CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
Sumário

I - O art.º 1096º, nº 1, do Código Civil, na redação da Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro (em vigor a partir de 13 de fevereiro 2019), permite que as partes convencionem a renovação automática do contrato e bem assim, sobre o prazo de renovação, contanto que este não seja inferior a um ano; nada dispondo sobre o prazo de renovação, considera-se que o mesmo é de três anos.
II - A limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação, não assume natureza imperativa, podendo, por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes.

Texto Integral

Arrd-Cessação-OposiçãoRenovação-5746/22.0T8MTS.P1


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SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC):

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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório

Na presente ação declarativa, que segue a forma de processo comum, em que figuram como:

- AUTORAS: AA, contribuinte fiscal nº..., residente na Praceta ..., rés-do-chão traseiras, ... ..., Maia; e

BB, contribuinte fiscal nº ..., residente na Rua ..., nº ..., 1º

andar direito, ... ..., Matosinhos; e

- RÉ: CC, divorciada, contribuinte fiscal nº ..., residente na Rua ..., nº ..., 1º andar esquerdo, ... Matosinhos,

pedem as autoras:

a) que a Ré seja condenada a reconhecer que as Autoras são as únicas herdeiras da herança indivisa aberta por óbito de DD, da qual fazem parte a fração autónoma “AE”, e de 2,70/100 avos, em compropriedade, da fração autónoma designada pela letra “A”, que corresponde a um lugar de garagem devidamente delimitado na cave, identificadas no artigo 3º da petição inicial;

b) que a Ré seja condenada a reconhecer que o contrato de arrendamento que existiu entre as partes cessou no dia 01 de setembro de 2022 - por oposição à renovação -caducidade;

c) que a Ré seja condenada, por força da oposição à renovação do contrato de arrendamento, a entregar às Autoras, livre de pessoas e bens, a fração autónoma “AE”, sita no 1º (primeiro) andar esquerdo, com entrada pelo nº ..., da Rua ..., em Matosinhos, e o lugar de garagem devidamente delimitado na cave, que faz parte da fração autónoma designada pela letra “A”, sito na ..., ..., em Matosinhos.

Alegam, para o efeito e em síntese, que DD faleceu no dia 30 de abril de 2021, no estado de divorciado, tendo-lhe sucedido como únicas herdeiras as suas duas filhas, aqui Autoras, conforme escritura de Habilitação de Herdeiros que juntam, sendo que faz parte da herança indivisa por óbito do referido DD, os seguintes prédios urbanos:

- fração autónoma designada pela letra “AE”, destinada à habitação, a que corresponde o 1º (primeiro) andar esquerdo, com entrada pelo nº ..., da Rua ..., em Matosinhos, que faz parte do prédio urbano constituído sob o regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., e ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ......, da freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrita na matriz predial urbana da união das freguesias ... e ..., concelho de Matosinhos, sob o artigo ......;

- 2,70/100 avos, em compropriedade, da fração autónoma designada pela letra “A”, que corresponde a um lugar de garagem devidamente delimitado, na cave, destinada a garagem e arrumos, composta de 24 lugares de garagem e 7 lugares de arrumos, com entrada pelo nº ..., da ..., em Matosinhos, que faz parte do prédio urbano constituído sob o regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., e ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ......, da freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrita na matriz predial urbana da união das freguesias ... e ..., concelho de Matosinhos, sob o artigo .......

Mais alegaram que por documento particular de 20 de agosto de 2015, denominado de “contrato de arrendamento urbano para fim habitacional com prazo certo”, o pai das AA. deu, conjuntamente, de arrendamento à Ré, a fração autónoma “AE” destinada à habitação, sita na Rua ..., nº ..., 1º andar esquerdo, e um lugar de garagem devidamente delimitado na cave, que faz parte da fração autónoma “A”, sito na ..., ..., pelo prazo de três anos, com início de 01 de setembro de 2015 com termo no dia 31 de agosto de 2018, considerando-se prorrogado por períodos de um ano, enquanto não fosse denunciado nos termos legais, pela renda mensal 300,00 €, a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior a que respeitar, através de depósito ou transferência bancária para o NIB constante do contrato.

