EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
JUSTA MEDIDA DA INDEMNIZAÇÃO
PARCELAS SOBRANTES
INTERRUPÇÃO DE ATIVIDADE
Sumário

I - Cabendo ao tribunal a consideração de todos os factos que interessam à decisão sobre a justa medida da indemnização a fixar em função da ablação da propriedade ao expropriado, não pode deixar de se considerar que a existência de aterro e compactação no prédio rústico expropriado é também ele um elemento a considerar na avaliação do solo para efeitos indemnizatórios.
II - No caso das parcelas sobrantes desvalorizadas pela ablação expropriativa, nomeadamente de encravamento da parte sobrante, cabe à expropriante oferecer os meios para vencer aquele obstáculo, repondo o statu quo ante. Não resultando ter a expropriante oferecido ao expropriado a possibilidade de, por qualquer forma, ultrapassar a situação de encrave do prédio sobrante, nem sequer tendo alegado ou demonstrado que tal encrave pode ser vencido, por ex., mediante a realização de obras ou outras diligências possíveis (como a constituição de servidão de passagem), deve ser atribuída indemnização correspondente à perda real do valor do imóvel assim depreciado.
III - Nos termos dos art. 31.º/1 do CE, é de fixar indemnização pela interrupção da sua atividade à expropriada que se dedica à indústria do transporte e que, mercê da expropriação, deixa de contar com a estação de serviço, ali anteriormente implantada, onde lavava os seus veículos e procedia à mudança do óleo. Tal indemnização corresponde ao que despenda com o pagamento a terceiros por esses serviços, durante o tempo apurado como necessário e suficiente para, no prédio de que ainda dispõe, reorganizar essa atividade.

Texto Integral

Processo n.º 2479/22.0T8STS.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
IP – INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., com sede na Praça ..., ..., na qualidade de expropriante, e A..., LDA, com sede na Rua ..., ..., ..., na qualidade de expropriada recorrem ambas judicialmente da decisão arbitral de 23.6.2022 que decidiu sobre a indemnização a atribuir à segunda em consequência de expropriação de três parcelas de dois prédios, um rústico e um urbano, e fixou os montantes indemnizatórios em €34.521,10, com referência às parcelas n.º ... e ... (destacadas do prédio rústico) e de €285.768,40, concernente à parcela n.º ... (destacada do prédio urbano).
Em tal recurso, visam ambas a alteração desses valores indemnizatórios, tendo a expropriante pugnado para a sua redução para € 6.791,90 (para as duas parcelas do prédio rústico) e € 25.770,24 + benfeitorias de € 51.395,00, para a parcela do prédio urbano.
Por sua vez, a expropriada pretende receber a quantia de € 797.450,31, a título de indemnização pela expropriação das parcelas ..., ... e ..., quantia assim discriminada:


Foi realizada peritagem, tendo vindo a ser proferida sentença, datada de 14.3.2024, a qual conclui da seguinte forma:
1) Julga-se o recurso da decisão arbitral aduzido pela Expropriada com referência às parcelas n.º ... e ... procedente e o recurso da Expropriante totalmente improcedente e, consequentemente, decide-se:
A) Condenar a Expropriante I.P. – INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. a pagar à Expropriada A..., LDA o montante indemnizatório de €94.354,20 (noventa e quatro mil trezentos e cinquenta e quatro euros e vinte cêntimos) pela expropriação das parcelas n.º ... e ..., quantia atualizada de acordo com a evolução do índice de preços do consumidor, desde a data da declaração da utilidade pública até à data do trânsito em julgado da presente sentença;
B) Condenar a Expropriante no pagamento das custas processuais.
2) Julga-se o recurso da decisão arbitral aduzido pela Expropriada com referência à parcela n.º ... totalmente improcedente e o recurso da Expropriante parcialmente procedente e, consequentemente, decide-se:
A) Condenar a Expropriante I.P. – INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. a pagar à Expropriada A..., LDA o montante indemnizatório de €229.677,37 (duzentos e vinte e nove mil seiscentos e setenta e sete euros e trinta e sete cêntimos) pela expropriação da parcela n.º ..., quantia atualizada de acordo com a evolução do índice de preços do consumidor, desde a data da declaração da utilidade pública até à data do trânsito em julgado da presente sentença;
B) Condenar a Expropriante e a Expropriada no pagamento das custas processuais em função do respetivo decaimento.

Desta sentença recorre a expropriante visando a redução da indemnização para, respetivamente, € 8.954, 24 (parcelas do prédio rústico) e € 149.719, 57 (prédio urbano, incluindo benfeitorias).
Para tanto aduziu os argumentos com que assim concluiu:
I. A sentença em crise comete dois lapsos na avaliação a parcela .../....
II. Desde logo, atribuí erradamente o valor de 104.864,78 € a título de indemnização pelos aterros realizados na parcela, quando nunca a expropriada reclamou o pagamento destes aterros.
III. A decisão arbitral transitou em julgado na matéria que não foi impugnada.
IV. O objeto do recurso da decisão arbitral é definido pelas partes e esta matéria não foi alegada, não tendo aquela atribuído qualquer valor indemnizatório pelos ora invocados aterros. V. Pelo que tal decisão adquiriu carácter de caso julgado, de acordo com o Código de Processo Civil.
VI. A jurisprudência tem se pronunciado no sentido que a decisão arbitral é equiparada a decisão judicial com natureza jurisdicional e que, na parte em que dela se não recorre, transita em julgado e torna-se definitiva.
VII. Pelo que não há que considerar indemnização pelos aterros, devendo este valor ser deduzido ao da indemnização global.
VIII. Ora, no seu recurso da decisão arbitral, a expropriada apenas reclama de dois aspetos, a saber, do valor unitário do solo atribuído na arbitragem como solo para outros fins e da retificação da desvalorização da parte sobrante, com base no valor unitário do solo a fixar, considerando que nesta hipótese o valor global a fixar será de 53.404,25€.
