- A nulidade prevista na al d) do nº 2 do art.120º do CPP só se verifica quando ocorre ausência absoluta ou total de inquérito e/ou se omita ato que a lei prescreve como obrigatório.
- A solicitação de relatório social não é obrigatória, nem mesmo quando se pondere a possibilidade de aplicação de uma pena efectiva privativa de liberdade, como resulta da leitura do supra referido dispositivo, e este apenas é solicitado quando o tribunal entender que o mesmo é necessário à determinação da medida da pena.
- A pena tem de ser como tal sentida, e daí estarem incluídos na finalidade que a norma visa proteger e nos efeitos que com a condenação se pretendem atingir todos os incómodos decorrentes do cumprimento da mesma, sendo certo que tais consequências negativas têm de se mostrar balizadas por critérios de justiça, adequação e proporcionalidade.
Realizado o julgado, foi proferida decisão, nos termos da qual se fez constar no respectivo dispositivo final:
“Face ao exposto, julga-se procedente a acusação proferida pelo Ministério Público e em conformidade decide-se:
A) Condenar o arguido AA, pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à razão diária de 5,00€ (cinco euros), o que dá um total de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros).
B ) Condenar ainda o arguido nas custas do processo, que se fixam no mínimo legal, bem como nos honorários devidos ao ilustre defensor oficioso. (…).”
*
2. Não se conformando com o teor de tal decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões:
“1– Normas Jurídicas Violadas: Artigo 71º, nº 2, alínea d) do CP, artigo 120º, nº 2, alínea d) do CPP e 18º, nº 2 da CRP.
2 – O Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente o artigo 71º, nº 2, alínea d) do Código Penal ao condenar o arguido um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à razão diária de 5,00€ (cinco euros), o que dá um total de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros), sem que previamente se informasse sobre as condições pessoais do arguido e a sua situação económica.
3 – Deveria, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo ter interpretado os artigos 71º, nº 2, alínea d) do CP, artigo 120º, nº 2, alínea d) do CPP e 18º, nº 2 da CRP no sentido de aplicar uma pena mais próxima do mínimo legal.
4 – O Tribunal a quo apenas ordenou a consulta às bases de dados da Segurança Social e da Conservatória do Registo Automóvel, sempre indeferindo a realização de relatório social.
5 – O Tribunal a quo não ponderou devidamente os supra referidos factos, tendo em atenção o principio da culpa no direito substantivo penal nacional, que “constitui uma máxima fundamental do direito penal, do que deriva a exigência de que aplicação de qualquer pena supõe sempre que o ilícito foi praticado com culpa, traduzindo-se este numa censura dirigida ao agente da prática do facto”.
6 – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-01-2020:
“VII - Há erro notório na apreciação da prova se o tribunal conclui pela existência de factos assentes numa regra que não é de experiência comum e apenas corresponde a um convencimento subjectivo do juiz sem suporte objectivo e racional.”
7 – Assim, resulta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum que existe insuficiência da matéria de facto provada, do art. 410º, nº 2, al. a) do CPP.
8 - DAÍ, O PRESENTE RECURSO INTERPOSTO DAQUELA DECISÃO, O QUAL DEVERÁ RECEBER PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE ORDENE O REENVIO PARCIAL PARA NOVO JULGAMENTO RESTRITO À QUESTÃO DA DETERMINAÇÃO DA SANÇÃO OU APLIQUE UMA SANÇÃO MAIS PRÓXIMA DO MÍNIMO LEGAL.”
*
3. O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo, tendo ao mesmo respondido a Digna Magistrada do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, pugnando no sentido de ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.
Extraiu as seguintes conclusões:
“1. O Ora Recorrente, não se conformando com douta decisão proferida veio da mesma recorrer no que concerne à pena aplicada, requerendo a aplicação de uma pena mais próxima do mínimo legal.
2. O tribunal a quo, considerando a natureza do processo, os factos imputados ao arguido e à ausência de antecedentes criminais por crimes de igual natureza, não antevendo, em caso de condenação, a aplicação ao arguido de pena privativa de liberdade não requereu a elaboração de relatório social.
