguardadas as presunções legais e naturais, valorada em harmonia com o princípio da livre apreciação da prova e de acordo com as regras da experiência.

Os Arguidos remeteram-se ao silêncio. O Tribunal ponderou os depoimentos das testemunhas (CC, DD, EE, FF, II, JJ, KK e LL), bem como a prova documental (certidão extraída no âmbito do processo n.º 336/19.7… a fls. 1 a 13, ata de audiência de discussão e julgamento datada de 07/11/2019, ata de audiência de discussão e julgamento datada de 28/11/2019, ata de audiência de discussão e julgamento datada de 12/12/2019, transcrições da audiência de discussão e julgamento do processo n.º 336/19.7… de fls. 17 a 109, declarações do ali arguido CC, a fls. 17 a 33, 53, 54 e 102, depoimento da ali testemunha BB, a fls. 33v a 52, depoimento da ali testemunha AA, a fls. 54 a 75, depoimento ali testemunha DD, a fls. 76 a 92 e 100 a 101, acareação das ali testemunhas AA e DD, a fls. 92v a 99, leitura de sentença, a fls. 102v a 109, certidão extraída no âmbito do processo n.º 336/19.7… a fls. 115 a 161, auto de notícia de fls. 118 a 121, declaração emitida pelo C.H. De…, E.P.E., de fls. 155, diário clínico referente ao episódio de urgência datado de 16/10/2019, de fls. 156 e 157, pedido de consulta externa de fls. 158, certificado de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 159, 196, 197, 198, fotografias de fls. 179 a 182, folha de matrícula de fls. 492 a 494, folha de matrícula de fls. 495 a 497, certidão extraída no âmbito do processo n.º 128/19.3… a fls. 498 a 518, auto de notícia de fls. 500 a 502, auto de detenção de fls. 504v a 505, auto de apreensão de fls. 505v a 507, folha de suporte fotográfico de fls. 507v a 508, auto de teste rápido de fls. 509 a 511, certidão extraída no âmbito do processo n.º 336/19.7… a fls. 519 a 531, ata de audiência de discussão e julgamento de fls. 520 a 522 e auto de detenção de fls. 504v a 505).

A única prova produzida com a imediação do julgamento e que diretamente se repercute na realidade vivenciada dos factos corresponde à trazida pelas testemunhas CC e DD, aquele enquanto ofendido, esta enquanto testemunha ocular (a testemunha EE presenciou os factos, mas declarou que de nada se recorda, devido ao seu estado clínico e psíquico). O depoimento de ambos, apesar das ligeiras discrepâncias detetadas – maxime a agressão com socos sustentada por DD e omitida por CC – adquiriu credibilidade pela forma tranquila, espontânea e serena como foi prestado, dentro de um relato com alusão a elementos circunstanciais e de contexto, aos quais o Tribunal atribuiu relevância e fidedignidade – factos enunciados em I.

Claro está que basta o confronto de tais depoimentos com a realidade documental patente nos autos – factos enunciados a II – e que corresponde aos atos processuais relevantes praticados no âmbito do processo n.º 336/19.7…, bem como à transcrição dos depoimentos aí prestados por AA e BB para imediatamente se perceber a incompatibilidade entre a narrativa arquitetada por ambos os arguidos naquele processo e a verdade dos factos, devidamente espelhada no depoimento de CC e DD, cujo conhecimento e credibilidade não foi contrariado por qualquer outra prova.

Com efeito, além destas testemunhas, só os Arguidos poderiam trazer uma versão com igual razão de ciência. Não obstante, optaram por ficar em silêncio. Evidentemente, o silêncio não os pode prejudicar. Mas, não podem legitimamente esperar que os beneficie.

