Não há lugar à suspensão da execução da pena de prisão aplicada a um recorrente que já foi anteriormente condenado, por duas vezes, em penas de prisão suspensas na sua execução pela prática de vários tipos de crime, inclusive do mesmo tipo dos crimes em apreço, e que praticou parte dos factos pelos quais foi agora condenado durante o período de suspensão da execução de uma pena de prisão, entretanto revogada.
No processo nº 134/20.5GEALR do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Central Criminal de … - Juiz …, foi proferido acórdão, datado de 18/03/2024, no qual se decidiu, relativamente ao recorrente nestes autos:
“ A- Absolver AA de dois crimes de furto qualificado em autoria material, previstos e punidos pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal e de um crime de furto qualificado em coautoria material, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal.(…)
C- Condenar AA, pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, por desqualificação do crime de furto qualificado, de harmonia com o disposto no artigo 204.º, n.º 4, ambos do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão.
D- Condenar AA, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão.
E- Condenar AA, em cúmulo, na pena única de 3 anos e 5 meses de prisão, declarando o perdão de 1 ano de prisão, sob condição resolutiva de não praticar infração dolosa até 1 de Setembro de 2024, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento das partes das penas perdoadas, em conformidade com o disposto no artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto. (…)”
*
Inconformado com aquela decisão, quanto à pena de prisão que lhe foi aplicada e à não suspensão da execução da mesma, veio o arguido AA interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
“I- Não se vai transcrever toda a matéria de facto dada como provada, sendo que no essencial se concorda com a mesma.
II- 2.Nos termos do art. 40.º, do CP, que dispõe sobre as finalidades das penas, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no art. 71.º, do mesmo diploma.
III-A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (art. 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se deverá revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na justa medida, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva.
IV- Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização.
V- O comportamento do agente, adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial
VI- Em face do exposto, o recorrente considera excessiva, desproporcional e desajustada às finalidades da punição, tendo o Tribunal “a quo” violado o disposto nos artigos. 40.º e 71.º, ambos do CP, pugnando pela sua redução para 1 ano e 6 meses de prisão.
VII- Ponderando todas as circunstâncias do caso concreto, as exigências de prevenção geral e especial, e a culpa do arguido, é forçoso concluir que a pena concretamente aplicada não teve em conta o exigido pela tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, situando-se acima dos limites exigíveis à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias não se adequando à satisfação da sua função de socialização.
VIII- Pelo que, tendo em conta a moldura penal e ponderando as circunstâncias relevantes nos termos do n.º 2 do art. 71.º do CP, que atrás apontámos, entende-se como assertivo uma diminuição da medida da pena para 1 ano e 6 meses, como entende o recorrente.
IX- O Arguido foi condenado na pena da prisão de 3 anos e 5 meses, entendendo o recorrente que a mesma deveria ter sido de 1 ano e 6 meses.
X- No entanto quer a pena de 1 ano e 6 meses de prisão que se entende justa e equitativa, quer a pena de 3 anos e 5 meses, em que foi condenado, poderá ser suspensa na sua execução.
XI- O Arguido efetivamente encontra-se a cumprir pena de prisão, no âmbito de outros processos, do relatório constante nos autos, extrai-se que: “(…) na reclusão em curso manteve fragilidades aditivas até ao final de 2022, tendo em 2023, na sequência de acompanhamento clínico e psicológico, passado a evidenciar resultados negativos nos testes de despistagem toxicológica efetuados”.
XII- “21. (…) em termos da sua ressocialização futura, o arguido perspetiva reintegrar o agregado familiar da mãe, com quem é descrito um relacionamento afetuoso e isento de conflitos. A família tem manifestado disponibilidade para o receber e apoiar, à semelhança do verificado em meio prisional, onde é auxiliado economicamente e visitado regularmente pela mãe, pelos irmãos, pela ex-companheira e pelo filho”.
XIII- “23. (…) desde há cerca de um ano, a par da abstinência aditiva tem evidenciado maior capacidade de ajustamento e investimento na sua valorização pessoal. Frequentou o programa de consciencialização Rodoviária “Estrada Segura” de março a maio de 2023 e o “Programa de Prevenção do Alcoolismo” de setembro a novembro, com postura de interesse e adesão. Encontra-se colocado laboralmente desde há cerca de 5 meses numa oficina de montagem de componentes plásticos (trabalho à peça)”
XIV- Assim, resulta à evidência que esse mesmo fator terá de ser consecutivamente concatenado em termos legais com as demais circunstâncias.
XV- O mesmo, de resto, advém de uma outra circunstância, que se debate quanto ao passado do arguido e recorrente.
XVI- Os crimes constantes do registo criminal do mesmo ocorreram em decorrência da sua toxicodependência.
