Nos casos em que o prazo para os arguidos requererem a abertura de instrução não correm em simultâneo, não pode um arguido beneficiar do prazo de outro arguido, que não estava a correr, por ainda se não ter iniciado.
“Dos requerimentos para abertura de instrução:
Nos presentes autos foi deduzida acusação contra o AA, BB e CC, imputando-lhes factos suscetíveis de integrarem a prática de nove crimes de auxílio à emigração ilegal, previstos e punidos pelo artigo 183.º, n.º 1, 2 e 3 da Lei 23/2007, de 4.7, e nove crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelos artigos 11.º, n.º 2, al.a), 14.º, n.º 1 e 256.º, n.º 1, al.d) do Código Penal.
Como resulta dos autos – vide fls. 707, referência citius … e fls. 805 a 808 (extraídas da referência citius …) – o arguido CC apenas foi notificado do despacho de acusação no dia 30 de abril de 2024.
Ora, tendo o arguido CC sido notificado a 30 de abril de 2024, o prazo para requerer a abertura de instrução ou apresentar contestação terminou no dia 20 de maio de 2024, podendo, com o pagamento da respetiva multa processual, ser praticado até ao dia 23 de maio de 2024. No referido prazo, o arguido CC nada requereu.
Todavia, os arguidos AA e BB vieram requerer a abertura de instrução no dia 6 de maio de 2024 – vide fls. 748 e 777.
A questão está em saber se estes arguidos podem aproveitar o prazo concedido ao arguido CC para requererem a abertura de instrução.
Sobre esta questão, o Supremo Tribunal de Justiça já fixou jurisprudência.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2011, in DR n.º 29, Série I de 2011-02-10 fixou jurisprudência no seguinte sentido:
“I - O despacho do Ministério Público a ordenar o prosseguimento do processo nos termos do artigo 283.º, n.º 5, do CPP, é um despacho de mero expediente e, por isso, não carece de ser notificado aos sujeitos processuais, nomeadamente aos arguidos já notificados da acusação, podendo estes requerer a abertura da instrução no prazo de 20 dias a contar dessa notificação, nos termos do artigo 287.º, n.º 1, do CPP.
II - Havendo vários prazos para esse efeito, a correr em simultâneo, ainda que não integralmente coincidentes, a abertura de instrução pode ser requerida por todos ou por cada um deles, até ao fim do prazo que terminar em último lugar, nos termos dos artigos 287.º, n.º 6, e 113.º, n.º 12, ambos do mesmo diploma” (sublinhado nosso).
Lê-se no referido acórdão:
“(…) Quando a lei consagra no n.º 1 do artigo 287.º que a abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento, e, no n.º 6, que é aplicável o disposto no n.º 12 do artigo 113.º, não deixa de considerar a existência de um prazo peremptório, sem violação de direitos dos sujeitos processuais, nomeadamente do exercício do direito de defesa. Deduzida a acusação, podem os arguidos requerer a abertura de instrução (artigo 287.º, n.º 1, alínea a), do CPP). Não a requerendo, o processo seguirá para a fase de julgamento (artigo 311.º, n.º 2, do CPP).
9 — O n.º 12 do artigo 113.º do CPP pressupõe que todos os arguidos foram notificados da acusação, pois que se algum deles o não foi, apesar da notificação obedecer ao disposto no n.º 6 do artigo 283.º do CPP, e uma vez que não há lugar à notificação edital da acusação, prosseguirá o processo, sem prejuízo, do não notificado poder ficar sujeito ao disposto no artigo 334.º do CPP se for esse o caso, ou às regras conducentes à declaração de contumácia nos termos do artigo 335.º e segs. do CPP. O n.º 6 do referido artigo 283.º, ao ser caso expressamente previsto, de harmonia como n.º 12 do citado artigo 113.º, significa que havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles, até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar, pressupondo assim, que se encontre a decorrer o prazo de requerimento de abertura de instrução de cada arguido notificado da acusação (ou de cada assistente, no caso de notificação do despacho de arquivamento), de forma que os prazos em curso possam confluir no último prazo a decorrer, iniciado após a (última) notificação da acusação (ou do despacho de arquivamento no caso de vários assistentes), antes de terminar o prazo de 20 dias relativamente a qualquer deles, iniciado após a respectiva notificação da acusação (ou do despacho de arquivamento quanto aos assistentes), isto é, pressupõe uma situação de simultaneidade de prazos a decorrer. 9.1 — Tendo em conta que a presente fixação de jurisprudência tem por objecto apenas o requerimento de abertura de instrução efectuado por arguidos, conclui -se que: A partir do momento em que cada arguido é notificado da acusação, mantém -se a estabilidade da instância quanto a ele, sem prejuízo de poder beneficiar, por força do n.º 12 do artigo 113.º do CPP, do termo do prazo que ocorrer em último lugar — advindo da última notificação da acusação efectuada — se o seu prazo se encontrar ainda a decorrer. Se o prazo de 20 dias tiver terminado antes, já não pode beneficiar deste prazo que ocorrer em último lugar precisamente porque o seu prazo terminou antes de o último prazo se ter iniciado. Quando o artigo 287, n.º 6, do CPP manda aplicar o disposto no artigo 113.º, n.º 12, do mesmo diploma não está a referir -se àquele que, já notificado da acusação e com o prazo a decorrer, permitiu a preclusão da faculdade de requerer a abertura da instrução. Outrossim, refere -se aos prazos que, embora com terminus em datas diferentes, se encontram ainda a decorrer. Caso não se entendesse a interpretação da norma do artigo 113.º, n.º 12, do CPP como referente à simultaneidade de prazos em curso, tornar -se -ia inútil o disposto no artigo 287.º, n.º 1, do CPP, pois que bastaria notificar -se cada arguido da data em que o último arguido dela foi notificado para que se iniciasse então o prazo para ser requerida a abertura da instrução quanto a todos eles, ou por cada um deles, ou, por outro lado, face à existência da norma do artigo 287.º, n.º 1, do CPP, viriam a ser beneficiados todos os arguidos, menos o último notificado, de um prazo duplo. O que por sua vez poderia induzir a defraudar a razão de ser da norma bem como o princípio da lealdade processual, pois que bastava haver conluio entre arguidos, de forma que um deles protelasse a sua notificação até data que se afigurasse conveniente, com vista a protelar o prazo, sabendo que assim o prazo do requerimento de abertura de instrução apenas teria início a partir da notificação do último arguido. E se assim fosse não seria compreensível o prosseguimento do processo «quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes» determinado pelo n.º 5 do artigo 283.º do CPP.
(….) 9.2 — Sendo o prazo de requerimento de abertura de instrução um prazo peremptório, o que releva para efeitos do n.º 12 do artigo 113.º do CPP, é o termo do prazo, terminus intra quem, e não o seu início, ne ante quem, relativamente aos co -arguidos notificados da acusação. Não se pode exigir à lei mais do que ela consente: Cui plus licet quam par est, plus vult quam licet. O disposto no aludido artigo 113.º, n.º 12, tem pois subjacente que todos os arguidos tenham sido notificados da acusação, e que os respectivos prazos para, eventualmente, requererem a abertura da instrução se encontrem ainda a decorrer, embora terminem em datas diferentes, pois que se terminarem na mesma data do prazo do interessado em accionar o disposto no artigo 113.º, n.º 12, ou, se já tiverem mesmo terminado, é manifesto que esse interessado não poderá tirar daí qualquer proveito, em termos de prazo”.
Como decorre de fls. 702 e 705 dos autos, os arguidos AA e BB foram notificados por via postal simples com prova de depósito para a morada indicada no TIR. O depósito foi efetuado a 11 de outubro de 2023, pelo que, nos termos do disposto no artigo 113.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, consideram-se notificados a 16 de outubro de 2023 (5.º dia posterior à data do depósito). Donde, o prazo para requerer a abertura de instrução terminou a 6 de novembro de 2023 (porquanto o vigésimo dia termina a 5 que é dia não útil), podendo ser praticado até 9 de novembro de 2023, mediante o pagamento da multa processual prevista no artigo 107.º A do Código de Processo Penal.
Os ilustres advogados foram notificados a 10.10.2023 (fls. 704 e 706), considerando-se notificados, nos termos do artigo 113.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, a 13.10.2023.
Os autos foram remetidos à distribuição no dia 21 de novembro de 2023.
Ora, quando se iniciou o prazo do arguido CC, a 30 de abril de 2024, já há muito se havia esgotado o prazo dos demais arguidos para requererem a abertura de instrução, não podendo aproveitar daquele novo prazo pois que já não estavam a correr em simultâneo.
Questão diferente, seria se o arguido CC tivesse requerido a abertura de instrução, o que poderia beneficiar os demais arguidos. Todavia não o fez.
Pelo exposto, a atenta a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, os requerimentos de abertura de instrução apresentados pelos arguidos AA e BB são manifestamente extemporâneos.
Notifique.(…).”
*
2. Não se conformando com o teor desta decisão, dela recorreu o arguido AA, apresentando motivação da qual extraiu as seguintes conclusões:
“1. Em 16 de Outubro de 2023, os Arguidos AA e BB foram notificados do douto despacho de acusação;
2. Em 21 de Novembro de 2023 os autos foram remetidos à distribuição;
3. O Arguido CC apenas foi notificado do despacho de acusação em 30 de Abril de 2024;
4. Em 06 de Maio de 2024 o Arguido AA requereu a abertura de instrução.
5. Em 06 de Junho de 2024, arguido AA foram notificados do douto despacho que designou a data da audiência de discussão e julgamento e indeferiu o requerimento de abertura de instrução (referência …) por extemporâneo;
6. Nos termos do disposto no art.º 287º, nº 6 do CPP, o requerimento de abertura de instrução é um dos casos em que, em caso de vários arguidos, o ato pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar;
7. A ratio legis que está subjacente ao nº 14, do art.º 113º do CPP é permitir aos Arguidos a possibilidade de prepararem uma reação conjunta perante um despacho de acusação, concedendo-lhes todas as garantias processuais de defesa. Caso assim não fosse poderíamos estar perante uma (quase) inaplicabilidade deste preceito legal, coartando, desta forma, garantias processuais que a lei confere aos arguidos (e naturalmente aos assistentes nos casos em que lhes é aplicável);
8. No caso em apreço o arguido CC apenas foi notificado em 30 de Abril de 2024, pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 287º/6 e 113º/14 do CPP, o arguido AA poderia requerer a abertura de instrução até ao dia 20 de Maio de 2024 podendo, com o pagamento da respetiva multa, fazê-lo até ao dia 23 de Maio de 2024;
9. Em face do exposto deverá o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido AA ser admitido e, em consequência, serem os presentes autos remetidos para a fase de instrução. “
*
3. Admitido o recurso, ao mesmo respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, no sentido de o mesmo não merecer provimento e de se manter a decisão recorrida. Não apresentou conclusões.
*
4. Neste Tribunal da Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta proferiu Parecer, concordando com a resposta ao recurso do Digno Magistrado do Ministério Público, junto da 1º instância, concluiu, igualmente, no sentido de o recurso não dever obter provimento.
*
6. Cumpridos os vistos, foi realizada a competente conferência.
*
7. O objeto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respetivas conclusões, reconduz-se à seguinte questão:
- Saber se o requerimento de abertura de instrução (RAI), apresentado pelo recorrente, AA, é extemporâneo, o que passa por apurar se este arguido poderia aproveitar, ou não, do prazo concedido ao arguido CC para requerer a abertura de instrução, nos termos do disposto no art. 287º nº 6 do CPP.
*
Apreciando:
Compulsados os autos, importa considerar como assentes os seguintes factos:
- Nos presentes autos foi deduzida acusação contra os arguidos, AA, BB e CC, imputando-lhes factos suscetíveis de integrarem a prática de nove crimes de auxílio à emigração ilegal, previstos e punidos pelo artigo 183.º, n.º 1, 2 e 3 da Lei 23/2007, de 4.7, e nove crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelos artigos 11.º, n.º 2, al.a), 14.º, n.º 1 e 256.º, n.º 1, al.d) do Código Penal;
- O arguido CC foi notificado do despacho de acusação no dia 30 de abril de 2024 ( – vide fls. 707, referência citius … e fls. 805 a 808 - extraídas da referência citius …-), tendo o prazo para requerer a abertura de instrução ou apresentar contestação terminado no dia 20 de maio de 2024, podendo, com o pagamento da respetiva multa processual, ser praticado até ao dia 23 de maio de 2024;
- Os arguidos AA e BB foram notificados por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no TIR, tendo o depósito sido efetuado a 11 de Outubro de 2023, pelo que, nos termos do disposto no artigo 113.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, consideram-se notificados a 16 de Outubro de 2023 (5.º dia posterior à data do depósito), terminando o prazo para requerer a abertura de instrução a 6 de novembro de 2023 (porquanto o vigésimo dia termina no dia 5, que é dia não útil), podendo ser praticado até 9 de novembro de 2023, mediante o pagamento da multa processual prevista no artigo 107.º A do Código de Processo Penal (fls. 702 e 705 dos autos);
- Os ilustres advogados foram notificados a 10.10.2023 (fls. 704 e 706), considerando-se notificados, nos termos do artigo 113.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, a 13.10.2023;
- Os arguidos AA e BB vieram requerer a abertura de instrução no dia 6 de Maio de 2024 – vide fls. 748 e 777.;
- Os autos foram remetidos à distribuição no dia 21 de Novembro de 2023.
Vejamos:
Entendeu-se no despacho recorrido que, quando se iniciou o prazo para requerer a abertura da instrução, relativamente ao arguido CC, ou seja, a 30 de Abril de 2024, há muito se havia esgotado o prazo dos demais arguidos para requererem a abertura de instrução, não podendo aproveitar daquele novo prazo, pois que já não estavam a correr em simultâneo, apoiando-se, para o efeito, da jurisprudência estabelecida pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2011, in DR n.º 29, Série I de 2011-02-10.
Por sua vez, o recorrente sustenta que, conforme o disposto no art. 287º nº 6 do CPP, em casos com vários arguidos, o prazo para requerer a abertura de instrução deve ser contado a partir da última notificação, que, no caso, ocorreu em 30 de Abril de 2024, com a notificação do arguido CC.
Invoca, para tanto, o art. 113º nº 14 do CPP, que prevê a possibilidade de preparação conjunta dos arguidos para uma resposta ao despacho de acusação, para concluir que o prazo para a abertura de instrução deveria se estender até 20 de Maio de 2024, com possibilidade de prorrogação até ao dia 23 de Maio de 2024, mediante o pagamento de multa.
É sabido que o prazo para os arguidos requererem a abertura de instrução é de 20 dias (art. 287º, nº 1, al. a) do C. P. P.).
Nos termos do disposto no art. 113º, nº 14 do C. P. P.: “Nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar”.
A abertura de instrução é um dos casos expressamente previstos na lei (art. 287º, nº 6 do C.P.P.).
Tal como bem se referiu no despacho recorrido, o STJ já se pronunciou, com força obrigatória geral, sobre a interpretação do nº 14 do art. 113º do C. P. P. (à data nº 12 do art. 113º), tendo, por Acórdão nº 3/2011, de 10/02/2011, fixado a seguinte jurisprudência:
«I- O despacho do Ministério Público a ordenar o prosseguimento do processo nos termos do artigo 283.º, n.º 5, do CPP, é um despacho de mero expediente e, por isso, não carece de ser notificado aos sujeitos processuais, nomeadamente aos arguidos já notificados da acusação, podendo estes requerer a abertura da instrução no prazo de 20 dias a contar dessa notificação, nos termos do artigo 287.º, n.º 1, do CPP.
II- Havendo vários prazos para esse efeito, a correr em simultâneo, ainda que não integralmente coincidentes, a abertura de instrução pode ser requerida por todos ou por cada um deles, até ao fim do prazo que terminar em último lugar, nos termos dos artigos 287.º, n.º 6, e 113.º, n.º 12, ambos do mesmo diploma.» [negrito e sublinhado nossos].
Como se pode ler no citado acórdão, de fixação de jurisprudência, do STJ: “(…) quando a lei consagra no n.º 1 do artigo 287.º que a abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento, e, no n.º 6, que é aplicável o disposto no n.º 12 do artigo 113.º, não deixa de considerar a existência de um prazo peremptório, sem violação de direitos dos sujeitos processuais, nomeadamente do exercício do direito de defesa. Deduzida a acusação, podem os arguidos requerer a abertura de instrução (artigo 287.º, n.º 1, alínea a), do CPP). Não a requerendo, o processo seguirá para a fase de julgamento (artigo 311.º, n.º 2, do CPP).
9 - O nº 12 do artigo 113.º do CPP pressupõe que todos os arguidos foram notificados da acusação, pois que se algum deles o não foi, apesar da notificação obedecer ao disposto no n.º 6 do artigo 283.º do CPP, e uma vez que não há lugar à notificação edital da acusação, prosseguirá o processo, sem prejuízo, do não notificado poder ficar sujeito ao disposto no artigo 334.º do CPP se for esse ocaso, ou às regras conducentes à declaração de contumácia nos termos do artigo 335.º e segs. do CPP. O n.º 6 do referido artigo 283.º, ao ser caso expressamente previsto, de harmonia como n.º 12 do citado artigo 113.º, significa que havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles, até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar, pressupondo assim, que se encontre a decorrer o prazo de requerimento de abertura de instrução de cada arguido notificado da acusação (ou de cada assistente, no caso de notificação do despacho de arquivamento), de forma que os prazos em curso possam confluir no último prazo a decorrer, iniciado após a (última) notificação da acusação (ou do despacho de arquivamento no caso de vários assistentes), antes de terminar o prazo de 20 dias relativamente a qualquer deles, iniciado após a respectiva notificação da acusação (ou do despacho de arquivamento quanto aos assistentes), isto é, pressupõe uma situação de simultaneidade de prazos a decorrer.