E, portanto, não poderá o arguido AA esperar que, acenando com uma suposta agressão perpetrada por CC, a qual não esclarece, possibilite ao Tribunal firmar uma certeza sobre a sua existência. A fotografia com hematoma, o depoimento de FF que diz lembrar-se desse hematoma na cara (e ainda disse, qual memória prodigiosa, que seria na face direita) e a declaração de assistência médica na Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de … (assumidamente estranho que um órgão de polícia criminal resolva dirigir-se aos bombeiros para ser assistido e não ao hospital) não possuem o condão, ainda que admitindo a muito ténue credibilidade dos meios de prova, de possibilitar a inferência que o hematoma fora produzido por CC e, mais ainda, que o fora com intenção de agredir o Arguido.

Em suma, o Tribunal baseou a convicção nos depoimentos das testemunhas CC e DD, assim como na prova documental que se mostra produzida, sem que, no reverso, qualquer prova tenha existido que a possa contrariar ou pôr em causa. Mais, se o relato produzido por CC, por ser ofendido, poderia merecer reservas, vislumbrando-se um interesse que não se descortina, já o depoimento de DD é totalmente desinteressado e distante, assumindo acrescida credibilidade quando essencialmente concordante com o depoimento do ofendido. Mais ainda, por que razão um militar da GNR resolve ir falar com alguém, como ocorreu com DD, visando explicar o sucedido? Só nos parece que isso possa acontecer, quando se pretenda apresentar uma justificação para algo não imediatamente percetível ou compreensível.

No que tange com o elemento subjetivo, devidamente descrito nos factos enunciados a III, é consabido ser o mesmo insuscetível de prova direta, havendo que recorrer a regras de experiência comum. Daí se infere que a ação de AA quando agride CC é, naturalmente, de o ofender na sua integridade física; quando declara no auto de notícia uma realidade diversa da ocorrida, pretende e conseguiu forjar o documento ao qual sabe ser atribuído valor autêntico; quando, servindo de instrumento o auto de notícia, procura que seja levantado procedimento criminal contra CC, tem por vontade subverter as regras materiais e processuais com a finalidade de prejudicar um terceiro, assim violando conscientemente os deveres funcionais a que está adstrito e abusando dos poderes e prerrogativas conferidos enquanto órgão de polícia criminal; quando AA e BB, depois de advertidos em julgamento e depois de terem prestado juramento, faltam conscientemente à verdade e atentam contra a realização da justiça, fazem-no consciente e deliberadamente. Por fim, quando BB assiste à agressão do seu colega a CC e não intervém, não resultou provado o grave perigo da circunstância concreta, assim como que a intervenção não tivesse tido lugar no momento da detenção e condução ao posto da GNR, tanto mais que o próprio ofendido negou querer ser assistido; quando assina o auto de notícia, é certo que sabe que o teor do mesmo não corresponde à verdade, mas a Arguida não detém o domínio sobre a redação do documento, isto é, não tem “o poder de emitir, elaborar ou determinar a emissão do documento com informação sobre factos juridicamente relevantes, cujo relevo se apresenta reforçado pelo próprio documento. (…) Apenas tem um domínio relativo ao poder da palavra sem capacidade para determinar a produção do documento (…).” (conferir PAULO DÁ MESQUITA, “Parecer sobre tutela penal de falsas declarações e eventuais lacunas carecidas de intervenção legislativa em matéria de falsas declarações perante a autoridade pública”, Revista do Ministério Público, n.º 134, abril/junho de 2013, pp. 90-92, apud conferir acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 29.03.2017, ECLI:PT:TRC:2017:2159.13.8TALRA.C1.39, relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA, disponível eletronicamente), razão pela qual não pode resultar como provado que BB conseguiu forjar o documento, pois que não o podia lograr, por falta de domínio sobre a sua elaboração. Cumpre atentar que a douta acusação omite o elemento subjetivo quando ao alegado crime de denegação de justiça e prevaricação, pelo que o facto atinente não perpassou para os factos provados ou não provados.