IX. O outro aspeto objeto de recurso é o da classificação a atribuir ao solo, que de acordo com a expropriada deverá ser de solo apto para construção, mas, como, e bem, determinou a sentença, o solo deve ser classificado como para outros fins.
X. Ora, a expropriada apenas reclama, por um lado, do valor fixado para a parcela considerando a sua classificação como solo para outros fins, aceitando o coeficiente de desvalorização das partes sobrantes fixado, aplicado ao valor unitário do solo por ela defendido.
XI. E, por outro lado, contesta a classificação do solo devendo, segundo a mesma, este ser classificado como apto para construção e atribuída desvalorização às partes sobrantes com base neste valor.
XII. A sentença devia ter se cingido somente ao objeto dos recursos apresentados, ou seja, alterar a decisão arbitral apenas quanto ao valor unitário do solo e da desvalorização a atribuir às partes sobrantes, que, foi determinado pelos Peritos maioritários em 2,92€/m2, conduzindo à indemnização pela área expropriada em 8.614,21€.
XIII. Quanto à desvalorização, também os Peritos maioritários entendem que só a parte sobrante de menor dimensão é que sofre depreciação e desde que esta não tenha acesso assegurado pela expropriante a qual seria de 2.797,50 €.
XIV. Ora, de acordo com a posição maioritária dos Peritos, ao qual aderiu a sentença, o valor da indemnização a fixar para a parcela .../..., não será superior a 11.411,71€, correspondente ao somatório do valor do terreno e da desvalorização da parte sobrante de menor dimensão, que aliás, foram os únicos aspetos reclamados e expostos em sede de recurso das partes.
XV. Em suma, a sentença errou ao atribuir indemnização pela execução de aterros na parcela no valor global de 104.864,78€, pois não foi objeto de recurso nem a expropriada requereu a mesma.
XVI. Quanto à parte sobrante, não pode a expropriante ser “forçada” a ficar com a parte sobrante de menor dimensão, pois tal foi a hipótese considerada pelos peritos maioritários à qual a sentença, a nosso ver, aderiu erradamente.
XVII. Embora se aceite uma desvalorização da parte sobrante de menor dimensão, esta, de acordo com o recurso da expropriante não será superior a 10%, a qual, de acordo com a área em causa e o valor unitário do solo fixado em sentença é no máximo de 280,03€.
XVIII. Deste modo, respeitando o caso julgado da decisão arbitral e o objeto dos presentes autos definido pelos recursos da expropriada e da expropriante, o valor a fixar para a parcela .../... consiste no somatório do valor do solo e da desvalorização da parte sobrante, caso exista, que no caso presente, acrescendo as benfeitorias no valor de 60,00€, corresponde a 8.954,24 €.
XIX. Quanto à parcela ..., devia ter sido fixado o índice de construção máximo de 0,2m2/m2, pois a parcela é a destacar de um prédio onde já temos edificado um edifício industrial, o que denota que está esgotada a sua capacidade construtiva.
XX. Injustificadamente não foi dada relevância a esta fato nem pelos Srs. Peritos e consequentemente pela sentença, com o que não podemos concordar.
XXI. Acresce que os Peritos maioritários quantificaram de forma excessiva o custo de construção do pavilhão industrial.
XXII. Como se poderá comprovar por variadas decisões jurisprudenciais, tomando como referência o valor fixado administrativamente para construção habitacional, o custo de construção industrial é da ordem dos 50% / 60% do valor do custo de construção habitacional.
XXIII. Pelo que não se pode aceitar que os Srs. Peritos maioritários tenham aplicado 65%/70%.
XXIV. Assim sendo, corrigindo-se a avaliação nos termos expostos, o valor do solo da parcela não deverá ultrapassar os 68.720,64€.
XXV. Também não podemos aceitar que seja incluído nesta indemnização o valor de 27.612,00€ correspondente ao alegado sobrecusto suportado pela expropriada com as lavagens e mudanças de óleo dos camiões junto de terceiros.
XXVI. Não se encontram cumpridos os requisitos previstos no artigo 31º/1 do C.E, quanto à indemnização pela interrupção da atividade uma vez que não se verificou cessação inevitável da atividade, nem sequer a mesma foi interrompida.
XXVII. Dispondo a expropriada de tempo mais do que suficiente (desde a publicação da DUP, tomada de posse administrativa e ocupação efetiva) para se adaptar à perda da parcela expropriada, tendo tido a oportunidade de repor as condições que existiam à data da DUP na parte sobrante.
XXVIII. Pelo que não existe qualquer fundamento legal, nem sequer fatual, para ser atribuído um valor adicional a este título.
XXIX. Assim sendo o valor a fixar para a parcela ..., corresponderá ao somatório do valor do solo e das benfeitorias, o qual, no máximo será de 149.719,57 €, ao invés dos 229.677,37€ fixados na sentença.
XXX. Assim sendo, deverá a sentença ser corrigida com base nos argumentos expostos, fixando-se no máximo as indemnizações de 8.954,24€ e 149.719,57€, respetivamente, para as parcelas .../... e ..., as quais correspondem aos valores justos à data da publicação da DUP.

Contra-alegou a expropriada, opondo-se à procedência do recurso.

Objeto do recurso: do valor indemnizatório pela expropriação por utilidade pública de três parcelas destacadas, respetivamente, de um prédio rústico e de um prédio urbano da expropriada.

FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto dada como provada na sentença recorrida
1. Pela ap. ... de 1992/07/23 afigura-se registada a aquisição a favor da sociedade A..., LDA do prédio urbano sito na Rua ..., na freguesia ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis da Trofa sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbano sob o artigo ....
2. No dia 08 de fevereiro de 2017, no Cartório Notarial de Braga, lavrou-se escritura pública com a epígrafe “Compra e Venda” no âmbito da qual AA, BB e CC, na qualidade de procuradores de DD, declararam vender à sociedade A..., LDA, que declarou comprar, o prédio rústico denominado “...” com a área de 25.600 m2, sito no lugar ..., da União das Freguesias ... (... e ...), descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis da Trofa sob o n.º ...) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ....
3. Pela ap. ... de 2017/02/08 afigura-se registada a aquisição a favor da sociedade A..., LDA do prédio rústico indicado em 2).
