NULIDADE DA SENTENÇA
Sumário

É nula a sentença da qual consta, quanto aos factos não provados, apenas a menção: “ Todos os demais alegados.” e que deu como não provada a acusação deduzida por um dos assistentes, sem que tenha considerado como provados ou não provados qualquer dos factos alegados naquela acusação.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1 – Relatório

No processo nº 431/21.2PBTMR do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Local Criminal de …, consta da parte decisória da sentença, datada de 19/12/2023, o seguinte:

“Pelo exposto, condena-se o arguido AA, como autor material, na forma consumada de um crime de injúria agravada, p. e p. pelas disposições combinadas dos artigos 181 n.º e 184.º e 132 n.º2 alínea l) do Código Penal; em concurso aparente com um crime de difamação agravada, previsto e punido pelo artigo 180.º, 183.º alínea a), 184.º e 132 n.º2 alínea l) do Código Penal e um crime de ofensa ao bom nome de pessoa colectiva, com publicidade, previsto e punido pelo artigo 187º e 183º do Código Penal na pena de 100 dias de multa por cada um deles condenando-se na pena única de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €5 (cinco Euros).

Julgam-se parcialmente procedentes por provados os pedidos civis formulados por BB e CC e condena-se o arguido a pagar o montante de 750€ (setecentos e cinquenta Euros) à primeira e 1.500€ (mil e quinhentos) à segunda, acrescidos de juros, a contar desde a notificação para contestar.

Julga-se improcedente por não provada a acusação deduzida por DD e absolve-se o arguido do crime e do pedido civil contra ele deduzido.(…)”

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Inconformado com aquela decisão, veio o arguido interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

“1 – O Tribunal condenou erradamente o recorrente AA, como autor material, na forma consumada de um crime de injúria agravada, p. e p. pelas disposições combinadas dos artigos 181 n.º e 184.º e 132 n.º 2 alínea l) do Código Penal, em concurso aparente com um crime de difamação agravada, previsto e punido pelo artigo 180.º, 183.º alínea a), 184.º e 132 n.º 2 alínea l) do Código Penal e um crime de ofensa ao bom nome de pessoa colectiva, com publicidade, previsto e punido pelo artigo 187º e 183º do Código Penal, na pena de 100 dias de multa por cada um deles, condenando-se na pena única de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €5 (cinco Euros), tendo considerado ainda parcialmente procedentes por provados os pedidos civis formulados por BB e CC e condenou o arguido a pagar o montante de 750€ (setecentos e cinquenta Euros) à primeira e 1.500€ (mil e quinhentos) à segunda, acrescidos de juros, a contar desde a notificação para contestar, para além da condenação nas custas do processo, sem, contudo, referir qual o valor das custas em concreto.

2 – Tal condenação teve por base uma errada apreciação dos elementos probatórios recolhidos, e por uma errada interpretação do Direito e da Lei, pois que teriam que se suscitar dúvidas insanáveis quanto ao agente que praticou os factos.

3. – A decisão agora posta em causa é incompreensível e inaceitável e em nada abonatória de um sistema judicial que se quer credível, isento e justo.

4 – Encontra-se incorretamente julgada matéria de facto dada como provada, designadamente parte dos FACTOS PROVADOS, que aqui se dão por integralmente reproduzidos (por economia processual) - cfr. pags. 1 a 4 da sentença.

5 – O Tribunal fundamentou também a sua decisão em factos não provados na sentença – cfr. Factos não Provados – que o tribunal não enumerou, remetendo apenas para “todos os demais alegados” - cfr. pag. 4 da sentença, o que gera nulidade, nos termos do artigo 379º nº 1 al. a) ex vi artº 374º nº 2 do Código Processo Penal, nulidade aplicável também por o tribunal não fazer o exame critico das provas.

6 – Não deveriam ter sido dados como provados os factos identificados na sentença com os números 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9 (e 11, não numerado na sentença).

7 – O Tribunal recorrido não efetuou uma criteriosa e cuidada apreciação da prova produzida em julgamento, nem teve em conta as regras da experiência comum.

8 – O Tribunal recorrido decidiu contra e para além da prova produzida, tendo em conta as declarações das testemunhas / assistentes e os documentos juntos aos autos, que não sustentam a decisão ora em crise.

9 – Há uma enorme insuficiência de prova para sustentar os factos impugnados, além de que dos depoimentos dos 2 assistentes resultou uma enorme contradição quanto às alegadas pretensões ou motivações do então trabalhador AA, ora recorrente.

10 - O tribunal não conseguiu apurar a origem dos emails enviados e das publicações colocadas na rede social Facebook.