XVII- Conclui-se que este está de facto em abstinência e tem apoio familiar da sua ex-companheira, mãe e irmãos.
XVIII- Não se infere a razão, pela qual, perante o passado do arguido e só por isso, o Tribunal não possa realmente proceder à suspensão da pena, alterando a pena de prisão efetiva para pena suspensa na sua execução, ainda que através de regras de conduta, que se aceitam.
XIX- Para mais, os crimes, pelos quais, o ora Recorrente foi agora condenado, ocorreram, em Setembro de 2017 e Julho de 2020, ou seja, já decorreram 7 e 4 anos, respetivamente sobre a prática desses ilícitos,
XX- Ora o arguido encontra-se a cumprir pena de prisão, por outros crimes, já que foi condenado e encontra-se a cumprir, uma pena de prisão de 5 anos e 8 meses.
XXI- Mas como já se referiu, este comportamento anterior do ora Recorrente, sempre ocorreu, em consequência do consumo de estupefacientes, o que, neste momento, não sucede, como refere o relatório,
XXII- “O Arguido efetivamente encontra-se a cumprir pena de prisão, no âmbito de outros processos, do relatório constante nos autos, extrai-se que: “(…) na reclusão em curso manteve fragilidades aditivas até ao final de 2022, tendo em 2023, na sequência de acompanhamento clínico e psicológico, passado a evidenciar resultados negativos nos testes de despistagem toxicológica efetuados”.
XXIII- Assim, entende o Recorrente, que o Tribunal não apreciou igualmente a matriz pretérita dos antecedentes criminais, limitando-se a, de forma genérica, prolatar inexistirem dúvidas quanto à impossibilidade de suspensão da pena.
XXIV- Necessariamente surge a pergunta, mas porque não pode então tal pena ser suspensa na sua execução?
XXV- Quando o arguido, se encontra a cumprir uma pena de prisão, mas com evolução e respeito no seu cumprimento?
XXVI- Essa é a questão concreta que se suscita, a de saber perante essas duas realidades distintas, porque não pode, no caso e ao arguido ser suspensa a execução da pena.
XXVII- O que aconteceu, em opinião do Recorrente, sempre com o devido respeito, é que o Tribunal elevou as exigências de prevenção especial e perante isso entendeu que as mesmas impediam a suspensão da pena.
XXVIII -Pelo que, tendo em conta a moldura penal e ponderando as circunstâncias relevantes nos termos do n.º 2 do art. 71.º do CP, que atrás apontámos, entende-se como assertivo uma diminuição da medida da pena para 1 ano e 6 meses, como entende o recorrente.
XXIX- O Arguido foi condenado na pena da prisão de 3 anos e 5 meses, entendendo o recorrente que a mesma deveria ter sido de 1 ano e 6 meses.
XXX -No entanto quer a pena de 1 ano e 6 meses de prisão que se entende justa e equitativa, quer a pena de 3 anos e 5 meses, em que foi condenado, poderá ser suspensa na sua execução.
XXXI- Por isso o arguido impetra, muito respeitosamente, para que essa matéria seja concretamente analisada, para que seja considerada e sejam extraídas as conclusões que da mesma resultem, crendo-se, muito francamente, que as aludidas, de razão de prevenção especial. possam ser debeladas ou atenuadas por via dessa materialidade e por via da prognose posterior que se faça.”
*
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
*
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido, formulando as seguintes conclusões:
“1. A dosimetria da (s) pena (s) concretamente aplicada (s) não merece reparo.
2. No que concerne as exigências de prevenção especial, decorrem da consabida tendência para delinquir dos indivíduos, como é (era) o caso do recorrente, entregues ao consumo de estupefacientes, atestada, no caso dos presentes autos, pelo anterior cometimento de outros crimes de idêntica natureza, que o próprio arguido relacionou com a toxicodependência.
3. As exigências de prevenção especial não são menos assinaláveis: a persistente desinserção social e laboral de AA e a total ausência de autocensura das condutas perpetradas – corporizada no silêncio por que optou e na falta de um esboço de arrependimento – são disso evidente demostração.
4. Os antecedentes criminais do arguido são copiosos e distendidos no tempo: AA começou a delinquir em 2015, praticou factos integradores de diferentes tipos de crimes, que, protegendo também bens jurídicos de natureza distinta da daquele que é objecto dos presentes autos, ainda assim, concorrem, com o crime de furto, para concluir pela sua extrema dificuldade em se conformar com os valores tutelados pelo ordenamento.
5. Importa valorar, outrossim contra o arguido, o dolo, enquanto elemento subjectivo do ilícito que, de harmonia com os factos nessa matéria assentes no acórdão recorrido, se expressou na sua forma mais intensa e que corresponde ao dolo directo – a realização do tipo penal foi posta pelo arguido como o fim a atingir.
