EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
RECURSO DA DECISÃO ARBITRAL
INDEMNIZAÇÃO
AVALIAÇÃO DOS PERITOS
Sumário

I - Constituindo a decisão arbitral, em processo de expropriação, uma verdadeira decisão judicial proveniente de um tribunal arbitral necessário, aplicando-se, por isso, ao recurso que incide sobre a mesma o regime dos recursos estabelecido no Código do Processo Civil, com as necessárias adaptações, na resposta às alegações, apresentadas pelo Recorrido, não se aplica o efeito cominatório.
II - Assim, não há que considerar admitidos por acordo, por aplicação do disposto no artigo 574º, nºs 1 e 2, do CPC, os factos alegados pelo Recorrente, na sua peça de recurso, relativamente aos quais o Recorrido não tenha tomado posição.
III - Tendo o recurso por finalidade o reexame das questões já submetidas à apreciação do Tribunal da primeira instância e não para criar decisões sobre matéria nova, não pode ser apreciada, na fase de recurso da sentença, a pretensão indemnizatória por referência a benfeitorias que não tenha sido já deduzida no recurso da decisão arbitral.
IV - O dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa se a indemnização corresponder ao valor de mercado do bem expropriado ou, por outras palavras, ao seu valor de compra e venda.
V - Verificando-se que a avaliação feita pelos Peritos indicados pelo Tribunal se encontra devidamente fundamentada, não padece de erro e observa as normas legais, deve ser conferida prevalência à apreciação e conclusões pelos mesmos alcançadas, pela garantia de independência e de imparcialidade que oferecem, face à distanciação que mantêm em relação às posições do expropriante e do expropriado.

Texto Integral

Processo nº 1357/20.2T8MAI.P1


Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Anabela Mendes Morais

Primeiro Adjunto: Desembargador José Eusébio Almeida

Segunda Adjunta: Desembargadora Maria de Fátima Almeida Andrade

I-Relatório

Nos presentes autos de expropriação é expropriante A..., S.A. e expropriados AA, BB, CC e DD, na qualidade de proprietários, e B..., S.A., na qualidade de arrendatária.

I.1_ Por despacho n.º2419/2016 (2ª série) do Exmo. Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas, de 22/1/2016, publicado no Diário da República, II Série, n.º 33, de 17/2/2016, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela de terreno n.º 78, com a área de 197 m2, que constitui parte do prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho da Maia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ...51 e inscrito na matriz rústica daquela freguesia sob o artigo n.º ...57, pertencente aos expropriados AA, BB, CC e DD.

I.2_ Efectuada a vistoria ad perpetuam rei memorium (junta com o requerimento de 30/7/2020, como documento nº11) procedeu-se, de seguida, à respectiva arbitragem nos termos legais, tendo os Senhores Árbitros, por decisão arbitral, fixado o valor da indemnização, aos Expropriados proprietários, em €40.114,35, composto pelas seguintes parcelas: “valor do solo: 8.951,68; valor das benfeitorias: 11.162,67€; e indemnização por prejuízos e afectações na parte sobrante: 20.000,00€”.

Entenderam os Senhores Árbitros que “tratando-se de uma expropriação parcial em que houve a subsistência do contrato de arrendamento, não se poderá enquadrar uma indemnização pela diminuição do logradouro no âmbito do Código da Expropriações”.

I.3_ Foi realizado o depósito da quantia arbitrada (documento junto com o requerimento de 12/4/2021).

I.4_ Por decisão de 3/5/2021, foi adjudicada “ao Estado Português, livre de quaisquer ónus ou encargos, a propriedade da parcela de terreno n.º 78, correspondente a um terreno com a área de 197 m2, que confronta do Norte com auto-estrada A4, do Sul com a parte restante do prédio, do Nascente com Câmara Municipal da Maia e do Poente com Câmara Municipal da Maia, a destacar do prédio urbano situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho da Maia, descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ...51 e inscrito na matriz rústica daquela freguesia sob o artigo n.º ...57.”.

I.5_ Notificada a decisão arbitral e inconformada com a mesma, a Expropriada B..., S.A. interpôs recurso (Requerimento de 7/5/2021), alegando em síntese:
(i) Os Árbitros referem (fls. 7 do Relatório) que o prédio tem uma área de 7.500m² e uma área de construção de 3.448,55m² o que não corresponde à materialidade existente, porque a área do prédio é 5940m² e a área bruta de construção é 3.541,47m2 correspondente a: escritórios (com casas de banho no rés-do-chão e 1º piso) – 34m x 10m x 2pisos = 680m²; vestiários, refeitório e escritório da zona fabril – 12m x 8m x 2 pisos = 192m² ; armazém – 2669,47m². Assim, deve o índice de Ocupação do Solo ser corrigido para (3.541,47m² / 5.940m² = 0,6) 0,6.
(ii) É falsa a conclusão que consta de fls. 5 da Decisão Arbitral que a parcela expropriada estava situada em zona “non aedificandi” e que o destino natural, em concreto, dessa parte da parcela era a utilização como armazenagem ao ar livre, razão pela qual não reuniria condições para um qualquer aproveitamento autónomo. Sustenta que constitui uma unidade económica autónoma onde era exercida a actividade da empresa expropriada arrendatária “B..., SA.”, especializada no sector da refrigeração comercial e industrial – aparelhos e instalações.

Apesar da parcela expropriada estar integrada em zona “non aedificandi”, “ab initio” o índice de construção da edificação ali existente (que tem mais de 30 anos), teve em consideração todos os requisitos urbanísticos.

Admite que a parcela expropriada é utilizada para armazenamento ao ar livre das garrafas de gás de refrigeração industrial, as quais possuem grandes dimensões 2,3m X 0,80m Ø e um peso de 2000Kg, concluindo que o logradouro é parte integrante do prédio e é um local essencial ao desenvolvimento da actividade da empresa expropriada “B..., SA.”, pois é nessa área que são armazenadas as garrafas de gás refrigerante, as quais são para ali transportadas por tratores com semi-reboques que têm um comprimento de 18,75m.

(iii) Os Senhores Árbitros consideraram todo o edifício como unidade industrial e indicaram o custo de construção por metro quadrado de 550€/m²,com o qual não concordam, sustentando que deviam ter sido diferenciadas as diferentes tipologias de construção e concomitantemente os respectivos custos de construção:

_ custo de construção da área de escritórios com 680 m² não deverá ser inferior a 700€/m², pelo que o valor será de 680m² X 700€/m² = 476.000€.

_ custo da área de vestiários, refeitório e escritório da zona fabril (12m x 8m x 2 pisos = 192m2) não deverá ser inferior a 675€/m², pelo que o valor será de 192m² X 675€/m² = 129.600€.

_ custo da área do armazém incluindo a pavimentação do logradouro não deverá ser inferior a 650€/m², pelo que o valor será de 2.669,47m² X 650€/m² = 1.735.155,50€ .

Conclui que o valor total de construção é de 2.340.755,50€ (1.735.155,50€ + 129.600€ + 476.000€).
(iv) Discorda da percentagem atribuída pelos Senhores Árbitros, de 10%, para localização e qualidade ambiental, uma vez que o prédio se encontra localizado na Área Metropolitana do Porto, com bons e rápidos acessos aos eixos viários nacionais (A4/IP4) donde dista apenas 1,7km, sendo o tráfego reduzido na via existente na frente urbana do prédio.
(v) Discorda da percentagem atribuída pelos Senhores Árbitros à localização e qualidade ambiental, sustentando que não deve ser inferior a 12,5% uma vez que o prédio se encontra em zona central da segunda maior área metropolitana do País e possui excelentes e rápidos acessos.
(vi) Conclui que o valor unitário do solo deve ser o seguinte:

Índice de ocupação do solo ---------------------------------0,6 m²/m²

Valor total da construção ---------------------------------- 2.340.755,50€

Percentagem (nºs 6 e 7 do art.º 26º do CE) ------------ 20,50%

Área da parcela ----------------------------------------------- 197m²

Área do prédio ------------------------------------------------ 5940m²

O valor do solo deverá ser 2.340.755,50€ X 0,205 = 479.854,88€ e o valor da parcela deverá ser 479.854,88€/5940m² X 197m² = 15.914,38€ (ou seja, aproximadamente 80,78€/m²).
(vii) O valor das benfeitorias deve ser de 17.173,49€, integrando as seguintes parcelas:

_Muro de bloco de cimento incluindo fundação e pilares de betão e ainda reboco e pintura - 45,09m² X 76€/m² = 3.426,84€

- Vedação com rede com 1,8m altura, encimada por 3 fiadas de arame farpado e respectiva estrutura metálica pintada - 16,7m X 3 X 30€/m = 1.503,00€

_ Caleira (rego para águas pluviais) - 50,10m X 35€/m = 1.753,50€

_ Boca de Incêndio (1 Un)- 750€

_ Muro de bloco de cimento incluindo fundação e pilares de betão e ainda reboco e pintura - 1,38m² X 76€/m² = 104,88€

_ Vedação com rede com 1,8m altura, encimada por 3 fiadas de arame farpado e respetiva estrutura metálica pintada - 3,45 X 30€/m = 103,50€

_ Caleira (rego para águas pluviais) - 3,45m X 35€/m = 120,75€

_ Muro em betão armado - 45m³ X 300€/m³ = 1.350,00€

_ Estrutura de vigas e pilares em betão armado - 10m³ X 350€/m³ = 3.500,00€

_ Blocos de Cimento rebocados e pintados - 11,52m² X 38,5€/m² = 443,52€

_ Alpendre a Poente -15,75m² X 200€/m² = 3.150,00€

_ Canis (3) c/ em estrutura tubular envolta em rede e cobertos com aglomerado de madeira - 27m² X 30€/m² = 810,00€

_ Caleira (rego para águas pluviais) - 4,5m X 35€/m = 157,50€.
(viii) Os Expropriados ao verem a área de logradouro reduzida devem ser indemnizados pela perda de renda durante cinco anos económicos, no montante nunca inferior a 197€/mês, ou seja, 197€ X 12 meses X 5 anos = 11.820,00€.
(ix) Conclui a Expropriada arrendatária, pugnando pela atribuição de indemnização aos Expropriados proprietários no total de 44.307,87€ (15.914,38€ + 17.173,49€ + 11.820,00€).
(x) No que respeita à indemnização a atribuir à Expropriada arrendatária, advoga que deve ser tomado em consideração a especificidade do sector da refrigeração em que a empresa se enquadra e os “custos acrescidos de mão-de-obra a partir das obras de alargamento da via e da consequente deslocalização das garrafas de gás refrigerante que se encontravam instaladas na área expropriada, bem como os custos da nova estrutura de armazenamento das botijas de gás refrigerante e empilhador apropriado, uma vez que não era possível a utilização e deslocação directa daquela para a parte sobrante devido à falta de espaço para circulação e manobra dos tratores semi-reboques de transporte das botijas” (pontos 51 e 52, considerando exíguo o valor de €20.00,00; e ponto 57), referindo no ponto 58 que “no estabelecimento comercial onde está instalado o prédio e a parcela expropriada, nunca existiu qualquer estrutura de suporte e armazenamento dos cilindros de gás, uma vez que estes eram colocados directamente no solo conforme se pode confirmar nas fotografias (Ponto VI do Relatório de Arbitragem)”.
(xi) Esses cilindros de gás de refrigeração constituem um produto imprescindível para a normal e diária actividade comercial da expropriada “B..., Ldª” e a reformulação do armazenamento dos cilindros no estabelecimento da expropriada arrendatária implica, além da execução de sapata e fundação para assentamento, a compra e montagem da respectiva estrutura e de um empilhador que permita as operações em segurança.
(xii) Para a execução de todas as obras necessárias para a reformulação do tipo de armazenamento dos cilindros é imprescindível e vital para acomodar as necessidades da expropriada arrendatária e atenuar os constrangimentos causados pela expropriação, os custos, referente às obra já contratualizados, totalizam a quantia de 149.133€, sendo:

• Projeto e fiscalização (A400) 10.050,00€ + IVA

• Parede em painéis de betão e acústicos (C...) 40.000,00€ + IVA

• Sapata fundação e canal para águas pluviais (EE) 24.168,00€ + IVA

• Rack metálico Cantileve(Schulte GmbH & Co. KG) 23.161,00€ + IVA

• Reforços da Sapata e montagem do Rack (Metallorum) 4.690,00€ + IVA

• Empilhador (2,5t) (Jungheinrich) 39.094,00€ + IVA

• Outros custos Serralharia e Pichelaria 7.500,00€ + IVA

(xiii) Os custos excedentários de mão-de-obra estima-se em não menos, até à presente data, de 2 homens X 4 horas X 9€/hora X 2 descargas/mês X 60 meses = 8.640,00€.

(xiv) A arrendatária viu-se assim obrigada a recorrer aos serviços especializados de empresas externas que orçamentaram as obras necessárias à reorganização da zona de armazenamento de garrafas de gás e teve necessidade de adquirir um empilhador para movimentar e armazenar as garrafas de gás na nova estrutura de armazenamento que foi orçamentado em 39.094,00€, acrescidos de IVA.

(xv) Conclui que a Expropriada arrendatária deve ser indemnizada na quantia de 157.773€ (149.133€ + 8.640 €), acrescida de IVA à taxa em vigor.

Conclui a Expropriada B..., S.A. pedindo que o recurso da decisão arbitral seja julgado procedente e consequentemente, seja atribuída aos Expropriados proprietários a indemnização na quantia de 44.307,87€ e à Expropriada Arrendatária B..., S.A. - a indemnização na quantia total de 157.773,00€, acrescidas de IVA à taxa legal.

I.6_ Os Expropriados AA, BB, CC e DD, inconformados com a decisão arbitral, interpuseram recurso da mesma (Requerimento de 8/4/2021), cujo conteúdo é igual ao das alegações apresentadas pela Expropriada Arrendatária. Concluíram, pedindo que o recurso da decisão arbitral seja julgado procedente e, consequentemente, seja atribuída aos Expropriados proprietários a indemnização na quantia de 44.307,87€ e à Expropriada Arrendatária B..., S.A. a indemnização na quantia de 157.773,00€, acrescidas de IVA à taxa legal.

I.7_ A Expropriante veio igualmente interpor recurso da decisão arbitral (requerimento de 28/5/2021), alegando, em suma, que:

(i) O prédio é composto por um edifício destinado a “armazém com serviços comerciais, escritório e instalações sanitárias”, ao nível de rés-do-chão, dispondo de um terreno de logradouro. Ocupava uma área total de 7.500,00m2 com as seguintes afectações: 3.448,55m2 ocupados pela construção; 4.051,45m2 de terreno de logradouro.

(ii) O prédio encontrava-se arrendado a uma sociedade que aí exerce e desenvolve a sua actividade estatutária.

(iii) A parcela expropriada abrange uma superfície de 197,00m2 e era parcialmente ocupada, numa faixa de cerca de 70cm de largura, ao longo de toda a linha de delimitação com a auto-estrada, por um canteiro ajardinado. A parte restante era utilizada para armazenagem de materiais ao ar livre e circulação de veículos.

