CONDUTA ANTERIOR AO FACTO COMO FACTOR DE DETERMINAÇÃO DA PENA
INCUMPRIMENTO DE INJUNÇÕES
CONFISSÃO INTEGRAL E SEM RESERVAS
PENA DE MULTA
Sumário

Na determinação da medida concreta da pena, o factor de ponderação «conduta anterior ao facto» pode incluir, para além das condenações anteriores transitadas em julgado, o incumprimento de injunções fixadas numa decisão judicial de suspensão provisória do processo. Não se trata de desfavorecer o arguido por ter um processo pendente mas sim de valorar um comportamento processual do qual se podem retirar ilações sobre a sua personalidade.
Constando na acta da audiência de julgamento que o arguido confessou integralmente e sem reserva os factos da acusação e que, por isso, foi dispensada a prova apresentada pela acusação, não pode o tribunal, na sentença, ao determinar a pena concreta, expressar reservas sobre a espontaneidade dessa confissão.

Tendo o arguido confessado os factos integralmente e sem reservas, não se podendo colocar no mesmo plano de ponderação uma condenação anterior por crime de condução em estado de embriaguez e pendência de um processo crime por incumprimento das injunções fixadas para a suspensão provisória, não sendo equiparáveis as exigências de prevenção geral num crime de desobediência e noutro de condução em estado de embriaguez e não tendo sido ponderado na sentença que o arguido está socialmente inserido, justifica-se ainda a opção por pena de multa pelo crime de desobediência, pese embora exista uma condenação anterior por crime de condução em estado de embriaguez.

Texto Integral

1. Relatório
1.1 Decisão recorrida

Sentença proferida em 22mai2024, que condenou o arguido AA, por um crime de desobediência, previsto no artigo 348º nº 1 al. a) do CP, na pena de 4 meses de prisão, com execução suspensa por 1 ano, na condição de entregar a quantia de 300 euros a uma instituição aí identificada, nos primeiros 6 meses da suspensão, e na pena assessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses e 15 dias.

1.2 Recurso, resposta e parecer

1.2.1. O arguido recorre pedindo a revogação da sentença, com a substituição da pena de prisão por pena de multa.

Alegou, em resumo, o seguinte:

- A sentença não fez uma correcta aplicação do direito aos factos, violando os artigos 40º, 70º e 71º do CP, no que respeita à escolha e medida da pena, sendo a pena aplicada claramente excessiva;

- O tribunal não ponderou convenientemente todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo do crime deponham a favor do agente, desvalorizou a confissão integral e sem reservas e sobrevalorizou os contactos anteriores do arguido com o sistema judicial, tendo para tanto fundamentado a sua decisão na existência de um processo onde somente existe acusação;

- A determinação da pena a aplicar é feita em função da culpa e tendo em conta os fins das penas consignados no artigo 40º do CP, dos quais resulta que só a prevenção pode justificar a intervenção e reacção do sistema penal, afastando as finalidades retributivas e de expiação;

No caso, há que avaliar os bens jurídicos ameaçados, ou potencialmente ameaçados e tutelá-los na exacta medida em que isso é necessário;

- A aplicação de uma pena de multa ao arguido, cumpre, ainda, os critérios de prevenção geral e especial, aliás como foi pedido em alegações pelo Ministério Publico;

1.2.2. O Ministério Público respondeu para manifestar a sua concordância com o recurso, apontando, em síntese, as seguintes razões:

- A escolha da pena principal mostra-se desajustada ao caso concreto, porquanto condena exageradamente o arguido numa pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, sujeitas a condições;

- Seria suficiente a aplicação de uma pena de multa a título de pena principal;

- A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados que lhe foi fixada é adequada, pelo que o Tribunal a quo neste ponto não violou o disposto nos artigos 65º, 69º e 71º, todos do CP.

1.2.3. Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, concordando por isso com a sentença, apontando, para sustentar que as penas principal e acessória não merecem reparo, que o arguido foi condenado por crime praticado em 10set2023 e que os factos do presente processo foram praticados em 9mai2024, denotando tal curto lapso de tempo uma personalidade refratária ao cumprimento das normas estradais, nomeadamente aquelas relacionadas com o consumo de álcool e condução.

2. Questões a decidir no recurso

A controvérsia a que importa dar resposta no recurso refere-se apenas à determinação da espécie da pena principal – se deve ser de prisão ou multa.

3. Fundamentação

3.1 Factualidade provada na sentença

A sentença foi proferida oralmente e ficou registada em suporte digital, em conformidade com o disposto no artigo 389º-A do Código de Processo Penal (CPP), tendo o tribunal considerado provados os seguintes factos:

- No dia 9mai2024, pelas 2:58, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …, pela Avenida …, em …, quando foi fiscalizado por uma patrulha da Guarda Nacional Republicana;

- Os Militares da Guarda Nacional Republicana, em serviço de patrulhamento, solicitaram ao arguido que realizasse o teste de pesquisa de álcool no sangue por ar expirado ou por colheita de sangue, o que este recusou fazer, apesar de advertido que incorria em responsabilidade criminal;

- O arguido sabia que estava obrigado a realizar o referido teste e que o mesmo era solicitado por autoridade competente, não o tendo realizado por não querer;

- O arguido agiu sempre de forma livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;

Mais se provou:

- O arguido completou o 8º ano de escolaridade;

- Tem a profissão de serralheiro, encontra-se desempregado, mas efectua trabalhos esporádicos na sua especialidade, pelos quais aufere uma quantia entre 300 e 400 euros;

- Reside sozinho, em casa arrendada, cuja renda mensal é de 430 euros, sendo auxiliado no pagamento dessa renda, total ou parcialmente, por outra pessoa;

- Contraiu um empréstimo para a aquisição de uma mota eléctrica, pelo qual paga uma prestação mensal de 80 euros;

- Tem 3 filhos menores, pagando aos mesmos entre 100 e 200 euros;

- Confessou os factos de que vem acusado integralmente e sem reservas;

- Beneficiou de uma suspensão provisória num processo em que se encontra indiciado por um crime de condução em estado de embriaguez, tendo aí sido proferido despacho de acusação por incumprimento das injunções;

- Foi condenado por sentença transitada em julgado em 20set2023, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 7 euros, extinta em 24nov2023, e na pena acessória de 3 meses de proibição de condução de veículos motorizados, extinta em 9jan2024.

3.2 Análise do mérito do recurso

3.2.1. Está em causa a opção do tribunal por uma pena de prisão em detrimento da pena de multa e o acerto dos respectivos fundamentos.

Importa, assim, transcrever a motivação que consta na sentença proferida oralmente, na parte relevante para a apreciação do recurso (com ligeiras adaptações do discurso coloquial directo).

[Quanto à pena]:

Neste caso, o arguido tem um antecedente criminal pela prática de idêntico tipo de ilícito. A data da última extinção, da pena acessória de proibição de conduzir, é de 9/1/2024, e o arguido já beneficiou de uma suspensão provisória do processo, exactamente pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Confessou integralmente os factos e sem reservas, mas fê-lo não necessariamente de forma espontânea – quase foi o tribunal a tentar que o arguido, de alguma forma, ganhasse consciência daquilo que estava a dizer e que efectivamente não fazia qualquer sentido.

Portanto, o tribunal entende que face à data do trânsito e à data da extinção da pena, uma pena de multa não surtirá qualquer efeito, porque o arguido não chegou aqui e simplesmente confessou – “estou arrependido”; não, o arguido chegou aqui e: – “estava nervoso”, – “não consegui”. Isto não merece…; estamos na presença de um crime de desobediência às autoridades – “sopre aqui”; – “não quero; – “não quero saber; – “não me vão tirar a carta”. Não é assim! Portanto, o tribunal entende que uma pena de multa não se afigura suficiente para fazer face às exigências… – porque são várias as vezes que o tribunal julga estes crimes por dia, não só estes mas vários que têm a ver com a condução sob o efeito de álcool – e, portanto, uma pena de multa é insuficiente para fazer face às exigências de prevenção especial e geral. Portanto, o tribunal não aplica pena de multa; aplica uma pena de prisão.