11- Não se provou que o email …@gmail.com pertencia de facto ao arguido recorrente e se foi ele que enviou os emails.

12 – Não se provou que as páginas de Facebook … e … eram do arguido ou foram usadas por este, pois não têm o nome nem a fotografia do arguido.

13 - A Google e o Facebook não confirmaram o email ou a página de Facebook eram usadas pelo arguido AA.

14 - O tribunal não fundamentou a sua decisão, indicando apenas a prova em que sustentou a decisão sem a análise critica das mesmas, o que gera nulidade, nos termos no art. 379.º, n.º 1, al. c) e nº 2 do C. P. Penal.

15 – O Tribunal baseou-se em prova insuficiente para condenar o recorrente.

16 - O Tribunal não fundamentou a sua decisão em prova segura, cabal e rigorosa.

17 - O Tribunal recorrido nunca poderia ter dado como provados os factos impugnados da forma que o fez, porque não foram corroborados por testemunhas ou documentos juntos aos autos, razão pela qual teria que ser suscitada a dúvida quanto aos mesmos.

18 – O Tribunal não podia tomar conhecimento de factos não provados e teria que se produzir prova para a fundamentação desses factos, o que não ocorreu.

19 – Tal omissão também leva à nulidade da sentença, o que expressamente se invoca, artº 379º nº 1 al. c) do C.P.P.

20 - Não foi produzida prova inequívoca e segura dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo, aqui impugnados, e acima citados.

21 – Na análise da prova que fundamentou estes factos, há um erro de apreciação, pois perante o que consta do texto e da (parca) fundamentação da decisão recorrida, conjugando com o senso comum, facilmente se dá conta que o Tribunal violou as regras da experiência.

22 - O ónus da prova dos factos cabe ao Ministério Público ou ao Tribunal, não estando o arguido recorrente obrigado a prestar declarações em audiência.

23 - Não tinha o arguido qualquer obrigação de dar explicações ou prestar declarações, nem o seu silêncio o poderia prejudicar, como aparentemente aconteceu nos presentes autos.

24 - A única condenação que se poderia entender nos presentes autos, mas que se considera muito excessiva quanto à pena aplicada e condenação em PIC, seria pelo crime de injúria agravada.

25 – Ainda que se pudesse admitir como possível que o email … seria do arguido, e que este enviou os emails para a assistente CC, não estão todos os emails juntos aos autos, o que não permite esclarecer o eventual contexto em que os emails foram trocados.

26 - O endereço e dados profissionais da assistente CC não são visíveis nos emails trocados, pelo que o arguido não poderia ter conhecimento dos dados da assistente, o que diminuiria a probabilidade deste a poder incomodar.

27 – O arguido estaria a trabalhar no estrangeiro e, quando em Portugal, tinha morada na zona do …, ao contrário do domicilio profissional de ambas as assistentes, que era na zona de …, pelo que não se iria cruzar com a assistente.

28 - Mesmo que fosse o arguido a enviar os ditos emails, com a linguagem que consta dos mesmos, a sua intenção seria tão só a de receber os créditos laborais que entendia ter direito, não se podendo concluir que teve outras motivações ou intenções, pelo que não poderia o tribunal concluir da forma que o fez, mormente em termos de gravidade da condenação e pedido de indemnização civil.

29 - O tribunal a quo não fez uma correta interpretação dos factos e da prova produzida em audiência, nem tão pouco uma adequada subsunção dos mesmos à norma jurídica, ao arrepio dos princípios orientadores do processo penal, nomeadamente do princípio “in dubio pro reo”.

30 - O Tribunal a quo, ao dar como provados os factos agora em crise, violou o disposto no art.127.º do C.P.P. e o princípio “in dubio pro reo” e incorreu no erro notório na apreciação da prova a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. c), do C.P.P.

31 - O tribunal condenou o arguido em custas, sem referir qual o valor das mesmas, o que é obrigatório.

32 - Foram violados, entre outros, os artigos 181 n.º e 184.º e 132 n.º 2 alínea l), artigo 180.º, 183.º alínea a), 184.º e 132 n.º2 alínea l), artigo 187º e 183º do Código Penal, e artigos 127º, 379º nº 1 al. a) ex vi artº 374º nº 2 do Código Processo Penal, além do art. 18°, n° 2 e 32º nº 2 da C.R.P..”

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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

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Os Assistentes BB, DD E CC, apresentaram resposta ao recurso, pugnando pela improcedência do mesmo e pela manutenção da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:

“ 1. Não existe nulidade da sentença por falta de enumeração dos Factos Não Provados na mesma, dado que o que é relevante é que estejam fundamentadas e sejam percetíveis, no texto da sentença, as razões que levaram o Tribunal a dar como provados determinados factos.