4. Pelo despacho n.º 4482/2021 proferido pelo Secretário de Estado das Infraestruturas em 14/04/2021, publicado no Diário da República, 2 ª Série, n.º 85, de 03 de maio de 2021, foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência das seguintes parcelas:
- parcela n.º ..., com a área de 2.923,00 m2, a destacar do prédio rústico sito na União das Freguesias ... (... e ..., concelho da Trofa, descrito na Conservatória do Registo de Predial da Trofa sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., confrontando de Norte com A... Lda e Outro, de Sul com EE, de Nascente e de Poente com parte restante do prédio;
- parcela n.º ..., com a área de 30,00 m2, a destacar do prédio rústico sito na União das Freguesias ... (... e ..., concelho da Trofa, descrito na Conservatória do Registo de Predial da Trofa sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., confrontando de Norte com A... Lda, de Sul e de Poente com parte restante do prédio e de Nascente com linha de água;
- parcela n.º ..., com a área de 2.237,00 m2, a destacar do prédio urbano sito na União das Freguesias ... (... e ..., concelho da Trofa, descrito na Conservatória do Registo de Predial da Trofa sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., confrontando de Norte com estrada, de Sul e de Poente com parte restante do prédio e de Nascente com linha de água. 5. Em 11/08/2021 lavrou-se o auto de posse administrativa das anteditas parcelas.
6. Por despacho proferido em 14/09/2022, adjudicou-se ao Estado Português a propriedade das sobreditas parcelas de terreno com o n.º ..., ... e ....
7. O sobredito prédio rústico descrito na Conservatória do Registo de Predial da Trofa sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ... tem uma área toral de 25.660 m2 e localiza-se a 10 km para sul do centro da Trofa, 1 km para nascente da EN ..., 140 e 60 m respetivamente para sul da EN ... ao km 10,7, numa zona mista, com unidades industriais e de armazenagem, moradias unifamiliares e espaços florestais, na parte poente da antiga freguesia ... (...), concelho da Trofa, sendo que tem as seguintes confrontações:
- Norte: A..., Lda;
- Sul: EE;
- Nascente: Linha de água;
- Poente: Caminho público/Limite da Freguesia.
8. O antedito prédio rústico é composto de um solo em aterro compactado, com revestimento em tout-venant, superfície plana, o qual serve de parque de estacionamento aos camiões e outros materiais da A..., Lda, sendo que as estremas nascente e sul são em talude.
9. A parcela ... situa-se na parte sudoeste do prédio rústico, junto à linha de água, é de geometria irregular, aproximadamente trapezoidal, sendo que a parcela ... corresponde a um pequeno triangulo no canto nordeste do prédio rústico.
10. As parcelas ... e ... originam duas partes sobrantes, uma de pequena dimensão, correspondente ao canto sudeste do prédio e outra de maior dimensão correspondente à parte poente do prédio rústico.
11. A estrema nascente do antedito prédio rústico, com a linha de água, é definida por um talude, assim como a estrema sul, a qual dispõe no pé do talude de uma vedação com 2 m de altura, em rede malha-sol, suportada por vigotas de betão pré esforçado.
12. O acesso ao sobredito prédio rústico é efetuado através do prédio urbano, sendo o acesso a este efetuado através Estrada Nacional ... (Rua ...), a qual dispõe de pavimento em betuminoso, sendo que o prédio rústico dispõe das seguintes infraestruturas na proximidade das parcelas:
- Abastecimento de água;
- Rede de distribuição de energia elétrica;
- Rede telefónica; - Rede de saneamento na Rua ... e no loteamento industrial a nascente.
13. Ao longo da estrema nascente do antedito prédio rústico existem no solo 5 bases em betão, aparentemente para colocação de postes de iluminação exteriores.
14. O sobredito prédio urbano descrito na Conservatória do Registo de Predial da Trofa sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ... tem a área total de 12.879 m2 e localiza-se 10 km para sul do Centro da Trofa, 1 km para nascente da EN ..., à face norte da EN ... ao km 10,7, numa zona mista, com unidades industriais e de armazenagem, mordias unifamiliares e espaços florestais, na parte poente da antiga freguesia ... (...), concelho da Trofa.
15. O antedito prédio urbano localiza-se à face sul da EN ... a poente da linha de água, é de geometria irregular, aproximadamente triangular, superfície plana e é constituído por um edifício de armazém e atividade industrial com dois pisos e uma área de implantação de 2 458 m2, sendo que o logradouro funciona como parque de estacionamento para camiões da sociedade A..., Lda.
16. Com referência ao logradouro do prédio urbano, grande parte da parcela encontra-se pavimentada em calçada de pavê de betão e em piso de betão, uma pequena parte destina-se a jardim, sendo que na parte sul existe uma zona para lavagens dos camiões, com fosso.
17. A parcela a expropriar do prédio urbano corresponde ao canto noroeste do mesmo, em forma aproximadamente triangular, com 75m na estrema norte com a EN ... e a toda profundidade do prédio urbano (50m) na estrema nascente com a linha de água, havendo lugar a uma parte sobrante.
18. Com referência à parte sobrante mencionado em 17), corresponde à parte poente do prédio, que incluiu o edifício de armazém e indústria, bem como a restante parte do logradouro.
19. A estrema norte do prédio urbano, que confronta com a EN ..., tem uma vedação constituída, por muro de alvenaria de tijolos revertidos com argamassa, com altura média de 60 cm, encimado com vedação em painel de arame plastificado com 1,5 m de altura e 4 vincos de reforço, fixos a postes metálicos retangulares, sendo que, na zona curva, junto ao portão o muro é encimado por gradeamento em perfis metálicos retangulares, espaçados de 10 cm.
20. A estrema nascente do prédio urbano tem um muro em blocos de argamassa aparente com 0,20 m de espessura e 1.8() m de altura.
