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EMBARGOS DE EXECUTADO
DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO DE IMÓVEL ARRENDADO
DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I - Para a procedência do diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação, requerida em sede de embargos de executado, incumbe ao Embargante a prova dos pressupostos previstos no artigo 864º, do Código de Processo Civil, devendo oferecer as provas disponíveis juntamente com a dedução dos embargos. II - Esses pressupostos não se podem ter por verificados se o Embargante / Requerente - onerado com o respetivo ónus da prova - não demonstrou os factos necessários ao seu preenchimento.
Texto Integral
Processo nº 18212/23.7T8PRT-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto – Juiz 5
Relatora: Teresa Pinto da Silva
1º Adjunto: Jorge Martins Ribeiro
2º Adjunto: Fernanda Almeida
Acordam na 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
Por apenso aos autos de execução sumária para pagamento de quantia certa que AA, intentou contra BB, veio o Executado deduzir embargos de executado, pedindo, a final, que a execução seja “julgada parcialmente improcedente, por não provada, e concedido o diferimento da desocupação por razões sociais imperiosas”.
Alegou, como fundamento, que a Exequente reclama rendas que não foram pagas por motivo de realização de obras necessárias, suportadas pelo Executado, pretendendo compensar parte do crédito da Exequente com o custo das obras por ele (Executado) despendido. Requer, ainda, o diferimento da desocupação do imóvel por prazo não inferior a 4 meses.
Proferido despacho liminar, a Exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos deduzidos.
Por despacho de 6 de maio de 2024, foi ordenada a notificação das partes para se pronunciarem quanto à possibilidade de conhecimento da questão em sede de saneador, com dispensa de realização de audiência prévia, tendo aquelas vindo informar que prescindiam dessa diligência.
Em 12 de junho de 2024, o Tribunal proferiu saneador-sentença com a seguinte parte dispositiva:
«Pelo exposto:
Julgo os presentes embargos de executado improcedentes.
Custas a cargo do embargante.»
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Inconformado com esta decisão, veio o Embargante / Apelante dela interpor o presente recurso, pretendendo a revogação do saneador-sentença apenas quanto ao indeferimento da desocupação do imóvel por prazo não inferior a 4 meses, alterando-se nesta parte a decisão proferida, formulando as seguintes conclusões:
«I) O tribunal a quo julgou improcedente o diferimento da desocupação por prazo não inferior a 4 meses.
II) No entanto, atento o facto da situação socioeconómica do executado, deverá a decisão proferida ser alterada.»
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A Embargada / Apelada contra-alegou, sustentando a rejeição liminar da apelação ou, se assim não se entender, a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida, concluindo:
«I- Decorre do artigo 640º do Código de Processo Civil que, quando é impugnada matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
II- O recorrente não cumpre o preceito do artigo 640º do CPC, apresentando um recurso deficitário na referida matéria, e como tal deve ser liminarmente rejeitado;
III- Ainda que assim não se entenda, e por mera cautela- ónus de alegar e formular conclusões- dispõe o artigo 639º do Código de Processo Civil que
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
IV- Não são no presente recurso, em sede de conclusões apresentada nenhuma norma jurídica violada, nem qual deveria ser a norma jurídica aplicável.
V- Porquanto, as conclusões apresentadas pelo recorrente, são absolutamente deficientes, obscuras, sem indicação de nenhum preceito legal, que possa a recorrente sequer contra alegar.
VII- Por mera cautela Jurídica, sempre se dirá, e quanto à aplicabilidade ao artigo 864º do Código de Processo Civil
VIII- Relativamente ao artigo 864º do CPC, estipula que, “no caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três”.
IX- Quanto ao referido artigo, o recorrente não apresenta em nenhum momento, prova, seja do seu rendimento – ou falta dele – seja da composição do seu agregado familiar, seja da idade dos seus elementos,
X- O tribunal a quo não tinha como decidir de forma diferente do que decidiu, por não ter prova alguma que fundamenta uma decisão diferente;
XI- A prova testemunhal nesta questão, nada de prova, ora que prova testemunhal pode assegurar que os menores são ou não são filhos do recorrente? Não pode.