2. Tendo o julgamento ocorrido na ausência do arguido e não tendo este apresentado contestação com factos que contradissessem as acusações ou arrolado qualquer meio de prova, não há outros factos a considerar –como não provados – nem o Recorrente, agora, os indica.

3. Tem de se concluir que inexistem factos que pudessem ou devessem ter sido considerados não provados que favorecessem o arguido, ora recorrente ou que implicassem decisão diversa da constante da sentença em apreço.

4. Acresce que por aplicação dos princípios da adequação e economia processual, subsidiariamente aplicáveis nos termos do artigo 4.º do CPC, nos termos do Art.º 410º n.º 1 do CPC: “Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”.

5. E nos termos do Artigo 431.º n.º 1 alínea a) do CPC “a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;”

6. Assim, mesmo que se considerasse existir nulidade da sentença com este fundamento, o que só por mera hipótese académica se concede, sendo a referida nulidade sanável, poderia ser suprida pelo Tribunal ad quem, (por aplicação dos princípios da adequação e economia processual nos termos supra referenciados), ou pelo tribunal a quo, o que implicaria o reenvio do processo para reelaboração de nova sentença, com vista à sanação do vício.

7. O exame crítico da prova foi efectuado pelo Tribunal, que levou em conta a prova produzida em audiência, nomeadamente a prova documental e as declarações prestadas pelas testemunhas, considerando-as credíveis e bem assim constando da sentença: ”Os depoimentos de todos os inquiridos foi sério, consistente e credível, deles decorrendo os factos descritos nas acusações e nos pedidos civis provados, tendo contextualizado a situação em apreço, numa narração coerente e verosímil, motivo pelo qual tais factos foram considerados provados. Já quanto ao ofendido gerente da sociedade não resulta para além da dúvida razoável que as frases imputadas ao arguido se dirigissem a este em concreto motivo pelo qual se considerou não provada a factualidade.”

8. Concorda-se em absoluto com a Douta Sentença recorrida, que não merece qualquer reparo, nomeadamente, aos pontos dados como provados na Matéria de Facto provada sob os números 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9 (e 11, não numerado na sentença), não assistindo qualquer razão ou fundamento ao Recorrente na sua discordância, porque o Tribunal motivou a sua convicção que se formou considerando o teor da prova documental junta, bem como a prova testemunhal;

9. Não poderá concluir o Recorrente das declarações do Assistente DD, no sentido que os seus funcionários informaram que o arguido começou a ligar para a empresa a pedir aumento salarial, logo após ter iniciado o contrato, já na …, para onde foi deslocado, que esta situação não tem nada a ver com o conteúdo das alegadas mensagens escritas nas redes sociais, nas páginas de Facebook designadas de … e no grupo de …, onde se refere apenas um valor hora de 17 euros.

10. De acordo com as regras da experiência comum, compreende-se que terá sido precisamente devido aos telefonemas do arguido para a empresa a queixar-se do valor que estaria a receber à hora, e bem assim a pedir aumento salarial, não terem logrado qualquer efeito, que o arguido decidiu adoptar outras estratégias para esse desiderato enviando emails para a Assistente CC, e escrevendo nas páginas de Facebook designadas de … e no grupo de …

11. Não existe qualquer relevância para a decisão do processo os Assistente DD e CC não conhecerem pessoalmente o arguido.

12. Não existe qualquer contradição nos depoimentos das testemunhas CC e DD no que diz respeito às alegadas pretensões ou motivações do então trabalhador AA, ora recorrente, pois a assistente CC não teria de ter conhecimento que o arguido pretendia um aumento durante a vigência do contrato, dado não ser assunto com impacto jurídico, mas financeiro, sendo que só ao gerente da empresa BB interessaria essa pretensão do arguido.

13. Outrossim, sendo a única Advogada da empresa BB, afirmou que nunca teve conhecimento que este trabalhador quisesse qualquer aumento salarial, tendo referido que apenas após o término do contrato, houve problemas com as contas, aí sim um problema jurídico, que poderia inclusivamente dar origem a um processo no Tribunal do Trabalho.

14. Não pode proceder a alegação do Recorrente, totalmente desprovida de lógica e de bom senso comum, que pelo facto de o Recorrente ter sido deslocado para trabalhar no estrangeiro, se pode concluir que não havia o perigo deste se deslocar ao escritório da Assistente CC ou à empresa para perturbar pessoalmente fosse quem fosse, uma vez que foi também referido que o contrato do arguido com destacamento para … cessou por caducidade, pela redução do trabalho em obra, pelo que tendo o arguido ficado desempregado, poderia perfeitamente regressar a Portugal em qualquer altura.