21. Na estrema sul, o prédio urbano confronta com o prédio rustico, existe um muro em blocos de argamassa aparente, com 0,15 m de espessura e 1.20 m de altura. 22. O acesso ao antedito prédio urbano é efetuado pela Estrada Nacional ... (Rua ...), com pavimento em betuminoso, confronta a poente com caminho em terra batida, dispondo das seguintes infraestruturas na proximidade das parcelas:
- Abastecimento de água;
- Rede de distribuição de energia elétrica;
- Rede telefónica;
- Rede de saneamento na Rua ... e no loteamento industrial a nascente.
23. Na parcela n.º ... existe:
- Zona ajardinada na extrema norte, com 2 m de largura por 70 m de comprimento, delimitada por guias de betão com 15 cm de largura, com 12 arvores ornamentais de médio porte, 8 liquidambar da américa e 4 Ginkgo Biloba (nogueira-do-japão).
- 3 Postes de Iluminação LED com de 12 m de altura, e respetiva rede elétrica;
- Rede de rega e incêndio, com 4 torneiras (120 m);
- Pavimento em pavê de betão (1 000 m2);
- Pavimento em betão (1 100 m2);
- Fosso mecânico, para camiões, com 18 m comprimento, 1m de largura, 1,35 m de profundidade, grelha de escoamento no fundo, ligada à ETAR por bombagem;
- Rede de águas pluviais, com ligação à ETAR e encaminhamento através da EN ... (caixa na berma da estrada), à linha de água existente e nascente.
-Instalações para lavagens dos camiões com: rede de ar comprimido, rede de água com pressão (quente ou fria) e rede de água, reciclada proveniente da Etar;
- Rede de captação de águas residuais (lavagens e mecânica), com 3 caixas de retenção (Ix1x1m3), ligadas à ETAR (a ETAR encontra-se fora da parcela);
- Rede Elétrica;
- Um projetor;
- Três suportes em perfil IPE (1,5 m altura), para mangueiras de lavagem.
24. O predito sistema de lavagem e drenagem de águas residuais está ligado a um compartimento (contentor) com 2 máquinas de compressão e à ETAR, ambos localizados na parte sobrante, a sul da parcela e na estrema sul do prédio urbano.
25. À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam e da declaração de utilidade pública, os sobreditos prédios rústico e urbano estavam inseridos no Plano Diretor Municipal ..., publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 169, de 22 de fevereiro de 2013, em duas categorias de solos: o solo do prédio na parte poente classifica-se como "Solo Urbano", "Espaço de Atividades Económicas", e na parte nascente onde se localizam as parcelas em "Solo Rural" "Espaços Florestais", "Área Florestal de Produção".
26. Para a parcela n.º ..., considera-se o solo da mesma como apto para construção, estimando-se o custo de construção em €447,19/m2 bruto e o índice de construção em 0,59 m2.
27. Com referência à parcela n.º ... fixam-se as seguintes percentagens:
a) localização, qualidade ambiental e equipamentos existentes na zona: 11%;
b) acesso rodoviário pavimentado: 1,5%;
c) rede de abastecimento de água: 1%;
d) rede de saneamento: 1,5%;
e) rede de distribuição de energia elétrica: 1%;
f) rede de drenagem de águas pluviais com coletor em serviço junto da parcela: 0,5%;
g) estação depuradora em ligação com a rede de coletores de saneamento: 2%;
h) rede distribuidora de gás: 1%;
i) rede telefónica: 1%.
28. Em consequência do descrito em 26) e 27), fixa-se o valor unitário do solo da sobredita área da parcela n.º ... em €54,12/m2.
29. Com referência aos muros e vedação indicados em 19) a 21) e ao enunciado em 23), estimam-se os seguintes valores:
a) Zona ajardinada na extrema norte, com 2 m de largura por 70 m de comprimento, delimitada por guias de betão com 15 cm de largura - €1.675,00;
b) com 12 arvores ornamentais de médio porte, 8 liquidambar da américa e 4 Ginkgo Biloba (nogueira-do-japão) - €1.800,00;
c) muro de vedação exterior e de suporte de terras ajardinadas, executado em bloco de cimento de 20 cm, com 80 cm de altura média - €2.724,96;
d) muro erigido em bloco de cimento - €94,50;
e) painel de rede metálico plastificado que encima o muro de vedação exterior e de suporte de terras ajardinadas, postes, bases de vedação, abraçadeiras - €3.501,75;
f) gradeamento em ferro retangular (50 mm x 30 mm) tubular com 7,10 metros de comprimento por 1,50 m de altura – €1.778,55; g) desmontagem e remontagem de 4 postes de iluminação em chapa de aço galvanizada amovíveis e reaproveitáveis – €800,00;
h) perda das quatro sapatas pré-fabricadas (tipo V 800x800x1000) para afixação dos quatro postes de iluminação - €740,00;
i) perda total dos cabos elétricos VR4x10mm e respetiva manga e dos trabalhos de abertura de vala e acondicionamento dos terrenos numa extensão de 92 metros - €4.140,00;
j) muro de vedação exterior que se encontra erigido a nascente, executada com 8 fiadas de bloco de cimento de 20 cm e estruturado em pilares de betão armado que se encontram executados de 5 em 5 metros e encimado por viga de betão armada, numa extensão de 50,20 metros de comprimento - €5.020,00;
k) rede de rega e incêndio com uma extensão estimada de 120 metros e com 4 torneiras - €3.500,00;
l) pavimento em pavê de betão (1 000 m2) - €12.000,00;
m) demarcação a tinta dos lugares de estacionamento - €200,00;
n) pavimento em betão (1 100 m2) - €10.000,00
o) fosso da estação de serviço com 18 m comprimento, 1m de largura, 1,35 m de profundidade, grelha de escoamento no fundo e passadiços laterais - €9.036,00;
p) desmontagem e remontagem de diversos equipamentos de apoio à estação de serviço, designadamente, um projetor, três suportes em perfil IPE com 1,50 metros de altura, suporte metálicos fixados ao muro - €1.500,00;
q) rede de pressão de água, rede de ar comprimido, rede de recolha de óleos e rede de recolha de efluentes residuais ligadas à ETAR, com 3 caixas de retenção (1x1x1 m3) e rede elétrica (instalações para lavagem dos camiões) - €10.225,00;
r) rede de drenagem de águas pluviais com 113 metros de comprimento, com quatro caixas de visitas, para condução das águas recolhidas - €11.363,17;
s) perda total do pilar do portão de entrada que se encontra erigido em betão armado e da respetiva sapata de sustentação, bem como do perfil de metal que serve de batente e fecho, células, calha de correr, fechadura de segurança, candeeiro e sistema elétrico - €900,00.