3. O arguido foi julgado na ausência e, findas as diligências probatórias, foi ordenada a junção aos autos de pesquisas junto das bases de dados disponíveis, não constando que o arguido auferisse qualquer remuneração, nem qualquer registo junto da base de dados do Registo Automóvel.
4. O Tribunal a quo teve em consideração todas as circunstâncias que deponha a favor e contra o arguido, verificando que o mesmo agiu com dolo directo e que já possuía um antecedente criminal (ainda que por crime de natureza diversa) e constatando a ausência de consequências da conduta do arguido.
5. Constata-se que o Tribunal a quo fundamentou a opção quanto à escolha da pena e da medida concreta da pena a aplicar, ao abrigo o disposto nos artigos 40.º, 70.º, e 71.º, todos do Código Penal, e foi realizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda às circunstâncias que depõem a favor ou contra o Ora Recorrente, não merecendo censura.
6. De igual modo, considerando a inexistência de quaisquer bens ou rendimentos, o Tribunal a quo fixou o quantitativo da pena de multa no seu mínimo legal.”
*
4. Subidos os autos a este tribunal, nele o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, nos termos do qual concluiu que o recurso não deve obter provimento.
É o seguinte o teor de tal Parecer:
“Sufragamos a fundada argumentação do Ministério Público junto da 1ª instância pela sua correção jurídica e clareza, bem se pronunciando acerca das questões a dirimir, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido, com os aditamentos que seguem.
No que concerne à medida concreta da pena aplicada, na sentença condenatória foram tidos em conta, bem, os elementos de ilicitude e culpabilidade, bem como as exigências de prevenção geral e especial, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica.
Tem vindo a entender a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdãos do STJ de 14/02/2007, relator Santos Cabral; de 11/10/2007, relator Carmona da Mota, e de 16/06/2010, relator, Raúl Borges, in www.dgsi.pt), que a sindicabilidade da medida concreta da pena, em sede de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores da medida da pena, mas não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada, o que manifestamente não se verifica no caso.
Neste sentido, cfr. ainda Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2009, relator Raul Borges, acessível in www.gde.mj.pt, Proc. 09P0484 “… A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.
Tudo ponderado, a pena tem de ser como tal sentida, e daí estarem incluídos na finalidade que a norma visa proteger e nos efeitos que com a condenação se pretendem atingir todos os incómodos decorrentes do cumprimento da mesma, sendo certo que tais consequências negativas têm de se mostrar balizadas por critérios de justiça, adequação e proporcionalidade, observados no caso.
Os custos que daí poderão advir para o arguido são próprios das penas, que só o são se representarem para o condenado um verdadeiro e justo sacrifício, com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais, sendo que tais custos nada têm de desproporcionados em face dos perigos que a aplicação da pena pretende prevenir.
Em conformidade, emitimos parecer no sentido de que o recurso não deve obter provimento.”
*
5. Cumpridos os vistos, realizou-se a competente conferência.
*
6. O objecto do recurso versa a apreciação das seguintes questões:
- Da nulidade prevista no art. 120º nº 2 al d) do CPP e do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – art. 410º nº 2 al. a) do CPP;
- Medida da pena de multa aplicada.
*
7. A sentença recorrida, no que diz respeito aos factos provados, sumariamente ditados para a acta, é do seguinte teor:
1º. No dia 10 de março de 2024, pelas 17:00h, na Rua …, …, em …, o arguido AA conduzia o ciclomotor, de matrícula ….
2º. Sucede que o arguido não dispunha, àquela data, de habilitação legal para a condução de ciclomotores.
3º. Sabia o arguido que, para conduzir aquele ciclomotor, devia estar habilitado para tal, mediante a obtenção de uma carta de condução, ou outro documento que legalmente o habilitasse para tal, bem como que não era possuidor de tal título.
4º. O arguido conhecia as características do ciclomotor referido, bem como a via de trânsito por onde circulou e bem sabia que, em tais condições, não podia conduzir na via pública, como efetivamente fazia.
5º. Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Mais se deu como provado que:
- Não consta que se encontre registado em nome do arguido qualquer veículo automóvel, ou que aufira qualquer rendimento.