15. O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.

16. E no caso em apreço, decorreu dos depoimentos de todos os inquiridos (…), deles decorrendo os factos descritos nas acusações e nos pedidos civis provados, tendo contextualizado a situação em apreço, numa narração coerente e verosímil, motivo pelo qual tais factos foram considerados provados.

17. Todos os factos e condutas de que o arguido foi acusado foram concomitantes, não existindo qualquer dúvida por parte das testemunhas que tinham origem na mesma pessoa.

18. Corroborou esta convicção, os emails enviados para a assistente CC, de um email com a designação de …@gmail.com, para o endereço profissional desta, no mesmo lapso temporal.

19. No que respeita ao facto provado nº 5, resultou não apenas das afirmações da assistente BB na sua acusação particular, mas também do teor dos emails (prova documental) juntos aos autos enviados para a assistente CC.

20. A relação de trabalho que existiu entre o arguido e a assistente BB decorre claramente de toda a prova produzida em audiência de julgamento.

21. O arguido poderia perfeitamente ter conhecimento dos dados da assistente CC, pois qualquer pessoa que coloque o nome profissional de um Advogado no motor de busca do Google tem acesso ao seu domicílio profissional, informação essa que também está disponível na pesquisa de Advogados no site da Ordem dos Advogados.

22. O princípio in dubio pro reo só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido.

23. O Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obteve convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação, apreciando prova válida e sem contrariar as regras da experiência comum.

24. Apenas a dúvida séria e razoável - identificada, resultante da apreciação exaustiva e crítica dos meios de prova relevantes em conformidade com os critérios legais de produção e valoração da prova - impede a valoração dessa dúvida na perspectiva contrária ao interesse do arguido, o que não sucedeu.”

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O Ministério Público também apresentou resposta ao recurso do arguido, pugnando pela improcedência do mesmo e formulando as seguintes conclusões:

“- a douta sentença recorrida não é nula, não tendo sido violado o art. 379º do CPP.

- os factos dado como provados resultaram da análise que foi feita da prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com a demais prova existente no processo, e se não constam mais factos é porque não alegados ou porque se revelavam meramente subjetivos ou acessórios, ou seja, sem interesse para a decisão da causa pelo que a sua não enumeração nos factos provados ou não provados, não consubstancia uma omissão de pronúncia que determine a nulidade prevista no referenciado art° 379º do CPP.

- a motivação da decisão de facto não é nem poderia ser um substituto do princípio da oralidade nem pode ser transformada em documentação da oralidade da audiência.

- desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao seu conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação.

- assim sendo e no que se refere à douta sentença recorrida, afigura-se que foi adequadamente analisada toda a prova produzida o que resulta da motivação.

- aí consta, de forma a não merecer reparo, a apreciação feita da prova testemunhal e a especificação dos motivos que determinaram a dar credibilidade às declarações e depoimentos prestados e a formar a convicção.

- pelo que, a douta sentença recorrida não é nula por falta do requisito previsto no art. 374º, nº 2 do CPP.

- a douta sentença recorrida fez correcta apreciação da prova produzida e do seu texto não resulta, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, insuficiência desta para a decisão ou erro na sua apreciação.

- no caso em apreço não se verifica qualquer dúvida em sentido formal que seja apelativa do princípio in dúbio pro reo e que cumprisse resolver em proveito do recorrente.

- os factos dados como provados integram a prática pela ora recorrente dos crimes pelos quais condenado não se verificando qualquer causa que exclua a ilicitude ou a culpa.

- deve ser negado provimento ao recurso e a douta sentença recorrida ser mantida nos seus precisos termos.”

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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, acompanhando a posição assumida na primeira instância.

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Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, nada tendo o recorrente vindo acrescentar ao já por si alegado.

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Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.

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2 – Objecto do Recurso

Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)

À luz destes considerandos, são as seguintes as questões a decidir neste recurso:

(i) Nulidade da sentença por falta de enumeração dos factos não provados e ausência de exame crítico da prova;

(ii) Impugnação da matéria de facto;

(iii) Violação do princípio in dubio pro reo.

