RECORRENTE
LEGITIMIDADE
INTERESSE EM AGIR
Sumário

- Não sendo a recorrente nem arguida nem assistente nos autos, e não tendo de defender nenhum direito afetado pela decisão de que recorre, não tem a mesma legitimidade em agir.
- Se por via do recurso a recorrente não obtém qualquer efeito útil, não tem interesse em agir, entendido este como a necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção para tutelar um direito.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1. Nos Autos de Processo Comum Coletivo, nº 218/03.4…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Central Criminal de …, Juiz …, por acórdão de 25 de Junho de 2004, foi condenado o arguido, AA, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do DL 15/93, de 22.1, na pena de 5 anos e de prisão e onde, para além do mais, se declarou ”perdido a favor do Estado o prédio misto descrito na certidão de fls. 142 a 144, ordenando-se o cancelamento do registo a favor de BB, devendo oficiar-se à Conservatória do Registo Predial de …, em conformidade (arts. 35º e 36º nº 5 do DL 15/93, de 22.1).”

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2. Notificada do teor desse acórdão, veio CC, na qualidade de administradora única da sociedade BB, recorrer do mesmo, em 15.06.2023, suscitando as seguintes questões:

- a nulidade do acórdão, por ausência de fundamentação;

- a nulidade do acórdão, por força dos vícios da decisão invocados (erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada);

- a ausência dos pressupostos para a declaração de perda a favor do Estado, ao abrigo do disposto nos arts. 35º e 36º do DL nº 15/93, de 22.1 e o incumprimento do preceituado no seu art. 36º A, já em vigor desde 1996, com base na redação que lhe foi dada pela Lei nº 45/96, de 23.9).

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3. Por acórdão proferido por este Tribunal de Relação de Évora, em 05.12.2023, foi rejeitado o recurso, por falta de legitimidade e interesse em agir da recorrente CC, como representante legal da sociedade BB.

O aludido acórdão considerou que o conhecimento das questões, suscitadas no recurso, ficava prejudicado, por “falta de legitimidade e interesse em agir de CC, como representante legal da sociedade recorrente” e “quiçá da própria sociedade recorrente, atento o lapso de tempo decorrido e por não estar plenamente verificada a existência jurídica actual da sociedade”, adiantando que a “sociedade recorrente teria que “in futuro” comprovar a sua existência legal”.

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4. Inconformada com a aludida decisão, a recorrente dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse que não foi admitido.

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5. Em 20.03.2024, veio a sociedade BB, agora, representada por DD, apresentar o seguinte requerimento:

“BB, com o NIPC …, e sede em …, …, …, neste acto representada por DD, casada, empresária, com domicílio profissional em …, freguesia de …, …, vem, ao abrigo do disposto no art. 36-A do Decreto-Lei n o 15/93 de 22 de Janeiro, expor e requerer a V. Exa quanto segue:

1. A requerente é uma sociedade denominada BB, representação permanente em Portugal, com sede em …, …, … — doc. 1, cujo objectivo social é a produção de … e …

2. Ocorre que de há muito tempo vem a gerente e administradora delegando na sua sobrinha CC, sócia, outrossim, da requerente sociedade, a gestão diária da empresa em face da sua idade.

3. A sociedade de que é administradora/gerente adquiriu há anos um imóvel na rua …, freguesia de …, concelho de … — doc. 2,

4. O imóvel que manteve de sempre na sua posse, que registou a seu favor, cujos impostos pagou.

Ocorre que,

a) No Tribunal judicial da extinta Comarca de … decorreu um Processo Crime sob o n o 218/03.4… O Acórdão tirado pelo Tribunal Colectivo de Círculo Judicial de …é de 25 de Junho de 2004.

Neste processo crime foi julgado pelo crime de tráfico de droga o arguido AA cidadão … — doc. 2, que se junta.

Seja permitido à requerente reproduzir do Acórdão a parte dispositiva:

"Perante tudo o que se deixa exposto, julga-se a acusação procedente por provada na forma sobredita e, em consequência:

1. Condena-se o arguido AA, como Autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p.e p. pelo art. 21, nº/ 1 do Decreto-Lei 15/93 de 22/1, na pena de 5 anos de prisão.