Quanto à concreta medida da pena, tem-se em conta o grau de ilicitude do facto, que é considerável, pois o arguido desobedeceu a uma ordem dada por uma autoridade, não por uma razão válida, não porque não conseguiu fazer o teste, mas sim porque não quis, como acabou por admitir; a intensidade do dolo, também na sua forma mais grave, uma culpa que é elevada e as necessidades de prevenção geral – as pessoas qualquer dia já não têm qualquer interesse na validade das normas – e de prevenção especial, que também já se afiguram consideráveis, tendo em conta a condenação sofrida pelo arguido, que é recente. Efectivamente, na conduta anterior ao facto pesa a circunstância de já ter beneficiado de suspensão provisória do processo por estar indiciado pela prática do mesmo crime.

[depois de fixar a pena nos 4 meses de prisão, justificou a sua suspensão]:

Porque o arguido está desempregado, mas vai fazendo uns trabalhos esporádicos, tem residência própria, portanto, será de suspender…

3.2.1. O que acaba de se transcrever permite já, a título liminar, afastar duas objecções suscitadas no recurso e anotar um erro de avaliação na sentença.

Disse o arguido no recurso que o tribunal teve em conta factos não apurados no julgamento, nomeadamente que o arguido ingeriu bebidas alcoólicas e que foi por isso que não realizou o teste. Não é exacto. O tribunal fez efectivamente essa referência, não para fundamentar a decisão de condenar o arguido em pena de prisão nem para dar o facto como provado, mas apenas quando motivava a sua convicção e resumia as declarações do arguido. Do que ele disse depreende-se, com toda a clareza, que não soprou porque já tinha sido condenado antes por crime de condução em estado de embriaguez e porque tinha ingerido antes de conduzir bebidas alcoólicas, embora poucas e há muitas horas. Consequentemente, o tribunal deu essa nota ao motivar a decisão de dar como provada a recusa de submissão ao teste, mas não resulta da sentença que o tribunal tivesse considerado que o arguido estava a conduzir em estado de embriaguez e tivesse fundamentado a pena nesse facto.

Por outro lado, insurgiu-se o arguido contra a circunstância – que é verdadeira – de o tribunal recorrido ter dado como provado e ter ponderado como factor relevante para a determinação da pena a pendência de um onde está acusado depois de ter incumprido as injunções fixadas na decisão de suspensão provisória. Não é, porém, verdade, que tivesse valorado tal facto no mesmo plano dos antecedentes criminais, equiparando uma acusação a uma condenação. A leitura da sentença não consente essa conclusão.

O artigo 71º nº 1 al. e) do CP elenca como factor de determinação da pena «a conduta anterior ao facto». Aqui compreendem-se tanto os antecedentes criminais, isto é, as condenações anteriores transitadas em julgado, como quaisquer outros factos relevantes, podendo, sem qualquer dúvida, levar-se em conta a circunstância de o arguido ter incumprido antes injunções fixadas numa decisão judicial de suspensão provisória do processo. O que está em causa não é qualquer desfavorecimento do arguido por ter um processo pendente ou por se antecipar um juízo sobre a veracidade da imputação de cometimento do crime objecto desse processo, pois isso constituiria violação flagrante da presunção de inocência. Do que se trata é de valorar um comportamento processual, do qual se podem retirar ilações favoráveis ou desfavoráveis sobre a personalidade do arguido e a sua maior ou menor vinculação a comportamentos normativos. O que o tribunal considerou não foi o arguido ter praticado o crime do qual apenas está acusado, mas sim ter incumprido as injunções que tinha aceitado para beneficiar do arquivamento desse processo.

Trata-se de uma ponderação que a lei consente, como já foi afirmado por esta Relação, nomeadamente nos acórdãos TRE, de 29/3/16 (processo 499/15.0PAPMT.E1) e TRE, de 21/3/17 (processo 906/14.0TASTB.E1), ambos em www.jurisprudência.csm.org.pt).

Há, todavia, um ponto em que, independentemente da avaliação que se possa fazer do acerto da determinação da pena, merece já reparo.

Consta na acta de julgamento que o arguido confessou integralmente e sem reserva os factos da acusação e que por isso, depois do tribunal se certificar da conformidade dessa confissão, nos termos previstos no artigo 344º nº 1 do CPP, foi dispensada a prova apresentada pela acusação, como prevê o nº 2 do mesmo preceito.

Ora, se assim foi, não se percebem as reservas que o tribunal expressou na motivação em relação ao valor atenuante dessa confissão. O arguido ou confessou os factos, integralmente e sem reservas, nos termos em que a lei o prevê, e se assim foi tem de colher os respectivos benefícios; ou não confessou com esse alcance e então os factos não se podiam ter dado como provados nem a prova ter sido dispensada. Por isso, não tem sentido o tribunal considerar que houve uma confissão integral e sem reservas, processualmente operante, para depois, no momento da determinação da pena, desvalorizar essa confissão, dizendo que não foi espontânea e que quase teve de ser “extraída” pelo tribunal. Se houve uma confissão com as características previstas no artigo 344º nº 1, como o tribunal fez consignar em acta e resulta do facto de não ter suspeitado do seu carácter livre, então ela não pode deixar de ter os efeitos previstos nas normas aplicáveis, nomeadamente no artigo 344º nº 2 (como teve) e no artigo 72º nº 2 al. e) do CP (como índice de comportamento posterior ao facto) e até, se for caso disso, no artigo 73º do CP (como circunstância posterior ao facto, diminuidora da necessidade da pena ou reveladora de arrependimento).

Vejamos então a questão crucial do recurso: prisão ou multa?

O arguido foi condenado na pena de 4 meses de prisão, com execução suspensa.

No essencial, como resulta da transcrição feita acima, o tribunal considerou que uma pena de multa não atingiria os fins da pena porque (i) o arguido teve uma condenação anterior, (ii) incumpriu as injunções de uma suspensão provisória do processo, (iii) confessou os factos, mas sem espontaneidade e (iv) são elevadas as exigências de prevenção geral e especial.

Na Relação, o Ministério Público assinalou como factor negativo, que dá suporte à decisão recorrida, o pequeno lapso de tempo decorrido entre a condenação anterior e o crime deste processo, indiciador de uma personalidade pouco influenciável pelos valores das normas jurídicas.

O arguido contrapõe no recurso que o tribunal não deu o devido valor à confissão e que sobrevalorizou os antecedentes criminais e a pendência de um outro processo.

O artigo 70º do CP condiciona a opção por uma pena não privativa da liberdade à realização adequada e suficiente dos fins das penas. Esses fins são os previstos no artigo 40º do CP: finalidades de prevenção especial positiva (ressocialização e motivação para um modo de vida normativo), finalidades de prevenção especial negativa (garantia de abstenção de práticas criminosas futuras) e finalidades de prevenção geral positiva (protecção da confiança da comunidade na validade da norma jurídica proibitiva de comportamentos e na efectividade da sua força coerciva).

É de considerar que o tribunal não fez uma ponderação completa dos factores relevantes do caso.

Em primeiro lugar, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos e não se pode questionar o valor dessa confissão, pelas razões já apontadas. Esse comportamento processual indicia capacidade de autocensura e de adesão aos valores normativos. Numa situação em que o arguido admite de forma completa a prática do crime, a necessidade da pena diminui sensivelmente, na medida em que uma parte dos objectivos de ressocialização a que a mesma está vinculada se mostram alcançados.

Em segundo lugar, não se podem pôr no mesmo plano uma condenação anterior por crime de condução em estado de embriaguez e a pendência de um processo crime em que o arguido incumpriu as injunções fixadas para a suspensão provisória. A verificação e a determinação das consequências desse eventual crime de que o arguido se encontra acusado serão extraídas pelo tribunal que realizar esse julgamento. Aqui, a única coisa que releva é um comportamento processual de incumprimento de injunções.

Em terceiro lugar, sendo embora de considerar que as exigências de prevenção geral são importantes, estamos a tratar de um crime de desobediência e não de um crime de condução em estado de embriaguez. Não é, pois, processualmente lícito equiparar ao caso em apreço às necessidades de prevenção geral daquele crime, como se estivesse estabelecido que o arguido conduzia com uma TAS proibida também desta vez.

Por fim, no plano das exigências de prevenção especial, o tribunal não ponderou igualmente que o arguido está socialmente inserido, com um modo de vida dentro dos padrões normativos socialmente aceites. É certo que está desempregado e apenas efectua trabalhos esporádicos. Simplesmente, esse factor não pode ser aqui censurado, visto não se encontrar demonstrado que seja imputável ao arguido.