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3- Fundamentação:

3.1. – Fundamentação de Facto

A decisão recorrida considerou provados e não provados os seguintes factos e com a seguinte motivação de facto:

“Factos provados:

1. No dia 19-10-2021, pelas 11h52, através do seu endereço de email pessoal …gmail.com, o arguido remeteu a seguinte mensagem de correio eletrónico para o endereço profissional da Advogada CC- …@adv.oa.pt-:

a. “Você é tão vigarista quanto a BB Sabe perfeitamente do jogo da BB para iludir os trabalhadores e roubá-los. Ganhe vergonha na cara e faça ao menos relatórios verídicos. Vocês metem me nojo. Vocês livrem de eu chegar a Portugal e não ter o meu dinheiro em falta na conta (€660,00)”

2. No mesmo dia, pelas 15h24, do mesmo modo, o arguido remeteu-lhe a seguinte mensagem:

a. “Tá caladinha ó advogada corrupta de meia tigela. Manda fazer a transferência do meu dinheiro que me devem. Seus ladraozitos. Defensora de ladrões. Isto vai ser publicado. ,”

3. Em data não concretamente apurada, mas situada entre 19-10-2021 e as 10h00 do dia 4-11-2021, na rede social, com o endereço www.facebook.com, através do seu perfil com designação “…”, o arguido efetuou uma publicação, no âmbito do qual afirmou o seguinte “Recorrem a Advogados (CC) treinados para bloquear a defesa dos trabalhadores.“

4. Naquela altura, a CC exercia funções de Advogada- com cédula … da Ordem dos Advogados- para a sociedade BB

5. O arguido exerceu funções de … na referida sociedade entre Agosto de 2021 e Outubro de 2021, sendo que naquela altura discordou dos montantes que lhe foram atribuídos por efeitos de cessação do contrato de trabalho,

6. O arguido ao proferir as referidas expressões- “corrupta e vigarista”, quis ofender- e ofendeu- a honra e consideração devida àquela, enquanto pessoa e Advogada,

7. Ao publicar numa rede social, acedida por milhares de utilizadores, que a CC atuava com o propósito de prejudicar os direitos dos trabalhadores, o arguido quis, também, denegrir o bom nome e prestigio profissional desta,

8. O arguido agiu sempre de forma voluntária e conscientemente, bem sabendo que só denegriu a referida CC por causa de factos praticados no exercício da Advocacia, mormente por esta representar a referida sociedade BB.

9. Mais sabia o arguido que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei penal.

10. Não é conhecida a instauração de qualquer ação de foro laboral ou cível pelo arguido contra a BB.

A Assistente BB dedica-se à actividade de …

No âmbito dessa actividade contratou o denunciado por contrato a termo incerto datado de …/…/2021 , com a categoria de …, a fim de prestar trabalho no cliente EE.

Por alegadamente não concordar com o fecho de contas no contrato de trabalho aquando da sua cessação, o arguido em data não concretamente apurada de OUtUbro de 2021 publicou no grupo público do facebook "…" acessível em https://www.facebook. com/…/ …/ as seguintes expressões: "Atenção Urgente !!ll BB e EE juntas para dar o golpe em impostos fantasmas. Recorrem a advogados (CC) terinados para bloquear a defesa dos trabalhadores. A única defesa é gravar tudo e denunciar a verdade na internet... " Atençaolll urgente!!! BB e EE juntas para dar o golpe!!! Contas do roubo da BB em baixo do lado direito.

Urgente!!!! Denunciem as interimes fraudulentas. A Internet é uma grande ferramenta para proteger os trabalhadores e falir as interimes fraudulentas. Cuidado. E golpe na certa. Descontos fantasmas, contratos ilegais e descontextualizados com as propostas que te oferecem inicialmente. É

"Cuidado é golpe. Põe uma cruz na BB. Diz não."

E o arguido bem sabia que era falso quando PUbliCOU as expressões injuriosas, difamadoras e caluniosas acima referidas.

O arguido com os factos praticados quis ofender o bom nome, credibilidade, o prestígio e a confiança da assistente BB, bem como prejudicar a empresa, por forma a denegrir a sua imagem e a ter como consequência a perda de clientes e a dificuldade de contratação de trabalhadores.

Pois as expressões transcritas ofendem a credibilidade, o prestígio e a confiança nos serviços prestados pela empresa em ….

Especialmente num grupo de Facebook público destinado concretamente a trabalhadores e empresas do mesmo ramo de actividade da Assistente.

As referidas publicações estavam visíveis a qualquer utilizador de internet, pois a página em causa é pública e qualquer pessoa pode aceder à mesma.

As publicações mantiveram-se de Outubro até, pelo menos, Novembro de 2021 .

Bastava qualquer utilizador de internet fazer uma pesquisa através de um qualquer motor de pesquisa com a palavra "BB" que encontraria tais publicações.