30. A Expropriada utiliza a estação de serviço mencionada em 29) para efetuar a lavagem e as mudanças de óleo dos camiões afetos à respetiva atividade.
31. Em consequência da expropriação da parcela n.º ..., a Expropriada necessitará de proceder à construção de um fosso e de uma estação de serviço, para efetuar as preditas lavagens e mudanças de óleo dos camiões.
32. Estima-se que os trabalhos referidos em 31) serão executados durante cerca de 60 dias.
33. No decurso dos 60 dias enunciados em 32), a Expropriada despenderá o montante de €27.612,00, com as sobreditas lavagens e mudanças de óleo dos camiões junto de empresas terceiras.
34. Na envolvente das parcelas ... e ..., localizam-se prédios rústicos compostos, maioritariamente, por eucaliptais.
35. Em decorrência do indicado em 34), considera-se o solo das parcelas ... e ... em função das suas aptidões florestais originais, acrescidas dos custos dos aterros e da compactação do tout-venant.
36. Com referência ao mencionado em 35), considera-se o rendimento da produção de madeira de eucalipto para o fabrico de pasta de papel, durante 40 anos, com quatro cortes, cada um no final de 10 anos e uma taxa de atualização de 2,5%.
37. Para a fixação do rendimento indicado em 36) estima-se:
a) a produção de 264,5 toneladas de madeira com casca nos 10.º ano, 20.º ano e 30.º ano e de 224,825 toneladas de madeira com casco no 40.º ano;
b) preço médio da tonelada: €49,00;
c) encargo pela certificação: €1,00;
d) custos diretos da instalação de uma plantação:
- €550,00 por hectare: destroçador de cepos/enchó/pinça;
- €400,00 por hectare: ripagem /1 dente de 90 cm) – gradagem;
- €100,00 por hectare: subsolagem com adubação de fundo;
- €20,00 por hectare: construção de caminhos e aceiros;
- €304,50: plantas novas por hectare;
- €80,00 de adubação;
- €130,00 para transportes e serviço de plantação;
- €100,00 por hectare: operações de retancha, sacha, amontoa.
e) encargos de manutenção da plantação:
- €80,00 por hectare: gradagens/aceiros de 5 em 5 anos;
- €75,00 por hectare: seleção de varas;
- €60,00 por hectare: adubagem efetuada imediatamente às três primeiras seleções de varas; f) encargos de corte e de transporte:
- €6,00/tonelada: corte e rechega;
- €6,00/tonelada: transporte;
g) encargos de limpeza do terreno no final da vida útil - €440,00 por hectare.
38. Em consequência do referenciado em 37), fixa-se o valor fundiário das parcelas ... e ... em €8.614,21.
39. Com referência aos custos dos aterros e da compactação do tout-venant indicados em 35) estima-se:
a) para o aterro: área total de 18.310,46 m3 – custo total de €91.552,28;
b) para a camada base: área total de 1775,00 m2 – custo total de €13.312,50.
40. Com referência à parcela sobrante de 959 m2 localizada a nascente das parcelas ...... e ..., a mesma deixará de ter acesso a caminho público.
41. Estima-se o valor de depreciação da parcela sobrante referida em 40) em €2.797,50.
42. Nas parcelas ... e ... existem 5 bases amovíveis de betão para a colocação de postes de iluminação.
43 Estima-se o custo de recolocação das bases enunciadas em 42) em €60,00.
44. Em 01 de novembro de 2022, FF e GG, na qualidade de senhorias, e a Expropriada A... como arrendatária subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato de Arrendamento”, no âmbito do qual as preditas senhorias declararam dar de arrendamento à Expropriada uma parcela de terreno com a área de 3.000.00 m2 sita no lugar ..., ..., ..., Trofa, para o parqueamento de viaturas pesadas, consignando-se a renda mensal de €333,33.
*
Foram dados como não provados os seguintes factos:
45. Para a fixação do rendimento indicado em 36) estima-se:
a) produtividade média do povoamento florestal: 25 m3 / ha /ano;
b) Valor do material lenhoso: €50,00/m3
c) Encargos com exploração: 5%.
46. Estima-se o valor da parcela sobrante resultante da expropriação das parcelas n.º ... e ... em 53.404,25.
47. Fixa-se o valor das parcelas ... e ... em €94.354,20. 48. Estima-se o valor do solo da parcela n.º ... em €130.506,58.
49. Estima-se o valor total do descrito em 29) a 33) em €334.221,10.
50. Em consequência da expropriação da parcela n.º ..., estima-se uma desvalorização de €62.085,43 da parcela sobrante do antedito prédio urbano.
51. Em consequência da expropriação das parcelas n.º ..., ... e ..., a Expropriada despenderá o montante anual de € 85.008, 00 a título de custos de deslocalização dos camiões.
52. Em consequência da expropriação das parcelas n.º ..., ... e ..., a Expropriada despenderá o montante de €175 020,00 com encargos de deslocalização de parqueamento.
53. Estima-se o valor das parcelas ... e ... em €6.791,90.
54. Estima-se o valor de depreciação da parcela sobrante referida em 40) em €690,00.
55. Estima-se o valor da parcela n.º ... em €25.770,24.
56. Estima-se o valor total do descrito em 29) a 33) em €51.395,00.

Fundamentos de direito
Na sentença recorrida ficaram enunciados de forma sobeja os aspetos jurídicos da expropriação por utilidade pública e da obrigação de indemnizar que lhe anda associada.
Aludiu-se ali, desde logo, à proteção constitucional da propriedade (art. 62.º, n.º 1 da Const.), avançando-se, depois para o imperativo fundamental do pagamento da justa indemnização (n.º 2 daquele normativo).