- Do seu certificado de registo criminal consta que foi condenado no processo nº 545/219…, do tribunal judicial da comarca de …, juízo de competência genérica de …, por sentença proferida em 24.04.2023, transitada em julgado em 24.05.2023, pela prática de um crime de violação de domicilio ou perturbação da vida privada, três crimes de furto qualificado e um crime de furto simples, cometidos em 20.09.2021, na pena de 4 anos de prisão, cuja execução foi declarada suspensa por igual período de tempo, e na multa de 150 dias, à taxa diária de 5,00 €, no total de 750,00 €.
*
8. Apreciando:
-Da nulidade prevista no art. 120º nº 2 al d) do CPP e do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada:
Veio o arguido recorrente invocar que, ao encerrar a fase de produção de prova, sem antes ter procurado apurar qualquer facto relativo à sua situação pessoal, o tribunal cometeu a nulidade prevista no art. 120º nº 2 al, d) do CPP e, ao proferir decisão condenatória, com omissão de factos relevantes para a determinação da sanção, como são os factos relativos à pessoa do condenado, lavra a sentença do vício de insuficiência da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º nº 2 al a) do CPP.
Vejamos:
O artigo 120.º do CPP, intitulado “Nulidades dependentes de arguição” estabelece que;
“1 - Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte.
2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
a) O emprego de uma forma de processo quando a lei determinar a utilização de outra, sem prejuízo do disposto na alínea f) do artigo anterior;
b) A ausência, por falta de notificação, do assistente e das partes civis, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;
c) A falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória;
d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas:
a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado;
b) Tratando-se da nulidade referida na alínea b) do número anterior, até cinco dias após a notificação do despacho que designar dia para a audiência;
c) Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito;
d) Logo no início da audiência nas formas de processo especiais.”
Na situação em apreço, não só não ocorre a suscitada nulidade, prevista na al d) do nº 2 do mencionado preceito legal, que só se verifica quando ocorre ausência absoluta ou total de inquérito e/ou se omita acto que a lei prescreve como obrigatória, o que não é o caso dos autos, como, tratando-se de uma nulidade sanável, se sana, se não for arguida no prazo estabelecido no nº 3 do mesmo preceito legal, o que é o caso dos autos, já que, tratando-se de processo especial, o devia ter sido no início da audiência de processo, e não foi (al d).
Para além disso, em 19.03.2024, aquando da designação da data de julgamento, foi proferido despacho que determinou:
“Quanto ao pedido de elaboração de relatório social (cf. artigo 370.º do Código Processo Penal), atento à natureza do processo, aos factos imputados ao arguido e à ausência de antecedentes criminais por crimes de igual natureza, não se antevê, em caso de condenação, a aplicação ao arguido de pena privativa de liberdade, pelo que a realização da diligência probatória solicitada não se mostra essencial ou relevante para a descoberta da verdade material. Assim, não se afigurando revelante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, revestindo uma diligência meramente dilatória, indefere-se a elaboração de relatório social.”
O arguido foi notificado do teor deste despacho e do mesmo não recorreu, no prazo legal, termos em que não pode, agora, em sede de recurso, da decisão final, vir suscitar a questão do tribunal não ter ordenado a realização de relatório social para aferir da sua situação pessoal.
E, ainda que assim não fosse, sempre se dirá que nos termos do art. 370.° do CPP:
"1 - O tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo."
Efectivamente a solicitação de relatório social não é obrigatória, nem mesmo quando se pondere a possibilidade de aplicação de uma pena efectiva privativa de liberdade, como resulta da leitura do supra referido dispositivo, e este apenas é solicitado quando o tribunal entender que o mesmo é necessário à determinação da medida da pena. Ora não foi este o caso dos autos, como resulta do teor do despacho proferido pelo tribunal a quo, acima reproduzido, e que não foi contestado pelo arguido.
No caso dos autos, a matéria de facto dada como provada, relativamente às condições pessoais do arguido, que nem se dignou compareceu em julgamento para as esclarecer, é manifestamente suficiente para aferir do contexto e da sua situação concreta, para a determinação da medida da pena, não se observando, por isso, qualquer inconstitucionalidade, por violação dos artigos 18º nº 2 e 32.° da Constituição da República Portuguesa e das garantias de defesa do arguido, ou a violação da lei designadamente dos artigos 40º, 70.°, 71.° do CP e 370. ° do CPP.