No caso em apreço estamos perante uma simples desobediência, cuja ilicitude se apresenta no plano da normalidade, sem factores de agravamento ou atenuação extraordinários. Na sentença considerou-se que a ilicitude do crime foi considerada elevada, visto ter-se tratado de uma desobediência a uma ordem legítima da autoridade policial. Sem razão, porém. A desobediência é precisamente o elemento típico central do crime. O artigo 71º nº 2 do CP não admite que seja considerada autonomamente como elemento de agravamento da responsabilidade.

É essencial que a reacção penal à prática de um crime não seja tida socialmente como desvalorizadora da sua gravidade. Mas ela também não pode ser excessiva, indo para além do que as exigências de ressocialização justificam.

Portanto, a questão que nos ocupa é a de saber se uma pena de multa atinge de forma inaceitável o limite mínimo de prevenção geral que deve estar presente na punição. Isto é se, tendo em conta a gravidade do crime, cuja medida nos é dada essencialmente por uma pena abstracta relativamente baixa em relação à generalidade dos crimes, é mesmo necessário aplicar a pena de prisão para que se efectue de forma suficiente e adequada a afirmação da validade social da norma violada.

É de considerar que não.

A valorização do prognóstico positivo no plano da prevenção especial, dada pela inserção social do arguido e pela confissão integral e sem reserva dos factos, tem de ser ponderada como índice favorável ao atingimento das finalidades da pena. Não pode chegar-se a um ponto em que os princípios da necessidade e proporcionalidade são afastados com uma condenação em pena de prisão de alguém que não oferece razões de especial cuidado no plano da prevenção especial.

Por outro lado, é excessivo justificar uma condenação em pena de prisão apenas por razões de prevenção geral, num crime que, apesar da sua inegável gravidade, não merece por opção legislativa uma protecção assim tão intensa, sobretudo se, como é o caso, for ainda possível fazer um prognóstico positivo sobre as exigências de prevenção especial.

A maior censurabilidade do facto, correctamente assinalada no parecer da Ministério Público, decorrente da condenação anterior, bastante próxima no tempo, deverá ser ponderada na determinação da medida da pena de multa.

Por isso, no que respeita à determinação da espécie da pena, procedem os argumentos do recurso.

Tem assim de fixar-se ao arguido uma pena de multa, a graduar entre 10 e 120 dias.

O artigo 40º nº 2 do CP estabelece que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Esta regra de que a culpa é o limite máximo da pena, é inerente aos princípios da necessidade e proporcionalidade da pena, próprios do Estado de direito.

Sendo assim, a primeira operação da determinação da pena deve ser a graduação qualitativa da culpa, isto é, do desvalor jurídico da actuação voluntária contrária ao direito, materializada numa acção violadora da lei penal.

Dos factos decorre que a actuação de recusa do arguido foi intencional e que actuou com dolo directo e com a normal liberdade de determinação e actuação e consciência da ilicitude. Por outro lado, é também de atender à condenação anterior, num crime diferente mas ainda assim relacionado com a circulação rodoviária. Esta circunstância eleva a culpa para um patamar considerável, pois é mais censurável a violação da norma por quem já tinha sido anteriormente advertido da necessidade de respeitar os valores penalmente protegidos com uma condenação.

O grau de ilicitude da acção é médio, pois trata-se de um comportamento típico padrão para o crime em causa.

É certo que no plano da prevenção especial, com inserção social, o arguido apresenta um prognóstico positivo, pese embora a condenação anterior. Isso leva a admitir como provável que a punição produza a necessária motivação para comportamentos normativos no futuro.

Contudo, uma pena que não seja suficientemente grave não poderá satisfazer de forma suficiente as exigências de prevenção, precisamente por causa da condenação anterior, cuja pena tinha sido extinta pouco tempo antes da prática do novo crime.

Tendo em conta todos os factores referidos, consideramos ajustado condenar o arguido na pena de 90 dias de multa.

Considerando a precária situação laboral do arguido, o facto de ter família a cargo e despesas fixas relevantes, fixamos a taxa diária da multa em 6 euros.

Quanto à pena acessória, não vindo questionada no recurso, é de manter.

4. Decisão

Pelo exposto, acordamos em conceder provimento ao recurso e em modificar a sentença recorrida, com a condenação do arguido na pena de noventa dias de multa, à taxa diária de seis euros, mantendo-se a pena acessória fixada em primeira instância.

Sem custas.

Évora, 22out2024

Manuel Soares

Carla Oliveira

Laura Maurício