Por carta registada com aviso de receção, datada de 04 de março de 2022, as AA., na qualidade de únicas herdeiras de DD, comunicaram à Ré, que relativamente ao referido contrato de arrendamento, não pretendiam a renovação do contrato de arrendamento em causa, nos termos do artigo 1097º, do Código Civil, pelo que o denunciavam com efeitos para o dia 1 de Setembro de 2022, data em que os mesmos espaços arrendados deveriam ser entregues livre de pessoas e coisas, missiva que foi rececionada pela Ré.

A Ré não entregou aos Autores a habitação e lugar de garagem que lhe estavam arrendados, conjuntamente, em 01 de setembro de 2022, continuando a ocupar os mesmos, contra a vontade das Autores, recusando-se a entregá-las. As Autoras já interpelaram a Ré para que entregasse a habitação e lugar de garagem que anteriormente lhe estavam arrendados, sem qualquer sucesso.


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Citada, a Ré veio apresentar contestação, na qual, em resumo, alega que nos termos do disposto no artigo 1096.º n.º 1 do Código Civil, em virtude das alterações introduzidas pela Lei 13/2019, de 12/02, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente, no seu termo, por períodos de igual duração, ou de três anos, se esta for inferior. Fundamentou a Ré que tendo o contrato de arrendamento com prazo certo pelo período de três anos, tido início em 01/09/2015, a primeira renovação automática ocorreu em 01/09/2018 – a qual seria de um ano, não fosse a entrada em vigor da Lei 13/2019 em fevereiro de 2019 – pelo que a primeira renovação de três anos ao computar o prazo já decorrido desde 01/09/2018, esgotou-se em 31/08/2021. E assim sendo, em 01/09/2021 teve início a segunda renovação automática pelo período de três anos do contrato de arrendamento em vigor, a qual cessará em 31/08/2024, atenta a oposição à renovação, entretanto, declarada pelas locadoras, aqui Autoras, aceitando proceder à entrega do local arrendado nessa data.

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Notificados para o efeito, os AA. vieram responder alegando, em resumo, que a interpretação da R. decorre duma incorreta interpretação e aplicação do n°1 do artigo 1096° do Código Civil.

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Findos os articulados em sede de despacho saneador, fixou-se o valor da ação e proferiu-se sentença, com a decisão que se transcreve:

“Em face do exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condena-se a Ré a reconhecer que as Autoras são as únicas herdeiras da herança indivisa por óbito de DD, da qual fazem parte a fração autónoma “AE”, e de 2,70/100 avos, em compropriedade, da fração autónoma designada pela letra “A”, que corresponde a um lugar de garagem devidamente delimitado na cave, identificadas no artigo 3º da petição inicial, absolvendo-a do demais peticionado.

Custas pelas AA. (art.º 527º, nºs 1 e 2 e 535º, nº 1 do C.P.C)”.


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As Autoras vieram interpor recurso da sentença.

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Nas alegações que apresentaram os apelantes formularam as seguintes conclusões:

A) A douta sentença recorrida decidiu que “… somos a concluir que a renovação não pode ocorrer pelo prazo de 1 ano que havia sido fixada no contrato celebrado com a R., pois este prazo é inferior ao mínimo de três anos imperativamente fixado no art.º 1096º, nº 1 do C.C., na redação introduzida pela Lei nº 13/2019 de 12/02.”

B) E, que “Assim, tendo ocorrido a renovação em 01/09/2018, por força da entrada em vigor da referida Lei e atento o disposto no art.º 297º, nº 2 do C.C., essa renovação foi pelo período de três anos, ou seja, até 31/08/2021 e em 01/09/2021, o contrato celebrado com a R., renovou-se por mais três anos, ou seja, até 31/08/2024.”