Explicou-se que a indemnização é fixada tendo em conta a natureza dos prédios ou bens expropriados, valendo como critério o da natureza dos solos, prevista no art 25.º do Código das Expropriações (CE).
Considerou-se, por isso, que a parcela ... integra a categoria de solo apto para construção (25.º/2 CE) e as outras duas parcelas se qualificam como solo apto para outros fins (25.º/3).
As parcelas ... e ...
No que tange ao solo apto para outros fins, onde estas parcelas se integram, a sentença explicitou o modo como se efetua a sua avaliação, afirmando: «No que se refere aos solos aptos para outros fins, o art.º 27.º/1 do referido diploma estatui que o seu valor será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na mesma freguesia ou nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica.
Se não for possível aplicar o citado critério, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivos ou possíveis no estado existente à data da declaração da utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo (art.º 27.º/3, do CE)».
Explicitou, mais adiante, que:« No que concerne às parcelas ... e ... agregando o valor do terreno de €8.614,21, com o valor dos aterros e da compactação de €104.864,78, o valor da depreciação de 2.797,50 e o valor das benfeitorias de €60,00 perfaz o montante total de €116.336,49, o qual sobre-excede o valor máximo do pedido formulado pela Expropriada no recurso quanto às parcelas ... e ..., €94 354,20, pelo que, ao abrigo dos poderes de pronúncia do Tribunal, impõe-se a fixação da antedita indemnização».
Diz a recorrente que o valor de € 104.864, 78, relativo a aterros e compactação, não pode ser considerado porque a expropriada, ao recorrer da decisão arbitral, não se lhe referiu.
É indisputável ser o acórdão arbitral equiparado a uma verdadeira decisão judicial, como resulta da sobeja jurisprudência do STJ, disponível em expropriacao.pdf (stj.pt).
Todavia, a expropriada, neste caso, discordou da decisão arbitral no tocante à indemnização que havia sido fixada para as duas parcelas destacadas do prédio rústico, colocando em causa a avaliação que foi efetuada do mesmo, fazendo-o em moldes que permitem se acolha a extensão de prejuízo que lhe foi fixada na sentença.
Pretendia que às parcelas rústicas – incluindo valor do solo, valor da depreciação do sobrante e valor das benfeitorias – fosse atribuído o montante de € 69.695,75 (1.ª hipótese) ou € 94.354, 75 (2.ª hipótese), argumentando com um valor por m2 de terreno superior ao que veio a ser acolhido pelos peritos nomeados pelo tribunal, valor este aceite pela sentença.
Parece-nos óbvio que, mesmo sem referir literalmente os aterros e a compactação, a expropriada pretendia, afinal, se considerasse o valor atual do terreno que perdeu (fosse qual fosse a sua natureza – solo destinado a construção ou apto para outros fins) e, neste contexto, a perícia esclareceu que, além de se tratar de um solo com aptidões florestais originais, haveria que considerar o custo de aterros e da compactação com tout venant.
De resto, essa referência constava já do acórdão de arbitragem, de junho de 2023, onde se mencionava “solo em aterro compactado, com revestimento em tout-venant”.
Ora, cabendo ao tribunal a consideração de todos os factos que interessam à decisão sobre a justa medida da indemnização a fixar em função da ablação da propriedade aos expropriado, não pode deixar de se considerar que esse facto – a existência de aterro e compactação – que já havia sido considerada pelo acórdão arbitral, é também ele um elemento a considerar na avaliação do solo para efeitos indemnizatórios.
Não se vê, assim, como pode pretender a expropriante se elimine da indemnização uma parte do valor do solo que ficou apurada em primeira instância, quando a ela sempre os autos se referiram e sendo certo que a sentença atribuiu uma indemnização inferior ao dano efetivamente apurado exatamente para responder ao princípio do pedido.
No que tange à parte sobrante, de área considerável (959 m2), apurou-se o que consta do ponto 40 – que a mesma deixará de ter acesso a caminho público, ficando encravada.
Nesta situação, o terreno em causa queda-se, na prática, inutilizado, sendo o valor fixado pelo tribunal o apurado em peritagem e não se vislumbrando – nem tal é explicitado no recurso – a razão por que afastar tal valor em benefício de um valor não explicitado de € 280,03.
No que tange às expropriações parciais rege o art. 29.º do CE, segundo o qual, nas expropriações parciais, os árbitros ou os peritos calculam sempre, separadamente, o valor e o rendimento totais do prédio e das partes abrangidas e não abrangidas pela declaração de utilidade pública”, acrescentando-se no subsequente n.º 2 “Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada”.
Já no art. 3.º CE estipula de forma inequívoca o seguinte:
1 - A expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim, podendo, todavia, atender-se a exigências futuras, de acordo com um programa de execução faseada e devidamente calendarizada, o qual não pode ultrapassar o limite máximo de seis anos.
2 - Quando seja necessário expropriar apenas parte de um prédio, pode o proprietário requerer a expropriação total:
a) Se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio;
b) Se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objetivamente.
3 - O disposto no presente Código sobre expropriação total é igualmente aplicável a parte da área não abrangida pela declaração de utilidade pública relativamente à qual se verifique qualquer dos requisitos fixados no número anterior.
A este respeito, pode ler-se no ac. desta Relação, de 15.11.2018, Proc. 2520/12.5TBOAZ.P2, o seguinte:” A propósito deste último normativo [art. 3.º] a jurisprudência tem considerado que os mesmos abrangem, por exemplo, os “custos adicionais na movimentação anual do efectivo pecuário” (TRE de 10/mar./2016, Des. Acácio Neves), “a limitação do acesso rodoviário” (TRG de 31/fev./2008, Des. Gomes da Silva, CJ I/276), sendo controvertido se esse dever de indemnização se confina aos danos que sejam consequência directa e necessária da expropriação ou se também abrangem os efeitos indirectos ou reflexos – veja-se, por exemplo, no primeiro sentido o Ac. STJ de 25/mar./2009, Cons. Garcia Calejo (despesas com a mudança de habitação) e no segundo sentido o Ac. STJ de 10/jan./2013, Cons. Pires da Rosa (dano ambiental).