(iv) A parte sobrante tem a área de 7.303m2 e é constituída pelo edifício existente que não sofre qualquer amputação em consequência da expropriação e por toda a zona de logradouro com excepção da faixa com 197m2 localizada no limite norte do prédio.

(v) Discorda da decisão arbitral por referência a três pontos:

- A valorização do prédio tomando em consideração a existência de “passeios”, quando o relatório da vistoria ad perpetuam rei memoriam expressamente regista a “não existência de passeios” na confrontação do prédio com a Rua ....

- O Colégio de Árbitros reconhece que “a parcela estava situada em zona non aedificandi” atenta a sua confrontação com a auto-estrada e daí conclui que “o destino natural e concreto dessa parte do logradouro era a sua utilização como armazenagem ao ar livre” e que o prédio de onde a parcela foi destacada foi já edificado, pressupondo esgotada a sua capacidade construtiva, localizando-se a parcela no logradouro do edifício edificado e na parte posterior do mesmo.”. Tais características, condições objectivas e condicionantes que envolvem a parcela expropriada, não devem deixar de ter expressão na determinação do seu valor real, de mercado.

- A proposta de indemnização por prejuízos e afectações na parte sobrante não terá efectiva justificação no âmbito da expropriação, pelo menos enquanto referenciada essa indemnização a uma actividade concreta que é estranha à pessoa dos expropriados proprietários do prédio e não fundamentada numa qualquer efectiva redução do seu valor decorrente, de forma directa, do acto expropriativo.

Concluiu que o valor da justa indemnização a atribuir aos expropriados não deve exceder a quantia de €19.830,67 (dezanove mil oitocentos e trinta euros e sessenta e sete cêntimos).

I.8_ Por despacho de 1/6/2021, foram admitidos os recursos e determinada a notificação da Expropriante e Expropriados “para, querendo, responderem aos presentes recursos, nos termos e para os efeitos dos artigos 59º e 60º do Cód. das Expropriações”.

I.9_ A Expropriante apresentou resposta referindo, em suma, que:

_ Os Recorrentes, Expropriados proprietários, reconhecem que a parcela expropriada era utilizada para armazenamento, ao ar livre, de materiais, segundo referem garrafas de gás de refrigeração natural. Fazia parte de um terreno logradouro que servia o edifício de armazém, pelo que, bem concluiu a decisão arbitral que “a parte expropriada não reunia condições para um qualquer aproveitamento autónomo”, encontrando-se “totalmente inserido em zona de servidão non aedificandi, logo destituído de qualquer aptidão para fins construtivos”. Assim, em termos de valorização, o valor do solo da parcela expropriada não excedia o preço unitário atribuído na decisão arbitral.

_ Os Expropriados não contabilizam a deterioração do edifício por aplicação de um coeficiente associado ao ano de construção, ao tempo de utilização e à degradação da construção.

_ Relativamente aos valores que suportam os cálculos de avaliação, quer do terreno expropriado, quer das benfeitorias atingidas pela expropriação, remete para a intervenção técnica da perícia a efectuar, mantendo a posição assumida no recurso por si interposto.

_ A indemnização a atribuir ao arrendatário não tem como finalidade criar condições novas de exercício da actividade quando o imóvel arrendado se mantém o mesmo e oferece as mesmas condições de aproveitamento. No caso, a Recorrente, Expropriada Arrendatária, não sofre qualquer prejuízo em consequência da expropriação da parcela de 197m2, traduzindo-se as “obras” e “dotações de maquinaria”, reclamadas nos artigos 60º e seguintes da motivação do recurso numa tentativa de enriquecimento injustificado e ilegítimo e estão fora da noção de prejuízo ressarcível.

Concluiu, pugnando pela improcedência do recurso da decisão arbitral, interposto pelos Expropriados.

I.10_Os Expropriados não apresentaram resposta ao recurso interposto pela parte contrária.

I.11_ Procedeu-se à realização da prova pericial, constando dos autos dois relatórios periciais.

Pelos Senhores Peritos indicados pelo Tribunal e pelo Senhor Perito indicado pela Expropriante foi calculado o montante indemnizatório (i) a atribuir aos proprietários em 26.795,69 € [valor do terreno da parcela expropriada 11.518,59 € + valor das benfeitorias e reposição 15.277,00 €]; e (ii) a atribuir ao arrendatário em €29.951,12€ [fundação em betão armado 2.100,00€ + fornecimento do RackCantilever e acessórios 23.161,12€ + fornecimento e montagem de estrutura metálica e de chapas de reforço 4.690,00€].

Por seu turno, o Senhor Perito indicado pelos Expropriados foi calculado o montante indemnizatório a atribuir:
a. aos proprietários: a quantia de 47.767,59€ [valor do terreno da parcela expropriada – 16.804,10 € + valor das benfeitorias – 30. 963,40€] ou 51.218,09€ [valor do terreno da parcela – 20.254,69 € + valor das benfeitorias – 30.963,40€].
b. à arrendatária: a quantia de 149.133,00€, acrescida de IVA à taxa legal, perfazendo o total de 183.433,59€.

Discorda o Senhor Perito, entre o mais, que a utilização económica normal da parcela expropriada “situada em zona non aedificandi” consistia em terreno de logradouro, referindo que “em função da materialidade existente e da actividade da empresa há largos anos, a utilização económica normal é de cais de carga e descarga e armazenamento de garrafas de gás de refrigeração a céu aberto”.

Contrariamente à posição sustentada pelos restantes Senhores Peritos, o Perito indicado pelos Expropriados entende que em consequência directa da expropriação da parcela de terreno, a parte sobrante do prédio sofreu redução do seu valor real porque a área de carga e descarga e de armazenamento de garrafas de gás a céu aberto foi reduzida.

I.12_ Expropriante e Expropriados apresentaram alegações, nos termos do art. 64º do Código de Expropriações.

I.13_ Em 19/12/2023, foi proferida sentença, constando do dispositivo:

Pelo exposto, nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante A..., S.A., e são expropriados AA, BB, CC, DD, na qualidade de proprietários, e B..., S.A., na qualidade de arrendatária, e em que está em causa a parcela de terreno designada por Parcela n.º 78, correspondente a um terreno com a área de 197 m2, que confronta do Norte com auto-estrada A4, do Sul com a parte restante do prédio, do Nascente com Câmara Municipal da Maia e do Poente com Câmara Municipal da Maia, a destacar do prédio urbano situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho da Maia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ...51 e inscrito na matriz rústica daquela freguesia sob o artigo n.º ...57, decide-se julgar improcedente o recurso interposto pela expropriante e parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados e, em consequência, fixa-se a indemnização global a pagar pela expropriante aos expropriados proprietários no montante de Eur. 26.795,69 (vinte e seis mil, setecentos e noventa e cinco euros e sessenta e nove cêntimos) e à expropriada arrendatária no montante de Eur. 29.951,12 (vinte e nove mil, novecentos e cinquenta e um euros e doze cêntimos), acrescido da actualização a efectuar nos termos acima descritos.

Custas pela expropriante e pelos expropriados, na proporção do respectivo decaimento, nos termos do artigo 527º do CPC.

Fixo como valor desta causa, para efeitos de custas, o de Eur. 145.334,06 (diferença entre a indemnização fixada na Arbitragem e a importância indicada pelos expropriados recorrentes).

Notifique e registe.”.

I.14_ Inconformados com a sentença, os Expropriados interpuseram recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões:

1. O Tribunal da relação deve ampliar a decisão da matéria de facto e aditar como factos provados os seguintes:

1 – Na parcela expropriada existem arruamentos e passeios.

2 – A rede de saneamento possui ligação a estação de tratamento de águas residuais.

3 - A expropriada arrendatária é distribuidor/grossista de equipamentos que opera no sector da refrigeração - incluindo ar condicionado – fornecendo os seus clientes nas áreas de fabrico, montagem/instalação, manutenção e assistência técnica de sectores e infra-estruturas especialmente críticas como instalações hospitalares, necrotérios, farmacêuticas (incluindo as vacinas) e cadeias de abastecimento alimentar (desde a produção/processamento, armazenamento, transporte, distribuição/retalho até ao consumo), data centers e telecomunicações, bem como em inúmeros processos industriais e petroquímicos (facto 56 do recurso da decisão arbitral).

4 - No estabelecimento comercial onde está instalado o prédio e a parcela expropriada, nunca existiu qualquer estrutura de suporte e armazenamento dos cilindros de gás, (Ponto VI do Relatório de Arbitragem) (facto 58 do recurso da decisão arbitral).

5. – Uma vez que estes eram colocados directamente no solo conforme se pode confirmar nas fotografias (Ponto VI do Relatório de Arbitragem) (facto 58 do recurso da decisão arbitral)

6 - Esses cilindros de gás de refrigeração constituem um produto imprescindível para a normal e diária actividade comercial da expropriada “B..., Ldª”. (facto 59 do recurso da decisão arbitral) .

7 - A reformulação do armazenamento dos cilindros no estabelecimento da expropriada arrendatária implica, além da execução de sapata e fundação para assentamento, a compra e montagem da respectiva estrutura e de um empilhador que permita as operações em segurança(facto 60 do recurso da decisão arbitral).

8 - A execução de todas as obras necessárias para a reformulação do tipo de armazenamento dos cilindros é imprescindível e vital para acomodar as necessidades da expropriada arrendatária e atenuar os constrangimentos causados pela expropriação(facto 61 do recurso da decisão arbitral).

9 - Estas obras são imprescindíveis para ultrapassar e mitigar os problemas colocados pela expropriação da parcela(facto 62 do recurso da decisão arbitral).

10 - Tais obras são as seguintes:

• Proteção das pessoas – Ruído e projeções;

• Proteção das instalações – Intrusão e furto;

• Continuidade da actividade da empresa – Ao permitir a armazenagem dos cilindros em altura e assim continuarmos com a sua comercialização sem colocar em causa as manobras dos camiões TIR. (facto 63 do recurso da decisão arbitral).

11 - Estas obras implicam a construção de uma parede em painéis de betão e acústicos, a reposição do canal para as águas pluviais e da rede de incêndio, o fornecimento e montagem de um Rack metálico Cantilever e respectiva sapata de fundação e a aquisição de um Empilhador que permita trabalhar com os cilindros nesta nova disposição em condições de segurança. (facto 64 do recurso da decisão arbitral).

12 - Os custos já contratualizados para a sua implementação são os seguintes:

• Projeto e fiscalização (A400) 10.050,00€ + IVA

• Parede em painéis de betão e acústicos (C...) 40.000,00€ + IVA

• Sapata fundação e canal para águas pluviais (EE) 24.168,00€ + IVA

• Rack metálico Cantileve(Schulte GmbH & Co. KG) 23.161,00€ + IVA

• Reforços da Sapata e montagem do Rack (Metallorum) 4.690,00€ + IVA

• Empilhador (2,5t) (Jungheinrich) 39.094,00€ + IVA

• Outros custos Serralharia e Pichelaria 7.500,00€ + IVA

TOTAL: 149.133€ (facto 65 do recurso da decisão arbitral) .

12 - Para que a empresa possa voltar à normalidade e deixe de acumular prejuízos e trabalho desnecessários, é indispensável a sua realização(facto 66 do recurso da decisão arbitral).

13 - A empresa aguarda por uma decisão final para saber se vai ter condições para continuar a armazenar os cilindros ou se vai ter de encontrar um novo espaço e consequente revisão do contrato de arrendamento(facto 67 do recurso da decisão arbitral).

14 - Quanto aos custos excedentários de mão-de-obra estima-se em não menos, até á presente data, de 2 homens X 4 horas X 9€/hora X 2 descargas/mês X 60 meses =8.640,00€.

15 - Nesta conformidade a estrutura de armazenamento de botijas teve de ser projetada de novo para permitir o armazenamento sem pôr em causa a circulação e manobra dos camiões(facto 69 do recurso da decisão arbitral).

16 - A arrendatária viu-se assim obrigada a recorrer aos serviços especializados de empresas externas que orçamentaram as obras necessárias à reorganização da zona de armazenamento de garrafas de gás, conforme cópias que se anexam (Doc.2) (facto 70 do recurso da decisão arbitral).

17 - A que ainda acresce a necessidade de aquisição de um empilhador para movimentar e armazenar as garrafas de gás na nova estrutura de armazenamento que foi orçamentado em 39.094,00€, acrescidos de IVA à taxa legal conforme cópias que se anexam (Doc. 3) (facto 71 do recurso da decisão arbitral).

2. A fundamentação para o facto sugerido e que se pretende provar sob o nº 1 na decisão arbitral, em cujo Relatório de Arbitragem está referido que os Árbitros constataram a existência dos mesmos no arruamento e que assim foram considerados para efeitos de avaliação, bem como nos documentos extraídos no histórico com recurso ao Google Maps - Street View, nas fotografias apresentadas (as 3 primeiras de 2022 e as 3 seguintes de 2014)no relatório pericial do perito da expropriada, nos respectivos extratos de fotografias (3) da Rua ..., (Fonte: Google Maps –Street View – data das imagens: janeiro/2022), nos extratos de fotografias (3) da Rua ..., (Fonte: Google Maps – Street View – data das imagens: julho/2014)

3. A fundamentação para o facto sugerido e que se pretende provar sob o nº 2 na constatação efectuada pelo perito da expropriada no seu relatório a pág. 5.

4. A fundamentação para o facto sugerido e que se pretende provar sob o nº 3 a 17 pretendidos pelos recorrentes reside no facto de estes factos não estarem impugnados e pelos documentos que os expropriados juntaram no com o recurso da decisão arbitral.

5. A indemnização atribuída pela sentença recorrida é inferior ao valor real e corrente do bem expropriado, que tem de corresponder ao valor de mercado.

6. O terreno expropriado faz parte de um prédio cuja capacidade construtiva se encontrava materializada (consubstanciada no edifício nele existente).

7. O facto de a parcela estar integrada em zona com servidão non aedificandi não releva quer para a avaliação do terreno, quer para qualquer eventual ponderação hipotética da desvalorização do terreno da parte sobrante, uma vez que o terreno do prédio é avaliado como solo apto para a construção em função da capacidade construtiva nele já instalada.

8. A sentença recorrida não fundamenta a sua concordância com o relatório pericial, apenas referindo que o mesmo está correctamente alicerçado e com a posição de fundamentos de facto, limitando-se a dizer que concorda com o resultado alcançado sem discriminar as razões e fundamentos que alicerçam tal conclusão.

9. As considerações genéricas da sentença recorrida são insuficientes para constituírem fundamento bastante para a decisão da fixação da indemnização em Eur. 11.518,59.

10. A sentença recorrida não decidiu questões que foram aduzidas pelos expropriados, designadamente não decidiu a questão de saber de que forma era irrelevante a servidão non aedificandi para fixação da indemnização, o que determina nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artº 615º nº 1 – d) CPC.