C) Concluindo que, “Isto significa que a comunicação remetida pelas AA. à Ré em 03/04/2022, e por esta rececionada, de que se opunha à renovação e que o contrato se extingue com efeitos a partir do dia 01/09/2022, é absolutamente ineficaz.”, decidindo julgar a ação improcedente os pedidos b) e c) da ação.

D) Tal decisão tem por base a interpretação do artigo 1096º, nº 1, do Código Civil, com base que o contrato de arrendamento, findo o seu período inicial, é renovado por períodos obrigatórios de três anos, mesmo que as partes tenham estipulado em contrário prazo mais curto, embora aceite e cite que há quem defenda que o prazo de renovação pode ser inferior a três anos, refere outras opiniões em sentido contrário.

D) Salvo o devido respeito, a douta sentença que deliberou julgar improcedente a presente ação, absolvendo a Ré dos pedidos de caducidade do contrato de arrendamento e consequente entrega das frações em causa, decorre duma incorreta interpretação e aplicação do n°1 do artigo 1096° do Código Civil, é injusta e ilegal, porque o contrato de arrendamento foi celebrado livremente entre as partes e validamente, a prazo certo nos termos do artigo 1095° do Código Civil, pelo prazo de três anos renovado por períodos sucessivos de um ano enquanto não for denunciado por qualquer uma das partes.

E) A douta decisão recorrida assenta a absolvição do Réu exclusivamente na ideia de que a alteração do n° 1 do artigo 1096° pela Lei n° 13/2019, de 12 de Fevereiro, na vigência do período inicial de três anos do contrato, impede que as partes estejam vinculadas aos termos do contrato que subscreveram, isto é, impede que a sua renovação tenha ocorrido por apenas um ano, sufragando o raciocínio de uma parte da doutrina que entende que a supletividade da norma "se verifica apenas quanto as partes não tenham convencionado a exclusão da renovação", cuja interpretação de tal norma não se nos afigura correta.

F) Por carta datada de carta datada de 04 de março de 2022, remetida pelas Autoras à Ré, foi-lhe comunicado que nos termos do artigo 1097° do Código Civil a oposição à renovação subsequente do contrato, não pretendendo a prorrogação do contrato de arrendamento em causa, com denúncia do mesmo para o dia 01 setembro de 2022.

G) A decisão recorrida não explica o salto lógico que seria necessário para fundamentar, sem qualquer apoio na letra da lei, nem no seu espírito, que uma norma que contém uma clara identificação da sua supletividade seria efetivamente supletiva na situação que conferiria menor proteção ao arrendatário (dando às partes a possibilidade de afastarem qualquer renovação) mas imperativa naquela que sempre lhe conferiria proteção, impedindo a renovação do contrato nos termos definidos pelas partes.

H) "Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso." – artigo 9°, nº 2, do Código Civil.

I) O contrato esteve vigente por mais de três anos, estando, portanto, ultrapassado o período mínimo de vigência dos contratos de arrendamento urbano destinado à habitação passíveis de renovação, consagrado no nº 3 do artigo 1097° do Código Civil, pelo que a correta interpretação do regime legal vigente impõe considerar que a oposição à renovação do contrato por mais um ano produziu efetivamente efeitos.

J) Interpretando, da forma que nos impõe o artigo 9° do Código Civil, o n° 1 do artigo 1096° do mesmo diploma, ensina Jorge Pinto Furtado que "Parece, pois, de pensar de tudo isto que é perfeitamente legítimo estipularem-se renovações de períodos iguais entre si, ainda que diferentes da duração contratual. Cremos, portanto, e em conclusão poder validamente estabelecer, ao celebrar-se o contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender..." (Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2019, página 579).

K) "Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes - e menores - dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise - cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas - um pacote de "pegar ou largar" (...)" (Jéssica Rodrigues Ferreira, Análise das principais alterações introduzidas pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020, página 82, in https://ciie.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-iessica-ferreira 1584.pdf).