XII- A prova testemunhal no caso concreto, servirá de muito pouco.
XIII- Ora, o recorrente não fazendo – como não fez – prova de qualquer dos factos integradores do direito ao diferimento da desocupação do locado, tinha o pedido de ser liminarmente indeferido nos termos do artigo 865.º, n.º 1, al. b) e c) do CPC como foi, e bem andou o Tribunal a quo.
XIV- Sendo certo que, o recorrente tem vindo a usar de todos os meios para protelar mais uns meses de habitação gratuita, como tem tido até então, não padecendo de nenhuma das circunstâncias referidas no 864º do CPC, e se padece das mesmas é por negligência sua.»
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Recebido o processo nesta Relação, emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Delimitação do objeto do recurso
Da análise das conclusões vertidas pelo Recorrente nas suas alegações, que versam sobre a decisão recorrida e que delimitam o objeto do recurso, estando o Tribunal impedido de conhecer de matérias não incluídas nessas conclusões, com exceção das que sejam de conhecimento oficioso, nos termos do previsto nos artigos 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à seguinte questão:
- Se se verificam os pressupostos condicionantes do diferimento da desocupação do imóvel para habitação.
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II – FUNDAMENTAÇÃO Fundamentação de facto
No saneador-sentença recorrido consideraram-se, com interesse para a decisão, os seguintes factos provados: Factos provados
No processo executivo foi apresentado como título uma sentença judicial que condenou o executado nos seguintes termos, “Face ao exposto, o Tribunal julga a presente ação totalmente procedente, por totalmente provada e decide: a) decretar a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a A. AA e o R. BB, em 20/02/2022, referente à fração autónoma designada pela B, composta por habitação no rés do chão com entrada pelo nº ..., logradouro posterior com entrada pelo mesmo número, garagem e alpendre no corpo de anexos com entrada pelo referido numero, com registo de aquisição a favor da autora pela Ap. ... de 2016-07-256, descrita na 2ª conservatória de registo predial de Vila Nova de gaia pelo nº ... e inscrita na matriz predial urbana pelo ... da freguesia ... e respetivo recheio; e b) consequentemente, condenar o R. BB a despejar o local arrendado (indicado supra na al. –a-), entregando à A. AA a referida fração e recheio, livre de pessoas, e no estado em que a mesma se encontrava à data da celebração do referido contrato; e c) condenar o R. BB a pagar à A. a quantia de €8.200,00, referente às rendas vencidas e não pagas até à data da propositura da ação, a este valor acrescem juros, vencidos e vincendos, contabilizados desde o vencimento de cada uma das rendas em atraso à data da propositura da ação e até efetivo e integral pagamento, contabilizados sobre cada valor em falta, à taxa anual legal aplicável aos juros civis, juros que atualmente se contabilizam à taxa anual legal de 4%; e d) nos termos do disposto no artº 1045º, nº 1, do Cód. Civil, condenar o R. BB a pagar à A. AA uma indemnização correspondente a €820,00 (oitocentos e vinte euros) mensais (valor mensal da renda), por cada mês de atraso na entrega do locado, desde a data da propositura da ação e até à devolução do locado, indicada na al. –b)-, indemnização contabilizada e acrescida a cada dia um dos meses correspondentes; a este valor acrescem juros, vencidos e vincendos, contabilizados desde o vencimento de cada um dos valores indemnizatórios e até efetivo e integral pagamento, contabilizados sobre cada valor em falta, à taxa anual legal aplicável aos juros civis, juros que atualmente se contabilizam à taxa anual legal de 4%; Mais condeno o R. na totalidade das custas. Valor da causa: nos termos do disposto no artº 298º, nº 1, do Cód. Civil, fixo em €32.800,00 o valor da ação.”
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Fundamentação de direito 1) Se se verificam os pressupostos condicionantes do diferimento da desocupação do imóvel para habitação
Vem o Recorrente/Executado, nas suas alegações, sustentar que o Tribunal considerou, erradamente, que aquele não alegou factos para preencher os requisitos legais do artigo 864º, nº2, do Código de Processo Civil. Ao invés, entende que os factos necessários foram alegados e que, em consequência, deve ser alterada a decisão proferida, atenta a sua situação socioeconómica.