11. A servidão non aedificandi serviu precisamente para acautelar que a parcela pudesse ter construções antes da expropriação.

12. Assim a expropriação tem que ter como correspondência a natureza do solo para construção, sem atender a essa servidão, a qual integra a própria DUP, sendo dela antecedente, ao contrário do que fez a sentença recorrida(remetendo para o laudo maioritário do peritos).

13. Os artº 88º e 89 º do regulamento do PDM referem essa servidão non aedificandi serviu precisamente para acautelar que a parcela não pudesse ter construções antes da expropriação (DUP), para beneficiar a expropriante.

14. Assim a expropriação tem que ter como correspondência a natureza do solo para construção, sem atender a essa servidão, a qual integra a própria DUP, sendo dela imediatamente antecedente.

15. Esta zona non aedificandi de protecção à autoestrada não deve ser tida em conta como restrição ou diminuição do valor real e de mercado do prédio, porque essa servidão antecedeu a DUP e foi decretada como incidente sobre o prédio e a parcela expropriada tendo em vista a futura expropriação.

16. As referidas normas do regulamento do PDM tiveram em vista a futura DUP, antecedendo-a, pelo que essa restrição não pode diminuir o valor resultante do critério de justa indemnização.

17. A desvalorização da parte sobrante, porque o prédio, alvo de expropriação pela segunda vez, vê a sua área de armazenagem a céu aberto cada vez mais reduzida. Nesta conformidade à Expropriada deve ser atribuída uma indemnização pela perda de rendimento, conforme alegado no articulado 54 do requerimento de recurso da decisão arbitral, no montante de 11.820,00€.

18. As benfeitorias são devidamente avaliadas na ótica da sua reposição na parte sobrante, tudo de forma a que o proprietário possa ficar em condições idênticas à situação que existia antes da expropriação o que deveria ter sido decidido pela sentença recorrida.

19. As benfeitorias úteis existentes à data da DUP e que foram destruídas pelo ato expropriativo também deveriam ter sido incluídas no cálculo indemnizatório pela sentença recorrida.

20. A sentença deveria ter considerado os factos e documentos alegados e juntos pelos expropriados no recurso da decisão arbitral.

21. Quanto à arrendatária será determinada uma indemnização que lhe permita fazer as adaptações necessárias em termos de instalação de um sistema de armazenamento de botijas de gás que não lhe traga constrangimentos de acessibilidade de camiões às instalações.

22. Não existindo no processo elementos que permitam a aplicação do n.ºs 2 e 3 do artigo 26.º do C.E., a avaliação deveria ter sido efetuada com base nos n.ºs 4 e seguintes do mesmo artigo 26.º, o que a sentença recorrida não fez.

23. A sentença recorrida deveria ter utilizado como critério de avaliação a determinação do valor unitário do terreno com base na capacidade construtiva instalada no prédio, desenvolvendo-se um estudo analítico com base nos parâmetros dos nºs 6 e 7 do artº 26º CE, na percentagem total de 20,75 %.

24. A douta sentença recorrida não teve em consideração os factos provados sob os pontos de facto nº 4,5, 23,24,25,26 e 27 da decisão da matéria de facto que a integra.

25. A sentença recorrida deveria ter atendido à motivação do Perito do Expropriado que discordou dos Peritos maioritários, pois o mesmo é de opinião que os valores das benfeitorias descritas no recurso de arbitragem intentado pelo Expropriado mostram-se adequadas aos usos da atividade de construção civil.

26. A sentença recorrida deveria ter atendido e ponderado as razões do Perito do Expropriado que entende que o valor das benfeitorias descritas no recurso de arbitragem acrescidas da calculada em são as que mostram adequadas à presente situação, ou seja, o montante de: 17.173,49€ + 13.790,00€ = 30.963,49€.

27. A sentença recorrida deveria ter atribuído aos proprietários, quanto ao valor do terreno e valor das benfeitorias conforme referido supra, pelo que o valor da justa indemnização devera ser de:

Valor do Terreno da parcela – 16.804,10 €

Valor das benfeitorias – 30. 963,40€

TOTAL ------------------------------ 47.767,59€

OU

b) Valor do Terreno da parcela – 20.254,69 €

Valor das benfeitorias – 30. 963,40€

TOTAL ------------------------------ 51.218,09€

28. A sentença recorrida deveria ter atendido à argumentação do Perito do Expropriado porque o laudo dos peritos maioritários não descreve o verificado no local, durante a visita efetuada, quanto às obras já efetuadas pela arrendatária para reposição da situação que permita é empresa arrendatária laborar em condições que garantam o trabalho em segurança e simultaneamente não afetem a sua produtividade.

29. A expropriada arrendatária deve ser indemnizada na quantia de 149.133€ + 8.640 € = 157.773€ acrescidas de IVA à taxa em vigor, o que perfaz o total de 157.773€ + IVA à taxa em vigor.

I.15_ Notificada, a Expropriante/Recorrida apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso, alegando, além do mais, que “o recurso desacredita-se quando convoca como fundamento de razão a prevalência do laudo subscrito pelo Senhor Perito designado pelos expropriados. É que, com o devido respeito pelo trabalho produzido por esse Senhor Perito, existe toda uma maior solidez, toda uma maior certeza e segurança, toda uma maior independência e imparcialidade na fundamentação produzida pelos Senhores Peritos designados pelo Tribunal, aí onde a determinação dos prejuízos atendíveis e a quantificação dos valores demarcam os campos do JUSTO e do INJUSTO, do que é indemnização JUSTA e do que é razão especulativa no caminho do locupletamento.”.

I.16_ Por despacho de 21/3/2024, foi admitido o recurso.

I.17_ Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II_ Questões

Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Assim, perante as conclusões dos Recorrentes há que apreciar as seguintes questões:
1. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
2. Nulidade da sentença por ausência de fundamentação - artigo 615º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil.
3. Ampliação da decisão da matéria de facto com os seguintes factos:
1 – Na parcela expropriada existem arruamentos e passeios.
2 – A rede de saneamento possui ligação a estação de tratamento de águas residuais.
3 - A expropriada arrendatária é distribuidor/grossista de equipamentos que opera no sector da refrigeração - incluindo ar condicionado – fornecendo os seus clientes nas áreas de fabrico, montagem/instalação, manutenção e assistência técnica de sectores e infra-estruturas especialmente críticas como instalações hospitalares, necrotérios, farmacêuticas (incluindo as vacinas) e cadeias de abastecimento alimentar (desde a produção/processamento, armazenamento, transporte, distribuição/retalho até ao consumo), data centers e telecomunicações, bem como em inúmeros processos industriais e petroquímicos (facto 56 do recurso da decisão arbitral).
4 - No estabelecimento comercial onde está instalado o prédio e a parcela expropriada, nunca existiu qualquer estrutura de suporte e armazenamento dos cilindros de gás, (Ponto VI do Relatório de Arbitragem) (facto 58 do recurso da decisão arbitral).
5. – Uma vez que estes eram colocados directamente no solo conforme se pode confirmar nas fotografias (Ponto VI do Relatório de Arbitragem) (facto 58 do recurso da decisão arbitral).
6 - Esses cilindros de gás de refrigeração constituem um produto imprescindível para a normal e diária actividade comercial da expropriada “B..., Ldª”. (facto 59 do recurso da decisão arbitral)
7 - A reformulação do armazenamento dos cilindros no estabelecimento da expropriada arrendatária implica, além da execução de sapata e fundação para assentamento, a compra e montagem da respectiva estrutura e de um empilhador que permita as operações em segurança(facto 60 do recurso da decisão arbitral).
8 - A execução de todas as obras necessárias para a reformulação do tipo de armazenamento dos cilindros é imprescindível e vital para acomodar as necessidades da expropriada arrendatária e atenuar os constrangimentos causados pela expropriação(facto 61 do recurso da decisão arbitral).
9 - Estas obras são imprescindíveis para ultrapassar e mitigar os problemas colocados pela expropriação da parcela(facto 62 do recurso da decisão arbitral) .
10 - Tais obras são as seguintes:

• Proteção das pessoas – Ruído e projeções;

• Proteção das instalações – Intrusão e furto;

• Continuidade da actividade da empresa – Ao permitir a armazenagem dos cilindros em altura e assim continuarmos com a sua comercialização sem colocar em causa as manobras dos camiões TIR. (facto 63 do recurso da decisão arbitral) .

11 - Estas obras implicam a construção de uma parede em painéis de betão e acústicos, a reposição do canal para as águas pluviais e da rede de incêndio, o fornecimento e montagem de um Rack metálico Cantilever e respectiva sapata de fundação e a aquisição de um Empilhador que permita trabalhar com os cilindros nesta nova disposição em condições de segurança. (facto 64 do recurso da decisão arbitral).

12.1 - Os custos já contratualizados para a sua implementação são os seguintes:

• Projeto e fiscalização (A400) 10.050,00€ + IVA

• Parede em painéis de betão e acústicos (C...) 40.000,00€ + IVA

• Sapata fundação e canal para águas pluviais (EE) 24.168,00€ + IVA

• Rack metálico Cantileve(Schulte GmbH & Co. KG) 23.161,00€ + IVA

• Reforços da Sapata e montagem do Rack (Metallorum) 4.690,00€ + IVA

• Empilhador (2,5t) (Jungheinrich) 39.094,00€ + IVA

• Outros custos Serralharia e Pichelaria 7.500,00€ + IVA

TOTAL: 149.133€ (facto 65 do recurso da decisão arbitral) .

12.2 - Para que a empresa possa voltar à normalidade e deixe de acumular prejuízos e trabalho desnecessários, é indispensável a sua realização(facto 66 do recurso da decisão arbitral).

13 - A empresa aguarda por uma decisão final para saber se vai ter condições para continuar a armazenar os cilindros ou se vai ter de encontrar um novo espaço e consequente revisão do contrato de arrendamento(facto 67 do recurso da decisão arbitral).

14 - Quanto aos custos excedentários de mão-de-obra estima-se em não menos, até á presente data, de 2 homens X 4 horas X 9€/hora X 2 descargas/mês X 60 meses =8.640,00€.

15 - Nesta conformidade a estrutura de armazenamento de botijas teve de ser projetada de novo para permitir o armazenamento sem pôr em causa a circulação e manobra dos camiões(facto 69 do recurso da decisão arbitral).

16 - A arrendatária viu-se assim obrigada a recorrer aos serviços especializados de empresas externas que orçamentaram as obras necessárias à reorganização da zona de armazenamento de garrafas de gás, conforme cópias que se anexam (Doc.2) (facto 70 do recurso da decisão arbitral).

17 - A que ainda acresce a necessidade de aquisição de um empilhador para movimentar e armazenar as garrafas de gás na nova estrutura de armazenamento que foi orçamentado em 39.094,00€, acrescidos de IVA à taxa legal conforme cópias que se anexam (Doc. 3) (facto 71 do recurso da decisão arbitral).
4. Fixação da indemnização dos Expropriados proprietários na quantia de total de 47.767,59€ [valor da parcela expropriada 16.804,10 € + valor das benfeitorias 30.963,40€] ou de 51.218,09€ [valor da parcela 16.804,10 € + valor das benfeitorias 30. 963,40€] e da Expropriada arrendatária na quantia de 157.773€ [149.133€ + 8.640 €], acrescida de IVA à taxa em vigor.

III_Fundamentação de facto

Da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida foram considerados os seguintes factos:

“Factos provados:

1 - Por despacho n.º 2419/2016 (2ª série) do Exmo. Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas, de 22/1/2016, publicado no Diário da República, II Série, n.º 33, de 17/2/2016, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da seguinte parcela de terreno: Parcela n.º 78, com a área de 197 m2, que constitui parte do prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho da Maia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ...51 e inscrito na matriz rústica daquela freguesia sob o artigo n.º ...57.

2 - A expropriação em causa resultou da execução do empreendimento “A4 Auto-estrada Porto Amarante; Sublanço: .../... – Alargamento e Beneficiação para 2x4 vias”.

3 - A parcela expropriada tem as seguintes confrontações: do Norte com Auto-estrada, do Sul com parte restante do prédio, do Nascente e do Poente com Câmara Municipal da Maia.

4 – O prédio onde se integrava a parcela expropriada constitui um prédio urbano destinado a armazém com serviços comerciais, escritórios e respectivas instalações sanitárias, tendo ainda terreno destinado a logradouro.

5 – O prédio expropriado tinha a área real de terreno de 6.172 m2, sendo que a área real de implantação da construção é de 3.524, correspondendo a área de 869m2 a zonas afectas a serviços comerciais, escritórios e instalações sanitárias e a área de 2655 m2 a zona destinada a armazém.

6 - A parcela expropriada apresenta uma configuração trapezoidal, sendo plana e situa-se à cota do arruamento a Sul por onde é efectuada a entrada para a parcela/prédio.

7 - A parcela expropriada constituía a faixa de terreno do logradouro posterior que integrava a estrema norte do prédio (mais afastada da edificação), confrontando com a auto-estrada.

8 - A parcela encontra-se situada em zona non aedificandi de protecção à auto-estrada, não reunindo condições para aproveitamento autónomo.

9 – O prédio parcela confronta a sul com a rua... que possui as seguintes infra-estruturas: acesso rodoviário principal, com pavimentação a cubos de granito, rede de abastecimento domiciliário de água, rede de saneamento com ligação a estação de tratamento de águas residuais, rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão e iluminação pública, rede de águas pluviais, rede de gás e rede telefónica.

10 – Em frente ao prédio expropriado, o arruamento do lado do prédio não possui passeio, mas uma baía de estacionamento, sendo que, quer para nascente, quer para poente, o arruamento possuía passeio do lado do prédio.

11 – O solo da parcela expropriada era utilizado para o trânsito de veículos pesados e estava acabado com caixa em betão afagado sobre terreno devidamente compactado, com guias de cimento 10x25x15 cm numa malha quadriculada média de 5x5 metros para lhe conferir reforço e evitar fissuras.

12 - A área da parcela expropriada era ainda utilizada como logradouro, para armazenamento de materiais e espaço para manobras de entrada e saída nas instalações industriais de camiões de grandes dimensões.

13 – A vedação da parcela expropriada na confrontação a Norte era executada por um muro em blocos de cimento com uma espessura de 0,30m, com acabamento em cimento areado e pintado, constituído por 3 tramos de 16,70m cada e com alturas de 1,40m, 0,90m e 0,40m. Este muro era encimado por rede metálica quadrada de 5cm que termina com 3 fiadas de arame farpado, apoiada em estrutura de tubos de ferro redondos de 5cm diâmetro, espaçados de 2,50m, com uma altura de 1,80m e com pintura.

14 – Tal muro confinava com canteiro ajardinado (onde se encontrava uma boca-de-incêndio), com cerca de 0,70cm de largura, que se estende ao longo de todo o muro a Norte até à zona do alpendre a Poente.