L) Também Edgar Alexandre Martins Valente (Arrendamento Urbano - Comentários às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente - Almedina - 2019, página 31, em anotação ao artigo 1096.° do Código Civil) entende que "...as partes, à semelhança do que já sucedia na redação anterior da norma, podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma em questão (...)”.

M) De igual modo, também Isabel Rocha e Paulo Estima, em “Novo Regime do Arrendamento Urbano”, 5ª edição, da Porto Editora, em notas ao artigo 1096º do Código Civil, a páginas 285 e 286, refere que “o prazo de renovação automática prevista na falta de outro prazo supletivo, uma vez que a norma refere que tal prazo se aplica na falta de outro prazo contratualmente previsto, Assim, podem as partes celebrar, por exemplo, um contrato de arrendamento habitacional pelo prazo de 4 anos, mas renovável automaticamente por períodos de 1 ano”.

N) Na vigência da versão da norma em apreciação decorrente da Lei n° 31/2012, de 14 de agosto, onde se previa que "Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração...", também nada impedia que as partes previssem um período para a renovação diferente do período inicial do contrato, vincando a ideia de total supletividade da norma que lhe é dada pela expressão inicial, a qual não sofreu alteração, mantendo-se atualmente o mesmo regime, em que prevalece disposição contratual expressa sobre a matéria ali prevista.

O) Entre outros é o entendimento do Acórdão da Relação de Lisboa, referente ao processo nº 8851/21.6T8LRS.L1-6.

P) "Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica." (Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 04 de Maio de 2011, processo n° 4319/07.1TTLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt), sendo certo que nenhum destes elementos lógicos permitem que a correta interpretação da norma sub judice seja feita nos termos em que a faz o Tribunal a quo.

Q) A interpretação feita pela decisão recorrida parece ter ignorado a dimensão literal da norma e os seus elementos histórico e sistemático, a pretexto de um alegado elemento teleológico que falece por vários motivos, entre os quais o facto de tal norma não constar sequer da proposta de lei (n° 129/XIM) quando foi enunciada a respetiva exposição de motivos, não podendo, portanto, justificar-se a existência daquela com a sua essencialidade para o cumprimento destes.

R) No douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, relativa ao processo nº 3223/23.0T8VNG.P1, 2ª Secção, em que é relator o Desembargador Rui Moreira e adjuntos os Desembargadores Artur Dionísio dos Santos Oliveira e Anabela Dias da Silva, é referido em sumário:

“A norma constante do nº 1 do artigo 1096º do C. Civil tem uma natureza supletiva, o que abrange quer a admissibilidade da convenção de que o contrato de arrendamento poderá não ser renovado, quer a previsão de que a renovação do contrato, a ocorrer, poderá ter um prazo diferente daquele de 3 anos que o legislador ali inscreveu.”

S) Em igual sentido no processo nº 19506/21.1T8PRT-A.P1 da 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, em que é relatora a Desembargadora Ana Paula Amorim e adjuntos os Desembargadores Manuel Fernandes e Miguel Baldaia de Morais, confirmado no Supremo Tribunal de Justiça, no processo nº 19506/21.1T8PRT-A.P1.S1, da 7ª Secção.

T) A decisão recorrida é ilegal, violando o artigo 9° e, consequentemente, os artigos 1080°, 1096° n°1 e 3, e 1097° n°3, todos do Código Civil.

Termina por pedir que se julgue procedente o presente recurso, revogando a douta sentença recorrida, sendo a mesma substituída por outra que verifique a caducidade do contrato de arrendamento (por oposição à sua renovação do senhorio) e, consequentemente condene a Ré nos pedidos formulados.


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A ré veio apresentar resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:

I – As Recorrentes perfilham a corrente doutrinária que interpreta como integralmente supletiva a previsão normativa do artigo 1096.º n.º 1 CC, sem prejuízo do disposto no artigo 1097.º n.º 3 do CC, concluindo que o Tribunal recorrido ignorou a dimensão literal da norma e os elementos histórico e sistemático. TODAVIA

II – O entendimento que vem sendo maioritariamente defendido pela Doutrina e pela Jurisprudência assenta na limitação da autonomia contratual das partes à admissibilidade de renovação do contrato e à possibilidade de estabelecimento de qualquer prazo de renovação, desde que, superior a três anos.