O art.º 662.º do Código de Processo Civil dispõe, no seu nº 1 que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
O n.º 2 al. c) vem estabelecer que a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, “anular a decisão proferida na 1ª instância, quando não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta.”
De notar que a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo / novo julgamento da matéria de facto. O Tribunal da Relação apenas reaprecia os pontos de facto enunciados pelo interessado, os quais circunscrevem o objeto do recurso.
É neste quadro que o artigo 640.º, do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição:
a) “os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” [tem que haver um indicação clara e inequívoca dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento; ou seja, essa indicação tem que ser de molde a não implicar uma atividade de interpretação e integração das alegações do recorrente, tendo o Tribunal que encontrar na matéria de facto provada e não provada a matéria que o mesmo pretenderia impugnar, o que, aliás, está vedado ao Tribunal, face ao princípio do dispositivo];
b) “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” [tem que fundamentar os motivos da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos – constantes dos autos ou da gravação – que, no seu entender, implicam uma decisão diversa da impugnada];
c)“quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”;
d) “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
O citado artigo 640.º impõe, pois, um ónus rigoroso ao recorrente, cujo incumprimento implica a rejeição imediata do recurso. Como evidencia António Santos Abrantes Geraldes[1], será de rejeitar total ou parcialmente o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto em alguma das seguintes situações:
«a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC)); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc). d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de impugnação». Quanto a esta situação importa, no entanto, ter presente que o Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão nº 12/2023, de 17 de outubro de 2023[2], uniformizou a seguinte jurisprudência: «Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações».
No caso em análise, o Tribunal a quo entendeu que o Executado não alegou factos que permitam preencher os requisitos legais do artigo 864º, nº2 do Código de Processo Civil e, mais relevante, não apresentou qualquer meio de prova que permita corroborar a composição do agregado ou o facto de se encontrar desempregado.
Ou seja, diferentemente do sustentado pelo Recorrente, o Tribunal a quo afastou o diferimento da desocupação do imóvel não apenas com fundamento na falta de alegação de factos que permitam preencher os requisitos legais previstos no artigo 864º, nº2, do Código de Processo Civil, mas também, e essencialmente, porque o Executado não apresentou qualquer meio de prova que permitisse corroborar a composição do seu agregado familiar ou o facto de se encontrar desempregado.
O Embargante, nas suas alegações de recurso, não indica qualquer ponto de facto que considere incorretamente julgado, nem qualquer meio de prova que deva conduzir a decisão diferente da adotada pelo Tribunal a quo. Limitou-se a sustentar que “alegou”, mas uma coisa é alegar e outra é provar. E, quanto à prova, seja do seu agregado familiar, seja da filiação e idade dos menores que alegadamente fazem parte do seu agregado familiar, seja da sua situação de desemprego, nenhuma prova invocou que conduzisse a decisão diferente da proferida pelo Tribunal a quo. Aliás, essa factualidade carece de ser provada essencialmente por documentos, através de atestado da junta de freguesia a comprovar a composição do agregado familiar que reside no imóvel, certidões de nascimento de todos os membros do agregado, declaração da segurança social comprovativa da situação de desemprego alegada. Porém, o Recorrente não apresentou qualquer elemento documental, sendo certo que a prova testemunhal que indicou jamais poderia suprir a ausência daquela prova documental.
Pelo exposto, concluímos que o Recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impendia tendo em vista a alteração da matéria de facto, tal como previsto no artigo 640º, do Código de Processo Civil.
Em bom rigor, nem sequer impugnou a matéria de facto constante da sentença, limitando-se a invocar o seu desacordo em relação à decisão proferida, sustentando que a sua situação socioeconómica deverá conduzir a uma alteração da decisão proferida, deferindo-se a desocupação por prazo não inferior a 4 meses.
Estatui o art.º 864º, do Código de Processo Civil:
“1 - No caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três. 2 - O diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos: a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção; b) Que o arrendatário é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %. 3 - No caso de diferimento decidido com base na alínea a) do número anterior, cabe ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando aquele sub-rogado nos direitos deste”.