15 – Sendo que entre esse canteiro e a zona do pavimento em betão existia um rego para as águas pluviais com 30cm de largura, executado em betão no seu fundo, lateralmente executado em guias de passeio em betão e que terminava em caixa de pavimento de águas pluviais com grelha em ferro e respetivas ligações.

16 - O muro na confrontação a Nascente era igual ao muro descrito em 13) mas com uma altura de 0,40m e um comprimento de 3,45m. Junto a este muro existia um rego de águas pluviais executado em betão no seu fundo, do lado do pavimento rematado com guia de passeio em betão e que terminava com a caixa de pavimento de águas pluviais com grelha em ferro acima referida.

17 - O muro a Poente com cerca de 6m de altura era executado em betão desde a fundação com cerca de 1,00m até cerca de 1,50m de altura e com uma espessura média de 0,50m. Em cima deste muro estava executada uma estrutura de pilar viga aproximadamente quadrada de 4,5x4m com 30cm de espessura e preenchida por blocos de cimento rebocado e pintado.

18 - Junto a este muro existia um alpendre em toda a largura da parcela com cerca de 4,50m, com uma profundidade cerca de 3,50m e uma altura cerca de 3,5m, cuja cobertura era executada em chapa tacada no exterior e zincada no interior e que também é utilizada encimando o muro a Norte e debaixo do alpendre, assente numa estrutura de ferro tubular de 10x3cm e asnas em ferro cantoneira 3x3cm.

19 - Ao abrigo desse alpendre estavam uns canis dos quais 3 são afetados pela expropriação, sendo que cada canil tem as dimensões aproximadas de 1,50x1,50x1,50 m, sendo executados numa estrutura em tubo de ferro com diâmetro de 4cm, vedado a rede quadrada de 6cm, com a cobertura em barrotes e aglomerado de madeira.

20 - Na parcela expropriada existia um poço de água que era utilizado para lavagem / limpeza, rega e rede de incêndio, tendo 1,45m de diâmetro exterior com cerca de 12m de profundidade, sendo todo revestido a manilhas de betão.

21 – E existia um rego para as águas pluviais com 30cm de largura, executado em betão no seu fundo, lateralmente executado em guias de passeio em betão e com grelha no topo em ferro 2x2cm e que vai ligar ao rego de águas pluviais junto ao muro a Norte.

22 - Na parcela expropriada encontravam-se armazenados 70 cilindros de gás refrigerante com as dimensões individuais de 2,30m x 0,80m de diâmetro, as quais têm um peso de 2000Kgs., sendo transportadas por tratores com semi-reboques que têm um comprimento de 18,75 metros.

23 - A envolvente da parcela expropriada é constituída por um misto de habitação e unidades industriais/armazéns.

24 – Sendo que nas proximidades do prédio expropriado existem construções destinadas a habitação unifamiliar.

25 – O prédio expropriado está próximo dos itinerários principais da rede rodoviária nacional, distando cerca de 1.200 metros do nó de acesso à A4.

26 – O prédio expropriado dista cerca de 8 quilómetros do centro do concelho de Maia.

27 - No prédio onde se integrava a parcela expropriada, no âmbito de um contrato de arrendamento, é exercida a actividade da sociedade “B..., S.A.”, a qual se dedica à actividade de refrigeração comercial e industrial – aparelhos e instalações.

28 - A expropriação da parcela supra mencionada obriga à reorganização do espaço disponível, designadamente pela reformulação da estrutura de suporte e de armazenamento das botijas, com aumento do armazenamento em altura e com uma disposição diferente da estrutura existente, com uma rotação de 90 graus (anteriormente as botijas estavam dispostas perpendicularmente ao muro posterior e passarão a estar horizontalmente ao referido muro).

29 – Sendo que o recurso a um Rack metálico Cantilever para armazenamento dessas mesmas botijas permitirá optimizar o espaço existente no logradouro posterior sem causar constrangimentos à circulação de viaturas.

30 – Para a instalação e implementação do Rack metálico Cantilever aludido em 29) terá de ser executada uma fundação em betão.

31 – A aquisição do Rack metálico Cantilever aludido em 29) e a realização das obras mencionadas em 30) orça na quantia global de Eur. 29.951,12.

32 - Nos termos do PDM da Maia em vigor à data da declaração de utilidade pública, a parcela expropriada estava inserida em zona classificada como “Estrutura Ecológica Urbana –Áreas Verdes de Enquadramento”.

33 - Sendo que o prédio do qual a parcela expropriada foi destacada está na sua maior parte classificada como “Áreas Verdes de Enquadramento”, com excepção da faixa confinante com a Rua ... até cerca de 35 metros de profundidade que estava classificada como “Áreas de Habitação Unifamiliar HU2”.

34 - Na planta de condicionantes, o terreno do prédio é abrangido pela servidão decorrente do atravessamento aéreo por Linhas Eléctricas de Alta Tensão – 60 KV.

35 - O Acórdão da Arbitragem fixou o valor da indemnização devido aos expropriados em Eur.40.114,35.

36 - A expropriante procedeu ao depósito da quantia de Eur. 40.114,35.

Factos não provados:

37 - Para permitir a continuação da actividade da expropriada arrendatária em condições análogas e similares às que se verificavam antes do acto expropriativo, seja necessário realizar obras de:

Protecção das pessoas – ruído e projecções;

Protecção das instalações – Intrusão e furto.

38 - Para assegurar a continuidade da actividade da expropriada arrendatária seja necessário a construção de uma parede em painéis de betão e acústicos, a reposição do canal para as águas pluviais e da rede de incêndio.

39 – Para assegurar a continuidade da actividade da expropriada arrendatária esta tenha de adquirir um novo empilhador.

40 – Em consequência do acto expropriativo supra mencionado, o valor da renda paga pela arrendatária aos expropriados tenha sofrido uma redução do seu montante mensal.”.

IV_ Fundamentação de direito

1ª Questão

Invocam os Recorrentes a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº1, alínea d), do Código de Processo Civil, sustentado que pelo Tribunal a quo não foi apreciada e decidida a questão da irrelevância da servidão non aedificandi para fixação da indemnização.

Advogam que a servidão non aedificandi serviu para acautelar que a parcela pudesse ter construções antes da expropriação e que não deve ser tida em conta como restrição ou diminuição do valor real e de mercado do prédio.

Cumpre apreciar e decidir.

Verifica-se o vício da omissão de pronúncia (artigo 615.º n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil) quando o tribunal deixe de conhecer qualquer questão colocada pelas partes ou que seja do conhecimento oficioso.

Esta nulidade está directamente relacionada com o artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.

Como vem sendo entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir.

Assim, a nulidade do acórdão com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras).

Conforme ensinava o Professor Alberto dos Reis, “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”[1].
Ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 9/3/2022[2]: «Como constitui jurisprudência uniforme do STJ, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia “apenas se verificará nos casos em que ocorra omissão absoluta de conhecimentos relativamente a cada questão e já não quando seja meramente deficiente ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes” (Acórdão do STJ de 16/11/2021, Revista n.º 5097/05.4TVLSB.L2.S3). - Neste sentido, vejam-se também os Acórdãos de 9/02/2021 (Incidente n.º 7228/16.0T8GMR.G1.S1), Acórdão de 12/01/2021 (Revista n.º 379/13.4TBGMR-B.G1.S1) e de 10/12/2020 (Revista n.º 189/14.1TBPTM.E1.S1)».

No mesmo sentido, refere o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 8/5/2019[3]:

“A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido.

O Tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (a não ser aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras), todavia, mas, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (vide, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).

Consta da decisão proferida pelo Tribunal a quo que “…nos termos do PDM da Maia em vigor à data da declaração de utilidade pública, a parcela expropriada estava inserida em zona classificada como “Áreas Verdes de Enquadramento, o mesmo sucedendo com parte substancial do prédio onde se integrava a referida parcela. Por outro lado, importa ainda ter presente que na planta de condicionantes, o terreno do prédio é abrangido pela servidão decorrente do atravessamento aéreo por Linhas Eléctricas de Alta Tensão – 60 KV, tendo ainda resultado demonstrado que a parcela encontra-se situada em zona non aedificandi de protecção à auto-estrada, não reunindo condições para aproveitamento autónomo.”

Observa o Tribunal a quo que “em face da construção já implantada no prédio expropriado, estará esgotada a capacidade construtiva do mesmo, sendo que, em qualquer dos casos, nenhuma construção poderia ser realizada na área da parcela expropriada.

Nessa medida, afigura-se inteiramente correcto o entendimento perfilhado, quer pelos Srs. Árbitros, quer pelos Srs. Peritos que subscreveram o laudo maioritário, que o valor a atribuir à parcela expropriada deverá ser o que proporcionalmente lhe couber enquanto parte integrante do prédio do qual foi desanexada.”.

Por último, o Tribunal a quo elenca as razões pelas quais concorda com a fundamentação e o cálculo constantes do relatório de avaliação maioritário cujo teor deu “como reproduzido.” Analisado o Relatório elaborado conjuntamente pelos Senhores Peritos indicados pelo Tribunal e pelo Senhor Perito indicado pela Expropriante, constata-se que pelos mesmos foi considerado que o facto de a “parcela expropriada estar abrangida pela servidão non aedificandi não releva quer para avaliação do terreno quer para qualquer eventual ponderação que se pudesse fazer da desvalorização do terreno da parte sobrante, uma vez que o terreno do prédio é avaliado como solo apto para a construção em função da capacidade construtiva nele já instalada”. Na resposta aos quesitos 3 e 4, os Senhores Peritos reiteraram tal entendimento.

Assim e salvo o devido respeito por entendimento diverso, pelo Tribunal a quo foi ponderada a existência da servidão non aedificandi, na atribuição da indemnização, acompanhando o entendimento vertido no relatório de avaliação maioritário.

Improcede, assim, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

2ª Questão

Da leitura articulada do corpo das alegações e das conclusões 8ª e 9ª, poder-se-á entender que os Recorrentes invocam a nulidade da sentença que esteiam na não fundamentação, pelo Tribunal a quo, da sua concordância com o relatório pericial, antes se limitando “a dizer que concorda com o resultado alcançado sem discriminar as razões e fundamentos que alicerçam tal conclusão”.

Na tentativa de demonstrarem a ausência de fundamentação, transcrevem parte da fundamentação que consta da sentença, na apreciação e decisão da questão “Da determinação do montante da indemnização”, inserida na fundamentação de direito, concluindo que “estas considerações genéricas da sentença recorrida são insuficientes para constituírem fundamento bastante para a decisão da fixação da indemnização em Eur. 11.518,59.”.

Dispõe o artigo 615.º n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil que “É nula a sentença quando [n]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial. A errada, incompleta ou insuficiente fundamentação não integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.

Ensinava o Professor Alberto dos Reis[4], “O que a lei comina de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocricidade da motivação é espécie diferente; afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”.

Em anotação ao artigo 615º do Código de Processo Civil, referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[5], “é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito ou que se caracterize pela sua ininteligibilidade (quanto a um caso de fundamentação ininteligível ou imperceptível, previsões que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (STJ 10-5-21, 3701/18, STJ 9-9-20, 1533.17, STJ 20-11-19, 62/07, STJ 2-6-16, 781/11)”.

Transpondo tais princípios para os presentes autos, da leitura da sentença resulta, de forma manifesta, que da mesma constam os fundamentos de facto e de direito: o Tribunal a quo indicou os factos que considerou provados e não provados, enunciou as questões a apreciar e decidir, explicou as razões que determinaram a qualificação da parcela expropriada como solo apto para construção e na determinação do montante da indemnização, expôs as razões que determinaram a concordância com o cálculo e valores apresentados pelos Senhores Peritos que subscreveram o laudo maioritário que deu como reproduzido, na sentença. Poder-se-á discordar da decisão ou considerar insuficiente a fundamentação, mas não é inexistente.

Assim, sem prejuízo da apreciação da questão referente aos critérios a considerar para fixação da indemnização e cálculo da mesma, em sede de erro de julgamento, improcede a nulidade da sentença recorrida, com fundamento na alínea b) do nº1 do artigo 615º do CPC.

3ª Questão

Pretendem os Recorrentes que à decisão da matéria de facto sejam aditados os seguintes factos:

1 – Na parcela expropriada existem arruamentos e passeios.

2 – A rede de saneamento possui ligação a estação de tratamento de águas residuais.

3 - A expropriada arrendatária é distribuidor/grossista de equipamentos que opera no sector da refrigeração - incluindo ar condicionado – fornecendo os seus clientes nas áreas de fabrico, montagem/instalação, manutenção e assistência técnica de sectores e infra-estruturas especialmente críticas como instalações hospitalares, necrotérios, farmacêuticas (incluindo as vacinas) e cadeias de abastecimento alimentar (desde a produção/processamento, armazenamento, transporte, distribuição/retalho até ao consumo), data centers e telecomunicações, bem como em inúmeros processos industriais e petroquímicos (facto 56 do recurso da decisão arbitral).

4 - No estabelecimento comercial onde está instalado o prédio e a parcela expropriada, nunca existiu qualquer estrutura de suporte e armazenamento dos cilindros de gás, (Ponto VI do Relatório de Arbitragem) (facto 58 do recurso da decisão arbitral).

5. – Uma vez que estes eram colocados directamente no solo conforme se pode confirmar nas fotografias (Ponto VI do Relatório de Arbitragem) (facto 58 do recurso da decisão arbitral).

6 - Esses cilindros de gás de refrigeração constituem um produto imprescindível para a normal e diária actividade comercial da expropriada “B..., Ldª”. (facto 59 do recurso da decisão arbitral) .

7 - A reformulação do armazenamento dos cilindros no estabelecimento da expropriada arrendatária implica, além da execução de sapata e fundação para assentamento, a compra e montagem da respectiva estrutura e de um empilhador que permita as operações em segurança(facto 60 do recurso da decisão arbitral).

8 - A execução de todas as obras necessárias para a reformulação do tipo de armazenamento dos cilindros é imprescindível e vital para acomodar as necessidades da expropriada arrendatária e atenuar os constrangimentos causados pela expropriação(facto 61 do recurso da decisão arbitral).

9 - Estas obras são imprescindíveis para ultrapassar e mitigar os problemas colocados pela expropriação da parcela(facto 62 do recurso da decisão arbitral) .

10 - Tais obras são as seguintes:

• Proteção das pessoas – Ruído e projeções;

• Proteção das instalações – Intrusão e furto;

• Continuidade da actividade da empresa – Ao permitir a armazenagem dos cilindros em altura e assim continuarmos com a sua comercialização sem colocar em causa as manobras dos camiões TIR. (facto 63 do recurso da decisão arbitral) .

11 - Estas obras implicam a construção de uma parede em painéis de betão e acústicos, a reposição do canal para as águas pluviais e da rede de incêndio, o fornecimento e montagem de um Rack metálico Cantilever e respectiva sapata de fundação e a aquisição de um Empilhador que permita trabalhar com os cilindros nesta nova disposição em condições de segurança. (facto 64 do recurso da decisão arbitral).