(…) A partir do momento em que cada arguido é notificado da acusação, mantém -se a estabilidade da instância quanto a ele, sem prejuízo de poder beneficiar, por força do n.º 12 do artigo 113.º do CPP, do termo do prazo que ocorrer em último lugar - advindo da última notificação da acusação efectuada - se o seu prazo se encontrar ainda a decorrer. Se o prazo de 20 dias tiver terminado antes, já não pode beneficiar deste prazo que ocorrer em último lugar precisamente porque o seu prazo terminou antes de o último prazo se ter iniciado. Quando o artigo 287, n.º 6, do CPP manda aplicar o disposto no artigo 113.º, n.º 12, do mesmo diploma não está a referir -se àquele que, já notificado da acusação e com o prazo a decorrer, permitiu a preclusão da faculdade de requerer a abertura da instrução. Outrossim, refere -se aos prazos que, embora com terminus em datas diferentes, se encontram ainda a decorrer. Caso não se entendesse a interpretação da norma do artigo 113.º, n.º 12, do CPP como referente à simultaneidade de prazos em curso, tornar -se -ia inútil o disposto no artigo 287.º, n.º 1, do CPP, pois que bastaria notificar -se cada arguido da data em que o último arguido dela foi notificado para que se iniciasse então o prazo para ser requerida a abertura da instrução quanto a todos eles, ou por cada um deles, ou, por outro lado, face à existência da norma do artigo 287.º, n.º 1, do CPP, viriam a ser beneficiados todos os arguidos, menos o último notificado, de um prazo duplo. O que por sua vez poderia induzir a defraudar a razão de ser da norma bem como o princípio da lealdade processual, pois que bastava haver conluio entre arguidos, de forma que um deles protelasse a sua notificação até data que se afigurasse conveniente, com vista a protelar o prazo, sabendo que assim o prazo do requerimento de abertura de instrução apenas teria início a partir da notificação do último arguido. E se assim fosse não seria compreensível o prosseguimento do processo «quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes» determinado pelo n.º 5 do artigo 283.º do CPP.
(….) 9.2 — Sendo o prazo de requerimento de abertura de instrução um prazo peremptório, o que releva para efeitos do n.º 12 do artigo 113.º do CPP, é o termo do prazo, terminus intra quem, e não o seu início, ne ante quem, relativamente aos co -arguidos notificados da acusação. Não se pode exigir à lei mais do que ela consente: Cui plus licet quam par est, plus vult quam licet. O disposto no aludido artigo 113.º, n.º 12, tem pois subjacente que todos os arguidos tenham sido notificados da acusação, e que os respectivos prazos para, eventualmente, requererem a abertura da instrução se encontrem ainda a decorrer, embora terminem em datas diferentes, pois que se terminarem na mesma data do prazo do interessado em accionar o disposto no artigo 113.º, n.º 12, ou, se já tiverem mesmo terminado, é manifesto que esse interessado não poderá tirar daí qualquer proveito, em termos de prazo”. [negrito e sublinhados nossos].
No caso, considerando que o prazo para os arguidos, AA e CC, requererem a abertura de instrução, não correu em simultâneo, não pode o primeiro arguido, aqui recorrente, beneficiar do prazo do segundo arguido, que não estava a correr, por ainda se não ter iniciado.
Como já vimos, o prazo para o recorrente requerer a abertura de instrução terminou a 6 de Novembro de 2023 (o vigésimo dia terminou a 5, que não é dia útil) podendo ter sido praticado até 9 de Novembro de 2023, mediante o pagamento da multa processual prevista no art. 107º A do CPP, o que não ocorreu, pelo que os autos foram remetidos à distribuição no dia 21 de Novembro de 2023.
Temos, pois, que, quando se iniciou o prazo do arguido CC para requer a abertura de instrução, a 30 de Abril de 2024, há muito se havia esgotado o prazo dos demais arguidos para requererem a abertura dessa fase processual, não podendo, por isso, o ora recorrente aproveitar daquele novo prazo, pois que já não estavam a correr em simultâneo.
Assim sendo, não tem aplicação o disposto no art. 113º, nº 14 do C. P. P., ex vi do art. 287º, nº 6 do mesmo diploma legal, aplicável apenas aos prazos a correr (“até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar”), tal como decidido pelo mencionado Acórdão de Fixação de Jurisprudência.
Tal como se refere na anotação ao art. 445º do CPP, no “Código de Processo Penal Anotado”, de Fernando Gama Lobo, 4ª ed, p. 1014:
“A decisão do STJ não constitui, no rigor dos termos, jurisprudência “obrigatória” (ao contrário do que acontecia com os anteriores “assentos”, rebatidos pelo Ac, do TC 743/96, de 28.05.96, in D.R. de 18.07.97) até porque a jurisprudência não é, na ordem jurídica românica, fonte de direito, mas apresenta uma componente vinculativa de natureza uniformizadora acentuada para as instâncias, cabendo-lhes acatar tal entendimento, na inexistência de argumentação em contrário, que, de forma inovatória, possibilite um juízo de prognose positivo para uma futura modificação jurisprudencial no sentido desse entendimento. Sublinhe-se que esta argumentação em contrário deve ter uma componente inovatória, não valendo esgrimir debatidos e vencidos argumentos.”
No mesmo sentido, entre outros, veja-se o Ac. do STJ de 13.11.2003, in SASTJ, nº 75, 100, citado por Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição de República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, em anotação ao art. 445º do CPP, p. 1190, quando afirma que os tribunais só devem divergir da jurisprudência uniformizadora quando haja razões para crer que ela está ultrapassada, isto é, quando: a) o tribunal tiver desenvolvido uma argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador, susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada; b) se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultados diversos; ou finalmente c) a alteração da composição do STJ torne claro que a maioria dos juízes das secções criminais deixou de partilhar fundadamente da posição fixada; e, ainda, o Ac. do T.R.Évora de 26.09.2017, disponível in www.dgsi.pt, em cuja sumário de pode ler: “ Prazo para requerer a abertura da instrução. Arguido não notificado. I - Havendo vários arguidos, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação da acusação termine em dias diferentes, o ato pode ser praticado por todos ou por cada um deles, até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar. II - O disposto no artigo 113.º, n.º 13, do CPP tem subjacente que todos os arguidos tenham sido notificados da acusação, e que os respectivos prazos para, eventualmente, requererem a abertura da instrução se encontrem ainda a decorrer, embora terminem em datas diferentes, pois que se terminarem na mesma data do prazo do interessado em acionar o disposto no artigo 113.º, n.º 13, ou, se já tiverem mesmo terminado, é manifesto que esse interessado não poderá tirar daí qualquer proveito, em termos de prazo.” [sublinhado nosso].
No caso em apreço, o recorrente parece não concordar com a jurisprudência fixada, pelo STJ, mas não invoca quaisquer argumentos ou fundamento novos, que não tenham sido ponderados na decisão, limitando-se a apoiar a sua pretensão numa interpretação do art. 113º nº 14 do CPP, que, no seu entender, tem como ratio legis, permitir aos arguidos a possibilidade de prepararem uma reação conjunta, perante um despacho de acusação, concedendo-lhes todas as garantias processuais de defesa, o que em nada afasta a jurisprudência uniformizadora firmada pelo STJ, no Ac. nº 3/2011, de 10/02/2011, acima transcrita, que pressupõe que os prazos estejam a decorrer em simultâneo, embora com terminus em datas diferentes, pelo que é manifesta a aplicação da mesma, tal como se fez na decisão recorrida, que nenhuma censura nos merece.
Assim sendo, bem andou o tribunal recorrido ao indeferir a abertura de instrução, requerida pelo arguido, AA, por extemporânea, não se verificando, pelo exposto, supra, que tenham sido violados quaisquer imperativos legais, ou constitucionais, o que dita a improcedência do recurso.
*
- Decisão:
Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores, neste Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, AA, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Condena-se o recorrente em custas, com 4 (quatro) UCs de taxa de justiça. *
(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)
Évora, 22 de Outubro de 2024
Os Juízes Desembargadores
Anabela Simões Cardoso
Artur Vargues
Carla Oliveira