2. Condena-se ainda o arguido no pagamento das custas, que incluem a taxa de justiça de 4 U.C, acrescida de 1% nos termos do art. 13, nº 3 do Decreto-Lei 423/91 de 30/10 e a procuradoria de 2 U.c. (art.s 513 e 514º do Código de Processo Penal, 74º, 82.º, 85º nº 1, al. a), 89 nº 1, al. g) e 95º do Código das Custas Judiciais).

3. Uma vez que o Sr. intérprete nomeado prescindiu dos mesmos, não se lhe fixam quaisquer honorários (art. 92º do Código das Custas Judiciais).

4 - Uma vez que já foi destruído o remanescente do haxixe examinado a fls. 118, bem como a cocaína examinada a fls. 132 (cf. fls. 229 e 274), ordena-se a destruição da amostra-cofre de haxixe, constante do exame de fls. 108, devendo oficiar-se à P.J. em conformidade (art. 35º nº 2 e 62 nº 6 do Decreto-Lei 15/93 de 22/1).

5 Declara-se perdida a favor do Estado a viatura de marca "…", modelo "…", de cor …, com a matrícula …, apreendida a fls. 21 (art. 109 do Código Penal, 35 e 36 do Decreto-Lei 15/93 de 22/1.

6. - Declara-se perdida a favor do Estado a quantia de 40 €, constante da guia de fls. 74 (art. 35 e 36 do Decreto-Lei 15/93 de 22/1).

7. Declara-se perdido a favor do Estado o telemóvel, apreendido a fls. 9 e examinado a fls. 135 (art.s 109 do Código Penal, 35º e 36º do Decreto-Lei 15/96 de 22/1).

8. Declara-se perdido a favor do Estado o prédio misto descrito na certidão de fls. 142 a 144, ordenando-se o cancelamento do registo a favor de "BB", devendo oficiar-se à Conservatória do Registo Predial de … em conformidade (35 e 36 do Decreto-Lei 15/96 de 22/1).

b) A requerente como é manifesto não é parte no processo. Trata-se de um processo crime por tráfico de droga em que o arguido foi detido em flagrante delito pela Polícia Judiciária, em … — ….

Nenhuma relação com a recorrente tem ou teve o arguido que foi exemplarmente condenado.

A requerente não foi citada para nada, a recorrente não foi notificada de nada.

Aliás, a requerente é completamente alheia à questão.

Ocorre que, a requerente em 1996 adquiriu uma propriedade, um imóvel — doc. 3.

A exemplo, aliás, de outras propriedades em … onde se dedica à produção de …— doc. 4 e 5, propriedades que agora vendeu — doc. 6.

A requerente desconheceu e desconhece o presente processo em absoluto e só agora em 2022, quando procurou vender o património que adquiriu em Portugal é que teve conhecimento do processo e da iníqua decisão de que recorrem agora.

Em verdade,

c) A requerente sociedade estabeleceu desde sempre em Portugal uma representação permanente com sede em …, cf. doc. 1. Em Portugal adquiriu propriedades onde produziu … e que agora vendeu.

E neste processo de venda teve conhecimento de que o imóvel que adquirira "prédio misto, inscrito na matriz predial urbana sob o art. …, sec. … e rústico …, sito na freguesia de …, concelho de … e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob a descrição n? …" — doc. 7, foi declarado perdido a favor do Estado pelo Acórdão de que recorre. Ora, em finais de Fevereiro de 2023 deslocou-se ao Tribunal de … uma sócia da recorrente sociedade onde pediu ao Sr. Magistrado a consulta do processo que foi prontamente concedida.

Para espanto da sócia da recorrente sociedade o Tribunal havia decidido, sem a consultar, fazer "mão baixa" da propriedade do imóvel declarando-o perdido a favor do Estado.

d) a fls. 142 dos autos foi junta uma certidão da Conservatória do Registo Predial de … com a descrição n o …, respeitante ao prédio descrito e com inscrição na matriz predial rústica — artigo … da freguesia de ….

A fls. 144 dos autos está documentada a aquisição a favor da recorrente sociedade do referido imóvel a seu favor (da recorrente sociedade).