Neste sentido, veja-se o Ac. STJ de 20-10-2010, cujo sumário consta do site da PGDL em anotação ao supra referido artigo:
"I. O art. 1°, n.° 1, al. g), do CPP, contém a definição de relatório social. E como decorre do art. 370.° n.° 1, do CPP [...] «O tribunal pode em qualquer altura do julgamento» solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, a requisição de relatório social para determinação da sanção é sempre facultativa. [...] III. No caso em apreciação não se está perante uma omissão de pronúncia, pois o tribunal não podia pronunciar-se sobre algo inexistente, só se verificando a nulidade prevista na al. c) do n.° 1 do art. 379º do CPP, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar
[...] V. O que há é omissão do relatório social, elemento de trabalho eventual, relatório que não assume valor pericial, subordinado ao princípio da livre apreciação da prova, que não tendo chegado ao processo em tempo útil, do mesmo veio a prescindir o colectivo, por no caso em apreciação não ter considerado a sua necessidade, ou por entender que no caso não assumia o documento em falta carácter imprescindível. O tribunal avançou para a determinação da medida da pena sem que se mostrasse junto o relatório, porque não o considerou necessário à correcta determinação da sanção, e como se sabe, a requisição obedece ao critério de necessidade. VI. Acresce que não se vislumbra que se esteja face a vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois que a facticidade assente âncora de forma bastante a medida das penas aplicadas ao recorrente. Improcede, pois, a arguição de nulidade. "
A decisão recorrida não oferece, por isso, qualquer censura, por não ter o tribunal a quo solicitado a realização de relatório social, termos em que, nesta parte, improcederá o recurso.
*
A propósito, ainda, da questão de a decisão condenatória ter sido proferida com omissão de factos relevantes para a determinação da sanção, o arguido veio, também, alegar que a sentença proferida incorre no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – art. 410º nº 2 al. a) do CPP.
O art. 410º nº 2 do CPP admite o alargamento dos fundamentos do recurso às hipóteses previstas nas suas três alíneas, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.
No que concerne ao vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que se refere a al. a) do nº 2 do art. 412º do CPP, o recorrente não aponta qualquer facto relevante que o tribunal tenha deixado de apreciar, para a decisão de direito, sendo certo que este vício não tem a ver com a insuficiência da prova, mas com a falta de averiguação de factos necessários à decisão.
Daí que a alínea a) do nº 2 do art. 410º do CPP se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), que é insindicável em reexame da matéria de direito – neste sentido, vide Leal Henriques e Simas Santos, in Código de Processo Penal Anotado, t. II, p. 737, Ed. Rei dos Livros 2004.
No mesmo sentido, o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2000, págs. 339-340, ao referir que, para se verificar aquele fundamento de recurso, “é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada», pois que se verifica uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para aquela decisão.
No caso, o arguido não alegou quais eram os factos relevantes para a determinação da sanção que o tribunal não apurou, sendo certo que o mesmo foi julgado na sua ausência, já que, não obstante notificado, não logrou comparecer em audiência, perdendo, por isso, a oportunidade de se pronunciar sobre os factos e sobre a sua situação pessoal e económica.
Contudo, findas as diligências probatórias, foi ordenada, pelo tribunal recorrido, a junção aos autos de pesquisas junto das bases de dados disponíveis, não constando que o arguido auferisse qualquer remuneração, nem qualquer registo, junto da base de dados do Registo Automóvel, o que foi consignado, assim como se aferiram dos seus antecedentes criminais.
Assim sendo, não se vislumbra a existência de nenhuma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois os factos provados definem todos os elementos do tipo, por forma a subsumir a factualidade provada à previsão ínsita no art. 210º nº 1 do CP, ao mesmo tempo que permitem graduar o dolo, a ilicitude e a culpa, bem como todas as circunstâncias pertinentes para a determinação da medida da pena, termos em que não se verifica o invocado vício, nem qualquer violação ao princípio da descoberta da verdade material e da boa decisão da causa (art. 340º do CPP).