Perante aquele quadro normativo e mediante os sinalizados contributos da jurisprudência, concluímos que o legislador ordinário optou por critérios distintos de indemnização, não só quando está em causa o dano expropriação propriamente dito, estabelecendo diversas variantes a partir da classificação do solo e dos edifícios e construções aí implantados, os quais são dirigidos para o “valor real e corrente do bem” expropriado, mas também relativamente aos danos colaterais da expropriação, distinguindo-se os casos de depreciação, daqueles outros em que houve prejuízo ou então novos encargos. Assim, nos casos de expropriação da propriedade o legislador optou por um critério de indemnização do prejuízo, em que está em causa o dano de expropriação imediato, com distintas variantes. Por sua vez, no que concerne às parcelas sobrantes estabeleceu um critério de indemnização da desvalorização ou então da indemnização dos danos específicos, consoante os casos, dirigido ao dano de expropriação colateral”.
No tocante à indemnização a estabelecer em caso de encravamento, diz-se neste aresto:
“Para os casos similares de servidão legal de passagem, em benefício do prédio encravado (1550.º Código Civil), o proprietário do prédio dominante ou beneficiário, em virtude da imposição dessa servidão aos prédios servientes, tem a obrigação de indemnizar os proprietários destes últimos prédios pelos prejuízos causados (1554.º Código Civil). Para o efeito, os critérios de indemnização estão fixados no Código Civil, através dos artigos 562.º a 572.º, conforme tem sido seguido pela jurisprudência (TRP 29/mar./2007, então Des. Gonçalo Silvano; TRL de 05/mai/2016, Des. Ondina Carmo Alves; TRC 04/abr./2017, Des. Arlindo Oliveira, todos acessíveis em www.dgsi.pt). Tratando-se de obter uma justa indemnização decorrente dos danos colaterais de uma expropriação parcelar por utilidade pública relativamente à parcela sobrante, não vemos qualquer obstáculo legal, antes pelo contrário, para, concedendo primazia aos critérios indemnizatórios do Código de Expropriações, complementar os mesmos através dos critérios de indemnização do Código Civil, desde que estes não contrariem aqueles, conferindo uma consistência hermenêutica interpretativa e procurando a unidade do sistema jurídico (9.º, n.º 1 Código Civil).
A propósito, o Código Civil começa por estabelecer no seu artigo 562.º que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstruir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, enquanto no artigo 564.º, respeitante ao cálculo de indemnização, prescreve no n.º 1 que “O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”, acrescentando-se no n.º 2 que “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”. Por último, será de atender aos critérios da indemnização em dinheiro fixados no artigo 566.º, mencionando-se no n.º 1 que “A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”, enquanto no n.º 2 refere que “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” e no n.º 3 “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Assim, adaptando os critérios cíveis da indemnização em geral aos critérios expropriativos da justa indemnização para as situações específicas das parcelas sobrantes de uma expropriação que ficam encravadas, será de estabelecer as seguintes regras:
1.º) conceder primazia, sempre que possível, à obrigação de reconstituir a utilidade primitiva dessa mesma parcela à data da declaração de expropriação (reconstituição da situação primitiva);
2.º) só nos casos de impossibilidade de reconstituição natural, de não reparação integral dos danos ou de excessiva onerosidade é que tem lugar a indemnização em dinheiro a pagar ao expropriado;
3.º) tratando-se de indemnização em dinheiro esta deverá seguir a teoria da diferença, que será entre a situação do lesado em relação à parcela sobrante, à data da declaração de utilidade pública, e a situação que haveria nessa mesma data se não existisse a expropriação da restante parcela.
No caso dos autos, não resultando ter a expropriante oferecido à expropriada a possibilidade de, por qualquer forma, vender a situação indesejada de encrave do prédio, nem sequer tendo alegado ou demonstrado que tal encrave pode ser vencido, por ex., mediante a realização de obras ou outras diligências possíveis (como a constituição de servidão de passagem), não se vê como não atribuir a tal parcela sobrante o montante considerado pela perícia.
Neste tocante é também improcedente o recurso.
A parcela ...
Neste particular, a alegação da expropriante é a de que deveria ter sido considerado um índice de construção máximo de 0, 2 m/m2.
Na sentença aludiu-se a 0, 59 m2, conforme resulta do facto provado em 26.
Não explica o recurso a razão pela qual deverá o tribunal discordar também aqui do laudo pericial (nesta parte, subscrito pelo próprio perito da expropriante), sendo certo não poder concluir-se – sequer foram alegados factos nesse sentido – ter-se esgotado já a capacidade construtiva no espaço.
De modo que, na senda do que vem sendo a posição da jurisprudência neste sentido, é de dar prevalência ao laudo pericial, se nada for invocado ou demonstrado que o infirme, atenta a qualidade técnica de quem o subscreve. Neste sentido v.g ac. RG, de 1.6.2017, Proc. – Sem prejuízo da força probatória da perícia ser fixada livremente pelo tribunal – art. 389 do Código Civil -, no processo de expropriação a perícia assume uma particular importância – evidenciada até pela circunstância de se tratar de diligência obrigatória, nos termos do art.61, n.º 2, do C. Expropriações.
No que tange à percentagem a considerar quanto ao custo da construção, entende a recorrente que, para as atividades fabris aqui em causa deverá ser considerado um valor de 50 – a 60% do valor do custo da construção habitacional, donde resultaria um valor do solo na ordem dos € 68.720, 64.
Recorde-se que, a este propósito, o tribunal a quo, seguindo o mesmo laudo pericial, fixou o custo da construção em 447,19 m2 (ponto de facto n.º 26), aplicando-o à área expropriada.
Também aqui como anteriormente, não foram alegadas circunstâncias que nos permitam divergir daquele laudo, sendo que o mesmo foi, neste tocante, subscrito pelo perito nomeado pela expropriante, não se nos afigurando – nem tendo sido alegado – que tenha sido violado o disposto no art. 26.º CE.