Com a conduta descrita, o arguido agiu sempre de modo livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era, e é, proibida, prevista e punida por Lei, e produzia o resultado por si pretendido, o que previu e quis, ofendendo a credibilidade, o prestígio e a confiança da Assistente.

Em consequência das ofensivas publicações efectuadas no Facebook pelo Arguido e ora demandado, e nas circunstâncias em que foram realizadas como resulta da Acusação precedente e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, a Assistente ora Demandante, sofreu a sua honra, o seu bom nome e a sua imagem desconsideradas, nomeadamente, perante trabalhadores e empresas do mesmo sector de actividade.

Por outro lado, a assistente é uma empresa idónea, honrada e altamente

O arguido feriu e quis ferir não só o seu bom nome como também, a sua credibilidade, o prestígio e a confiança.

Conforme já referido, as publicações estavam visíveis a qualquer utilizador de internet, pois a página em causa é pública e qualquer urn pode aceder à mesma.

Foram vários clientes e trabalhadores da assistente que referiram ter visto tais publicações.

Quis ainda ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança dos trabalhadores e potenciais trabalhadores da assistente BB.

Desconhece a assistente quantos clientes, trabalhadores ou potenciais trabalhadores tiveram acesso à publicação.

A assistente teve de explicar aos que a abordaram sobre o assunto que era falso o publicado.

O Demandado é a único responsável por tais danos que foram consequência directa da sua conduta

Em consequência das ofensivas expressões proferidas pelo Arguido, e nas circunstâncias em que foram proferidas como resulta da Acusação Pública que se dá por integralmente reproduzida para todos efeitos legais, a Assistente sofreu uma indiscutível humilhação, tristeza, vergonha e agitação nervosa, e viu a sua honra, o e bom nome e prestigio profissional desconsiderados, nomeadamente, perante todas as pessoas que tiveram acesso às publicações no Facebook, que são públicas.

Por força do sucedido, sofreu grande agitação nervosa, grande

Traduzindo-se ainda em ansiedade, nervosismo e muita irritação.

O Demandado com o seu comportamento ao proferir as ofensas e ao publica numa rede social, acedida por milhares de utulizadores, que a Assistente actuava com o propósito de prejudicar os direitos dos trabalhadores, impediu o sossego e bem-estar da Assistente e pôs em causa a sua reputação profissional.

Factos não provados:

Todos os demais alegados.

Fundamentação:

Para a formação da convicção do Tribunal foi essencial a conjugação e análise crítica de toda a prova produzida, mormente: APENSO 459/21.2…- auto de denúncia de fls 3. E verso;- cópia das mensagens de correio eletrónico de fls. 12 a 14; - cópia das publicações de fls. 15 a 23; Autos principais: Auto de denúncia de fls. 3 e verso; Cópias de publicações de fls. 14 a 16; 24 a 30; Informação do facebook de fls. 79; Informação da NOS de fls. 54; Informação da SIbs de fls. 76; Informação do Banco CTT de fls. 87; Pesquisa da OA comprovando a qualidade de Advogada da assistente CC; certidão permanente da BB, print de pesquisa de processos pendentes; e resposta da Google, POR DECLARAÇÕES DE ASSISTENTES:1. DD, id a fls.80; 2. CC, id a fls. 83; e das testemunhas de depuseram sobre o teor do pedido civil FF, com domicílio profissional no …, e GG com domicílio profissional no ….

A audiência de discussão e julgamento teve lugar na ausência do arguido, e não teve assim o Tribunal acesso à versão dos factos do arguido, por opção deste, tendo-se considerado, por conseguinte, exclusivamente as declarações não contrariadas dos ofendidos e das testemunhas arroladas, que confirmaram o teor dos factos considerados provados.

Os depoimentos de todos os inquiridos foi sério, consistente e credível, deles decorrendo os factos descritos nas acusações e nos pedidos civis provados, tendo contextualizado a situação em apreço, numa narração coerente e verosímil, motivo pelo qual tais factos foram considerados provados.

Já quanto ao ofendido gerente da sociedade não resulta para além da dúvida razoável que as frases imputadas ao arguido se dirigissem a este em concreto motivo pelo qual se considerou não provada a factualidade. (…)”

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3.2.- Mérito do recurso

Quanto ao conhecimento dos vários fundamentos do recurso, importa seguir uma sequência lógica, começando por aqueles fundamentos que importam a nulidade da decisão recorrida e, desde logo, pela falta de fundamentação da decisão.