12.1 - Os custos já contratualizados para a sua implementação são os seguintes:

• Projeto e fiscalização (A400) 10.050,00€ + IVA

• Parede em painéis de betão e acústicos (C...) 40.000,00€ + IVA

• Sapata fundação e canal para águas pluviais (EE) 24.168,00€ + IVA

• Rack metálico Cantileve(Schulte GmbH & Co. KG) 23.161,00€ + IVA

• Reforços da Sapata e montagem do Rack (Metallorum) 4.690,00€ + IVA

• Empilhador (2,5t) (Jungheinrich) 39.094,00€ + IVA

• Outros custos Serralharia e Pichelaria 7.500,00€ + IVA

TOTAL: 149.133€ (facto 65 do recurso da decisão arbitral) .

12.2 - Para que a empresa possa voltar à normalidade e deixe de acumular prejuízos e trabalho desnecessários, é indispensável a sua realização(facto 66 do recurso da decisão arbitral).

13 - A empresa aguarda por uma decisão final para saber se vai ter condições para continuar a armazenar os cilindros ou se vai ter de encontrar um novo espaço e consequente revisão do contrato de arrendamento(facto 67 do recurso da decisão arbitral).

14 - Quanto aos custos excedentários de mão-de-obra estima-se em não menos, até á presente data, de 2 homens X 4 horas X 9€/hora X 2 descargas/mês X 60 meses =8.640,00€.

15 - Nesta conformidade a estrutura de armazenamento de botijas teve de ser projetada de novo para permitir o armazenamento sem pôr em causa a circulação e manobra dos camiões(facto 69 do recurso da decisão arbitral).

16 - A arrendatária viu-se assim obrigada a recorrer aos serviços especializados de empresas externas que orçamentaram as obras necessárias à reorganização da zona de armazenamento de garrafas de gás, conforme cópias que se anexam (Doc.2) (facto 70 do recurso da decisão arbitral).

17 - A que ainda acresce a necessidade de aquisição de um empilhador para movimentar e armazenar as garrafas de gás na nova estrutura de armazenamento que foi orçamentado em 39.094,00€, acrescidos de IVA à taxa legal conforme cópias que se anexam (Doc. 3) (facto 71 do recurso da decisão arbitral).

De acordo com o previsto no nº 1 do artigo 5º do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.

O Tribunal ad quem deve proceder à ampliação da matéria de facto sempre que conclua que existe matéria de facto alegada pelas partes, essencial à luz das diversas soluções plausíveis das questões decidendas e que não foi conhecida pelo tribunal recorrido. Além de tais factos, articulados pelas partes, são ainda considerados pelo Tribunal os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Vejamos, então, se assiste razão aos Recorrentes/Expropriados.
(i) Facto constante do ponto 1: Na parcela expropriada existem arruamentos e passeios”

Sustentam os Recorrentes que:
a. No relatório de Arbitragem está referido que os Árbitros constataram a existência de arruamentos e passeios e que foram considerados para efeitos de avaliação.
b. Dos documentos obtidos com recurso ao Google Maps - Street View e das fotografias juntas mostra-se possível apurar que “em frente ao prédio de onde a parcela expropriada foi destacada, o arruamento do lado do prédio não possui, nem possuía (à data da DUP) passeio, mas sim uma baía de estacionamento. No entanto quer para Nascente, quer para Poente, o arruamento possui e possuía (à data da DUP) passeios do lado do prédio.
c. No relatório de peritagem do Senhor Perito indicado pelos expropriados, os passeios encontram-se evidenciados nos extractos de fotografias da Rua ....

Concluíram que o aditamento deste facto releva por determinar a reapreciação da avaliação da parcela, efectuada pelos Senhores Peritos.

Consta da Vistoria “AD PERPETUAM REI MEMORIAM” – junta com o requerimento de 30/7/2020 -, no ponto “Infraestruturas”, “a inexistência de passeios” no prédio/parcela expropriada. Os Senhores Árbitros concluíram de forma diversa, na Decisão arbitral.

Dos presentes autos consta um relatório pericial com a posição dos Senhores Peritos indicados pelo tribunal e do Senhor Perito indicado pela Expropriante existindo unanimidade entre todos; e um segundo relatório pericial com a posição, divergente, do Senhor Perito indicado pelos Expropriados.

Como observa este Tribunal, no Acórdão de 6/11/2011[6]:

“2- Em caso de disparidade de laudos deve dar-se prevalência ao subscrito pelo colégio de peritos nomeados pelo tribunal, de entre os constantes de lista oficial, já que para além da presumida competência que se lhes reconhece, é o que oferece maiores garantias de independência e de imparcialidade, face à distanciação que mantém em relação às posições do expropriante e do expropriado.

3 - Esse valor probatório apenas será de excluir se outros preponderantes elementos de prova o infirmarem, se padecer de erro grosseiro ou se for contrário a normas legais vinculativas.”.

Do Relatório Pericial elaborado pelos Senhores Peritos indicados pelo tribunal e pelo Senhor Perito indicado pela Expropriante consta:

Referem, posteriormente, que:

Juntaram, ao Relatório, fotografias com vista a demonstrar a conclusão obtida quanto à existência/inexistência de passeio.

Do relatório pericial da autoria do Senhor Perito indicado pelos Expropriados resulta exactamente o mesmo. O Senhor Perito refere expressamente que “existe uma baía de estacionamento a qual se estende do limite da faixa de rodagem até ao muro da expropriada”. Contudo, pelo Senhor Perito foi emitida opinião no sentido de “a baía de estacionamento também serve de passeio pois as pessoas circularão nesta e não na faixa de rodagem, por questões de segurança.”. Salvo o devido respeito, baia de estacionamento e passeio são realidades distintas ainda que os peões possam circular naquela: baia de estacionamento consiste num espaço reservado aos veículos; “passeio” é uma superfície da via pública que ladeia a faixa de rodagem e que se destina à circulação de peões”[7].

As fotografias juntas pelos Senhores Peritos permitem aferir, com clareza, a existência de ambas as realidades.

Por último, consta da matéria de facto provada que “10 – Em frente ao prédio expropriado, o arruamento do lado do prédio não possui passeio, mas uma baía de estacionamento, sendo que, quer para nascente, quer para poente, o arruamento possuía passeio do lado do prédio.”.

Pelo exposto, nenhum facto há que aditar à matéria de facto provada, pelo que improcede a pretensão recursória, nesta parte.


(ii) Facto constante do ponto 2:A rede de saneamento possui ligação a estação de tratamento de águas residuais”

Pretendem os Recorrentes/Expropriados que seja aditado à decisão da matéria de facto o seguinte facto “A rede de saneamento possui ligação a estação de tratamento de águas residuais”, com fundamento na “constatação efectuada pelo perito da expropriada no seu relatório - pág. 5.”.

Consta do Relatório dos Senhores Peritos indicados pelo tribunal e do Senhor Perito indicado pela Expropriante que “embora a V.A.P.R.M não o refira expressamente, a rede de saneamento possui ligação a estação de tratamento de águas residuais”, tendo o Tribunal a quo considerado demonstrado que [ponto 9 dos factos provados] “O prédio de onde se destaca a parcela confronta a sul com a rua... que possui as seguintes infra-estruturas: (…) rede de saneamento com ligação a estação de tratamento de águas residuais (…)”.

Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, improcede a pretensão recursória, nesta parte.
(iii) Factos constantes dos pontos 3 a 17.

Pretendem os Recorrentes/Expropriados que sejam aditados à decisão da matéria de facto os factos indicados sob os pontos 3 a 17, sustentando que não se mostram impugnados e que se encontram demonstrados pelos documentos que juntaram com a peça de recurso da decisão arbitral.

Da análise da matéria constante dos pontos 3 a 17, constata-se que os pontos 6, 8, 9, 10, 12.2, 15 e 16 contêm juízos conclusivos e não matéria de facto. Para a decisão de facto importa carrear, apenas, os factos alegados e provados que se mostrarem pertinentes para a apreciação das questões decidendas, à luz das diversas soluções plausíveis pois, há que aplicar o direito à factualidade e não a juízos conclusivos apresentados como sendo factos. Assim, improcede a pretensão recursória quanto a tais juízos conclusivos.

E quanto aos demais pontos?

Nos processos de expropriação por utilidade pública, a decisão arbitral constitui uma decisão susceptível de recurso, sujeito, na parte possível, às normas estabelecidas nesta matéria pelo Código de Processo Civil.

Ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 22/2/2017[8], “O processo de expropriação constitui um processo especial dimensionado pelo regime jurídico condensado no C.Exp” tendo a decisão arbitral “a natureza de um julgamento, ocupando a arbitragem o lugar que normalmente ocuparia o tribunal de comarca, este o lugar da Relação e esta a do STJ, com as respetivas alçadas”.

Constituindo a decisão arbitral em processo de expropriação uma verdadeira decisão judicial proveniente de um tribunal arbitral necessário, aplicando-se, por isso, ao recurso que incide sobre a mesma o regime dos recursos estabelecido no Código do Processo Civil, com as necessárias adaptações, não assiste razão aos Recorrentes quanto ao efeito cominatório que pretendem ver aplicado. À resposta às alegações apresentadas, na fase de recurso, não se aplica o disposto no artigo 574º, nºs 1 e2, do CPC.

Acresce que, da leitura atenta da resposta apresentada, após notificada nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 59º e 60º do C.E., verificar-se-á que a Recorrida/Expropriante rejeita a existência de prejuízo para a arrendatária, decorrente da expropriação da parcela de 197m2, entendendo que a indemnização reclamada por esta tem “como finalidade criar condições novas de exercício da actividade quando o imóvel arrendado se mantém o mesmo e oferece as mesmas condições de aproveitamento”.

Analisados os documentos juntos pelos Recorrentes com a peça de recurso da decisão arbitral, facilmente se constata que tais elementos de prova são insuficientes para demonstrar a actividade da arrendatária que se encontra vertida no ponto 3 [sem olvidar o facto que já consta vertido na matéria de facto provada, sob o ponto 3 dos factos provados]; a alegada necessidade, decorrente da expropriação, de aquisição de um empilhador “para movimentar e armazenar as botijas” (pontos 7 e 17) [considerando a disposição em que se encontravam as botijas armazenadas, aquando da Vistoria “AD PERPETUAM REI MEMORIAM” – cfr. fotografias –, os elementos de prova indiciam que a necessidade de “movimentar e armazenar as botijas” não surge com o acto expropriativo]; que a expropriação da parcela colocou problemas de “ruído” e de “intrusão e furto” nas instalações e, consequentemente, a alegada necessidade das obras indicadas no ponto 10; e que a continuidade do exercício da actividade pela arrendatária se encontra comprometida sem a execução de tais obras. Tais documentos são igualmente insuficientes para demonstrar que a arrendatária “aguarda uma decisão final para saber se vai ter condições para continuar a armazenar os cilindros ou se vai ter de encontrar um novo espaço e consequente revisão do contrato de arrendamento”.

Invocam, ainda, os Recorrentes o relatório pericial elaborado pelo Senhor Perito por si indicado.

Conforme já explicado, em caso de disparidade de laudos periciais, quer pela sua competência técnica, quer pelas melhores garantias de imparcialidade que os mesmos oferecem, confere-se preferência ao laudo dos peritos oficiosamente escolhidos, excepto se se verificar a existência de erro, incorrecções ou inobservância dos critérios legalmente estabelecidos e aos quais também se encontram vinculados.

Pelos Senhores Peritos indicados pelo tribunal foi esclarecido, no relatório que elaboraram:

E indicaram a solução que entendem ser “razoável” e a “tecnicamente mais ajustada”, permitindo “optimizar o espaço existente no logradouro posterior e assim sem causar qualquer constrangimento à circulação de viaturas”. Explicaram, de forma objectiva, quais as obras necessárias e o respectivo custo com recurso a dois documentos juntos pelos Expropriados que justificaram, referindo que os valores constantes desses documentos mostram-se razoáveis para o equipamento em causa e respectiva montagem.

Com o relatório pericial elaborado pelo Senhor Perito indicado pelos Recorrentes foram juntos documentos. Da mera junção de uma proposta e de facturas não se pode extrair, por si só, a conclusão que em face da expropriação da parcela, são necessárias as alegadas obras, bem como a aquisição do material e equipamento que consta elencado na proposta negocial e facturas.

Importa, ainda, fazer uma breve referência à existência/inexistência de uma estrutura de apoio de colocação das botijas de gás.

Salvo o devido respeito, das fotografias juntas aos autos não se mostra possível concluir que “nunca” existiu, na parcela expropriada, qualquer estrutura para apoio das botijas de gás.

Da Vistoria “AD PERPETUAM REI MEMORIAM” – junta com o requerimento de 30/7/2020 -, não consta a referência a qualquer estrutura de apoio de colocação de botijas de gás refrigerante mas, apenas, que “[o] solo da parcela é utilizado para trânsito de veículos pesados, está acabado com caixa em betão afagado sobre terreno devidamente compactado, com guias de cimento 100x25x15cm numa malha quadriculada média de 5x5 m para lhe conferir reforço e evitar fissuras” e que “[a] área da parcela é utilizada essencialmente como logradouro para armazenamento de materiais e espaço para manobras de entrada e saída nas instalações industriais de camiões de grandes dimensões”. No entanto, das fotografias juntas para ilustrar as “benfeitorias/existências” e que “[n]a parcela encontravam-se armazenados 70 cilindros de gás refrigerante com as dimensões individuais de 2,30m x 0,80” facilmente se constata que os cilindros não se encontram assentes directamente no solo (cfr. fotografia da parcela vista Norte e Poente).

O relatório de arbitragem menciona a existência de uma estrutura de apoio de colocação de botijas de gás refrigerante (ponto VI), acrescentando que “ao ser deduzida a área de 197m2, e em face da restante área disponível não se mostrou possível efectuar a deslocação directa da estrutura de suporte das botijas para a parte sobrante…”..

Não deixa de ser curioso que os Recorrentes, embora rejeitem a existência de uma estrutura para colocação das botijas, pretendem ver aditado, à decisão da matéria de facto, com base nos pontos 60, 69 e 71 das alegações do recurso da decisão arbitral, que “a estrutura de armazenamento de botijas teve de ser projetada de novo …”; “acresce a necessidade de aquisição de um empilhador para movimentar e armazenar as garrafas de gás na nova estrutura de armazenamento…”.

Por último, a decisão da matéria de facto, proferida pelo Tribunal a quo não foi objecto de impugnação, constando do elenco dos factos não provados que “39 – Para assegurar a continuidade da actividade da expropriada arrendatária esta tenha de adquirir um novo empilhador.”.

Pelo exposto, não se mostra demonstrada a factualidade que os Recorrentes pretendem ver aditada, pelo que improcede a pretensão recursória.