*
-Da medida da pena de multa aplicada:
Condenado pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º nº 1 do Decreto-lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, com referência aos arts. 121º, 122º e 123º do Código da Estrada, o arguido não contesta a prática do crime, ou a natureza da pena de multa que lhe foi aplicada, mas tão somente a medida da pena de multa, invocando que a mesma deveria ter sido mais perto do mínimo legal, concluindo que o tribunal a quo incorreu em incorrecta apreciação do 71.º, n.º 2, alínea d) do Código Penal.
Apreciando:
Nos presentes autos, foi o arguido condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, o qual é punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
A decisão recorrida aplicou ao arguido a pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à razão diária de 5,00€ (cinco euros), o que dá um total de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros).
No que concerne à medida concreta da pena a aplicar, como é sabido, a sua determinação faz-se em função da culpa do agente e entrando em linha de conta com as exigências de prevenção de futuros crimes.
Tal como refere Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português”, 1993, p. 227 e ss, a culpa é um referencial que o julgador nunca pode ultrapassar. Até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar a medida da pena, criando-se uma moldura de prevenção geral, cujo limite máximo é a protecção máxima pensada para os bens jurídicos da comunidade e cujo limite é aquele abaixo do qual já não há protecção suficiente dos bens jurídicos. Dentro desses limites intervêm, para a concretização, a prevenção geral e a ideia de ressocialização.
As exigências de prevenção geral dizem respeito à confiança da comunidade na ordem jurídica vigente que fica sempre abalada com o cometimento dos crimes e têm a ver com a protecção dos bens jurídicos, com o sentimento de segurança e a contenção da criminalidade, em resumo, visam a defesa da sociedade.
Por sua vez, as exigências de prevenção especial, que se prendem com a capacidade do arguido se deixarem influenciar pela pena que lhe é imposta, estão ligadas à reintegração do agente na sociedade.
Observados os autos, entendemos que não assiste qualquer razão ao arguido recorrente, quando pretende a redução da medida da pena de multa que lhe foi aplicada, pois a decisão recorrida aplicou os princípios e critérios de determinação da medida concreta da pena, com a devida ponderação das circunstâncias atendíveis referidas no art. 71º do Código Penal.
De facto, no caso, o tribunal considerou:
- que o arguido agiu com dolo directo, bem sabendo que não era titular de título de condução;
- o teor do certificado de registo criminal, valorando, a favor do arguido, o facto de se estar perante ilícito de natureza distinta;
- que o arguido não foi interveniente em acidente de viação e que se tratava de um ciclomotor.
- no que concerne às condições socioecónomicas, a inexistência de quaisquer bens ou rendimentos;
- não obstante notificado, o arguido não compareceu em audiência de julgamento, alheando-se do seu resultado.
Mais foi considerado que as exigências de prevenção geral não se afiguravam elevadas, nem as exigências de prevenção especial assumiam especial relevo.
Assim, observamos que foram ponderados todos os elementos legalmente previstos para a determinação concreta da pena, quer a nível de exigências de prevenção geral, quer de prevenção especial, considerando-se, por isso, adequada e justa, ao caso, a graduação da pena concreta de 50 dias de multa, fixada pelo tribunal da 1ª instância, ou seja, abaixo do ponto médio entre os limites abstratos, não havendo qualquer fundamento válido para a sua redução, quer no número de dias de multa, quer no quantitativo diário inferior, fixado no mínimo legal de 5,00 €, considerando a inexistência de bens ou rendimentos.
Face ao exposto, resulta evidente que nenhuma disposição legal foi preterida, ou violada com a sentença proferida, que o arguido ora põe em crise, considerando-se que a mesma ponderou de forma cuidada e rigorosa todos os elementos e factos constantes nos autos, procedendo a uma apreciação de todas as circunstâncias que militam a favor e contra o recorrente e determinando, em rigoroso e estrito cumprimento das normas legais e constantes dos artigos 40.º, 70.º, 71.º e 77º, todos do Código Penal, a medida concreta da pena a aplicar.
*
O recurso será, assim, face aos termos sobreditos, julgado improcedente.
*
- Decisão:
Em conformidade com o exposto acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Condena-se o recorrente em custas, fixando-se em 3 (três) UCS de taxa de justiça. *
(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)
Évora, aos 22 de Outubro de 2024
Os Juízes Desembargadores
Anabela Simões Cardoso
Moreira das Neves
Manuel Soares