Relativamente aos requisitos da sentença, dispõe o art.º 374º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Penal o seguinte: “1 - A sentença começa por um relatório, que contém: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis; c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido; d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada. 2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. (…)” A fundamentação da sentença penal é, assim, composta por dois grandes segmentos: - Um, que consiste na enumeração dos factos provados e não provados; - Outro, que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do Tribunal. O dever de fundamentação das decisões judiciais é hoje um imperativo constitucional, previsto no art.º 205º, nº 1 da CRP, onde se estabelece que as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. A fundamentação deve revelar as razões da bondade da decisão, permitindo que ela se imponha dentro e fora do processo, sendo uma exigência da sua total transparência, já que através dela se faculta aos respectivos destinatários e à comunidade, a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador. É também através da fundamentação da sentença que é viabilizado o controlo da actividade decisória pelo Tribunal de recurso designadamente, no que respeita à validade da prova, à sua valoração e à impugnação da matéria de facto. O dever de fundamentação encontra-se igualmente consagrado no art.º 97º, nº 5 do Cód. Proc. Penal, onde se prevê que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

Segundo o art.º 379º, nº 1, alíneas a) e c) do mesmo diploma, é nula a sentença penal quando não contenha as menções previstas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art.º 374º ou quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo esta nulidade de conhecimento oficioso, atento o disposto no nº 2 do art.º 379º. Quanto ao conteúdo do dever de fundamentação da sentença ou do acórdão, escreveu-se no Ac. RL de 18/01/2011, proferido no processo nº 1670/07.4TAFUN-A.L1-5, em que foi relator Vasques Osório, in www.dgsi.pt, em moldes que subscrevemos: “ A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, mais não é do que a narração de forma metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, com referência aos que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda dos factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa. É esta enumeração de factos que permite concluir se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo. A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa mas tem que ser concisa, contendo e enunciação das provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal – o que não exige, relativamente à prova por declarações, a realização de assentadas tendo por objecto os depoimentos produzidos em audiência – bem como a análise crítica de tais provas. Esta análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.” Quanto à nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos previstos no art.º 379º, nº 1, alínea c) do Cód. Proc. Penal, entendemos que a sentença só tem que se pronunciar sobre matéria relevante para a decisão da causa, ou seja sobre as questões, de facto ou de direito, com incidência ou impacto directo, positivo ou negativo, na decisão. Tais questões só podem ser as que são colocadas expressamente pelos intervenientes e as de conhecimento oficioso, nisto consistindo o thema decidendum (cf. neste sentido, Fernando Gama Lobo, in “ Código de Processo Penal Anotado”, 4ª edição, Almedina, pág. 860). No caso dos autos, a sentença recorrida condenou o recorrente pela prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelas disposições combinadas dos arts.º 181º, 184º e 132º, nº 2, alínea l) do Cód. Penal, em concurso aparente com um crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts.º 180º, 183º alínea a), 184º e 132º, nº 2, alínea l) do Cód. Penal, e com um crime de ofensa ao bom nome de pessoa colectiva, com publicidade, p. e p. pelos arts.º 187º e 183º do Cód. Penal. Julgou também parcialmente procedentes os pedidos civis formulados por BB e CC, condenando o arguido a pagar o montante de 750€ (setecentos e cinquenta euros) à primeira e 1.500€ (mil e quinhentos euros) à segunda, acrescidos de juros, a contar da notificação para contestar. Por último, julgou improcedente, por não provada, a acusação deduzida por DD e absolveu o arguido do crime e do pedido civil contra ele deduzidos por aquele.

Sucede, porém, que da decisão recorrida consta, relativamente aos factos não provados apenas:

“Factos não provados:

Todos os demais alegados.”

Ora, analisado todo o processo, constatamos que foram deduzidas contra o recorrente, a par da acusação pública, duas acusações particulares, por DD e por BB. O Ministério Publico declarou expressamente que acompanhava as acusações particulares deduzidas pelos assistentes BB e DD. Na sua acusação, DD alegou que: “ 1- O ora assistente é gerente e legal representante da BB, também assistente nos presentes autos. (…) 3- Por alegadamente não concordar com o fecho de contas no contrato de trabalho, o arguido no dia 12/10/2021 pelas 16h46 até às 16h51, enviou várias mensagens para o telemóvel da assistente dirigindo-se ao seu gerente DD. 4- Escrevendo às 16h46: "Você não tem vergonha na cara nenhuma. Seu ladrão." 5- Às 16h47: "Não me ponhas o dinheirinho na conta q vais o q te vai acontecer seu ladrão. Aldrabão." 6- Às 16h51 "Seu filho da puta". 7- No dia 13/10/2021, pelas 05h24, o arguido enviou a seguinte mensagem para o telemóvel da assistente, dirigindo-se ao seu gerente DD: "Bom dia filho da puta". Tudo conforme folhas de 23 e 24 juntas nos presentes autos. 8- O Arguido sabia que as suas palavras eram adequadas a ofender a honra e consideração do Ofendido e Assistente, e actuou querendo alcançar aquele seu objectivo. 9- Com a conduta descrita, o arguido agiu sempre de modo livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era, e é, proibida, prevista e punida por Lei, e produzia o resultado por si pretendido, o que previu e quis, ofendendo a honra e dignidade do Assistente.”