III – O sentido literal da norma é taxativo quanto à natureza imperativa de duração mínima dos períodos de renovação ser de três anos, ainda que as partes hajam convencionado uma duração inicial inferior. PELO QUE,

IV – A referência inicial da norma quanto à possibilidade de convenção em contrário refere-se à possibilidade de as partes convencionarem que o contrato com prazo certo não se renove automaticamente no seu termo, precisamente, porque se se renovar terá de ser, imperativamente, por períodos de três anos.

V - Ao sentido literal da norma acresce o elemento sistemático que decorre da – igual - imperatividade da duração mínima do contrato, consagrada no artigo 1097.º n.º 3 CC, de onde se percebe e confirma a intenção e vontade do legislador em limitar a autonomia das partes, também, à duração mínima de três anos.

VI - Acresce que, ao contrário do que concluíram as Recorrentes, o elemento teleológico mostra-se evidente e em perfeita harmonia com os elementos literal, sistemático e histórico, porquanto o Legislador deixou expressamente fundamentado no artigo 1.º da Lei n.º 13/2019 a intenção explícita de «corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano».

VII – E, historicamente, compreende-se que, após o anterior vinculismo, o legislador pretendeu com o RAU e, posteriormente, com o NRAU, conferir uma maior abertura ao mercado de arrendamento, o qual culminou na liberalização introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, à qual se seguiu um movimento de inflexão dessa liberalização – para correção dos desequilíbrios e reforço da segurança e estabilidade do arrendamento - através de medidas limitativas da autonomia das partes, primeiro e provisoriamente através da Lei n.º 30/2018 e, definitivamente, através da Lei n.º 13/2019, com as alterações introduzidas na redação do artigo 1097.º n.º 3 e do artigo 1096.º n.º 3, através da qual pretendeu regressar ao estabelecimento de um limite mínimo de duração inicial e de períodos de renovação de três anos aos contratos com prazo certo.

VIII – Nesse sentido, o STJ foi, absolutamente, inequívoco e esclarecedor no Acórdão proferido em 17.01.2023, no Processo n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1, em que foi Relator o Senhor Juiz Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves, deliberando que: o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos”.

IX – E ainda mais esclarecedor no recente Acórdão do STJ de 20/09/2023 proferido no Processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1.S1, em que foi Relator o Senhor Juiz Conselheiro Jorge Amado, analisando detalhadamente as duas teses em oposição, a verificando os mais diversos elementos interpretativos e concluindo que: «Na sequência da alteração introduzida ao n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, os contratos de arrendamento habitacionais, com prazo certo, quando renováveis, estão sujeitos à renovação, pelo prazo mínimo de três anos».

X – Pelo que, a Decisão proferida pelo Tribunal a quo é absolutamente irrepreensível, fazendo a correta interpretação e aplicação da Lei ao contrato de arrendamento em apreço, devendo ser, integralmente, confirmada.

Termina por pedir que se julgue improcedente a apelação, mantendo-se a sentença proferida.


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O recurso foi admitido como recurso de apelação.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.

A única questão a decidir consiste em saber se com a entrada em vigor da Lei 13/2019 de 12 de fevereiro e aplicação do regime previsto no art.º 1096/1 CC, o prazo de renovação automática do contrato de arrendamento para habitação, com prazo certo, é de três anos e se por tal circunstância, a oposição à renovação não opera a caducidade do contrato, pelo facto do contrato se ter renovado.


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2. Os factos

Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:

1) DD faleceu no dia 30 de Abril de 2021, no estado divorciado, com testamento, em que instituiu herdeira da sua quota disponível a sua filha BB, aqui segunda Autora, tendo-lhe sucedido como únicas herdeiras as suas duas filhas, aqui Autoras, conforme escritura de habilitação de herdeiros junta com a p.i. como doc. nº 1, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2) