REABERTURA DA AUDIÊNCIA PARA DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
NULIDADE POR OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS ESSENCIAIS PARA A DECOBERTA DA VERDADE
Sumário

Tendo-se iniciado a audiência de julgamento sem a presença do arguido, o mesmo é admitido a prestar declarações em sessão posterior se o requerimento a que se refere o artigo 333º nº 3 do CPP for apresentado pelo seu defensor até ao encerramento da audiência. Esta regra está estabelecida por razões de disciplina e
utilidade dos actos e da celeridade do processo, visto que a designação de nova data para aquelas declarações importará, por um lado, a necessidade de notificar o arguido para comparecer e, por outro, a repetição da fase de alegações orais e das últimas declarações.
Porém, encontrando-se o arguido presente na segunda data do julgamento, agendada para a leitura da sentença, depois de encerrada a audiência, só aí requerendo o seu defensor que o mesmo seja ouvido sobre os factos da acusação, não havendo fundada razão para considerar o requerimento impertinente ou dilatório, a interpretação do artigo 333º nº 3 do CPP, feita de forma conjugada com os princípios do direito ao contraditório e do direito ao processo equitativo, impõe que o tribunal defira esse requerimento e reabra a audiência para o efeito.
O indeferimento de tal requerimento do arguido viola o princípio do contraditório e reflecte-se em prejuízo da finalidade primeira do julgamento, que é a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, resultando na nulidade prevista no artigo 120º nº 1 al. d) do CPP, na medida em se traduz na omissão de diligências posteriores à fase de instrução que o tribunal devia ter reputado como essenciais para a descoberta da verdade.

Texto Integral

Acórdão deliberado em Conferência
1. Relatório

1.1. Decisão recorrida

Sentença proferida em 19dez2023, pela qual os arguidos AA e BB foram condenados por um crime de furto qualificado, previsto nos artigos 202º al. a), 203º nº 1 e 204º nº 1 als. a) e f) do CP, cada um deles na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

1.2. Recurso, resposta e parecer

1.2.1. O arguido AA recorreu da sentença, pedindo que seja “declarada nula e revogada, ouvido o arguido e julgado segundo o cumprimento e respeito pelas garantias que orientam o Processo Penal”.

Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:

- O tribunal não permitiu a audição do arguido presente na segunda data, indeferindo o requerimento do seu defensor, que pediu que o mesmo fosse admitido a prestar declarações sobre os factos imputados na acusação e sobre as suas conduções sociais e económicas;

- Foram preteridos os seus direitos de defesa, previstos nos artigos 61º nº 1, 312º nº 2 e 333º nº 3 do CPP, sendo, por isso, a decisão nula, vício que o defensor invocou na própria audiência e foi logo indeferido;

- O tribunal não aplicou o regime penal especial para jovens nem suspendeu a execução da pena de prisão, com base em argumentos que representam erro notório, grosseiro e inultrapassável;

- Deveria ter considerado que desde a data da sua primeira condenação não mais incorreu em comportamentos penalmente puníveis, pois todas as condutas se reportam a factos anteriores, evidenciando-se que acolheu e consciencializou o desvalor da sua acção e interiorizou as finalidades das penas;

- Está socialmente inserido e a realizar tratamento para a sua toxicodependência;

- Não é possível imputar-lhe a autoria do crime por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada: não há ligação entre seus os vestígios lofoscópicos e os factos da acusação, não foram localizados esses vestígios no automóvel, os seus vestígios de ADN, localizados na camisola que se encontrava no carro, que era sua, são irrelevantes, pois desconhece-se como a mesma lá foi parar.

1.2.2. O Ministério Público respondeu ao recurso, defendendo que o mesmo não tem fundamento e alegando, em suma, os seguintes argumentos:

- O despacho de indeferimento do requerimento do arguido para prestar declarações não violou quaisquer direitos de defesa, pois nos termos do artigo 333º nº 3 do CPP tinha de ter sido apresentado antes do encerramento da audiência;

- A possibilidade de reabertura da audiência prevista no artigo 371º do CPP não tinha aplicação no caso em apreço;

- No que respeita à determinação da pena, o tribunal teve devidamente em conta as condições pessoais do arguido que constam no relatório social da DGRSP e decidiu bem ao não aplicar o regime especial para jovens delinquentes e ao não suspender a execução da pena de prisão;

- No respeitante ao julgamento dos factos provados, não houve qualquer erro na avaliação das provas e o arguido omite que foram apreendidos na sua residência bens provenientes do furto em questão.

1.2.3. Na Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, aderindo aos fundamentos da resposta acima resumida, que refutam correctamente a motivação apresentada pelo recorrente.

2. Questões a decidir

Por ordem de precedência lógica, as questões a decidir, na medida em que as subsequentes não fiquem prejudicadas, são as seguintes:

- O tribunal recorrido incorreu em nulidade processual ao não admitir que o arguido prestasse declarações?

- Na afirmativa, com que consequências?

- Não sendo de anular qualquer processado, há erro de julgamento da matéria de facto?

- E há erro na determinação da espécie e medida da pena?

3. Fundamentação

3.1. Matéria de facto e motivação da sentença recorrida

Factos Provados:

1. Entre as 10h00 do dia 31 de Maio de 2020 e às 11h30m do dia 8 de Junho de 2020, os arguidos, em obediência ao plano previamente elaborado e em conjugação de esforços, deslocaram-se à habitação que se situa na Estrada …- …, …, …, com o intuito dali retirarem e levarem objetos e valores que nela viessem a encontrar.

2. Ali chegados, os arguidos introduziram-se na supramencionada habitação, propriedade de CC, de modo que não se logrou apurar.

3. Ato contínuo, remexeram todas as divisões da habitação e retiraram, da cozinha, umas chaves do veículo ligeiro de passageiros, marca …, modelo …, de matrícula …, com valor atribuído de 9.000,00€, propriedade de DD, o qual estava guardado na garagem anexa à habitação, com o portão fechado.

4. E apoderaram-se, ainda, dos seguintes objetos:

- Motosserra cor de laranja de marca …, com valor atribuído de 400,00€;

- Jarrican contendo 20 litros de gasóleo, com valor atribuído de 120,00€;

- Uma electroserra de cabo extensível, com valor atribuído de 250,00€;

- Máquina de soldar com eléctrodos, 160,00€;

- Chaves mecânicas;

- Uma trotinete eléctrica de cor vermelha, com a inscrição “…”;

- Uma minibicicleta elétrica preta com autocolantes de cor amarela nas laterais com baterias colocadas;

- Uma bicicleta cor cinzenta, articulada elétrica

(trotinete, minibicicleta e bicicleta – com valor global atribuído de 400,00€)

- Uma garrafa de whisky;

- Uma garrafa de vinho do porto de marca “…”, tudo propriedade de CC

5. Que carregaram para o automóvel de matrícula …, que se encontrava ali estacionado na garagem,

6. De seguida, na posse de todos aqueles bens, ao volante do referido veículo, os arguidos abandonaram aquele local,

7. Com o que fizeram seus aqueles objetos e veículo,

8. Os arguidos tinham conhecimento de que o local onde entraram era uma casa de habitação, cujo acesso nas condições descritas lhe era vedado.

9. Sabiam igualmente que os referidos objetos e veículo automóvel de que se apoderaram e levaram não lhes pertenciam, que tinham valor superior a €10 000,00 e, mesmo assim quiseram fazê-los seus, o que conseguiram, apesar de saberem que agiam contra a vontade dos referidos donos: CC e DD.

10. Os arguidos sabiam que não estavam, ainda, autorizados a circular no referido veículo,

11. Os arguidos atuaram sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei penal.

Das condições pessoais, familiares, sociais e económicas

Do arguido BB

12. Vive com a companheira EE. sendo que a dinâmica familiar é afetiva e de entreajuda entre as partes;

13. A companheira exerce sobre o arguido uma intervenção positiva e de ascendência, na normalização de comportamentos.

14. reside num quarto alugado com a sua companheira, numa habitação de tipologia 2, com serventia de cozinha e wc e um outro habitante, emigrante estrangeiro, reside no outro quarto, sendo que não se têm verificado problemas de relacionamento entre os residentes da habitação.

15. Trata-se de um imóvel inserida em meio rural, conseguida pelo patrão do arguido, o qual estabelece com BB uma relação de ascendência, de supervisão, com tendencial paternalismo.

16. Tem o 7º ano de escolaridade.

17. Em termos profissionais, num passado recente, regista curtas experiências de trabalho em áreas diversificadas e com funções indiferenciadas.

18. Atualmente e desde há cerca de 2 anos, está a trabalhar como servente da construção civil, por conta da empresa …, sita em …, onde é caracterizado pelos hábitos de trabalho e sentido de responsabilidade no âmbito das funções laborais.

19. Esta colocação laboral tem sofrido algumas interrupções, uma das quais por cumprimento de prisão subsidiaria à ordem do processo nº 871/19.7…, sendo que, e apesar disso, regressou à mesma entidade patronal, devido às suas características relacionadas com os hábitos de trabalho.

20. A companheira atualmente encontra-se desempregada, estando em procura ativa de trabalho.

21. A sustentabilidade económica do arguido alicerça-se unicamente nos proventos auferidos da sua atividade laboral no valor médio de 900,00€/mês.

22. Com esta verba assegura as despesas fixas mensais, num valor total de 655,00€, que englobam 260,00€ de renda de casa, 300,00€ de despesas de alimentação, 60,00€ de água, luz e 35,00€ de gás, pelo que a situação económica do arguido é percecionada por este e pela companheira, de deficitária.

23. O arguido assume problemas no passado, relacionados com os consumos de substâncias proibidas, referindo-se abstinente na atualidade, considerando não ser necessária a sua avaliação e eventual acompanhamento em consulta da especialidade.

24. Socialmente, na morada onde atualmente reside, não são conhecidos os seus problemas com a justiça, que já determinaram o cumprimento de várias medidas de execução na comunidade e cumprimento de pena de prisão, pelo que não existem, por ora, situações de registo de alarme social, relativamente à sua presença no meio comunitário.

25. Socialmente, o presente processo judicial não é conhecido pela maioria da população, pelo que não existem registos de qualquer impacto.

Do arguido AA

26. Reside na morada junto do pai e da avó paterna, com quem tem relacionamento com vínculo afetivo.

27. Concluiu o 6º ano de escolaridade, em ., devido a alegados problemas relacionados com negligência materna, mau comportamento e impulsividade do arguido, os quais motivaram a sua entrega aos cuidados do pai e da avó materna, onde permanece atualmente.

28. O arguido teve uma experiência laboral em serralharia, na localidade de … e entre outubro e dezembro de 2022, realizou trabalho sazonal em … na apanha da fruta.

29. Atualmente está desempregado e dependente economicamente do pai e da avó paterna.

30. FF, avó do arguido, reformada da …, com um valor de 1.000,00€/mês e o pai do arguido, …, com um salário de 2.100,00€/mês, asseguram com o somatório destas verbas, a subsistência do agregado familiar, de forma estável.

31. AA apresenta problemas de saúde desde a infância, tendo sido acompanhado na consulta de ….

32. Atualmente, é acompanhado periodicamente na consulta de …, no Hospital de …, com impacto/efeitos positivos na estabilização emocional e alteração comportamental do arguido.

33. O arguido assume consumos de haxixe, iniciados aos 16 anos de idade, por curiosidade e em contexto grupal, no grupo de pares com indivíduos com as mesmas características, adição que ainda não se encontra debelada na totalidade, pela qual, beneficia do acompanhamento especializado por parte do Centro de Respostas Integradas – CRI de ….

34. É caracterizado localmente como uma pessoa facilmente influenciável por terceiros, quer para comportamentos censuráveis, quer para comportamentos positivos.

35. O arguido, ultimamente, tem privilegiado as suas relações com a família, afastando-se das relações tóxicas que anteriormente privilegiava.

36. O tempo livre do arguido é ocupado, segundo o próprio, prioritariamente, em casa junto da avó e o pai.

37. O arguido, apesar de se encontrar desempregado, apresenta um projeto de vida elaborado, que passa em primeiro lugar por tirar a carta de condução, que se reveste de elementar importância para posterior colocação laboral, pois reside em zona rural muito isolada e sem acesso a transportes para se deslocar para o trabalho.

38. Já efetuou várias tentativas para a obtenção do título de condução, mas sem êxito, pelo que se encontra inscrito na escola de condução …, sita à Avenida …, …, sendo que, vai iniciar as aulas de forma intensiva em …/11/2023.

39. Dos contactos com a GNR de … apurámos que não existem novos registos relativamente ao eventual cometimento de novos ilícitos criminais.

Dos antecedentes criminais

Do arguido BB

40. Por sentença de 12.09.2018 e transitada em 12.10.2018, o arguido foi condenando, por factos reportados a 08.09.2018, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 35 de multa, à taxa diária de 5,50 euros.

41. Por sentença de 11.10.2018 e transitada em 24.05.2019, o arguido foi condenado, por factos reportados 11.09.2016, pela prática de um crime de furto qualificado na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, à taxa diária de 5,00, a qual foi declarada extinta, por cumprimento.

42. Por sentença de 19.12.2018 e transitada em 14.01.2019, o arguido foi condenado, por factos reportados a 25.09.2016, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de furto de uso de veículo na pena única de 150 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros, a qual foi substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade, tendo cumprido apenas 68 horas e convertida em 82 dias de pena de multa, cumprida parcialmente, sendo paga o remanescente da pena de multa e declarada extinta por cumprimento.

43. Por sentença de 02.10.2019 e transitada em 21.11.2019, o arguido foi condenado, por factos reportados a 17.09.2019, pela prática de um crime de detenção de arma proibida na pena de 200 dias multa à taxa diária de 6,00 euros, a qual foi convertida em 126 dias de prisão subsidiária, por falta de pagamento, a qual foi perdoada nos termos do artigo 2.º, n.º 1 e 3.º, nº 1 e 2, alínea b) da lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto.

44. Por sentença de 20.04.2021 e transitada em 28.05.2021, o arguido foi condenado, por factos reportados a 14.05.2020, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por um ano, sujeita a regime de prova.

Do arguido AA

45. Por sentença de 19.03.2021 e transitada em 21.04.2021, o arguido foi condenado, por factos reportados a 25.12.2019, pela prática de um crime de furto, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5,50 euros, a qual foi substituída por 80 horas de trabalho a favor da comunidade e declarada extinta por cumprimento.

46. Por sentença de 17.06.2021 e transitada em 02.09.2021, o arguido foi condenando, por factos reportados a 21.09.2021, pela prática de um crime de consumo de produtos estupefacientes, na pena de 30 dias de multa, à taxa diária de 6,00 euros, a qual foi declarada extinta por cumprimento.

47. Por sentença de 09.12.2021 e transitada em 28.11.2022, o arguido foi condenado, por factos reportados a 14.12.2019, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.

Factos Não provados

Não se provaram os seguintes factos relevantes para a descoberta da verdade material:

a) Na situação referida em 1., que os arguidos ali se deslocaram com recurso a um automóvel de matrícula não concretamente apurada;

b) Na situação referida em 2., os arguidos estacionaram o referido automóvel.

c) Na situação referida em 5., que colocaram os objetos no interior do veículo referido em a).

Motivação da decisão de facto

O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento globalmente considerada, atendendo nos dados objetivos fornecidos pelos documentos juntos aos autos e fazendo uma análise das declarações das testemunhas prestadas.

Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos meios de prova, destacando-se:

A prova pericial, sendo que “o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” (artigo 163º, nº 1 do Código de Processo Penal)

- Relatório de exame pericial de lofoscopia nº …, de fls. 182 a 187 conjugado com o relatório técnico de inspeção judiciária de fls. 173 a 174 e relatório fotográfico de fls. 175 a 176 (respeitante à recolha de vestígios lofoscópicos retirados do espelho retrovisor existente no interior do veículo da marca …, matrícula …), o qual permitiu dar como provado que as impressões digitais recolhidas naquele espelho pertenciam ao arguido BB. Pelo que se concluiu que o arguido, juntamente, com o arguido AA (nos moldes que infra se expenderão quando se analisar a perícia ao ADN), entraram na garagem da pertença do ofendido e dali retiram o carro. De facto, tendo resultado desta perícia que as impressões digitais pertenciam a ambos polegares do arguido BB e da forma como as mesmas estão ali colocadas (o que se extrai também do relatório fotográfico), conclui-se que o arguido sentou-se no banco dianteiro esquerdo do veículo e ajustou o espelho retrovisor às suas caraterísticas físicas, de modo a conduzi-lo. O que efetivamente sucedeu, porque o carro foi retirado da garagem da propriedade do ofendido, a qual tinha o portão fechado. Assim, conjugado com o auto de busca à casa do arguido BB e respetivo auto de apreensão deu-se como provado os factos 1 a 5, quanto à participação deste nos factos praticados, como melhor se explanará.

- Relatório de exame pericial ao ADN de fls. 336 a 337 (o qual conclui que os vestígios biológicos pertencem a uma pessoa do sexo masculino) conjugado com o relatório de exame pericial biológico nº …, de fls. 610 a 611 verso (o qual identifica que os vestígios recolhidos pertencem ao AA), conjugado com o auto de apreensão de fls. 114 a 115 da camisola com capuz encontrada no porta bagagens do veiculo da marca …, matricula …, bem como com o relatório técnico de inspeção judiciária de fls. 99 a 106 (respeitante à recolha de vestígios biológicos – transpiração - existente naquela peça de vestuário, melhor identificada no auto de apreensão de fls. 67 e concretizada visualmente no relatório fotográfico de fls. 69 a 72, nomeadamente nas fotografias de fls. 6 a 10) - permitiu dar como provado que os vestígios biológicos (transpiração) recolhidos naquela camisola pertenciam ao arguido AA.

Pelo que se concluiu que o arguido AA também esteve no interior do veículo, juntamente com o arguido BB, tendo os mesmos, conjuntamente, entrado na garagem e de seguida no veículo, o qual estava guardado na garagem da propriedade do ofendido, encerrado com um portão.

Pelo exposto e conjugado com o auto de apreensão à casa do arguido AA, onde foram apreendidos bens da pertença do ofendido, deu-se como provado os factos 1 a 5.

Todos estes vestígios (lofoscópicos e biológicos) recolhidos foram determinados por despachos judiciais de fls. 472 e ss e de fls. 534, uma vez que os arguidos não consentiram a recolha previamente.

Em face da determinação judicial, foi realizado o relatório de diligência criminalística de fls. 589 a 591, onde consta os autos de colheita de amostras e identificação dos arguidos, pelo que não existem quaisquer margens para dúvidas que os vestígios recolhidos no espelho retrovisor do veículo e da camisola guardada no porta bagagens do veiculo … pertencem aos arguidos.

E não tendo sido feita qualquer prova que terceiros tivessem entrado na garagem onde o veículo estava guardado e dali o tivessem retirado, conclui o Tribunal que foram os arguidos os agentes praticantes dos factos (factos 1 a 7).

A prova documental, cujo teor não foi impugnado, nomeadamente:

- Auto de notícia de fls. 110 a 112, o qual permitiu dar como provado o dia, hora e local dos acontecimentos referidos em 1, pelo que a acusação padece de lapso de escrita quanto ao ano.

- Aditamento ao auto de notícia de fls. 6 a 9 conjugado com o relatório fotográfico de fls. 14, o qual permitiu dar como prova do dia, hora e local do veículo da marca …, matrícula … onde mesmo foi encontrado.

Todos os autos de notícia permitiram, igualmente, apurar a identificação dos respetivos proprietários dos bens móveis objetos das ações dos arguidos.

- Auto de apreensão de fls. 114 a 115 respeitante ao veículo da marca … de matricula … conjugado com o auto de apreensão de vestuário no porta bagagens deste veículo de fls. 116 a 117, nomeadamente, onde se encontrava a camisola com capuz, da qual foram retirados os vestígios biológicos e supra aludidos em sede de análise da perícia em causa, permitiu concluir que foram os arguidos os agentes praticantes dos factos 1 a 7.

- Formulário de registo de recolha de vestígios de fls. 105 a 106, o qual permitiu apurar o local onde a camisola com capuz (da qual foram retirados os vestígios biológicos) se encontrava.

- Relatório de inspeção tática ocular de fls. 24 a 29 conjugado com o relatório fotográfico de fls. 30 a 62, o qual permitir dar como provado a data dos acontecimentos, estado em que se encontrava a casa de habitação e as respetivas dependências, permitindo concluir que existe uma ligação entre a habitação e a garagem onde se encontrava guardado o veiculo da marca …. Estes relatórios conjugados com as declarações do ofendido, permitiram dar como provado o facto 3.

- Mensagem de correio eletrónico de fls. 214 elaborada pelo ofendido, no qual consta a identificação dos bens retirados do seu imóvel e o respetivo valor, o que conjugadamente com as suas declarações prestadas em sede de audiência de julgamento, permitiu dar como provado o facto 4. Quanto aos valores ali ínsitos, tendo os mesmos sido adquiridos pelo arguido, o Tribunal, em conjugação com as regras da experiência comum, deu-os como verosímeis.

- Certidão Judicial respeitante ao processo de inquérito nº 141/19.0…, no âmbito do qual foram realizadas buscas, as quais estão devidamente autorizadas pelos proprietários das residências onde os arguidos residiam (fls. 379 e 397) e ainda a autorização dos próprios buscados, aqui arguidos (fls. 379 e 397).

Desta certidão encontra-se o auto de busca de fls. 380 a 382 e o relatório fotográfico de fls. 383 a 396 (fotografia 8), os quais permitiram dar como provado que o arguido AA tinha na sua posse a trotinete da marca …, da propriedade do ofendido. É vero que tal trotinete foi encontrada na garagem anexa à habitação, sucede que não se fez prova que tenha sido o pai ou avó deste arguido a entrar no imóvel do ofendido e retirar tal objeto. Pelo que, igualmente não se tendo feita qualquer prova que tenham sido terceiros a entrar no local onde tal objeto estava guardado, conclui-se que foi o arguido AA, juntamente como o arguido BB a entrar no imóvel onde tal trotinete estava guardada, dali retirando-a e fazendo-a deles. Pelo exposto deu-se como provado os factos 1 a 7.

Igualmente ali se encontra o auto de busca e apreensão de fls. 398 a 399 conjugado com o relatório fotográfico de fls. 400 a 401 (fotografias 2 e 3), os quais permitiram dar como provado que o arguido BB tinha na sua posse a mini bicicleta elétrica e a mini bicicleta desdobrável, da propriedade do ofendido. Sendo que certo que tais objetos foram encontrados, um no hall de acesso à cozinha e o outro no pátio da residência, a verdade é que não se fez qualquer prova no sentido que foram os pais do arguido a entrar no imóvel do ofendido e tendo sido recolhidos vestígios lofoscópicos no interior do veiculo da marca … da pertença do arguido (para cuja fundamentação se remete), o qual estava guardado no interior do imóvel da pertença do ofendido e onde, igualmente, estavam guardados estes objetos, conclui-se, sem margem para dúvidas, que este arguido entrou no imóvel do ofendido e dali os retirou, conjuntamente com o arguido AA, fazendo-os seus.

Da conjugação destes autos de buscas e apreensão, não se tendo feito qualquer prova da existência de terceiros que tivessem acedido ao imóvel do ofendido, consegue-se estabelecer o nexo de causalidade entre quem entrou no imóvel e dali retirou os objetos. Ou seja, desta prova documental conjugada com a prova pericial, conclui o Tribunal que os arguidos acederam ao interior do imóvel do ofendido, entrando nas dependências quer da casa da habitação quer dos anexos a esta adjacentes, dali retiram as chaves do veículo da marca …, colocaram na ignição, pondo o mesmo a trabalhar, retirando-o do local. Igualmente retiraram do imóvel os demais objetos constantes da acusação, fazendo-os seus. A circunstância dos arguidos terem na sua posse estes pequenos objetos e não se tendo feito qualquer prova, repita-se que foram terceiros a agir de acordo com o constante no libelo acusatório, conclui-se que foram os arguidos os agentes praticantes dos factos. Pelo exposto deu-se como provado os factos 1 a 7.

- Certificados de Registo Criminal sob as refª … de 05.12.2023 e … de 05.12.2023, relativamente aos antecedentes criminais dos arguidos, que permitiu dar como provados os factos 40 a 47.

- Dos relatórios sociais sob as refªs … (10.11.2023) e … (10.11.2023), os quais permitiram apurar as condições económicas, familiares e sociais de todos arguidos, porque elaborado de forma objetiva, resultante de contacto direto entre os técnicos autores dos mesmos e os próprios arguidos, contacto com a família e outra entidades locais, que dessa forma permitiram apurar os factos 12 a 39.

O arguido AA não compareceu à audiência de julgamento.

O arguido BB, optando por falar, referiu que não se lembra se foi à casa do ofendido, pois nem sabe onde se localiza …. Não obstante, o arguido reportou que, entre 2019 e 2020, andava acompanhado do arguido AA, tendo ambos efetuado vários assaltos a residências, num dos quais foram apanhados em flagrante delito, data a partir do qual se separaram e deixaram de contactar. Consultado o processo nº 9/20.8…, constata-se que os factos ali indiciados ocorreram em 21.06.2020. Pelo que se conclui que os arguidos ainda contactavam entre si quando os factos ocorreram nestes autos.

Ora, perante estas declarações, e estando o arguido AA ausente, apesar de regularmente notificado, cumpre apreciar se estas declarações podem ser valoradas atento o disposto no art 345º, nº 4 do C.P.P. Segundo este preceito legal: “Não podem valer como meio de prova as declarações de um coarguido em prejuízo de outro coarguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.os 1 e 2.”

Nos presentes autos, o arguido AA não se remeteu ao silêncio, mas esteve ausente na audiência de julgamento. Salvo devido respeito por melhor entendimento, tal ausência não afeta o direito ao contraditório – que, na fase de julgamento, onde pontifica a oralidade e imediação, pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso se mostre adequado –, pois estando presente o defensor do arguido o mesmo pode e deve exercer o contraditório sobre os meios de prova produzidos (arts. 63.º e 345.º do CPP). Ora, não tendo o defensor efetuado questões no exercício do contraditório, valorou-se nesta parte as declarações do arguido BB, sendo certo que as mesmas nem sequer incriminam o arguido AA, quanto aos factos constantes na acusação, dado o arguido ter declarado não se lembrar de toda a factualidade que impendia sobre si. Destas suas declarações, conseguiu perceber que ambos arguidos entre 2019 e 21.06.2020, andavam juntos a assaltar casas.

Igualmente reportou o arguido que nunca andou no veículo … identificado nos autos, pois foi apanhado foi num …, referindo que nem sabe conduzir. E quando confrontado com a existência das suas impressões digitais no espelho retrovisor do … retirado da casa do ofendido, o mesmo aventou que tal poderia ter sucedido ter “arranjado um comprador para o carro roubado”.

Efetivamente, as suas declarações assentaram numa construção de justificações no sentido de se eximir à responsabilidade criminal pelos factos que lhes vinham imputados e todas desprovidas de credibilidade, quando analisadas criticamente. Deste modo, as suas declarações estão em contradição com a demais prova produzida, nomeadamente a prova pericial, os autos de apreensão das bicicletas e ainda do teor do CRC que refere que o arguido já foi condenado, por duas vezes, pela prática de o crime de condução sem habilitação legal, mostrando-se, pois, a sua versão incoerente e inverosímil, pelo que o Tribunal não as considerou a não ser para ilustrar a atitude interna do arguido resultando, claramente, a falta de interiorização da ilicitude dos factos que praticou, demonstrando indiferença perante os mesmos e as suas consequências, sendo que tais declarações contendem ainda com declarações do ofendido o que bem ilustra o caráter falso das declarações deste arguido. Assim, a postura assumida pelo arguido permitiu aquilatar que este tem uma personalidade desfasada dos ditames do direito e uma total ausência de capacidade de autocritica dos factos praticados.

É entendimento do aqui julgador que a prova pericial e os autos de apreensão colocam ambos arguidos no interior da garagem e da habitação do ofendido, porquanto este declarou que tinha deixado o … de matrícula …, fechado e no interior da garagem, cujas chaves deixou em cima de um móvel no interior da habitação. Pelo exposto, não se acreditou na versão do arguido, a qual foi frontal e inexoravelmente colocada em crise, quer pela prova pericial e documental (nos moldes já expostos), quer pela prova testemunhal, como infra melhor se explicitará.

Na prova testemunhal

- A testemunha GG, militar da GNR, apenas apreendeu o veículo …, pelo que em nada contribuiu para a descoberta da verdade, pois no ato de apreensão os arguidos não estavam presentes.

- A testemunha HH, militar da GNR, apenas elaborou o relatório de fls. 275 a 304, apenas efetuando uma análise da prova recolhida nos autos, sendo certo que não participou em qualquer diligencia de recolha de prova. Pelo que o seu depoimento também não teve qualquer utilidade na prova dos factos.

- A testemunha II, militar da GNR, em nada contribuiu para a descoberta da verdade, pois apenas esteve presente no ato de constituição de arguido do suspeito AA

- A testemunha e ofendido CC, dono da casa onde os factos se passaram relatou de forma objetiva, imparcial e sincera, que não se lembrava da data exata dos factos (mas que tudo se passou muito próximo das festas de Santo António). Aquela casa trata-se de herança dos seus pais, pelo que ali se desloca apenas de 15 em 15 dias. Nessa medida, duas semanas antes de chamar a polícia, deixou a viatura … (a qual está em nome da sua mulher) fechado na garagem, tendo deixado as chaves numa mesa da cozinha (a qual era facilmente identificável por ter o símbolo da marca).

Quando regressou, deparou com o portão da garagem aberto, o … não estava onde o tinha deixado. O ofendido ainda identificou alguns bens que foram retirados da sua casa, referindo o respetivo valor, por os ter adquirido, sendo que a não identificação completa dos bens subtraídos não permitiu concluir que tais bens não haviam sido retirados, apenas tal sucedeu por os factos terem ocorrido há mais de três anos, pelo que o seu depoimento foi valorado conjugadamente com a mensagem de correio eletrónico de fls. 214 (pois foi elaborado pouco tempo depois dos factos sucederem, estando a memória mais fresca neste aspeto). Mais referiu que não visualizou quaisquer sinais de arrombamento ou quebra de fechaduras, tendo concluído que as pessoas terão entrado por uma porta situada no terraço (identificada na fotografia 9 do relatório fotográfico de fls. 30 a 62), porque esta estaria aberta, mas de modo não concretamente apurado.

Como se disse, o ofendido prestou um depoimento muito sincero, não se extraindo do mesmo qualquer espírito de vingança ou outro contra os arguidos. Antes pelo contrário, até referiu que nem deduziu qualquer pedido de indemnização por não querer. O ofendido trata-se da pessoa que fazia uso quinzenalmente da casa de onde foram subtraídos os objetos aqui em discussão, tendo falado de forma isenta e sincera. Tratou-se de um depoimento objetivo e coerente, demonstrando ter conhecimento dos factos por si relatados, por os ter presenciado. Pelo que o Tribunal deu como provado os factos 1 a 7, quando conjugadas com a demais prova produzida.

Concatenados estes elementos documentais e as declarações do ofendido com as normais regras da experiência, outra não pode ser a conclusão senão a de que os arguidos foram os agentes praticantes dos factos pois que parte dos objetos subtraídos foram encontrados na suas respetivas casas e não se apreendem quaisquer factos que apontem que os bens foram retirados da casa do ofendido por terceiros, pelo que, face à inexistência de outros elementos orientadores, é possível também, face às regras da experiência comum, concluir que os arguidos de modo não concretamente apurado, acederam, ao interior da garagem bem como ao interior da habitação e dali retiraram os objetos que foram apreendido na sua posse bem como as chaves e a viatura da marca ….

Reitera-se mais uma vez que se teve em conta os dois autos de apreensão (quanto à identificação dos objetos, o local onde foram encontrados e respetiva data).

Ora, perante este conjunto de circunstâncias, em termos de regra de experiência comum, não temos dúvidas que os arguidos subtraíram do interior da garagem o veículo em causa nos autos, cuja chave estava depositada no interior da habitação, bem como os demais objetos indicados no ponto 4 dos factos provados e que, para acederem à garagem tiveram de abrir uma porta de modo não concretamente apurada. Com efeito, as circunstâncias: (i) da portão da garagem ter sido fechada pelo possuidor pelo ofendido duas semanas antes; (ii) o ofendido ter deixado o veiculo, naquele momento, na aludida garagem e os demais objetos no interior do imóvel; (iii) e no dia 22 de junho de 2020 as bicicletas e a trotinete terem sido encontrados na posse dos arguidos; (iv) terem sido encontrados vestígios lofoscópicos no interior do veiculo que pertenciam ao arguido BB e vestígios biológicos numa camisola com capuz guardado no interior do veiculo que pertenciam ao arguido AA; tudo indica que foram os arguidos quem os retiram do interior daquele imóvel, tendo entrado num imóvel que tinha as portas fechadas.

De todas estas circunstâncias não se consegue extrair com probabilidade suficiente que foram terceiros quem percorreram o imóvel do ofendido e retiram os objetos do interior da garagem, pelo que se conclui que foram eles os autores dos factos praticados.

Em suma, não obstante de ninguém ter visto os arguidos no local, a verdade é que a demais prova (pericial e documental, analisada criticamente nos moldes já expostos) constitui prova sólida e suficiente para apurar autoria dos factos e respetivo modus operandi, colocando em crise de forma simétrica a versão trazida pelo arguido BB.

Pelo exposto, deu o Tribunal como provado os factos 1 a7.

- A testemunha JJ, apenas presenciou que o veículo estava mal estacionado à porta da casa do filho de um domingo para uma segunda-feira e por isso, chamou a polícia. Reportou que não viu ninguém no interior do carro. As suas declarações mereceram credibilidade em face do teor do aditamento ao auto de notícia de fls. 6 a 9.

Nas regras da experiência comum:

Relativamente aos factos atinentes aos elementos subjetivos e à ilicitude dos dois arguidos (factos 8 a 11), as quais permitem inferir, com base nos factos objetivos dados como provados, a intenção subjetiva dos arguidos, na medida em que se trata de uma presunção natural a intenção subjetiva do agente porquanto quem, entre por uma porta que está fechada, de modo a aceder ao interior de uma habitação e de garagens, que não lhes pertencem, introduzindo-se no respetivo interior, sem autorização, consentimento e conhecimento dos respetivos proprietários, subtraindo objetos que sabem não serem seus e contra a vontade dos seus proprietários, o fazem com intenção de deles se apoderar integrando-os no seu património. O que também não poderiam deixar de saber uma vez que tinham sido condenados pela prática de crimes de igual natureza (factos 42, 44 e 45).

Considerou-se ainda a concreta forma de atuação dos arguidos nos termos apurados e as circunstâncias que as envolveram, à luz das regras de normalidade e experiência, e de presunção judicial daí resultante, no âmbito do aludido princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º do Código de Processo Penal, juntamente com o facto de ter resultado dos supra referidos elementos de prova respeitantes a tal atuação conjugada com a própria postura do arguido BB em audiência de julgamento, que o mesmo é imputável e tem consciência dos atos que pratica.

3.2. A questão da nulidade processual

Vejamos primeiro a factualidade processual relevante para decidir esta questão.

- O arguido recorrente foi notificado para o julgamento nos seguintes termos:

Fica notificado, na qualidade de Arguido, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados:

1. Para comparecer no Tribunal Judicial de …, sito na Rua … …, no próximo dia 13-12-2023, às 09:30 horas, a fim de ser ouvido em audiência de julgamento, nos autos acima referenciados, sendo advertido de que faltando, esta poderá ter lugar na sua ausência, sendo representado para todos os efeitos possíveis pelo seu defensor.

Em caso de adiamento, fica designado o dia 19-12-2023, pelas 09.30 horas, de que fica desde já notificado.

- Faltou na primeira data;

- O tribunal, considerando que a sua presença desde o início da audiência não era absolutamente indispensável para a descoberta da verdade, deu início ao julgamento e depois de produzida toda a prova e das alegações orais e últimas declarações do co-arguido presente declarou encerrada a audiência e designou a segunda data para a leitura da sentença;

- O defensor do arguido recorrente nada requereu na primeira sessão;

- Na acta dessa sessão, consta assim no encerramento:

Para a leitura da sentença, designo o próximo dia 19-12-2023, pelas 09.30 horas, data que já havia merecido a concordância dos ilustres intervenientes.

Notifique.

Logo, todos os presentes foram devidamente notificados, tendo a audiência sido declarada encerrada quando eram 13 horas e 15 minutos.

- No dia 18dez2024, véspera da segunda data designada, o arguido requereu a justificação da falta à primeira sessão;

- No dia 19dez2024, o respectivo defensor requereu que o arguido recorrente, presente nessa audiência, prestasse declarações sobre o objecto da acusação e sobre as suas condições pessoais;

- Sobre esse requerimento, o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:

Quanto ao requerido da prestação de declarações, é verdade que o artº 333º ouve o arguido se ele se dispuser a prestar declarações.

Sucede que o mesmo não esteve presente na audiência de julgamento e a sua presença não presença não foi essencial para a descoberta da verdade.

Nos termos do artº 333º do C.P.P., a audiência de julgamento foi realizada sem a presença do arguido.

Dispõe o artº 333 nº 3 do CPP: "o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do n.º 2 do artigo 312.º"

Sucede que o Ilustre Defensor do arguido na passada sessão de julgamento não exerceu esta faculdade pelo que foi encerrada a presente sessão de julgamento após a produção de toda a prova, o que resulta da documentação da ata em suporte áudio.

Nesta sequência foi designado no dia de hoje para a leitura da sentença.

Assim sendo não se determina a reabertura da audiência por força do artº 371 CPP.

- Na sequência, o mesmo defensor arguiu a nulidade do despacho, considerando que se trata de uma decisão formalista, violadora dos direitos de defesa e do princípio da descoberta da verdade material;

- O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento dessa arguição, entendendo que o requerimento para o arguido prestar declarações não foi apresentado atempadamente;

- Sobre a arguição de nulidade, foi proferido o seguinte despacho:

Como se referiu, a audiência de julgamento foi declarada encerrada, pelo que mantêm-se todos os fundamento de factos e de direito no despacho supra não se vislumbrando ter sido violado qualquer direito ao arguido, uma vez que o arguido esteve sempre representado pelo ilustre defensor, com substabelecimento do ilustre causídico.

Assim sendo não se vislumbra qualquer nulidade e qualquer irregularidade prevista no artº 123º do CPP que tenha afetado os atos praticados na audiência de julgamento.

Como resulta do exposto, a questão controversa é a de saber se, iniciado o julgamento na ausência do arguido, de acordo com o disposto no artigo 333º nº 1 do CPP, não tendo o respectivo defensor requerido antes do encerramento da discussão que o mesmo fosse ouvido na segunda data, nos termos previstos no nº 3 do mesmo artigo, se, comparecendo o arguido na segunda data designada e requerendo a prestação de declarações, sobre os factos da acusação e sobre os factos para a determinação da sanção, é nulo o despacho que indeferiu esse requerimento.

A regra é a obrigatoriedade de presença do arguido na audiência de julgamento (artigo 332º nº 1 do CPP). Trata-se simultaneamente de um direito, estabelecido por óbvias razões de protecção das garantias de defesa, corolário da regra da contraditoriedade da audiência, inerentes ao princípio do processo equitativo (artigos 32º nºs 1 e 5 da CRP e 6º da CEDH), mas também de um dever, em atenção ao princípio da descoberta da verdade material (artigo 69º nº 1 al. a) e nº 3 al. a) do CPP).

Para além da regra da obrigatoriedade da presença, a lei concede ao arguido o direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que se refiram ao objecto do processo (artigos 61º nº 1 al. b) e 343º nº 1 do CPP). Em regra, tais declarações deverão ser prestadas até ao encerramento da discussão (artigo 361º nº 2 do CPP), mas a lei admite que possam sê-lo, ainda, se a audiência for reaberta, quer para a produção de prova suplementar para a determinação da sanção (artigo 371º do CPP), quer mesmo para a produção de prova sobre a questão da culpabilidade, nomeadamente nas situações em que no momento da deliberação surjam dúvidas que seja necessário esclarecer. Na verdade, em ordem à boa aplicação dos princípios da descoberta da verdade e da boa decisão da causa, não pode entender-se que a lei vede ao tribunal a possibilidade de reabrir a audiência para produção de prova suplementar, fora dos casos previstos no referido artigo 371º (neste sentido, ver, por exemplo, o Acórdão do TRP, de 5jul2023, no processo 51/20.9IDAVR.P1, em www.jurisprudência.csm.org.pt).

Foi entendimento do tribunal recorrido que o arguido só podia ser admitido a prestar declarações se o requerimento a que se refere o artigo 333º nº 3 do CPP tivesse sido apresentado pelo seu defensor até ao encerramento da audiência. Esse momento foi localizado no encerramento da sessão da primeira data, muito embora, como apontado acima, não conste na acta uma declaração expressa de encerramento da discussão, conforme estabelecida no artigo 361º nº 2 do CPP. Seja como for, não vamos deter-nos nesses formalismos e vamos entender a designação de data para a leitura da sentença acompanhada da declaração de encerramento da audiência como uma declaração tácita de encerramento da discussão.

Numa interpretação mais literal das normas, aceitamos que parece resultar do disposto nos artigos 312º nº 2 e 333º nº 3 do CPP que, no caso de a audiência se iniciar sem a presença do arguido, havendo a mesma de ser declarada encerrada, isto é, esgotando-se a produção de prova e passando-se para a fase de alegações e últimas declarações, o defensor, caso pretenda que o arguido preste declarações, deve requerê-lo antes daquela declaração de encerramento. É isso que tem sentido no plano da disciplina e utilidade dos actos e da celeridade do processo. Sendo tais declarações prestadas depois do encerramento da audiência, a sua reabertura para esse efeito importará, por um lado, a necessidade de notificar o arguido para comparecer na segunda data e, por outro, a repetição da fase de alegações orais e das últimas declarações, ainda que restritas à prova suplementar assim produzida.

É evidente, no entanto, que, encontrando-se o arguido presente na segunda data do julgamento, agendada para a leitura da sentença, depois, obviamente, do encerramento da discussão, os dados do problema se alteram. É que, nessa situação, se não estiver em causa uma demora excessiva do processo nem houver fundada razão para considerar o requerimento do arguido impertinente ou dilatório, importará equacionar de forma equilibrada os valores da celeridade do processo e da efectividade da acção penal e do exercício pleno dos direitos de defesa.

A interpretação daquelas normas, feita de forma conjugada com os princípios do direito ao contraditório e do direito ao processo equitativo, consagrados nos artigos 32º nºs 1 e 5 e 20º nº 4 da CRP, no artigo 6º nº 3 da CEDH e nos artigos 47º e 48º nº 2 da CDFUE, de aplicação directa (artigos 16º e 18º nº 1 da CRP), não estando em causa prejuízo grave para a eficácia da acção penal, haverá de dar prevalência ao objectivo da descoberta da verdade material e da garantia do exercício do contraditório. Não tem, nesse plano, qualquer razoabilidade impedir um arguido presente em tribunal de prestar declarações sobre os factos de que está acusado e sobre os factos relevantes para a determinação da pena, apenas para não se gastar mais uma hora ou duas no julgamento e se ter de refazer a sentença e designar nova data para a sua leitura. Diferente seria se existisse razão fundada para entender o requerimento do arguido como meramente dilatório ou impertinente, mas para isso seria necessário que o tribunal o assinalasse na sua decisão. A celeridade não é o objectivo principal do processo penal. Não havendo razões para concluir que a realização da justiça fica comprometida, a celeridade não se deve sobrepor à necessidade de assegurar princípios fundamentais como o contraditório, a igualdade de armas, a produção de prova para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e a fundamentação da decisão devidamente informada.

Na anotação ao artigo 333º do CPP, no “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, lê-se que «iniciando-se e terminando a audiência na primeira data o arguido, comparecendo antes do encerramento da audiência, pode prestar declarações. Significa que, no limite, aparecendo (por vontade própria ou diligência do seu advogado, familiares ou outras pessoas), depois das alegações, poderá, ainda, prestar declarações» (Tomo IV, pág. 351, § 43). Muito embora não se fundamente de forma expressa aquela afirmação, se o arguido estiver presente na data designada para a leitura da sentença e se não houver razão fundada para afirmar que a sua pretensão é impertinente ou dilatória, ela merece inteira concordância. Entre concluir um julgamento e condenar um arguido presente em tribunal, recusando-se o seu pedido para ser ouvido, e reabrir a audiência, admitir a prestação declarações e se for o caso reformular a sentença e designar nova data para a sua leitura, parece-nos claro que os princípios da descoberta da verdade material e do contraditório não podem deixar dúvidas que a segunda opção é aquela que protege de forma mais proporcional o equilíbrio entre as garantia de defesa e a celeridade.