4ª Questão

Dissentem os Recorrentes da decisão proferida pelo Tribunal a quo por considerarem a indemnização atribuída “inferior ao valor real e corrente do bem expropriado”, pugnando como “justa indemnização” pela parcela expropriada o valor de 26.804,10€ ou valor de 20.254,69€

O artigo 62.º da Constituição, sob a epígrafe “direito de propriedade privada” e no capítulo dedicado aos direitos e deveres económicos, estabelece, no seu nº1, que “A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da constituição”, dispondo o nº2 que “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.

Em conformidade com o direito fundamental de propriedade privada, dispõe o artigo 1308º do Código Civil que “Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade, senão nos casos fixados na lei”, e o artigo 1310.º que “Havendo expropriação por utilidade pública (…), é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares de outros direitos reais afectados.”.

Refere Oliveira Ascensão[9], “a propriedade não é um direito absoluto e está socialmente condicionada; ela terá de ceder perante objectivos socialmente prevalecentes, mas da garantia da propriedade resulta ainda que, caso ela necessite ser sacrificada, há-de haver contrapartida em justa indemnização”.

Escreve João Pedro de Melo Ferreira[10], “[u]ma indemnização justa (na perspectiva do expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos. (Ac. Tribunal Constitucional de 10-7-1998, Diário da República, II Série nº157, p. 9579).

Na doutrina, continua a prevalecer a definição de justa indemnização de Alves Correia: «De uma maneira geral, entende-se que o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda.”.

Para a densificação do conceito de “justa indemnização” assume particular importância o nº 1 do artigo 23º do Código das Expropriações, aprovado pelo DL nº 168/99, de 18 de Setembro, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 13/2002 de 19/2, 4-A/2003 de 19/2, 67-A/2007, de 31/12 e 56/2008, de 04/09 (sendo o regime jurídico aplicável o vigente à data da publicação da declaração de utilidade pública da presente expropriação) que dispõe “A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.”.

Como observa o Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão de 15/1/2013[11]:

«A jurisprudência constitucional tem considerado que a referida indemnização só é justa se respeitar nos critérios para a sua atribuição os princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, ressarcindo o expropriado do prejuízo por ele efectivamente sofrido, razão pela qual, a mesma não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória, meramente simbólica ou desproporcionada à perda do bem expropriado. Acentua-se ainda que o expropriado não pode ser beneficiado com a expropriação nem o expropriante pode ser prejudicado, motivo por que, não se deve atender a factores especulativos que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela.

«O conceito de indemnização aqui em causa tem, pois, a estrutura a um tempo jurídica e económica, cuja justeza se deve traduzir no equilíbrio económico entre o objecto expropriado e a respectiva indemnização, em correspondência tendencial ao valor real dos bens expropriados. (…)

Com efeito, o prejuízo do expropriado e de outros interessados corresponde ao valor real e corrente dos bens expropriados, de acordo com o seu destino efectivo ou possível, numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes nessa data.

Assim, relevam as circunstâncias e condições de facto existentes à data da publicação da declaração de utilidade pública, não só quanto ao destino efectivo dos bens em causa, como também quanto ao destino possível numa utilização económica normal.(…)

A referência legal ao destino possível dos bens, isto é, à possibilidade do seu aproveitamento no momento da publicação da declaração de utilidade pública da expropriação, depende não só da sua natureza, localização e estado, como também do regime jurídico definidor do respectivo aproveitamento.

O critério para que a lei aponta é o do valor de mercado ou venal, comum ou de compra e venda, tendo em conta todas as características dos bens em causa com influência na respectiva valoração patrimonial, por exemplo a histórica ou panorâmica, o que se conforma com o princípio da igualdade em relação aos proprietários de prédios não expropriados»[7].

Neste sentido tem avançado a jurisprudência do tribunal constitucional, entendendo como critério mais adequado ou mais apto para alcançar uma compensação integral do sacrifício patrimonial infligido ao expropriado e para garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto, é o do valor de mercado, também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo, na medida em que estamos perante um “valor de mercado normal ou habitual”, não especulativo, isto é, um valor que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correcções (que se manifestam em reduções e em majorações legalmente previstas), as quais são ditadas por exigências da justiça [8].».
Ensina Fernando Alves Correia[12], “A obrigação de indemnização por expropriação não se confunde com o dever de indemnização correspondente à responsabilidade civil por factos ilícitos, pelo risco e pela violação de deveres contratuais (…), englob[ando] apenas a compensação pela perda patrimonial suportada e tem como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de valor igual”. Considera que “o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda, permitindo-lhe, assim, com o mesmo montante, adquirir, se quiser, outro bem idêntico ou semelhante e assegurando-lhe a inalterabilidade do activo da sua situação patrimonial pela substituição daquele bem pelo respectivo valor equivalente, proporcionando-lhe dinheiro suficiente para assegurar a adequada substituição do bem de que foi privado e prevenindo com isso a violação do princípio da igualdade dos particulares perante os encargos públicos e da imparcialidade da actuação da Administração perante os bens particulares.”.

Transpondo tais princípios para os presentes autos, vejamos se assiste razão aos Recorrentes.

Os Senhores Peritos indicados pelo Tribunal e o Senhor Perito indicado pela Expropriante qualificaram a parcela expropriada como “solo apto para construção”, nos termos do artigo 25º, nº1, alínea a) do Código das Expropriações, qualificação que já resultava da Decisão Arbitral, não tendo sido posta em causa pelos Recorrentes.

Nas conclusões, os Recorrentes expressam a sua discordância quanto à indemnização atribuída aos Expropriados proprietários referente ao valor da parcela expropriada que consideram “inferior ao valor real e corrente do bem expropriado, que tem de corresponder ao valor de mercado”, sustentando que as “considerações genéricas da sentença recorrida são insuficientes para constituírem fundamento bastante para a decisão da fixação da indemnização em Eur. 11.518,59”.

Concluem que o Tribunal a quo devia ter atribuído aos proprietários, quanto ao valor do terreno da parcela expropriada a quantia de 16.804,10€ ou a quantia de 20.254,69 €.

Da leitura articulada do corpo das alegações e das conclusões resulta que os Recorrentes dissentem do custo da construção com referência à Portaria nº 353/2013, de 4 de Dezembro, que fixou para o ano de 2014 o custo da construção na zona I (onde se insere o concelho da Maia) em 801,06 € por m2 de área útil de construção, com a actualização através da aplicação dos índices de actualização para o arrendamento urbano. Advogam que:

(i) A Portaria nº353/2013, de 4/12/2013, indica os preços de habitação por metro quadrado de área útil para a determinação dos valores de renda condicionada. No caso concreto, estamos perante um prédio que tem nele implantado um armazém onde é desenvolvida uma actividade específica de refrigeração industrial.

(ii) Na habitação, admite-se um coeficiente de conversão de área bruta em área útil porque existem partes comuns, nomeadamente, caixas de escada, patamares de escada, caixa de elevadores e casa das máquinas, que não integram a área do fogo. No caso concreto, estamos perante um armazém onde não existem partes comuns, razão pela qual não deve ser aplicado o coeficiente de conversão de área bruta em área útil.

(iii) Os coeficientes de 0,60 e 0,80, utilizados nos cálculos dos Senhores Peritos maioritários, não se encontram fundamentados em razão de ciência e são aplicados ao valor do metro quadrado que calcularam para habitação de renda condicionada quando, no caso concreto, estamos perante um armazém com a actividade de refrigeração industrial.

Da leitura articulada do corpo das alegações e das conclusões resulta, também, a discordância quanto à atribuição da percentagem total de 20,75%, nos termos do artigo 26º do Código das Expropriações. Sustentam, em suma, que o Tribunal a quo não teve em consideração os factos considerados provados e ínsitos nos pontos 4, 5, 23, 24, 25, 26 e 27 da matéria de facto provada, nem o que decorre da vistoria ad perpetuam rei memoriam; e “a zona non aedificandi de protecção à autoestrada não deve ser tida em conta como restrição ou diminuição do valor real e de mercado do prédio”. Embora no segmento final da conclusão 23ª mencionem a percentagem total de 20,75%, ou seja, a atribuída no laudo maioritário e que mereceu acolhimento do Tribunal a quo, no cálculo pugnado para alcançar o valor da parcela expropriada, os Recorrentes fazem uso, em alternativa, da percentagem total de 25% por referência à informação da AT, sendo o valor de €20.254,69, reclamado a título de indemnização pelo valor da parcela, alcançado com base nessa percentagem[13].

Concluem que o valor do metro quadrado de 58,47€ encontrado pelos Senhores Peritos indicados pelo Tribunal e pelo Senhor Perito indicado pela Expropriante não representa o valor de mercado, acrescentando que o Senhor Perito por si indicado efectuou uma prospecção de terrenos para edificação de armazéns na zona e não encontrou qualquer terreno a esse valor. Advogam que os valores do laudo maioritário pelos critérios constantes do Código das Expropriações não conduzem ao valor de mercado do bem e pugnam pela fixação da indemnização “de acordo com as recomendações do IVSC – International Valuation Standards Committee (IVS), pelo método comparativo de mercado e/ou método do rendimento e/ou método do valor residual – Discounted Cash Flow. Por aplicação desse critério, entendem que para a justa indemnização o valor do metro quadrado deve ser fixado em 85,30€/m², considerando a percentagem sobre o custo da construção atribuído no laudo maioritário [20,75%], ou em 102,77€/m², considerando a percentagem sobre o custo da construção utilizada pela AT [25%].

Como observa o Tribunal a quo, «a parcela expropriada estava inserida em zona classificada como “Áreas Verdes de Enquadramento[14], o mesmo sucedendo com parte substancial do prédio onde se integrava a referida parcela. Por outro lado, importa ainda ter presente que na planta de condicionantes, o terreno do prédio é abrangido pela servidão decorrente do atravessamento aéreo por Linhas Eléctricas

de Alta Tensão – 60 KV, tendo ainda resultado demonstrado que a parcela encontra-se situada em zona non aedificandi de protecção à auto-estrada, não reunindo condições para aproveitamento autónomo. Por fim, importa ter presente que, em face da construção já implantada no prédio expropriado, estará esgotada a capacidade construtiva do mesmo, sendo que, em qualquer dos casos, nenhuma construção poderia ser realizada na área da parcela expropriada. Nessa medida, afigura-se inteiramente correcto o entendimento perfilhado, quer pelos Srs. Árbitros, quer pelos Srs. Peritos que subscreveram o laudo maioritário, que o valor a atribuir à parcela expropriada deverá ser o que proporcionalmente lhe couber enquanto parte integrante do prédio do qual foi desanexada.”.

Dispõe o nº1 do artigo 26º do Código das Expropriações, sob a epígrafe “Cálculo do valor do solo apto para a construção”, que “O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no n.º 5, do artigo 23.º”, estipulando o nº 2 que “O valor do solo apto para construção será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10%.”.
Nos termos do nº 4 do artigo 26º do Código das Expropriações, “Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.”.
No caso dos autos, na ausência de elementos que permitam a avaliação do solo ao abrigo do disposto no nº 2, do citado preceito, os Senhores Peritos indicados pelo Tribunal e o Senhor Perito indicado pela Expropriante fixaram o valor do solo tendo em conta os critérios do n.º 4, ou seja, há que calcular o custo normal da construção, em condições normais de mercado, impondo o nº 5 que “Na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada”.
Entenderam os Senhores Peritos, no laudo maioritário, aplicar como referência o valor dos preços da habitação por metro quadrado, para efeitos de cálculo da renda condicionada, fixados pela Portaria nº 353/2013, de 4 de Dezembro, para vigorar no ano de 2014, sendo o valor da Zona I, em que se insere o concelho da Maia, de 801,06 €/m2, actualizado de acordo com os coeficientes de actualização anuais publicados pelo INE conforme os Avisos nº 11680/2014 e 10784/20152, e arredondado para €800m2. Igual entendimento já havia sido perfilhado pelos Senhores Árbitros, na decisão arbitral de 20/2/2021[15].

No que respeita ao cálculo do custo da construção com recurso ao critério referencial constante do nº 5 do artigo 26º do C.E. e consequente rejeição dos valores avançados pelo Senhor Perito dos Recorrentes, consta da sentença recorrida que “a avaliação do prédio não pode ser determinada quase de modo exclusivo pelo preço de transacção de outros prédios, mais ou menos distantes, sobretudo quando não se demonstra que tais prédios tenham as mesmas características do prédio expropriado. Acresce que terá de se atender necessariamente ao valor determinado em função da data em que ocorreu o facto expropriativo e não por referência a uma qualquer outra data.”.
Analisado o relatório elaborado pelo Senhor Perito nomeado pelos Expropriados e o modo como alcançou o valor de construção, concorda-se com o decidido pelo Tribunal a quo. O Senhor Perito indicado pelos Expropriados entende que o valor do metro quadrado de 58,47€/m² não representa o valor de mercado, justificando esta sua conclusão com a afirmação “o signatário efectuou uma prospeção de terrenos para edificação de armazéns na zona e não encontrou qualquer terreno a esse valor” e “após prospeção dos valores de arrendamento de armazéns na zona, constatou que o valor de arrendamento por metro quadrado se situa num intervalo de confiança cujo valor médio é de 3€/m², pelo que iremos calcular o valor do terreno pelo método do rendimento”.

Salvo o devido respeito por entendimento contrário, tais afirmações, sem qualquer outra informação - nomeadamente as características dos armazéns e a sua localização; a data a que respeita o valor do arrendamento -, não põem em causa o relatório técnico dos Senhores Peritos indicados pelo Tribunal e os cálculos pelos mesmos efectuados com recurso ao critério referencial constante do nº5 do artigo 26º do C.E.[16] e com base na capacidade construtiva instalada no prédio, mediante um estudo analítico assente nos seguintes parâmetros:
- Área total do terreno do prédio – 6.172 m2;
- Área de construção destinada a armazém – 2.655 m2 (armazém – 1 piso);
- Área de construção com dois pisos (2 x 434,50 m2) – 869 m2 (zonas afectas a serviços comerciais, escritórios, instalações sanitárias, etc);
- Área bruta total de construção (2.655 m2 + 869 m2) – 3.524 m2.
Improcede, assim, o recurso, nesta parte.
E quanto à percentagem atribuída no laudo maioritário?
Dispõe o artigo 26º, do Código das Expropriações, no seu nº6, que “Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte”, estipulando no nº7:

A percentagem fixada nos termos do número anterior poderá ser acrescida até ao limite de cada uma das percentagens seguintes, e com a variação que se mostrar justificada:
a) Acesso rodoviário, com pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela - 1,5%;
b) Passeios em toda a extensão do arruamento ou do quarteirão, do lado da parcela - 0,5%;
c) Rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela - 1%;
d) Rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela - 1,5%;
e) Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão com serviço junto da parcela - 1%;
f) Rede de drenagem de águas pluviais com colector em serviço junto da parcela - 0,5%;
g) Estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento com serviço junto da parcela - 2%;
h) Rede distribuidora de gás junto da parcela - 1%;
i) Rede telefónica junto da parcela - 1%. “.