Nada nem provou ou prova qualquer ligação da recorrente ao arguido ou do prédio ao arguido.

Nada consta mesmo dos autos acerca da recorrente que é a legítima proprietária do imóvel.

e) Não há outra referência no processo, nos autos, relativamente à recorrente. Não há um fax um ofício um número de telefone Um registo, um papel sequer que possa documentar qualquer facto, razão, fundamento. ligação da recorrente ao arguido, aos factos, nada.

f) Sem qualquer prova ou documentos os Senhores Juízes declararam perdida a favor do Estado uma propriedade, sem terem visto qualquer necessidade em citar os proprietários do imóvel para nada.

g) A sentença, aliás, não dá como provado qualquer facto relativamente ao imóvel, à sua caracterização, à titularidade do direito de propriedade sobre o mesmo.

E outrossim nada dá como não provado relativamente ao mesmo.

Da recorrente nem uma palavra,

A recorrente nenhum ofício foi enviado, dos factos nada foi notificado à recorrente, nenhuma explicação pedida!

h) a certidão da Conservatória do Registo Predial de …, na qual é possível verificar que o prédio onde se situa o armazém onde os fardos de haxixe se encontram guardados pertence a uma sociedade designada "BB" em sede em ….

6. Desconheceu, desconhecia e desconhece mesmo agora que o imóvel em apreço pudesse ser usado ou ter sido usado para fins ilícitos,

7. ou para prática de actos relacionados com a práticas das infracções previstas e punidas nos termos do DL15/93 de 22 de Janeiro,

8. ou de qualquer forma ou por alguém ter sido Usado para a prática de qualquer tipo de crime.

9 A aquisição do imóvel destinou-o a requerente à actividade imobiliária, actividade que a sociedade desenvolveu paralelamente à produção e comercialização de …,

10. uma vez situado numa zona que se adivinhava ser de grande potencial turístico e imobiliário como se veio agora a reconhecer.

11. É, assim, a requerente terceira de boa-fé relativamente aos factos e desconheceu sempre porque não foi notificada o destino do bem até agora há POUCO tempo, e

12. mesmo agora tem sido sua sobrinha que a avisou da situação e reagiu em seu nome à apropriação pelo Estado do imóvel,

13. situação que considera além de injusta e imoral, absolutamente

14. O artigo 35 do DL 15/96 de 22 de Janeiro contém o regime relativo à perda de objectos que "tiveram servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista..."

No artigo 36 regula a Lei da droga a perda de coisas ou direitos relacionados com o facto. Trata este artigo:

a) Das recompensas dadas ou prometidas aos agentes da infracção;

b) Dos objectos, direitos ou vantagens que através da infracção tenham sido adquiridos, sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa fé.

c) Os direitos, objectos ou vantagens obtidas por troca ou transacção com direitos, objectos ou vantagens directamente conseguidas com a infracção (...)

d) Estão compreendidos os (...) imóveis (...)"

Ora, o imóvel foi adquirido pela requerente, anos antes dos factos; A requerente não participou nos factos, desconheceu-os sempre e desconheceu-os agora, com os factos nunca teve qualquer relação. E, por tal facto, o imóvel não é coisa ou direito relacionado com o facto constante dos autos, objecto do processo.

15. É, assim, a requerente terceira de boa-fé.

Termos em que requer a V. Exa se digne, recebido esta e julgando-se procedente e provado, notificar o Ministério Público e, obtido o seu parecer, proceder em conformidade com a lei, ordenando a devolução à requerente da propriedade em apreço.”

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6. Em resposta a tal requerimento, foi, em 24 de Abril de 2024, proferido o seguinte despacho:

“Fls. 625 a 633 e requerimento refr.ª … – Esgotados que se mostram os poderes jurisdicionais, e atendendo-se, nomeadamente, à decisão do Venerando Tribunal da Relação de Évora e seus fundamentos, nada mais cumpre decidir quanto ao requerido (cfr. art.º 613º do Código de Processo civil ex vi art.º 4º do Código de Processo Penal).

D.n.”

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7. Não se conformando com o teor de tal decisão, proferida em 24.04.2024, dela recorreu DD, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões:

“A. O presente Recurso tem por fundamento o disposto nos artigos 35 e 36 do DL 15/93 e artigos 399 a 401 do CPP.

B. O despacho recorrido nada responde ao requerimento apresentado que a final requer a devolução ao legítimo proprietário do imóvel declarado perdido a favor do Estado português.

C. O requerimento esta objectivamente e taxativamente previsto na lei.

D. Sobre o requerimento não houve qualquer pronúncia.

E. A falta de pronúncia traduz-se na violação de princípio do “non liquet”.

O despacho recorrido viola o disposto no art. 8 do Código Civil, o disposto nos artigos 309 e 401 do CPP e artigos 35 e 36 do DL nº 15/93,

Pelo que deve ser julgado nulo e substituído por despacho que ordene o prosseguimento dos autos com a apreciação do requerimento apresentado e a consequente devolução à requerente do imóvel ilegalmente apreendido.”

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8. O recurso foi admitido, ao mesmo tendo respondido a Digna Magistrada do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, que concluiu que nenhuma censura merece o despacho recorrido, não assistindo razão à recorrente que, afinal, pretende que, por via de um despacho judicial de mero expediente, se revogue o segmento 8.º do acórdão condenatório, proferido, nos autos, em Junho de 2004 quando ela própria reconheceu que tal só será possível pela via processual própria, que é a do recurso.

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9. Subidos os autos a este tribunal, nele o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, nos termos do qual secundou a posição da Exmº. Colega junto da 1ª instância, que deu por reproduzida.

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10. Notificada do teor de tal parecer, veio, nos termos do art. 417º nº 2 do CPP, a sociedade BB dará conta de um Parecer do Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, no recurso extraordinário de revisão instaurado, onde se teria pugnado pela procedência do recurso.

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11. Cumpridos os vistos, realizou-se a competente conferência.

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12. Questão prévia:

Observados os autos, contata-se que o recurso em apreço foi interposto por “DD”, por si, sem ser em representação de qualquer entidade, designadamente da sociedade BB, como resulta do próprio articulado, que logo se inicia com: “ALEGAÇÕES DE RECURSO que apresenta DD”.

Suscita-se, assim, a questão da legitimidade da recorrente uma vez que “não é arguida, nem assistente nos autos, e não tem de defender nenhum direito afectado pela decisão de que recorre, pelo que não tem legitimidade em agir.”

Dispõe o art.º 401° n.°1 do CPP que têm legitimidade para recorrer:

“a) O Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido;

b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;

c) As partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas;

d) Aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão.”

Estatui ainda o n.º 2 do mesmo preceito legal que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.

O interesse em agir é pressuposto processual autónomo, que se não confunde com a legitimidade, funcionando como uma circunstância limitativa das hipóteses de recurso.

Na definição de Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág. 170, o interesse em agir, também, conhecido por interesse processual, consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção. “O autor tem interesse processual quando a situação de carência em que se encontra, necessita da intervenção dos tribunais”, e a págs. 172 refere “Uma coisa é, de facto, a titularidade da relação material litigada, base da legitimidade das partes; outra substancialmente distinta, a necessidade de lançar mão da demanda, em que consiste o interesse em agir”.

José Damião da Cunha, in “A participação dos particulares no exercício da acção penal (Alguns aspectos)”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 8, Fasc. 4 (Outubro-Dezembro 1998), págs. 593 a 660, a págs. 646, distingue o problema da legitimidade para recorrer do problema do interesse em agir, definindo o interesse em agir como “um pressuposto decorrente da actividade exercida pelo assistente”, e considerando “Neste caso, o assistente apenas pode recorrer de decisões em que activamente tenha participado e em que tenha formulado uma qualquer «pretensão», não tendo essa «pretensão» merecido acolhimento na decisão – ou seja: a decisão foi proferida contra as expectativas do assistente”.

Esclarece o Autor que o conceito de «interesse em agir» é um conceito mais geral, na medida em que se refere a qualquer tipo de decisão processual – não se refere, pois, apenas às decisões finais – e por outro lado, aplica-se a todos os sujeitos processuais (seja ao Ministério Público, seja ao arguido).

Podem ver-se, ainda, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2000, págs. 328 e 332 e Cláudia Cruz Santos, Assistente, recurso e espécie e medida da pena, RPCC, Ano 18, n.º 1 (Janeiro-Março 2008), págs. 137 a 166, comentando acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-12-2007, a págs. 160 págs. 165, retomando a Autora a posição em A “redescoberta” da vítima e o direito processual penal português, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, 2010, III volume, pág. 1133, e ainda Paulo Pinto Albuquerque, Código de Processo Penal Comentado, UCE, 4.ª edição actualizada, 2011, pág. 221, em anotação ao artigo 69.º, reforçando a posição, a págs. 224, no n.º 8.

Segundo os acórdãos do STJ de 28-09-2006, proferidos nos processos n.º 2256/06 e n.º 2791/06, ambos da 5.ª Secção: “Não basta ter legitimidade para se poder recorrer de qualquer decisão; necessário se torna também possuir interesse em agir, (…) que se reconduz ao interesse em recorrer ao processo, porque o direito do requerente está necessitado de tutela; não se trata, porém, de uma necessidade estrita nem sequer de um interesse vago, mas de qualquer coisa intermédia: um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, e que, assim, torna legítimo o recurso à arma judiciária; à jurisprudência é deixada a função de avaliar a existência ou inexistência de interesse em agir, a apreciação da legitimidade objectiva é confiada ao intérprete que terá de verificar a medida em que o acto ou procedimento são impugnados em sentido favorável à função que o recorrente desempenha no processo; a necessidade deste requisito é imposta pela consideração de quer o tempo e a actividade dos tribunais só devem ser tomados quando os direitos careçam efectivamente de tutela, para defesa da própria utilidade dessa mesma actividade, e de que é injusto que, sem mais, possa solicitar tutela judicial.”

No caso, DD não é arguida, nem assistente nos autos, pelo que à mesma não lhe assiste legitimidade para recorrer.

Mesmo que configurável a sua intervenção ao abrigo do art.º 401º n.º 1 al. d) CPP [tiver a defender um direito afectado pela decisão], a mesma, por si só, não tem de defender nenhum direito afectado pela decisão.

Assim, claramente a referida DD não tem interesse em agir, entendido este como a necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção para tutelar um direito.

Ora, se por via do recurso o recorrente não obtém qualquer efeito útil, não tem interesse em agir.

Assim, nos autos, DD para além, de falta de legitimidade para recorrer, nos termos do art. 401º nº1 do CPP, também, não tem, claramente, interesse em agir, nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, pelo que se impõe a rejeição do recurso.

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Sempre se dirá, contudo, que, ainda que assim não se entendesse, e se considerasse que DD aqui estaria em representação da sociedade BB, o que não se concebe, tal como já observado no acórdão proferido, por este Tribunal da Relação, em 05.12.2023, continua por estar plenamente verificada (1), nos autos, a existência jurídica actual da sociedade BB, e, por conseguinte, a sua legitimidade e interesse em agir, pelo que a sua pretensão, também, por este motivo, não poderia proceder.

Por todo o exposto, cumpre decidir pela rejeição do recurso, por falta de legitimidade e de interesse em agir de DD, nos termos do disposto no art. 401º nº 1 al d) e nº 2 do C.P.P.

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- Decisão:

Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora, ao abrigo do disposto nos arts. 401º nº 1 al d) e nº 2 e 414º nº 2 e 3, ambos do CPP, em rejeitar o recurso, por falta de legitimidade e de interesse em agir de DD.

Custas a cargo da recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.

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(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)

Évora, aos 22 de Outubro de 2024

Os Juízes Desembargadores

Anabela Simões Cardoso

Artur Vargues

Laura Maurício

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1 Veja-se o documento junto em 20.03.2024, emanado da Conservatória do Registo Predial de … (certidão permanente, retirada electronicamente), subscrito em 27.02.2023, em tudo idêntico ao que já tinha sido junto em 15.06.2023 (subscrito em 23.12.2021), onde conta na matrícula da sociedade os seguintes dizeres: “Data de encerramento do exercício 31 de Dezembro” (?).