O diferimento de desocupação do locado está, assim, previsto como forma de suspensão da execução para prestação de facto quando o objeto da mesma seja um imóvel arrendado para habitação.
Exige a lei, desde logo, a invocação pelo requerente de “razões sociais imperiosas”, ou seja, o despejo imediato deve afetar gravemente a dignidade humana do executado.
No entanto, a invocação das referidas “razões sociais imperiosas” não vale, só por si, para obter a tutela legal, que pressupõe a verificação de pelo menos um dos fundamentos condicionantes taxativamente previstos nas als. a) e b) do preceito, que constituem presunções legais da verificação de razões sociais imperiosas, sendo elas a carência de meios do arrendatário, quando o despejo se funda na falta de pagamento de renda, ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
Acresce que o diferimento da desocupação não é, também, uma decorrência automática da verificação de um dos fundamentos destas alíneas, os quais constituem um pressuposto necessário da decisão, confiada ao prudente arbítrio do Tribunal, na consideração das circunstâncias do corpo do nº2. E compreende-se que assim seja, porquanto trata-se de um regime de exceção, porquanto verificada a circunstância que constitui o pressuposto da obrigação de entrega do locado – no caso, foi decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre o Embargante e a Embargada por falta de pagamento de rendas por parte daquele - a regra é que o imóvel seja efetiva e imediatamente entregue ao senhorio.
O legislador confia a decisão ao prudente arbítrio do Tribunal, mas aponta critérios decisórios, prescrevendo que devem ser tomadas em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas.
No caso concreto, a decisão recorrida considerou que não se verificam os pressupostos legais previstos no artigo 864º, nº2, do Código de Processo Civil sobre os quais assenta o direito ao diferimento da desocupação do imóvel em questão, contrapondo o Recorrente que atenta a sua situação socioeconómica, deverá a decisão proferida ser alterada.
Note-se que o ónus da alegação e da prova do fundamento do diferimento é do Requerente (art.º 342º, nº 1, do Código Civil e art.º 5º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O nosso sistema jurídico-processual reparte o ónus da prova entre autor e réu pelo modo como este princípio geral está consignado no art.º 342º do Código Civil: A quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova dos factos, positivos ou negativos, constitutivos do direito alegado; à parte contrária compete provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
Analisada a factualidade provada, conclui-se que o Recorrente/Embargante não logrou provar os factos necessários para lhe poder ser reconhecido o direito ao diferimento da desocupação.
Nada se provou quanto à composição do seu agregado familiar, a sua idade, o seu estado de saúde, a circunstância de não dispor imediatamente de outra habitação e, em geral, a sua situação económica e social.
Dir-se-á ainda que o Recorrente sabe que não pode ficar no imóvel sem pagar rendas, sendo certo que a sentença que decretou a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a Exequente e o Executado e que constitui o título executivo data de 26 de junho de 2023. Desde essa data decorreram mais de 15 meses, tempo suficiente para o Recorrente acautelar a sua situação e procurar, na medida das suas possibilidades e/ou junto dos organismos da assistência social, outra solução de habitação. Donde o diferimento da desocupação, também por esta via, seria absolutamente infundado à luz das exigências de boa fé a que o legislador alude no nº2, do artº 864º, do Código de Processo Civil.
Os factos provados não preenchem, por conseguinte, os pressupostos de que o art.º 864º do Código de Processo Civil faz depender o diferimento da desocupação do imóvel pelo Embargante, pelo que não pode deixar de ser indeferida a sua pretensão.
Nestes termos, improcede o recurso na sua totalidade.
Tendo nele decaído, é o Recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC – sem prejuízo da decisão que tiver recaído sobre o pedido de apoio judiciário.
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Síntese conclusiva (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente, confirmando integralmente o saneador-sentença recorrido.
Custas pelo Recorrente (artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), sem prejuízo da decisão que tiver recaído sobre o pedido de apoio judiciário por ele apresentado.
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Porto, 21 de outubro de 2024
Os Juízes Desembargadores
Teresa Pinto da Silva
Jorge Martins Ribeiro
Fernanda Almeida
___________________ [1] In Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 200-201. [2] Publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023.