Não desconhecemos que no acórdão de fixação de jurisprudência do STJ 9/2012, de 8/3/2012 (publicado no DR 238/2012, 1ª Série, de 10/12/2012) se decidiu que «Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do nº 1 do art. 333º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do nº 3 do mesmo artigo». Simplesmente, a oposição de julgados que este acórdão foi chamado a resolver não era exactamente sobre o momento até ao qual o defensor podia requerer a audição do arguido. O que estava em causa era a divergência jurisprudencial em torno da questão de saber se o tribunal tinha ou não de realizar oficiosamente as diligências necessárias para fazer comparecer o arguido na segunda data. Consideramos, por isso, que a jurisprudência fixada no referido acórdão não é aplicável ao caso porque ali não se equacionou a possibilidade de o arguido se apresentar voluntariamente na segunda data designada para o julgamento a pedir para ser ouvido, em que está em causa, apenas, a possibilidade de reabrir a audiência para esse efeito.

De resto, a interpretação que aqui seguimos foi já objecto de decisão no mesmo sentido neste tribunal, no acórdão TRE de 14/2/2012, no processo 63/09.3GAENT.E1 (www.jurisprudência.csm.org.pt).

No caso em apreço, é manifesto que admitir o arguido a prestar declarações não causaria demora excessiva na finalização do processo, cuja designação de data para o julgamento, aliás, já tinha tido até objecto de várias alterações, por razões do funcionamento do tribunal. Não se vê que dano importante ocorreria para a realização da justiça reabrir a audiência, admitir a prestação de declarações, dar de novo a palavra aos advogados para as alegações e designar nova data para a leitura da sentença.

Por outro lado, não há fundamento para afirmar que o requerimento do arguido tinha finalidade meramente dilatória ou impertinente. Isso não resulta do processo nem foi afirmado no despacho que o indeferiu.

Acresce que também não pode dizer-se que as declarações do arguido seriam prova desnecessária para a descoberta da verdade e boa decisão da causa. Não se sabe o que ele teria a dizer, quer sobre os factos da acusação, quer sobre as suas condições pessoais. Mas sabe-se, pela leitura da sentença, que o tribunal atendeu ao que o co-arguido declarou, com valor incriminatório, sem ser aberta a possibilidade de tais declarações serem plenamente contraditadas e também que o tribunal tirou ilações desfavoráveis de uma ausência que não foi completa. Lê-se a esse propósito na sentença, com reflexo no agravamento da medida da pena, que o arguido ora recorrente «não compareceu a julgamento, apesar de regularmente notificado, alheando-se ao processo que impendia sobre si, revelando desprezo pela Justiça». Se o tribunal tivesse admitido as suas declarações, podia ter chegado a conclusão diferente.

É pois de entender que o tribunal devia ter procedido à reabertura da audiência para admitir a prestação de declarações pelo arguido sobre os factos imputados na acusação, visto que, como referido, encontrando-se o mesmo presente e não havendo prejuízo significativo para os valores da celeridade processual e eficácia da acção penal, tal solução impunha-se em nome da correcta aplicação das normas que estabelecem as garantias de defesa em processo penal.

Mas, mesmo que assim não se entendesse, tendo o arguido requerido igualmente a prestação de declarações sobre as suas condições pessoais, ao menos nessa parte o tribunal devia ter atentado no facto de a possibilidade de reabertura da audiência para essa finalidade se encontrar expressamente prevista no artigo 371º do CPP. É certo que essa necessidade não surgiu da deliberação do próprio tribunal, como em regra ocorrerá nestes casos (artigo 369º nº 2 do CPP). Porém, a admissão do requerimento do arguido sempre se imporia face aos princípios gerais que devem nortear a produção de prova, numa interpretação conjugada do referido artigo 371º com o estabelecido nos artigos 323º als. a) e b) e 340º do CPP.

Como vimos, o tribunal, ao negar ao arguido a possibilidade de prestar declarações sobre os factos da acusação e sobre as suas condições pessoais, impediu que ele pudesse exercer o direito a contraditar os factos incriminatórios e as provas apresentadas pelo Ministério Público, de forma mais plena do que a resultante do mero facto de ter estado sempre representado por defensor na audiência. Sendo esse princípio do contraditório sobre os factos e as provas uma regra estruturante do processo penal (artigo 32º nº 5 da CRP e artigos 323º al. f) e 327º nº 2 do CPP), a sua violação reflecte-se inevitavelmente em prejuízo da finalidade primeira do julgamento, que é a descoberta da verdade e a boa decisão da causa (artigos 323º al. a) e b) e 340º nº 1 do CPP).

À violação dessas regras corresponde o vício de nulidade dependente de arguição, previsto no artigo 120º nº 1 al. d) do CPP, na medida em se traduz na omissão de diligências posteriores à fase de instrução que o tribunal devia ter reputado como essenciais para a descoberta da verdade. É indiferente para este efeito saber se, no final, uma vez produzidas as declarações, a verdade a que o tribunal chegou na sentença é ou não alterada. Não se sabe o que o arguido tem para dizer. O mero facto de se dispor a prestar declarações sobre o objecto do processo, como é seu direito, leva a que essa diligência se deva considerar essencial e a que a sua omissão seja processualmente inválida.

Uma vez que a nulidade foi atempadamente arguida, ela tem agora de ser declarada na fase do recurso (artigo 410º nº 3 do CPP), com os efeitos previstos no artigo 122º do CPP. Tais efeitos, no caso em apreço, determinam a invalidade e repetição de todos os actos do julgamento posteriores ao requerimento do arguido para prestar declarações, apresentado na audiência do dia 19/12/2023, a qual terá, por isso, de ser reaberta, para o efeito de o arguido ser admitido a prestar declarações, seguindo-se depois os ulteriores termos do processo.

Naturalmente, fica prejudicada a necessidade de apreciar as restantes questões suscitadas no recurso.

Resta, por fim, dizer que os efeitos da presente decisão se têm de estender ao arguido não recorrente, de acordo com o disposto no artigo 402º nº 2 al. a) do CPP. Isto porque o tribunal terá necessariamente de analisar a prova sobre os factos com novos elementos, o que poderá determinar a modificação da respectiva decisão, o que releva para o apuramento da responsabilidade penal do co-arguido não recorrente, alegadamente comparticipante no crime.

4. Decisão

Pelo exposto, acordamos em julgar o recurso procedente e em declarar a nulidade do processado a partir do requerimento apresentado pelo arguido no dia 19/12/2023, no sentido de prestar declarações em julgamento sobre os factos da acusação e sobre as suas condições pessoas, o qual deve ser deferido, seguindo-se os ulteriores termos do processo, tanto para o arguido ora recorrente como para o co-arguido que não apresentou recurso.

Não há lugar ao pagamento de custas.

Évora, 22 de Outubro de 2024

Manuel Soares

Carla Oliveira

Anabela Cardoso