Explicaram os Senhores Peritos indicados pelo Tribunal e o Senhor Perito indicado pela Expropriante que:

«A percentagem adotada para valorização do terreno teve em atenção o estipulado no artigo 26º do Código das Expropriações, nomeadamente as infraestruturas que serviam o prédio, bem como a “avaliação” global que se faz da localização e qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona. Em termos de qualidade ambiental não foram detetados focos de poluição significativos na envolvente mais próxima, podendo dizer-se que a parcela gozava de razoável qualidade ambiental, embora afetada negativamente pelo facto de o prédio confrontar com a autoestrada A4 onde circulava e circula intenso tráfego rodoviário, embora para efeitos de atividade industrial esta situação não tenha repercussão significativa. Quanto à localização e equipamentos, foi ponderada a inserção do terreno na freguesia ..., concelho da Maia em zona de características mistas, predominantemente habitacional e com alguns edifícios industriais, e afastada do centro do concelho a que pertence (cidade da Maia). Considera-se assim que a percentagem global de 11 % traduz a realidade local e ambiental da parcela na ótica de um aproveitamento construtivo do tipo industrial e conduz ao valor real e corrente do terreno com aptidão construtiva.».[17]

No que tange às infraestruturas, foram “consideradas as indicadas na V.A.P.R.M.”, tendo considerado as seguintes percentagens para a valorização do solo [18]:

A avaliação efectuada pelos Senhores Peritos no laudo maioritário, diverge da avaliação anteriormente efectuada pelos Senhores Árbitros quanto à alíneas b) e g) do nº 7 do artigo 26º do C.E., tendo por aqueles sido justificada a atribuição de 0,25% e não de 0,50% [atribuído na decisão arbitral] pelo facto de não existir passeio em frente do prédio, facto que consta da matéria de facto provada[19].

Tendo o Tribunal a quo acompanhado o laudo maioritário e dado o mesmo por reproduzido na fundamentação jurídica, foram considerados os factos vertidos nos pontos 4, 5, 23, 24,25, 26 e 27 dos factos provados[20], pelo que, salvo o devido respeito, não assiste razão aos Recorrentes, no argumento aduzido na conclusão 24ª do seu recurso, nem é compreensível a argumentação constante das conclusões 22ª e 23ª, pois, conforme se demonstrou, a avaliação foi efectuada com base nos n.ºs 4 e seguintes do artigo 26.º do C.E. e mediante o recurso ao critério referencial constante do nº5 do mesmo artigo.

Consideraram, ainda, os Senhores Peritos, no laudo maioritário, que “parte do terreno do prédio e a parcela expropriada na sua totalidade estavam abrangidos à data da DUP pela servidão non aedificandi de proteção à autoestrada A4, tomando por base as disposições da Lei n.º34/2015, de 27 de abril aplicáveis, nomeadamente o artigo 32.º.”. No entanto, “pelo motivo de o terreno expropriado fazer parte de um prédio cuja capacidade construtiva se encontrava materializada (consubstanciada no edifício nele existente)”, entenderam os Senhores Peritos que “o facto de a parcela expropriada estar abrangida pela servidão non aedificandi não releva quer para a avaliação do terreno, quer para qualquer eventual ponderação que se pudesse fazer da desvalorização do terreno da parte sobrante, uma vez que o terreno do prédio é avaliado como solo apto para a construção em função da capacidade construtiva nele já instalada”. Consideraram os Senhores Árbitros que “caso não tivesse havido a presente expropriação, a parte expropriadas do prédio não reunia condições para um qualquer aproveitamento autónomo – seja para edificação, seja para qualquer outro fim”.

Assim, salvo o devido respeito, não se mostra compreensível o argumento aduzido na conclusão 15ª da peça de recurso dos Recorrentes.

Salienta-se que estas características da parcela expropriada, consideradas para a fixação da “justa indemnização”, pelos Senhores Peritos nomeados pelo Tribunal e pelo Senhor Perito nomeado pela Entidade Expropriante, foram igualmente apontadas pelos Senhores Árbitros. Classificaram o terreno como “solo apto para construção”, reconhecendo-lhe uma aptidão construtiva plena, esclarecendo “caso não tivesse havido a presente expropriação, a parte expropriada do prédio não reunia condições para um qualquer aproveitamento autónomo”, “o prédio de onde a parcela foi destacada foi já edificado, pressupondo esgotada a sua capacidade construtiva” e que “o destino natural e concreto dessa parte do logradouro era a sua utilização como armazenagem ao ar livre”.
Retomando a análise do método observado pelos Senhores Peritos indicados pelo tribunal, verifica-se que aplicada a percentagem obtida, nos termos dos nºs 6 e 7 do artigo 26º do C.E., no cálculo analítico seguido, no laudo maioritário, foi obtido o valor unitário do terreno de €58,47m2.
Entenderam os Senhores Peritos indicados pelo tribunal não aplicar qualquer factor correctivo ao custo de construção, nos termos dos nº 8 a 10, por considerarem que “não obstante a classificação do solo como apto para construção estamos perante um solo sem condições de edificabilidade.”.

Refere, ainda, o Tribunal a quo que “os expropriados e o Sr. Perito que subscreve o laudo minoritário vieram questionar os critérios mencionados pelos Srs. Peritos que subscreveram o laudo maioritário. No entanto, tais considerações genéricas e globais não podem sobrepor-se à determinação em concreto do valor da parcela expropriada. Na verdade, o tribunal terá de determinar o valor justo e adequado para uma determinada parcela, em função das suas características específicas, independentemente do valor atribuído a outros prédios, ainda que situados nas proximidades. Ora, a este propósito, os Srs. Peritos que subscreveram o laudo maioritário, alcançaram efectivamente um valor calculado em função das concretas características e montante indemnizatório indicado não se mostra abalado pelas considerações genéricas aduzidas pelos demais intervenientes.

Acresce que a expropriante e os expropriados também não apresentaram qualquer prova, nem demonstraram que os índices e percentagens por si indicados sejam mais correctos ou adequados que aqueles que vieram a ser perfilhados pelos Srs. Peritos que subscreveram o laudo maioritário, os quais revestem um carácter pericial que não foi objecto de válida impugnação, tendo sido subscrito por todos os peritos indicados pelo tribunal.”.

Concorda-se com o Tribunal a quo. Como refere o Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão de 10/9/2020[21], “para além da presumida competência técnica que se lhes reconhece, a posição assumida pelos peritos nomeados pelo tribunal é aquela que, em princípio, oferece maiores garantias de independência e de imparcialidade, face à distanciação que mantém em relação às posições do expropriante e do expropriado, os quais, amiúde, defendem a atribuição de valores, respectivamente inferiores e superiores aos atribuídos por aqueles.

Por todas estas razões, tem-se entendido que este especial valor probatório do relatório pericial apenas será de excluir se outros preponderantes elementos de prova o infirmarem, mormente por padecer de erro grosseiro ou por ser contrário a normas legais vinculativas, caso em que o juiz deve pôr em causa o relatório técnico dos peritos, mas com recurso a argumentação técnica ou científica, eventualmente baseada noutros meios de prova divergentes, de igual ou superior credibilidade, e que podem, por exemplo, decorrer dos relatórios minoritários ou ainda do cotejo deste relatório com o laudo arbitral e o relatório de avaliação, todos efectuados por peritos igualmente integrados na referida lista oficial.”.

Pelo exposto, verificando-se que a avaliação constante do laudo maioritário está devidamente fundamentada, acompanha-se a avaliação feita pelos Senhores Peritos que reúnem maior consenso e oferecem garantias de imparcialidade e isenção, não existindo razões para dissentir da explicação apresentada por quatro dos cinco Peritos e da indemnização fixada no valor de 11.518,59.

Improcede, nesta parte, a pretensão recursória dos Expropriados,

Advogam os Recorrentes (conclusão 17ª) que à “Expropriada deve ser atribuída uma indemnização pela perda de rendimento, no montante de 11.820,00€, correspondente à perda de renda durante cinco anos económicos, no montante nunca inferior a 197€/mês (197€ X 12 meses X 5 anos = 11.820,00€)”, remetendo para a alegação constante do artigo 54 do requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral da qual consta “Os Expropriados ao verem a área de logradouro reduzida devem ser indemnizados pela perda de renda durante cinco anos económicos, no montante nunca inferior a 197€/mês, ou seja, 197€ X 12 meses X 5 anos = 11.820,00€.”.

Não resulta da matéria de facto provada qualquer perda de rendimento decorrente da diminuição da “área de armazenagem a céu aberto”[22], pelo que improcede, nesta parte, a pretensão recursória.
Insurgem-se os Recorrentes contra a indemnização fixada na sentença recorrida relativamente às benfeitorias que existiam na parcela expropriada, descritas na V.A.P.R.M., e que terão de ser repostas no novo limite da parte sobrante, sustentando que o Tribunal a quo devia “ter atendido à motivação do Perito do Expropriado que discordou dos Peritos maioritários, pois o mesmo é de opinião que os valores das benfeitorias descritas no recurso de arbitragem intentado pelo Expropriado mostram-se adequadas aos usos da atividade de construção civil” e fixada a indemnização no valor de 30.963,49€.
Consta do relatório elaborado pelos Senhores Peritos indicados pelo Tribunal e pelo Senhor Perito indicado pela Expropriante que foram considerados, por referência às benfeitorias, os “valores que permitem a reposição das mesmas no novo limite norte do prédio ou seja ao longo da confrontação com a parcela expropriada, incluindo ainda os trabalhos de preparação e interligação necessários inerentes a esta construção, tudo de forma a que sejam repostas condições idênticas às que existiam antes da expropriação.”, a saber:
_ Existentes na extrema norte do prédio e a repor na parte sobrante:



_ Existentes na extrema nascente do prédio



_ Existentes na extrema poente do prédio



O Senhor Perito indicado pelos Expropriados “discorda dos Peritos maioritários, pois é de opinião que os valores das benfeitorias descritas no recurso de arbitragem intentado pelo Expropriado mostram-se adequadas aos usos da actividade de construção civil.”.
Consta do ponto 50 do recurso da decisão arbitral – para o qual remete o Senhor Perito – que:
“o valor das Benfeitorias deverá ser:
• Muro de bloco de cimento incluindo fundação e pilares de betão e ainda reboco e pintura: 45,09m² X 76€/m² = 3.426,84€
• Vedação com rede com 1,8m altura, encimada por 3 fiadas de arame farpado e respetiva estrutura metálica pintada: 16,7m X 3 X 30€/m = 1.503,00€
• Caleira (rego para águas pluviais): 50,10m X 35€/m = 1.753,50€
• Boca de Incêndio (1 Un): 750€
• Muro de bloco de cimento incluindo fundação e pilares de betão e ainda reboco e pintura: 1,38m² X 76€/m² = 104,88€
• Vedação com rede com 1,8m altura, encimada por 3 fiadas de arame farpado e respetiva estrutura metálica pintada: 3,45 X 30€/m = 103,50€
• Caleira (rego para águas pluviais): 3,45m X 35€/m = 120,75€
• Muro em betão armado: 4,5m³ X 300€/m³ = 1.350,00€
• Estrutura de vigas e pilares em betão armado: 10m³ X 350€/m³ = 3.500,00€
• Blocos de Cimento rebocados e pintados: 11,52m² X 38,5€/m² = 443,52€
• Alpendre a Poente:15,75m² X 200€/m² = 3.150,00€
• Canis (3) c/ em estrutura tubular envolta em rede e cobertos com aglomerado de Madeira: 27m² X 30€/m² = 810,00€
• Caleira (rego para águas pluviais): 4,5m X 35€/m = 157,50€
TOTAL das Benfeitorias ----------------------------------- 17.173,49€”.
Salvo o devido respeito, não vemos razão para dissentir dos valores de construção constantes do laudo maioritário, indicados pelos Senhores Peritos do tribunal, com fundamento na “opinião” do Senhor Perito indicado pelos Expropriados. Como observa o Tribunal a quo, “importa ter presente que os Srs. Peritos que subscreveram o laudo maioritário alcançaram de forma unânime os valores que reputam de justos e adequados, tendo por base a cabal análise da realidade fáctica subjacente e os seus conhecimentos técnicos. Por outro lado, importa ter presente que nenhuma prova concreta e indiscutível foi produzida que permita concluir, nem pela ponderação de valores distintos como mais adequados, nem pela necessidade de indemnizar outras benfeitorias ou de executar outros trabalhos de reposição das condições pré-existentes. Nessa medida, a indemnização pelo valor das benfeitorias deverá ser fixada no valor global de Eur. 15.277,10, conforme perfilhado pelos Srs. Peritos que subscreveram o laudo maioritário.”.

Improcede, assim, esta pretensão recursória dos Recorrentes.

Sustentam os Recorrentes que “as benfeitorias úteis existentes à data da DUP e que foram destruídas pelo acto expropriativo também deveriam ter sido incluídas no cálculo indemnizatório pela sentença recorrida” [conclusões 18 e 19], constando da matéria de facto provada que o solo da parcela expropriada “estava acabado com caixa em betão afagado sobre terreno devidamente compactado, com guias de cimento 10x25x15 cm numa malha quadriculada média de 5x5 metros para lhe conferir reforço e evitar fissuras”.
A pretensão indemnizatória pelo “valor da caixa em betão e guias de betão: 70€/m² X 197m² = 13.790,00€”, avançada pelo Senhor Perito indicado pelos Expropriados, no seu relatório, é uma questão nova pois, não foi suscitada pelos Recorrentes, no recurso da decisão arbitral, a atribuição de indemnização pelo “valor da caixa em betão e guias”, tendo o recurso por finalidade o reexame das questões já submetidas à apreciação do tribunal da primeira instância e não para criar decisões sobre matéria nova.
Ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 8/10/2020[23],“As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida”.
Pelo exposto, não se conhecerá da pretensão indemnizatória correspondente ao “valor da caixa em betão e guias de betão: 70€/m² X 197m² = 13.790,00€”.
Insurgem-se, ainda, os Recorrentes contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à indemnização atribuída à Expropriada arrendatária, no valor total de 25.951,12€, pretendendo que a indemnização seja fixada no valor total de 157.773€, acrescido de IVA à taxa em vigor [149.133€ + 8.640€ = 157.773€].
Advogam que o Tribunal a quo devia “ter atendido à motivação do Perito do Expropriado que discordou dos Peritos maioritários”.