O valor administrativamente corrente para a construção habitacional (art. 26.º, n.º 5 CE), conforme esclarecido pelos peritos a fls. 15 e 16 do relatório de 7.3.2023, surge ali indicado a € 654,54, tendo a sentença fixado o valor final em € 447,19.
Veja-se, contudo, que nem para a construção de habitação os critérios em causa são fixos.
Como se refere no ac. TC 378/2012, de 19.11.2013:
“Estes [os critérios que resultam daquele art. 26.º] são meros valores de referência a que o julgador deve atender na fixação da indemnização, sem prejuízo de poder utilizar o poder que lhe confere o atual n.º 4, do artigo 23.º, do Código das Expropriações – sem prejuízo do disposto nos n.º 2 e 3, do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes do artigo 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique, requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
O legislador entendeu que, nestes casos, o valor da indemnização a atribuir pela expropriação deste tipo de terrenos deveria consistir numa percentagem a fixar pelo julgador dentro de determinados limites e tendo em conta determinados parâmetros definidos nos números 5 e seguintes, do mesmo artigo 26.º, do Código das Expropriações, sobre o valor de aquisição que teria o prédio constituído por esse terreno, caso se encontrasse edificado em condições de normalidade.
Simula-se que no terreno expropriado foram erguidas as construções que nele são permitidas, atribui-se um valor a esse prédio idealizado e, finalmente, calcula-se qual a percentagem que nesse valor assume o referido terreno, sendo o resultado a quantia a pagar pela expropriação do mesmo.
É este, em suma, o critério subsidiário definido no artigo 26.º, n.º 4, do Código das Expropriações.
Ora, reconhecendo-se que é a potencialidade construtiva deste tipo de terrenos que lhe confere um especial valor no mercado, o critério analisado, apesar de se basear em juízos de probabilidade e normalidade, ao ter como elemento de referência para o cálculo da indemnização devida pela expropriação o valor de aquisição do prédio com a construção que nele era possível efetuar num aproveitamento económico normal, valoriza precisamente essa potencialidade edificativa, pelo que a sua aplicação permite ao julgador encontrar um valor que respeite a ideia de justa indemnização exigida pelo artigo 62.º, da Constituição”.

Tendo presentes estes pressupostos, verificamos ter a sentença considerado um conjunto extenso de infraestruturas e equipamentos existentes – pontos 27 e ss. – tendo-se apurado um valor unitário da área da parcela de € 54, 12, valor que, de acordo com os esclarecimentos que foram prestados pela perícia, a 4.7.2023, resultaria na indemnização que foi fixada pelo tribunal a este título.
Nesta situação – já se sabe – é imprestável o critério do n.º 5 do art. 26.º, sendo aplicável o do n.º 2, segundo o qual o valor a considerar corresponde ao valor de mercado do bem, ou seja, aquele pelo qual seria vendido o bem em circunstâncias normais, sem a interferência de elementos especulativos.
Não sendo certo, como se alega no recurso, existir uma homogeneidade de critério para todas as situações e, menos ainda, uma unanimidade jurisprudencial no sentido de o valor do terreno apto para construção fabril ou industrial corresponder a metade do valor do terreno destinado à habitação e sendo verdade que, neste caso, o tribunal atribuiu ao terreno da expropriada valor nitidamente inferior ao que caberia ao terreno destinado à construção de habitação, não se vê razão para alterar o assim decidido.
Foi, ainda, atribuída à expropriada uma quantia - € 27.612, 00 – por se ter apurado que, em consequência da expropriação da parcela ..., a expropriada necessitará de proceder à construção de um fosso e de uma estação de serviço para efetuar a lavagem dos seus camiões, bem como as mudanças de óleo, uma vez que perdeu esta possibilidade de levar a efeito tais serviços na parcela expropriada.
A edificação de novas instalações para o efeito demandará dois meses, durante os quais a expropriante terá que pagar a terceiros pelos serviços em causa, em valor que se apurou ascender àquele montante fixado na sentença.
Neste tocante, diz a expropriante que, desde a declaração de utilidade pública, podia a expropriada ter reconstituído a situação anterior na parte sobrante, não estando assim preenchidos os requisitos previstos no art.31.º/1 CE.
O normativo em apreço dispõe o seguinte:
Nos casos em que o proprietário do prédio nele exerça qualquer atividade prevista no n.º 4 do artigo anterior [comércio, indústria ou exercício de profissão liberal], à indemnização pelo valor do prédio acresce a que corresponder aos prejuízos da cessação inevitável ou da interrupção e transferência dessa atividade, pelo período de tempo objetivamente necessário, calculada nos termos do mesmo preceito.
A expropriada é uma empresa de transportes pelo que, indubitavelmente, a manutenção dos veículos – desiderato a que se votava a estação de serviço – está incluída no âmbito da sua atividade industrial.
A realização dessa atividade deixou de ser possível na parcela expropriada exatamente mercê da expropriação, pelo que a atividade em causa foi interrompida, não sendo de apelar aqui ao segmento legal cessação inevitável.
Ora, a sentença não fixou indemnização por tal interrupção por tempo indefinido, tendo-a balizado de forma rigorosa, limitando-a aos 60 dias necessários para construção do fosso e estação de serviço.
É, pois, inconsequente que a expropriada tenha podido fazer esse trabalho em qualquer altura do tempo, mormente desde a DUP ou de qualquer outro marco factual legal, pois o certo é ter-se apurado que o tempo necessário para repor a atividade é de 60 dias e foi apenas este lapso temporal e não todo o tempo desde que ficou sem a parcela que o tribunal definiu como estando na base da indemnização cabível.
Se a expropriada teve que recorrer aos serviços de terceiro durante mais tempo, designadamente por não ter efetuado a reposição dos equipamentos necessários à prática daquela sua atividade, isso não ficou apurado, não é pedido e não foi objeto de decisão.
Sendo assim, improcede totalmente o recurso.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 21.10.2024
Fernanda Almeida
José Nuno Duarte
Anabela Morais