Por fim, os factos enunciados a IV decorrem inteiramente da análise crítica dos relatórios sociais […] e […], reproduzindo textualmente os segmentos relevantes. Os antecedentes criminais resultam das respetivas certidões […] e […]. Cabe, ainda, aludir aos depoimentos das testemunhas FF, II, JJ, KK e LL, os quais depuseram, essencialmente e com conhecimento de causa, acerca da personalidade, caráter e qualidades profissionais dos Arguidos.

E mais não foi levado à matéria de facto por não oferecer relevo, por ser de teor conclusivo ou por configurar juízos de Direito.»

C. Apreciando

C.1. Do erro notório na apreciação da prova

Atento o que logo ressalta do texto da decisão recorrida, antes mesmo de avaliarmos os termos da impugnação de facto e de direito suscitadas no recurso do recorrente, impõe-se, por dever de ofício (2), conhecer dos vícios da decisão recorrida, logo constatando um erro notório na apreciação da prova (artigo 410.º, § 2.º, al. c) CPC). Conforme exige a lei, este vício deverá resultar do próprio texto da decisão recorrida, reportado à lógica jurídica ao nível da matéria de facto, isto é, às circunstâncias que inviabilizam uma decisão logicamente correta e em conformidade com a lei. (3) Ou quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente. (4) Nestes casos o Tribunal de recurso prescinde da análise da prova concretamente produzida, atendo-se somente à conexão lógica do texto da decisão, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum.

Breve: o acórdão recorrido revela que a avaliação da prova nele efetuada assentou em valoração de prova proibida. O direito processual penal é considerado «direito constitucional aplicado» (5), justamente por impregnar os valores, direitos e garantias consignados na Constituição. Daí que sob os auspícios dos princípios do acusatório, da investigação e do processo equitativo (fair trial), a que se reportam os artigos 20.º, § 4.º e 32.º, § 2.º da Constituição; 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia; e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (todos inspirados no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem) e artigo 340.º do CPP, haja limites intransponíveis em matéria de prova, a começar na valoração de prova com proveniência em declarações do arguido. É preciso relembrar que o direito à não autoincriminação se projeta no direito ao silêncio do arguido, mas também no direito a não facultar meios de prova - nemo tenetur se ipsum acusare. O que se traduz, desde logo, na faculdade reconhecida ao arguido de se não pronunciar sobre os factos que lhe são imputados (diferentemente do que sucedia nos processos regidos pelo princípio do inquisitório em que as declarações obrigatórias do arguido, maxime a confissão forçada), desse modo impedindo (entre o mais) que aquele se converta em instrumento da sua própria condenação. (6)

O direito ao silêncio implica não apenas a proibição da coação direta e indireta de declarar, mas também a proibição de valoração do silêncio total, parcial ou mesmo temporário. (7) Daí decorrendo que a opção pelo silêncio (em qualquer daquelas modalidades) nunca possa desfavorecer o arguido. A segunda das referidas dimensões (o direito a não contribuir para a própria incriminação), impede a transformação do arguido em meio de prova, por via de uma colaboração que ele notoriamente não quis voluntaria nem conscientemente ter. Quer-se dizer: tal garantia constitucional não se circunscreve «à proibição de métodos perturbadores da liberdade de vontade do arguido (tortura, coação moral, engano, administração de meios, hipnose), mas arrasta também a negação de valor probatório ao silêncio ou à recusa de colaboração (artigo 343.º/1 e 345.º/1)» (8) do CPP. Conforme refere Manuel da Costa Andrade (9) «se o arguido exerce o seu direito ao silêncio, ele renuncia (faculdade que lhe é reconhecida), a oferecer o seu ponto de vista sobre a matéria em discussão, nessa medida vinculando o tribunal à valoração exclusiva dos demais meios de prova disponíveis no processo». Donde, quando o arguido recusa a colaboração, não pode tal recusa, legitimamente, ser contornada no processo através de meios escusos, como sucedeu no caso presente, valorando-se declarações (do arguido) contidas em documento certificado de outro processo penal, na mesma matéria, no qual o aqui arguido ali figurava então como testemunha indicada pela acusação, estando naquele, portanto, sujeito ao dever de declarar e de dizer a verdade. Isto é, sob a aparência de se ter valorado prova documental, o que deveras sucedeu foi a valoração de prova declaratória do arguido, quando este se recusara na audiência a prestar declarações relativamente às matérias de que estava acusado. A valoração dessa prova declaratória mostra-se válida, claro, na parte respeitante à imputação do crime de falsidade de testemunho (artigo 360.º, § 1.º CP), na medida em que as declarações prestadas nessa matéria integram - elas próprias - os elementos constitutivos da prática desse ilícito que lhe está imputado. A excecionalidade desta possibilidade, relativamente a este ilícito, se bem se vir, advém do critério normativo que emerge do § 7.º do artigo 187.º CPP, que para aqui poderá analogicamente mobilizar-se. (10)

Mas relativamente aos demais ilícitos imputados, a valoração de tal prova declaratória - como se de prova documental se tratasse (11) – corresponde a uma verdadeira burla de etiquetas, fazendo entrar pela janela o que a lei proíbe que entre pela porta. E isso pela exata razão de tal valoração se mostrar proibida, por vulneração das garantias associadas ao processo equitativo, designadamente o direito à imediação com a prova, ao contraditório e ao já referido direito ao silêncio.

Será talvez esclarecedor lembrar as considerações de João Praia (12) a propósito das proibições de prova, sublinhando, justamente, que «a finalidade do processo penal não é a descoberta da verdade a qualquer custo, mas a sua prossecução através dos meios processualmente admissíveis à luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º da Constituição da República Portuguesa/CRP), ainda que isso possa conduzir, e muitas vezes por certo conduz, à impossibilidade de acesso à intitulada verdade “material” ou histórica. É hoje unânime entre os Autores a asserção de que “não é nenhum princípio da ordenação processual que a verdade tenha de ser investigada a todo o preço” e também que “o objetivo do esclarecimento e punição dos crimes é, seguramente, do mais elevado significado; mas ele não pode representar sempre, nem sob todas as circunstâncias, o interesse prevalecente do Estado”: o “Estado tem de revelar alguma superioridade ética: não pode combater o crime, por mais grave que ele seja, cometendo, ele próprio, outros crimes”. (…)

As proibições de prova estão, assim, diretamente ligadas à salvaguarda dos direitos fundamentais e representam uma barreira ao apuramento dos factos, traduzindo, portanto, limites à descoberta da verdade – são uma resposta para vícios substanciais. Quer dizer, “o direito processual penal português privilegia a dimensão material-substantiva das proibições de prova. A interpretação e aplicação dos respetivos preceitos terão, por isso, de partir da compreensão das proibições de prova como instrumentos de garantia e tutela de valores ou bens jurídicos distintos – e contrapostos – dos representados pela procura da verdade e pela perseguição penal”.»

As proibições de prova são desde logo (para além de outras), as constantes dos artigos 58.º, § 7.º e 59.º, § 4.º, 129.º, § 1.º, 147.º, § 5.º, 148.º, § 3.º e 149.º; 167.º, § 1.º e 355.º CPP. E na medida em que radicam na tutela de direitos fundamentais, a verificação da existência de provas proibidas, leva a tratá-las como se não existissem (artigo 126.º, § 3.º CPP).

Apesar de o legislador utilizar o termo «nulidade» no artigo 126.º CPP, a verdade é que nesse retábulo se está a referir a proibição de produção ou de valoração de provas (a métodos proibidos de prova), não se tratando, pois, de nulidades processuais, não lhes sendo designadamente aplicáveis o regime previsto nos artigos 118.º e ss. CPP. (13)

«Traço da autonomia das proibições de prova, naturalmente incluindo as que se consubstanciam no uso de métodos proscritos como os mencionados no artigo 126.º, e que o aparta das nulidades, é que aquelas gozam de uma eficácia erga omnes, quer dizer, o seu manto protetor projeta-se para além da pessoa diretamente afetada pela violação da proibição e por todas quantas, indiretamente ainda, sejam tocados pela mancha da danosidade resultante.»

Pois bem.

A incompatibilidade da posição processual do arguido com a qualidade de testemunha, impede que possam valorar-se as declarações desta em prejuízo dos direitos daquele. As declarações testemunhais prestadas pelo arguido/recorrente noutro processo, constitui neste, prova declaratória de arguido, colhida em momento anterior e processo distinto, no qual estava obrigado a declarar. A literatura jurídica (14) regista, com assinalável proficiência, a migração de elementos probatórios declaratórios de um processo para outro, o que constituindo vexata quaestio, não é porém incomum. Por vezes a importação para o processo penal de provas produzidas noutros processos - até de jurisdições diversas (ou até de processos sem jurisdição) - faz-se de modo acrítico! Sendo que, nas mais das vezes, essa «prova emprestada» é simplesmente inaproveitável, na exata medida em que essa prova «circulada» ou «migrada» de processos sem as garantias do processo penal, não pode ser válida neste, como desde logo decorre dos artigos 125.º, 355.º, 356.º CPP e 32.º, § 1.º da Constituição e impõe o princípio da presunção de inocência (15), nas dimensões já referidas supra.

No presente caso essa «migração» probatória ocorreu entre dois processos de natureza penal. Não obstante, cremos (como deixámos já dito), as declarações importadas desse outro processo não permitem a sua valoração nestes autos - com a exceção já referida -, na medida em que não foram efetuadas mediante as garantias de que o arguido goza sempre no processo penal, justamente porque ali o recorrente não tinha a qualidade de arguido (mas de testemunha), não podendo por isso escusar-se a declarar nem também a contraditar essa prova!

Acresce que conforme o princípio geral estabelecido no § 1.º do artigo 355.º CPP: «não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência».

Mais resultando dos artigos 356.º e 357.º CPP não ser permitida a leitura em audiência de declarações dos arguidos, recolhidas noutro processo penal, quando declararam noutra qualidade – como testemunhas - sendo também por esta via essa prova insuscetível de valoração. (16)

Em caso essencialmente análogo, considerou o Tribunal da Relação de Coimbra (17), seguindo no essencial a lição de Paulo Dá Mesquita (18), que a valoração de declarações de arguido prestadas noutro processo na qualidade de testemunhas vulnerava (a mais do direito do arguido ao silêncio - da prerrogativa contra a autoincriminação): o princípio da imediação, no sentido de que toda a prova deve, em princípio [cf. as exceções previstas v.g. artigos 356.º e 357.º do CPP], ser produzida na presença do arguido numa audiência pública com vista a uma argumentação contraditória; o princípio do contraditório, na dimensão de direito à confrontação das fontes de prova, de efetiva inquirição cruzada [contra inquirição]; e o direito de recusa [válida] de depor como testemunha.

«Não pensará, por certo, o tribunal a quo, que o arguido (ora recorrente) exerceu ou podia ter exercido o contraditório num processo em que não revestia a qualidade de arguido; tão pouco tal podendo ter exercido, de forma adequada, na dimensão supra referida, no confronto com provas documentais declarativas»! (19) Isto dito, não deixa, porém, de surpreender, a circunstância de o arguido/recorrente AA, apesar da prolixidade do seu recurso, aceitar acriticamente a valoração das suas declarações no processo anterior, prestadas na qualidade de testemunha - apesar de na audiência do presente caso se ter remetido ao silêncio! Tudo começou, em boa verdade, na acusação, na qual, a acrescer à imputação dos factos constitutivos do crime de falsidade de testemunho, se integrou na respetiva narração a transcrição dos depoimentos testemunhais, numa grosseira confusão entre factos (artigo 283.º, § 3.º. al. b) CPP) e provas (artigo 283.º, § 3.º. al. e) e g) CPP). Esse modo (errado) de proceder deveria ter sido logo preterido (corrigido) no acórdão recorrido, pois o tribunal não está impedido de repor nos eixos (id est de fazer respeitar o justo procedimento) o que deles se mostra arredio, como magistralmente ilustra o Supremo Tribunal de Justiça. (20) Pois que a sentença não é (não deve ser) uma fiel serventuária da acusação. Cabe neste conspecto aos juízes o dever de proceder, «se necessário, e na extensão tida por necessária, ao aparo ou corte do que porventura em contrário e com carácter supérfluo dela provenha», ou a precisá-la num discurso mais claro quanto ao que possa não estar tão bem exposto, sem que isso constitua uma introdução de factos novos que traduzam alteração dos anteriores, isto é, sem que isso represente uma alteração relevante (nem substancial nem não substancial) dos factos. (21) Ao invés disso, o tribunal recorrido limitou-se a transmutar para o acervo dos «factos provados» no acórdão recorrido, a tão desnecessária quanto indevida transcrição de declarações, como se foram efetivamente «factos»! Sintetizando: da simples leitura do texto do acórdão recorrido emerge um erro congénito no apuramento da matéria de facto, o que imediatamente ressalta da conexão lógica do seu texto, que evidencia ter-se valorada prova proibida, o que evidentemente compromete toda a decisão, por erro notório na apreciação da prova (artigo 410.º, § 2.º, al. c) CPP). A ampla dimensão deste erro na apreciação da prova, na medida em que a motivação da decisão de facto não deixa claro se todos os factos (ou apenas alguns) foram influenciados pela valoração da prova proibida, tornando impossível a tarefa de expurgar a prova proibida e decidir a causa em recurso. Nestas circunstâncias tal significaria realizar, agora em segunda instância, todo um novo julgamento, mas agora sem oralidade e imediação com as provas produzidas na audiência (designadamente a prova testemunhal) – artigo 426.º, § 1.º CPP. Deste modo fica natural e legalmente prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso, devendo em consequência baixar o processo à 1.ª instância, para novo julgamento, relativamente à totalidade do objeto do processo relativamente ao recorrente, nos termos previstos no artigo 426.º CPP, a realizar necessariamente por outros juízes, atendendo-se ao disposto nos artigos 40.º, § 1.º. al. c) e 426.º-A do CPP. O reenvio do processo para novo julgamento faz-se relativamente à totalidade do seu objeto, no concernente ao recorrente, incluindo, pois, o crime de falsidade de testemunho, previsto no artigo 360.º CP, visando evitar (porquanto é cogitável, pelo menos em abstrato) a possibilidade de contradição de julgados - artigos 426.º, § 1.º, 426.º-A e 40.º, § 1.º, al. c) CPP.

III – Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. declarar que o acórdão recorrido padece do vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na al. c), do § 2.º, do artigo 410.º CPP;

2. determinando-se o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objeto do processo, no concernente ao recorrente, com consideração do estatuído nos artigos 426.º, § 1.º, 426.º-A e 40.º, § 1.º, al. c) CPP.

3. Sem tributação.

Évora, 22 de outubro de 2024

J. F. Moreira das Neves (relator)

Artur Vargues

Edgar Valente

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1 Em conformidade com o entendimento fixado pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28dez1995.

2 Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, 4.ª ed., 2011, Universidade Católica Editora, p. 1079. Ver tb. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9jan2019, proc. 142/12. 2PCLRS.S1, relator Raul Borges.

3 Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6out2010, proc. 936/08.JAPRT, de que foi relator o Cons. Henriques Gaspar.

4 Cf. declaração de voto de José de Sousa Brito, no Acórdão n.º 322/93 do Tribunal Constitucional. No mesmo sentido cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 18nov2021, proc. 2029/17.0GBABF.E2.S1, relatora Helena Moniz; de 23jun2022, proc. 11/20.0GACLD.C1.S1, relator António Gama; de 29out2015, proc. 230/10.7JAAVR.P1.S1, relator Nuno Gomes da Silva (com referência ao acórdão do mesmo Tribunal, de 20abr2006, proc. 06P363, relatado por Rodrigues da Costa).

5 H. Henkel citado por Jorge de Figueiredo, 2004, Direito Processual Penal, Reimpressão da 1.ª edição (1974), Coimbra Editora, p. 74.

6 Cf. neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 298/2019, de 15 de maio de 2019, do qual foi relator Pedro Machete.

7 Cf. Sandra Oliveira e Silva, O Arguido Como Meio de Prova Contra Si Mesmo, 2018, Almedina, 420 ss., maxime 433.

8 Sandra Oliveira e Silva, O Arguidos como Meio de Prova contra si mesmo», 2018, Almedina, p. 200.

9 Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, 2013, Coimbra Editora, p. 129.

10 Neste sentido cf. Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo II, 4.ª ed., 2024, p. 46.

11 Conforme expressamente refere a motivação da decisão de facto do acórdão recorrido a pp. 24 a 26 do acórdão.

12 João de Matos-Cruz Praia, Proibições de prova em processo penal (…), JULGAR Online, dezembro 2019.

13 Neste sentido cf. Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, t. II, 4.ª ed., 2024, p. 80. Sobre a distinção do regime das proibições de prova face às nulidades processuais, neste mesmo sentido, se pronuncia também João Conde Correia, no Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo I, 2019, p. 1212-1214.

14 Cf. Joaquim Malafaia, Os efeitos das decisões judiciais no processo penal, 2017, Gestlegal, pp. 37 ss.; Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo II, 4.ª ed., 2024, em anotação ao artigo 125.º; Inês Fernandes Godinho, To be or not to be: Empréstimo da prova, circulação de prova e verdade em processo penal, RMP 168, 2021, p. 130 ss.; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2023, 5.ª ed. Atualizada, p. 488 (anotação 8. ao artigo 125.º); Gustava Badaró, Revista Brasileira de Ciências Criminais, jan-fev 2014, pp. 157 ss.; Roberto Portugal de Biazi, Prova emprestada em processo penal: uma análise dos limites de sua admissibilidade, Anais do Congresso de Pesquisa em Ciências Criminais, 2017, pp. 834 ss.; Eduardo Talamini, Prova emprestada no processo civil e penal, Revista de Informação legislativa, n.º 35, 1998, pp. 145 ss.; Ada Pellegrini Grinover, A prova emprestada, Revista Brasileira de Ciências Criminais, out-dez 1993, pp. 145 ss.; Caíque Ribeiro Galícia & Eduardo Dalla Rosa, Prova emprestada no âmbito de Cooperação judiciária Internacional.

15 Idem.

16 Neste sentido se pronunciando Paulo Dá Mesquita, no Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, t. IV, 2022, Almedina, p. 575 e ss. (maxime § 55) – em anotação ao artigo 355.º CPP.

17 Ac. Tribunal da Relação de Coimbra, de 3/7/2013, no proc. 1568/08.9TAVIS.C2, relatora Maria José Nogueira.

18 Paulo Dá Mesquita, A Prova do Crime e o que se disse antes do Julgamento, Coimbra Editora, p. 634

19 Tribunal da Relação de Coimbra, acórdão citado.

20 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2/6/2005, proferido no proc. 7177/04, em que foi relator o Cons. Pereira Madeira.

21 Acórdão citado. Neste mesmo sentido se pronuncia Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Lisboa, Verbo, vol. III, 2.ª ed., p. 273.