Consideraram os Senhores Peritos indicados pelo Tribunal e pelo Senhor Perito indicado pela Expropriante que “a retirada de uma área de logradouro de 197 m2, atendendo a que na mesma (parcialmente) se encontravam colocadas normalmente botijas de gás (vide V.a.p.r.m.) implicará uma alteração na forma de armazenamento a céu aberto destas mesmas botijas, tudo de forma a não trazer constrangimentos nas manobras de circulação de viaturas pesadas de maiores dimensões para a carga e descarga de materiais e equipamentos” e que a solução “razoável” e a “tecnicamente mais ajustada” consiste no “recurso a um Rack metálico Cantilever para armazenamento dessas mesmas botijas” que justificaram do seguinte modo: permite optimizar o espaço existente no logradouro posterior e sem causar qualquer constrangimento à circulação de viaturas. Para os valores indicados, os Senhores Peritos fizeram uso:

_ da factura pró-forma, datada de 2021-01-12 com os custos de fornecimento e montagem de estrutura metálica e de chapas de reforço de betão, no valor total de 4.690,00€, junta pelos Expropriados/Recorrentes

_ da proposta, no valor total de 23.161,12€ (22.929,00€ +97,44€ + 134,68€), junta pelos Expropriados/Recorrentes quanto ao fornecimento do equipamento “Cantilever racking” e demais elementos metálicos acessórios necessários.

Além destes valores, consideraram o valor de 2.100,00€ referente ao custo de uma laje em betão armado (betão C25/30 XC2 e armaduras A400 NR) de forma a garantir uma fundação adequada para a sustentação da estrutura a montar, explicando quais os valores utilizados no cálculo.

Consta do relatório elaborado pelo Senhor Perito dos Expropriados que “discorda dos Peritos maioritários porque não descrevem o verificado no local, durante a visita efetuada, quanto às obras já efectuadas pela arrendatária para reposição da situação que permita é empresa arrendatária laborar em condições que garantam o trabalho em segurança e simultaneamente não afectem a sua produtividade. Para além disto os Peritos maioritários omitem o orçamento junto aos autos com recurso de arbitragem, bem como omitem que a factura pró-forma da Metallorum é apenas relativa aos reforços da sapata e montagem do Rack e ainda omitem que a Expropriada para além dos dois documentos que anexam supra, também remeteram mais cinco documentos, ou seja um total de sete. Para confirmar a justeza de todos de todos os valores defendidos pela Expropriada Arrendatária, no articulado 65 do recurso, importa ter em consideração que tais valores encontram suporte nos orçamentos junto aos autos, bem como pelas faturas até à data existentes, que agora se juntam e comprovam os valores que a Expropriada Arrendatária terá que suportar em consequência da presente expropriação.

Salvo o devido respeito, na fixação da indemnização a atribuir à arrendatária não releva aferir quais as obras que, no presente, estão a ser efectuadas, mas as características do bem existentes aquando da vistoria ad perpetuam rei memorium. Em segundo lugar, a mera junção de um orçamento aos autos não significa que respeite à reformulação do modo de suporte e armazenamento, a céu aberto, das botijas - necessária por força da expropriação -, e adequação da reorganização do espaço, imposta pela expropriação da parcela.

Em terceiro lugar, consta do relatório do Senhor Perito que “O signatário forma a convicção que quanto aos valores de indemnização ao arrendatário pelas diversas alíneas seguidas no articulado 65 do recurso de arbitragem do Expropriado”, acrescentando “com excepção do empilhador, as mesmas mostram-se adequadas aos usos da actividade de construção civil.” .

Do artigo 65 das alegações apresentadas no recurso da decisão arbitral conta:

“Os custos já contratualizados para a sua implementação são os seguintes:

• Projeto e fiscalização (A400) 10.050,00€ + IVA

• Parede em painéis de betão e acústicos (C...) 40.000,00€ + IVA

• Sapata fundação e canal para águas pluviais (EE) 24.168,00€ + IVA

• Rack metálico Cantileve(Schulte GmbH & Co. KG) 23.161,00€ + IVA

• Reforços da Sapata e montagem do Rack (Metallorum) 4.690,00€ + IVA

• Empilhador (2,5t) (Jungheinrich) 39.094,00€ + IVA

• Outros custos Serralharia e Pichelaria 7.500,00€ + IVA”.

Salvo o devido respeito, sendo esta a fundamentação apresentada pelo Senhor Perito indicado pelos Expropriados, não permite a este tribunal fundar decisão diversa quanto às obras necessárias à reorganização do espaço disponível, tendo em vista o armazenamento das botijas, que foram indicadas pelos restantes quatro Peritos como sendo a “solução tecnicamente mais ajustada” solução que consegue a coordenação entre o armazenamento das botijas e a circulação de viaturas pesadas de maiores dimensões para a carga e descarga de matérias e equipamentos.

Por último, importa ter presente a matéria de facto provada e não provada (e não impugnada).

Dos factos provados consta:

“28 - A expropriação da parcela supra mencionada obriga à reorganização do espaço disponível, designadamente pela reformulação da estrutura de suporte e de armazenamento das botijas, com aumento do armazenamento em altura e com uma disposição diferente da estrutura existente, com uma rotação de 90 graus (anteriormente as botijas estavam dispostas perpendicularmente ao muro posterior e passarão a estar horizontalmente ao referido muro).”

Sendo que o recurso a um Rack metálico Cantilever para armazenamento dessas mesmas botijas permitirá optimizar o espaço existente no logradouro posterior sem causar constrangimentos à circulação de viaturas.

30 – Para a instalação e implementação do Rack metálico Cantilever aludido em 29) terá de ser executada uma fundação em betão.

31 – A aquisição do Rack metálico Cantilever aludido em 29) e a realização das obras mencionadas em 30) orça na quantia global de Eur. 29.951,12.”.

Consta da matéria de facto não provada que:

“37 - Para permitir a continuação da actividade da expropriada arrendatária em condições análogas e similares às que se verificavam antes do acto expropriativo, seja necessário realizar obras de: Protecção das pessoas – ruído e projecções; Protecção das instalações – Intrusão e furto.

38 - Para assegurar a continuidade da actividade da expropriada arrendatária seja necessário a construção de uma parede em painéis de betão e acústicos, a reposição do canal para as águas pluviais e da rede de incêndio.

39 – Para assegurar a continuidade da actividade da expropriada arrendatária esta tenha de adquirir um novo empilhador”.


Como observa o Tribunal a quo, “o referido laudo maioritário esclarece de forma fundamentada as intervenções que se revelam necessárias, bem como os motivos que lhe subjazem, permitindo ainda determinar o seu custo efectivo. As conclusões do referido laudo maioritário não se mostram abaladas por qualquer outra posição divergente, nem por nenhum dos elementos probatórios produzidos autos.

De facto, não se provou que para além das intervenções mencionadas pelos Srs. Peritos que subscreveram o laudo maioritário – intervenções essas cuja necessidade é indiscutível -, existiam outras intervenções que sejam necessárias ou que derivem como consequência directa do acto expropriativo. Assim, não foi produzida qualquer prova coerente que ateste que o acto expropriativo tenha gerado maior necessidade de protecção acústica ou visual, nem que tenha gerado maiores exigências de segurança contra intrusões ilícitas, sendo que a este propósito nem sequer foi alegada a factualidade necessária a suportar tal consequência. Por outro lado, também não se provou que em consequência do acto expropriativo a arrendatária careça de adquirir um novo empilhador ou que não disponha de equipamentos adequados ao manuseamento das botijas por si comercializadas. Nessa medida, em consonância com o laudo maioritário, a indemnização a arbitrar à arrendatária deve ser fixada no valor de Eur. 29.951,12.”.

Improcede, assim, o recurso.


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Custas

As custas são integralmente da responsabilidade dos Recorrentes, considerando a total improcedência do recurso (artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC).


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V. Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, julga-se improcedente o recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas do recurso a cargo dos Recorrentes (artigo 527º do CPC).


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Sumário:

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Porto, 21/10/2024

Anabela Mendes Morais

José Eusébio Almeida

Fátima Andrade

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[1] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Vol., Coimbra Editora, 2012, p. 143.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.3.2022 processo  1600/17.5T8PTM.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8/5/2019, proferido no processo nº 211/09.9GACSC-A.L2-3, acessível em www.dgsi.pt
[4] Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1952, vol. V, Pág. 141.
[5] Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2022, 3ª ed., vol. I, Pág. 793.
[6] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 6/11/2011, proferido no processo nº445/09.0TBSEI.C1, acessível em ww.dgsi.pt.
[7] Dicionário da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/passeio.
[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/2/2017, proferido no processo nº 535/09.0TMSNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[9] Apud Pedro Cansado Paes, Ana Isabel Pacheco e Luís Alvarez Barbosa, Código das Expropriações Anotado, Almedina, 2000, pág.27.
[10] João Pedro de Melo Ferreira, Código das Expropriações Anotado, 2ª edição, Coimbra Editora, 2000, pág.51.
[11] Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, no processo nº 637/10.0TBSEI.C1, acessível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/-/B0706D5E72D4753180257B08003E0E6E. A nota 7 tem o seguinte conteúdo: Cfr. Salvador da Costa, in Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Anotados e Comentados, Almedina 2010, págs. 144 e 145. A nota 8 tem o seguinte conteúdo: Cfr. Alves Correia, “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, in RLJ, 132º, págs. 233 e seguintes.
[12] Fernando Alves Correia,  As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, Separata do volume xxiii do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1982, págs. 130 e 131.
[13] Embora o caso julgado da decisão arbitral, no processo de expropriação, se cinja à indemnização fixada, não se estendendo à fundamentação [neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de outubro de 2010 (processo n.º 4925/07.4TBGMR.G1.S1) e de 13 de Julho de 2010 (processo n.º 4210/06.9TBGMR.G1.S1), ambos acessíveis em www.dgsi.pt], no recurso da decisão arbitral, os ora Recorrentes/Expropriados concordaram com a percentagem total de 20,5%, nos termos do artigo 6º e 7 do artigo 26º do C.E. (ponto 46 das alegações), no recurso da decisão arbitral.
[14] Nos termos do nº1 do artigo 88º do PDM, “as áreas verdes de enquadramento têm a função de enquadramento e proteção física, visual e sonora das infraestruturas viárias e ferroviárias pesadas em solo urbano e de separação entre diferentes usos do solo”, dispondo o nº2,”Estas áreas devem ser ocupadas dominantemente por espécies florestais”.
Sobre o regime de edificabilidade nas áreas verdes de enquadramento, dispõe o nº1 do artigo 88º do PDM, “Nessas áreas a edificabilidade restringe-se:
a) Às obras que tenham como objetivo a minimização dos impactes resultantes da utilização das infraestruturas rodo e ferroviárias e das atividades que marginam, bem como das necessárias à sua qualificação paisagística;
b) Às instalações técnicas especiais de prevenção a incêndios, de valorização energética e de aproveitamento de recursos florestais.
[15] Os Senhores Árbitros, na decisão arbitral de 20/2/2021, decidiram, por unanimidade, recorrer a esse critério, reduzindo, no entanto, para  550,00€/m2, o valor do preço por metro quadrado fixado pela Portaria nº 353/2013, de 4 de Dezembro, para vigorar no ano de 2014, na  Zona I, em que se insere Maia, valor que “consideraram adequado ao custo de construção atendendo ao tipo de construção em causa – unidade industrial”.
[16] Pelos Senhores Árbitros foi igualmente considerado, na decisão arbitral, que  «a parcela expropriada encontrava-se inserida em zona classificada como “Áreas Verdes de Enquadramento” e, ainda, em zona de protecção à auto-estrada A4 (servidão non aedificandi).», constando da V.A.P.R.M. a planta do ordenamento com a parcela expropriada assinalada como “Áreas Verdes de Enquadramento”.».
Os Senhores Árbitros consideram igualmente que segundo o «Plano Director Municipal da Maia, publicado no Diário da República nº145, 2ª Série, aviso nº 9571/2013,(…) a parcela encontra-se inserida em planta de ordenamento: “Estrutura Ecológica Urbana” como  “Áreas Verdes de Enquadramento”; planta de condicionantes: linhas de tensão de 60Kv, constando dessa decisão o extracto da planta.
[17] Pelos Senhores Árbitros, na Decisão Arbitral, foi atribuída, por unanimidade, a percentagem de 10%.
[18]Pelos Senhores Árbitros, na Decisão Arbitral, foi atribuída, por unanimidade, a percentagem global de 18%:
- Localização/qualidade ambiental/equipamentos - n.º 6 do art. 26.º 10,0 %
- Acesso rodoviário com pavimento a betuminoso - 1,5 %
- Passeios - 0,50 %
- Rede de abastecimento de água - 1,0 %
- Rede de saneamento - 1,5 %
- Rede de distribuição de energia elétrica - 1,0 %
- Rede de drenagem de águas pluviais - 0,5 %
-  Rede distribuidora de gás - 1,0 %
- Rede telefónica 1,0 %

[19] Consta dos factos considerados provados:
7 - A parcela expropriada constituía a faixa de terreno do logradouro posterior que integrava a estrema norte do prédio (mais afastada da edificação), confrontando com a auto-estrada.

8 - A parcela encontra-se situada em zona non aedificandi de protecção à auto-estrada, não reunindo condições para aproveitamento autónomo.

9 – O prédio parcela confronta a sul com a rua... que possui as seguintes infra-estruturas: acesso rodoviário principal, com pavimentação a cubos de granito, rede de abastecimento domiciliário de água, rede de saneamento com ligação a estação de tratamento de águas residuais, rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão e iluminação pública, rede de águas pluviais, rede de gás e rede telefónica.

10 – Em frente ao prédio expropriado, o arruamento do lado do prédio não possui passeio, mas uma baía de estacionamento, sendo que, quer para nascente, quer para poente, o arruamento possuía passeio do lado do prédio.

[20] Consta da matéria de facto provada:

4 – O prédio onde se integrava a parcela expropriada constitui um prédio urbano destinado a armazém com serviços comerciais, escritórios e respectivas instalações sanitárias, tendo ainda terreno destinado a logradouro.

5 – O prédio expropriado tinha a área real de terreno de 6.172 m2, sendo que a área real de implantação da construção é de 3.524, correspondendo a área de 869m2 a zonas afectas a serviços comerciais, escritórios e instalações sanitárias e a área de 2655 m2 a zona destinada a armazém.

23 - A envolvente da parcela expropriada é constituída por um misto de habitação e unidades industriais/armazéns.

24 – Sendo que nas proximidades do prédio expropriado existem construções destinadas a habitação unifamiliar.

25 – O prédio expropriado está próximo dos itinerários principais da rede rodoviária nacional, distando cerca de 1.200 metros do nó de acesso à A4.

26 – O prédio expropriado dista cerca de 8 quilómetros do centro do concelho de Maia.

27 - No prédio onde se integrava a parcela expropriada, no âmbito de um contrato de arrendamento, é exercida a actividade da sociedade “B..., S.A.”, a qual se dedica à actividade de refrigeração comercial e industrial – aparelhos e instalações.
[21] Acórdão de 10/9/2020, do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo nº 84/18.5T8CCH.E1, acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/620e9bb11838cd248025860100676b93?OpenDocument.
[22] Consta dos factos não provados: “40 – Em consequência do acto expropriativo supra mencionado, o valor da renda paga pela arrendatária aos expropriados tenha sofrido uma redução do seu montante mensal.”.
[23] Acórdão de 8/10/2020, proferido no processo nº 4261/12.4TBBRG-A.G.S1., acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cee4751329d337f980258634005f4627.