6. A medida da ilicitude do crime de furto simples desqualificado pelo valor também não é despicienda, posto que embora a circunstância agravante seja afastada, não deixa o agente de incorrer em conduta mais antijurídica do que a normal num crime de “mero” furto simples, cuja repercussão se faz sentir justamente na elevação da medida concreta da pena balizada pelo limite do artigo 203.º, n.º 1 do CPenal.
7. A fixação da medida das penas parcelares e única, à luz dos critérios dos artigos 40.º, 71.º e 77.º do CPenal, foi ajustada, de molde a permitir a tutela retrospectiva do bem jurídico protegido pelas normas incriminadoras e, do mesmo passo, a “emenda” e ressocialização do arguido.
8. Por força do seu percurso de vida errático, de desinserção social e laboral e das diferentes espécies de penas que lhe foram sendo sucessivamente aplicadas, a última das quais de cinco anos e oito meses de prisão, a presente condenação numa pena de prisão efectiva é inelutável.
9. Não é possível formular um juízo de prognose favorável quanto à susceptibilidade de o arguido se deixar influenciar pela mera ameaça da prisão para se afastar da prática de novos ilícitos, pelo que não pode ser-lhe aplicada a pena substitutiva da pena de prisão prevista no artigo 50.º do CPenal.
10. O acórdão recorrido não violou quaisquer normas, nem está ferido de qualquer nulidade.”
*
Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da decisão recorrida, acompanhando a posição assumida na primeira instância.
*
Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, nada tendo o recorrente vindo acrescentar ao já por si alegado.
*
Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.
*
2 – Objecto do Recurso
Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
À luz destes considerandos, as questões a decidir neste recurso consistem em saber se a pena aplicada ao recorrente é excessiva, desproporcional e desajustada às finalidades da punição, devendo ser reduzida para 1 ano e 6 meses de prisão e ser suspensa na sua execução.
*
3- Fundamentação:
3.1. – Fundamentação de Facto
A decisão recorrida considerou provados relativamente ao recorrente os seguintes factos:
“ Com interesse para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos:
I) NUIPC 521/17.6GEALR
1. No dia 25 de setembro de 2017, no período compreendido entre as 10 horas e 15 minutos e as 10 horas e 30 minutos, AA partiu o vidro da habitação de BB sita na Rua … n.º …, ….
2. (…) após, acedeu ao seu interior e levou consigo um porta moedas contendo valores monetários, um GPS e um telemóvel.
3. (…) na posse da quantia monetária e dos restantes objetos, abandonou o local para paradeiro desconhecido.
4. AA sabia que tais objetos se encontravam no interior da suprarreferida residência e que se apoderou, integrando-os no seu património, com a consciência de que não eram seus e que atuava contra a vontade do proprietário dos mesmos.
5. (…) agindo livre, consciente e deliberadamente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
II) NUIPC 225/19.5GEALR NUIPC 225/19.5GEALR
6. No dia 13 de maio de 2019, entre as 17 horas e as 17 horas e 45 minutos, indivíduos não concretamente identificados, dirigiram-se à residência de CC, sita na Estrada , ….
7. (…) e apoderaram-se de um gerador que ali se encontrava.
III) NUIPC 351/19.0GEALRNUIPC 351/19.0GEALR
8. No dia 25 de julho de 2019, em hora não concretamente apurada, mas, no período compreendido entre as 14 horas e 15 minutos e as 16 horas e 50 minutos, indivíduo não concretamente identificado deslocou-se à residência de DD sita na Rua …, …, e daí retirou uma mochila de marca “…”, uma playstation 4, um telemóvel de marca “…” e quantia monetária de valor não rigorosamente apurado.
IV)) NUIPC NUIPC 386/20.0GEALR386/20.0GEALR
9. No período compreendido entre as 20h do dia 27 de julho de 2020 e a manhã do dia 28 de julho de 2020, AA deslocou-se ao anexo da residência de EE, sita na Rua …, em ….
10. (…) nas circunstâncias de tempo e lugar mencionados, por forma a apoderar-se do trator que ali se encontrava, propriedade de EE, no valor de 3.000,00€, substitui a bateria contida neste por outra e conduziu o veículo para a propriedade de FF, sita em ….
11. (…) deixando-o na propriedade de FF.
12. AA sabia que o trator que se encontrava debaixo de um telheiro num terreno próximo da residência de EE e de que se apropriou, integrando-o no seu património, não era seu e que atuava contra a vontade do proprietário do mesmo.
13. (…) agindo livre, consciente e deliberadamente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
V)
14. AA é natural de …, tendo o seu desenvolvimento decorrido junto dos pais e oito irmãos, numa estrutura familiar frágil e de parcos recursos económicos.
15. (…) frequentou o ensino até aos 16 anos de idade, tendo concluído o 6.º ano de escolaridade, apresentando falta de motivação e absentismo.
16. (…) transversal ao percurso de vida nos últimos 10 anos e com impacto negativo no mesmo sobressai o agravamento dos problemas aditivos, tendo intensificado os hábitos de consumo de haxixe, mantidos desde a juventude, estendendo-os à cocaína e ao álcool.
17. (…) manteve durante alguns anos uma relação afetiva, da qual tem um filho, atualmente com … anos de idade, que se revelou instável, com fases de rutura e reconciliação, permanecendo o menor aos cuidados da mãe.
18. (…) maioritariamente impelido por motivações externas, encetou anteriormente diversas e multifacetadas experiências terapêuticas, seja em comunidades terapêuticas, que abandonou quase de imediato, seja em ambulatório no centro de respostas integradas de … (CRI), onde revelou uma adesão instável ao acompanhamento, nem sempre comparecendo às consultas agendadas.
19. (…) vivencia presentemente a quarta experiência de privação de liberdade, registando três períodos de prisão preventiva anteriores, findos por alteração das medidas de coação, que em abril de 2021 e maio de 2022 foram alteradas para a de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
20. (…) na reclusão em curso manteve fragilidades aditivas até ao final de 2022, tendo em 2023, na sequência de acompanhamento clínico e psicológico, passado a evidenciar resultados negativos nos testes de despistagem toxicológica efetuados.
21. (…) em termos da sua ressocialização futura, o arguido perspetiva reintegrar o agregado familiar da mãe, com quem é descrito um relacionamento afetuoso e isento de conflitos. A família tem manifestado disponibilidade para o receber e apoiar, à semelhança do verificado em meio prisional, onde é auxiliado economicamente e visitado regularmente pela mãe, pelos irmãos, pela ex-companheira e pelo filho.
22. (…) o trajeto vivencial indicia fragilidades emocionais, imaturidade, baixa capacidade de responsabilização e de organização, o que a par da sua problemática aditiva, aponta para tendência para ceder a pressões externas de natureza negativa e agir em função da satisfação imediata de interesses ou necessidades, com comprometimento da adaptabilidade social.
23. (…) desde há cerca de um ano, a par da abstinência aditiva tem evidenciado maior capacidade de ajustamento e investimento na sua valorização pessoal. Frequentou o programa de consciencialização Rodoviária “Estrada Segura” de março a maio de 2023 e o “Programa de Prevenção do Alcoolismo” de setembro a novembro, com postura de interesse e adesão. Encontra-se colocado laboralmente desde há cerca de 5 meses numa oficina de montagem de componentes plásticos (trabalho à peça), ainda que presentemente tenha indicação clínica para repouso, aguardando intervenção cirúrgica para debelar um problema ….
24. (…) tem antecedentes criminais, porquanto (i) no processo sumaríssimo n.º 52/15.9…, do Juízo de Competência Genérica de …, por decisão proferida em 24.05.2016, transitada em julgado em 02.06.2016, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3.01, na pena de 120 [cento e vinte] dias de multa, à taxa diária de €5,00 [cinco euros], por factos praticados em 10 de Dezembro de 2015, extinta pelo cumprimento por despacho de 14.03.2019; (ii) no processo comum colectivo n.º 539/17.9…, do Juízo Central Criminal de …, J…, por decisão proferida em 05.12.2018, transitada em julgado em 17.01.2019, foi o arguido condenado pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, por factos praticados em 7 de Setembro de 2017, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, al. f), ambos do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, por factos praticados em 3.10.2017, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. e), 22º, n.ºs 1 e 2, al. b), 23º, n.ºs 1 e 2, 72º e 73º, todos do C. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, por factos praticados 17.10.2017 e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º, n.º 1 do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, por factos praticados em 3.10.2017, e em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova; (iii) no processo sumaríssimo n.º 628/17.0…, do Juízo de Competência Genérica de …, por decisão proferida em 1.07.2019, transitada em julgado em 10.09.2019, foi o arguido condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), com referência ao artigo 131º, todos do C. Penal, na pena de 150 [cento e cinquenta] dias de multa, e de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, n.º 1 do mesmo diploma legal, na pena de 150 [cento e cinquenta] dias de multa, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 200 [duzentos] dias de multa, à taxa diária de €5,00 [cinco euros] por factos praticados em 27 de Novembro de 2017; (iv) no processo comum singular n.º 557/17.7…, do Juízo de Competência Genérica de …, por decisão proferida em 13.11.2019, transitada em julgado em 14 de Dezembro de 2019, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e) do C. Penal, na pena de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão, e de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, al. f) do C. Penal, na pena de 8 [oito] meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses de prisão, suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova, por factos praticados em 14 de Outubro de 2017; (v) no processo n.º 452/20.2…, do Juízo Central Criminal da Comarca de … – Juiz …, por acórdão cumulatório de 08.07.2020, transitado em julgado em 23.09.2020, que procedeu ao cúmulo jurídico dos NUIPC´s 557/17.7…, 539/17.9… e 628/17.0…, o arguido foi condenado na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova; (vi) no Processo Abreviado n.º 3/20.9…, do Juízo Local Criminal de … - Juiz …, por sentença data de 2021/01/11, transitada em julgado em 2021/02/10, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de Eur. 06,00€, o que perfaz o total de Eur. 900,00€; (vii) no Processo Comum Singular n.º 17/21.1…, do Juízo de Competência Genérica de…, por sentença datada de 08.02.2022, transitada em julgado em 10.03.2022, o arguido foi condenado: a) pela prática, em coautoria material, e na forma tentada de um crime de furto, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, n.º 1, 22.º, 23.º, 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alínea f) e 4, todos do C.P., na pena de 9 meses de prisão; b) pela prática, em coautoria material e na forma consumada de um crime de introdução em lugar vedado, p. e p. pelo artigo 191.º do C.P. na pena de um mês e quinze dias de prisão; c) em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 9 meses e 15 dias de prisão, substituída nos termos do artigo 58.º, n.º 1 e 3, pela prestação de 285 horas de trabalho a favor da comunidade, por factos praticados em 12.02.2021; (viii) ) no Processo Comum Coletivo n.º54/22.9…, do Juízo Central Criminal de …, Juiz …, por acórdão datado de 09.02.2023, transitado em julgado em 13.03.2023, o arguido foi condenado: a) um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos artigos 210.º n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal, b) um crime de evasão, previsto e punido pelo artigo 352.º, n.º 1, do Código Penal, c) um crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 208.º, n.º 1, do Código Penal, d) um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º. n.º 1 e 2, do Decreto-Lei 2/98, de 3 de janeiro, e) um crime de furto simples, previsto e punido pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e) e n.º 4, do Código Penal, na pena única de 5 anos e 8 meses de prisão. Por despacho transitado a 27/10/2023, foi-lhe perdoado um ano de prisão.(…)”
*
3.2.- Mérito do recurso
Nos presentes autos foi o recorrente condenado pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo art.º 203º, nº 1 do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, e pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art.ºs 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea f), ambos do Cód. Penal, na pena de 3 anos de prisão, e, em cúmulo, na pena única de 3 anos e 5 meses de prisão, tendo sido declarado perdoado 1 ano de prisão, sob condição resolutiva de não praticar infração dolosa até 1 de Setembro de 2024.
O recorrente não discute a matéria de facto apurada na decisão recorrida, nem o seu enquadramento jurídico, pretendendo apenas a redução da pena única que lhe foi aplicada para 1 ano e 6 meses de prisão ( seis meses para o crime de furto simples e um ano para o crime de furto qualificado), suspensa na sua execução.
Alega, para tanto, que apesar de se encontrar a cumprir pena de prisão, no âmbito de outros processos, constam do relatório social os seguintes factos, que o Tribunal a quo não teve em devida conta:
- manteve fragilidades aditivas até ao final de 2022, tendo em 2023, na sequência de acompanhamento clínico e psicológico, passado a evidenciar resultados negativos nos testes de despistagem toxicológica efetuados;
- em termos da sua ressocialização futura, o arguido perspetiva reintegrar o agregado familiar da mãe, com quem é descrito um relacionamento afetuoso e isento de conflitos;
- a família tem manifestado disponibilidade para o receber e apoiar, à semelhança do verificado em meio prisional, onde é auxiliado economicamente e visitado regularmente pela mãe, pelos irmãos, pela ex-companheira e pelo filho;
- o trajeto vivencial indicia fragilidades emocionais, imaturidade, baixa capacidade de responsabilização e de organização, o que a par da sua problemática aditiva, aponta para tendência para ceder a pressões externas de natureza negativa e agir em função da satisfação imediata de interesses ou necessidades, com comprometimento da adaptabilidade social;
- desde há cerca de um ano, a par da abstinência aditiva tem evidenciado maior capacidade de ajustamento e investimento na sua valorização pessoal;
- frequentou o programa de consciencialização Rodoviária “Estrada Segura” de março a maio de 2023 e o “Programa de Prevenção do Alcoolismo” de setembro a novembro, com postura de interesse e adesão,
- encontra-se colocado laboralmente desde há cerca de 5 meses numa oficina de montagem de componentes plásticos (trabalho à peça), ainda que presentemente tenha indicação clínica para repouso, aguardando intervenção cirúrgica para debelar um problema ….
Entende o recorrente que, não obstante um percurso, no passado, de enorme conflitualidade, influenciado pelo consumo de estupefacientes, tem ultimamente demostrado um comportamento diferente, no sentido da sua recuperação e futura reintegração na sociedade, o que indicia que a suspensão da pena, ainda que através do cumprimento de regras de conduta, que aceita, será suficiente para o afastar da prática de novos crimes.
Vejamos se lhe assiste razão.
Prevê-se no art.º 203º, nº 1 do Cód. Penal que:
“1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.” (sublinhado nosso)
Por seu turno no 204º, nº 1, alínea f) do Cód. Penal prevê-se que:
“1- Quem furtar coisa móvel ou animal alheios: (…)
f) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar;(…)
é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.(…)” (sublinhado nosso)
Quanto à determinação da medida da pena, esta deve ser apurada em função dos critérios enunciados no art.º 71º do Cód. Penal, que são os seguintes: “ Artigo 71.º - Determinação da medida da pena
1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.”
Estes critérios devem ser relacionados com os fins das penas previstos no art.º 40º do mesmo diploma, onde se estabelece no seu nº 1 que: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, e no seu nº 2 que: “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Como se refere no Acórdão do STJ de 28/09/2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, a dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art.º 71º do Cód. Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena. Tais elementos e critérios devem contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, idade, confissão, arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Em síntese, pode dizer-se que toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (cf. Figueiredo Dias, in “ Direito Penal, Parte Geral “, Tomo I, 3ª Edição, 2019, Gestlegal, pág. 96). Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto “ O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril-Junho de 2002, págs. 181 e 182), apresenta as seguintes proposições que devem ser observadas na escolha da pena: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.” Conforme explicita Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 497, pág. 331, o critério geral de escolha entre penas alternativas e de substituição da pena é o seguinte: «o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação», e acrescenta - § 498, pág. 332 - bem se compreender que assim seja: “sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena”. Quanto à função que as exigências de prevenção geral e de prevenção especial exercem neste contexto, esclarece este autor, in ob. cit., § 500, págs. 332 e 333, que: «Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão», acrescentando que «o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa (ou de uma pena de substituição) quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela(s) pena(s); coisa que só raramente acontece se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração» Também neste sentido decidiu o STJ em acórdão datado de 12/09/2012, proferido no processo nº 1221/11.6JAPRT.S1, em que foi relator Raul Borges, in www.dgsi.pt:”A pena não privativa de liberdade só será preferível se realizar de forma adequada e suficiente as finalidades preventivas da punição, casos havendo em que a execução da pena de prisão é exigida por razões de prevenção, por se mostrar necessário que só a execução da prisão permite dar resposta às exigências de prevenção. Há que ter em conta o critério da adequação e suficiência, atento por um lado, o bem jurídico protegido na espécie, uma das finalidades a que alude o artigo 40.º, mas e sobremaneira, atender às razões de prevenção geral, que se impõem no caso presente, não sendo excessivo a opção recair na pena privativa de liberdade, tendo em conta as necessidades de assegurar a paz comunitária, atendendo ao pleno do comportamento assumido pelo arguido no trecho de vida aqui analisado e valorado, que se não quedou apenas pela prática da infracção ora em equação e em discussão, antes a ultrapassando com uma configuração quantitativa e qualitativamente mais abrangente, bem mais ampla e gravosa em termos de lesividade, privando de vida a ex-companheira. A própria escolha da espécie da pena a aplicar deve ter na base elementos, que sendo exógenos em relação à concreta e singular conduta apreciada para o tema em causa (mesmo que representando um minus no contexto global), se prendem com o conjunto das circunstâncias que enformam o facto total submetido a julgamento.”
No entanto, do que se trata agora é de sindicar as operações feitas pelo Tribunal a quo com essa finalidade. Ainda segundo Figueiredo Dias, in “ Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, edição de 1993, págs. 196/7, § 255, é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação da medida concreta da pena, bem como o desconhecimento ou a errónea aplicação pelo tribunal a quo dos princípios gerais de determinação da pena, a falta de indicação de factores relevantes para aquela ou a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda que está plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção e a determinação do quantum exacto de pena, o qual será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
Para este autor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: “Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»). As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena”.
Importa, assim, ter em conta que só em caso de desproporcionalidade manifesta na fixação da pena ou de necessidade de correcção dos critérios da sua determinação, atenta a culpa e as circunstâncias do caso concreto, é que o Tribunal de 2ª Instância deve alterar a espécie e o quantum da pena, pois, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não há que corrigir o que não padece de qualquer vício.
Neste sentido decidiu o Acórdão do TRL de 11/12/19, proferido no processo nº 4695/15.2T9PRT.L1-9, em que foi relator Abrunhosa de Carvalho, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “ A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas, ou mantidas, pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a situação económica do agente, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada, ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares.”
Também no mesmo sentido se pronunciou José Souto de Moura, in “ A Jurisprudência do S.T.J. sobre Fundamentação e Critérios da Escolha e Medida da Pena, 26 de Abril de 2010, consultável em www.dgsi.pt, onde defende que: “ Sempre que o procedimento adoptado se tenha mostrado correcto, se tenham eleito os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objecto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado.”
Voltando ao caso dos autos, o acórdão recorrido fundamentou a aplicação ao recorrente das penas em apreço pela seguinte forma:
“(…) Como já acima se deixou expresso, à prática do crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, corresponde uma pena de prisão até três anos ou pena de multa. À prática do crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal, corresponde pena de prisão até cinco anos ou pena de multa até 600 dias.
As necessidades de prevenção geral que o crime de furto encerra estão intrinsecamente conexionadas com o facto de ser um crime contra a propriedade, avultando a frequência com que o mesmo se verifica, conjugado com a sensação de impunidade que a comunidade sente relativamente à prática de factos que integram tal tipo de ilícito.
As necessidades de prevenção especial são por demais efetivas, face aos antecedentes criminais exibidos pelo certificado do registo criminal, ademais quando a última condenação o foi numa pena de 5 anos e 8 meses de prisão efetiva.
Importa ponderar, outrossim, (i) o grau de ilicitude dos factos, relevando o modo de perpetração dos crimes, evidenciada pela introdução ilegítima na habitação de terceiros, e a irreprimida insensibilidade perante a propriedade alheia, especialmente patente no furto do trator, cujo valor patrimonial agrava o desvalor das conduta; (ii) a intensidade do dolo na modalidade de dolo direto; (iii) os sentimentos manifestados no cometimento dos crimes e os fins ou motivos determinantes devem ser devidamente valorados, havendo que ponderar a reduzida inserção social na comunidade e, a ainda mais reduzida, inserção profissional, ambas, é certo, também por culpa própria; (iv) as condições pessoais do arguido são moldadas, em maior ou menor grau, pelo contexto social bem patente no relatório social, avultando o consumo de estupefacientes como mola propulsora destes comportamentos; (v) a conduta anterior e posterior ao facto e inerentes carências preventivas.
Conforme estatui o artigo 70.º, do Código Penal, quando o tipo criminal ofereça alternativa, o tribunal deve dar preferência a pena não privativa da liberdade, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Desde já se adiante que, no caso em presença, só a pena de prisão assegura tais necessidades efetivas de punição.
Tudo visto e ponderado, afigura-se justo, adequado e proporcional, em face da personalidade, da culpa do arguido AA, bem assim das invocadas razões de natureza preventiva, fixar a pena em 1 ano e 3 meses de prisão, pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, por desqualificação do crime de furto qualificado de harmonia com o disposto no artigo 204.º, n.º 4, ambos do Código Penal (factos enunciados a I) e em 3 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código Penal (factos enunciados a IV).
Considerado o disposto nos artigos 30.º, n.º 1 e 77.º, ambos do Código Penal, conclui-se que os crimes estão entre si numa relação de concurso, pelo que se impõe a condenação numa pena única, havendo a mesma de radicar na apreciação conjunta dos factos, enquanto reveladores de uma tendência potencialmente criminógena, e da personalidade do agente, enquanto juízo de prognose sobre o comportamento futuramente expectável, assim se aferindo que a pena deve situar-se entre o limite máximo de 4 anos e 3 meses, correspondente ao somatório das penas, e o limite mínimo de 3 anos, correspondente à pena parcelar mais grave dentre as aplicadas.
Antevisto o quadro fáctico, do qual ressalta a desconsideração pelos bens jurídicos em presença, e a personalidade do arguido, pautada por uma atitude essencialmente desconforme aos valores jurídicos da comunidade e propensa a comportamentos desviantes e que assumam relevância criminal, revela-se como adequada e proporcional a aplicação de uma pena única de 3 anos e 5 meses de prisão.(…)” Ora, não obstante a argumentação do recorrente, analisada a decisão recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo teve em conta todos os factos que o pudessem favorecer e desfavorecer, aplicou correctamente os princípios gerais de determinação da medida da pena, não ultrapassou os limites da moldura da culpa e teve em conta os fins das penas nos quadros da prevenção geral e especial. Em face da matéria de facto apurada, entendemos que a quantificação das penas não se mostra desproporcionada, nem se mostram violadas as regras da experiência comum, estando as circunstâncias atenuantes e agravantes bem ponderadas, nomeadamente o dolo directo, a ilicitude elevada, as condições de vida do recorrente e os seus antecedentes criminais, que revelam uma dificuldade de inibição para a prática de crimes, ao que temos que acrescentar as prementes exigências de prevenção geral relativas a este tipo de crime em concreto, gerador de grande alarme social e insegurança na comunidade, sobretudo quando associado ao consumo de estupefacientes. Por tudo o exposto, não se justifica a alteração das penas aplicadas a este arguido, improcedendo nesta parte o seu recurso.
Entende também o mesmo que a pena de prisão em que foi condenado deve ser suspensa na sua execução. Relativamente à suspensão da execução da pena de prisão, há que atentar no disposto no art.º 50º do Cód. Penal, onde se prevê que:
“ 1 – O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 – O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 – Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 – A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 – O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”
A decisão recorrida considerou não ser de suspender a execução da pena aplicada ao recorrente pela seguinte ordem de razões:
“Afastada a viabilidade ou possibilidade de qualquer outra pena substitutiva ou diferente regime de execução da pena de prisão, importa aferir se estão revelados os pressupostos em que assenta a suspensão da execução da pena de prisão, devidamente enunciados no artigo 50.º, do Código Penal, havendo que suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Para a consecução do necessário juízo de prognose estão arredadas quaisquer motivações que contendam com a culpa do agente, importando unicamente razões de natureza preventiva, de molde a percecionar se a pena substitutiva de suspensão é ainda tolerada pela gravidade do crime, só o sendo na medida em que seja assumida como plausível a esperança fundada de uma adequação dos comportamentos conformes à norma, havendo a desejada socialização de ser melhor alcançada em liberdade do que em reclusão, almejando e potenciando desta forma a interiorização do desvalor das condutas, sem que alguma vez a suspensão da execução da pena de prisão venha a ser perspetivada enquanto manifestação de indulgência ou demonstração de fraqueza – conferir ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Critério de escolha das penas de substituição”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia, Tomo I, Coimbra 1984, p. 44.
Dito isto, considerada e sopesada a imagem global do ilícito, as razões preventivas, a personalidade e o caráter do arguido, tudo já devidamente adquirido nos autos, o Tribunal entende como desfavorável o juízo de prognose. E para tanto seria suficiente convocar o certificado do registo criminal de AA, seja pela sua impressividade quanto à forma reiterada como comete crimes contra o património, seja porque os factos enunciados em IV foram praticados após o trânsito em julgado de decisões que o condenaram em penas suspensas, suspensões essas já revogadas no âmbito do cúmulo efetuado no processo n.º 452/20.2…, o que por si só é revelador das elevadas necessidades preventivas, as quais demandam a imposição do cumprimento efetivo de pena de prisão. (…)”
Analisados os factos apurados, temos que concordar com a opção do Tribunal recorrido também neste tocante.
Na verdade, o recorrente já foi anteriormente condenado, por duas vezes, em penas de prisão suspensas na sua execução pela prática de crimes de roubo e de furto, simples e qualificado, entre outros, sendo que a prática do grupo de factos ora em apreço ocorrida a 27 e 28 de Julho de 2020, o foi durante o período de suspensão da execução de uma pena de prisão, o que demonstra inequivocamente que o arguido não interiorizou de forma consistente a advertência contida na anterior condenação, a qual não teve a virtualidade de o afastar da prática de novos crimes.
A decisão recorrida teve também em conta o facto de o arguido se encontrar a cumprir uma pena de prisão efectiva e apresentar fatores de risco suscetíveis de comprometer a sua futura ressocialização, como a sucessão de crimes por si cometidos, constante do seu registo criminal, bem como o seu passado de consumo de produtos estupefacientes, indiciador de uma possível problemática aditiva, com impacto no respetivo trajeto de socialização.
Impõe-se, assim, concluir que não é possível fazer um juízo de prognose favorável relativamente à futura conduta do arguido, atenta a falta de interiorização pelo mesmo do desvalor dos seus comportamentos, às suas características de personalidade e às anteriores condenações por si sofridas, a que se somam as prementes exigências de prevenção geral quanto a este tipo de crime, gerador de alarme e insegurança social, pelo que as finalidades da punição no caso concreto não se satisfazem com mais uma suspensão da execução da pena nos termos requeridos. Importa ainda salientar que o comportamento aditivo do arguido foi um factor que potenciou o cometimento de crimes contra o património, como forma de angariação de dinheiro para compra de produto estupefaciente, sendo este um dos casos em que o arguido só tem a beneficiar pelo afastamento do seu meio social, para além do que poderá continuar a efectuar um tratamento sério ao seu problema de adição em meio prisional, o que não conseguiu fazer, por si só, em liberdade.
Em face de tudo o exposto, impõe-se julgar também neste tocante improcedente o recurso.
*
4. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso apresentado por AA e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s.
Évora, 22 de Outubro de 2024
(texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)
Carla Francisco
(Relatora)
Manuel Soares
Carla Oliveira
(Adjuntos)