Com esta factualidade o assistente DD imputou ao arguido AA a prática de cinco crimes de injúria, p. e p. pelo art.º 181º do Cód. Penal.

Por despacho datado de 8/01/23, foram admitidas todas as acusações deduzidas contra o recorrente, pelos factos e disposições legais aí descritos, sem exclusão de nenhuma. Sucede, porém, que todos os referidos factos alegados pelo assistente DD não constam de nenhuma das outras acusações, pública e particular, e a sentença recorrida não diz uma palavra sobre os mesmos. Presume-se que tais factos foram considerados não provados, pois no dispositivo da sentença recorrida menciona-se que: “(…) Julga-se improcedente por não provada a acusação deduzida por DD e absolve-se o arguido do crime e do pedido civil contra ele deduzido. (…)” Também o arguido na contestação que juntou aos autos referiu que não se conformava com as acusações e que iria explicar em audiência o que efetivamente aconteceu, com base nos vários documentos que juntou aos autos. Mas, não tendo o arguido comparecido à audiência de discussão e julgamento, quanto à alegação de novos factos pelo mesmo em audiência nada há a referir. No entanto, a ausência de referência aos factos constantes da acusação particular do assistente DD no elenco dos factos provados ou não provados configura uma clara omissão de pronúncia, a qual é de conhecimento oficioso. Em abono desta posição, vejam-se, entre muitos outros, os seguintes Acórdãos, disponíveis in www.dgsi.pt:

- Ac. do STJ de 10/12/09, proferido no processo nº 22/07.0GACUB. E1.S1, em que foi relator Santos Cabral: “A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões que o juiz deve apreciar são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer, independentemente da alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual. A “pronúncia”, cuja “omissão” determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou as razões alegadas. (…) - Ac. do STJ de 5/05/21, proferido no processo nº 64/19.3T9EVR.S1.E1.S1, em que foi relator Nuno Gonçalves: I - A sentença ou acórdão devem ser esgotantes e autossuficientes, no sentido de conhecer da totalidade das pretensões e de conter todos os elementos indispensáveis à compreensão do juízo decisório. II - Omissão de pronúncia significa ausência de conhecimento ou de decisão do tribunal sobre matérias que a lei impõe que o juiz resolva. III - Ocorre quando o tribunal deixa de apreciar e julgar questões de facto e/ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos e não argumentos mais ou menos hipotéticos, opinativos ou doutrinários.(…)”

Os factos constantes da acusação particular do assistente DD fazem parte do objecto do processo e, como tal, do thema decidendum. Em face disto, não basta que na sentença se diga que não resultaram provados todos os demais factos alegados, sem indicação de onde e por quem.

É necessário que a sentença tome posição sobre todos os factos alegados pelos vários intervenientes processuais e, caso os considere não provados, os descrimine nessa qualidade e explique porquê. Não o tendo feito, a sentença violou a exigência prevista no art.º 374º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Penal e como tal é nula, em conformidade com o disposto no art.º 379º, nº 1, alíneas a) e c) do mesmo diploma. É que não está em causa apenas uma má técnica de exposição dos factos não provados, mas antes uma verdadeira omissão de pronúncia não suprível pelo Tribunal de recurso. Assim sendo, impõe-se ordenar o suprimento da nulidade verificada, com a consequente revogação da decisão recorrida e a determinação de prolação de nova sentença da qual conste a apreciação probatória dos factos descritos na acusação particular do assistente DD.

Esta nulidade da decisão prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso do arguido.

*

4. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam as Juízes que integram esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Declarar nula a sentença recorrida e, em consequência, determinar a sua substituição por outra da qual conste a apreciação probatória dos factos descritos na acusação particular do assistente DD.

Sem custas ( arts.º 513º e 522º do Cód. Proc. Penal ).

Évora, 22 de Outubro de 2024

(texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)

Carla Francisco

(Relatora)

Carla Oliveira

Laura Goulart Maurício

(Adjuntas)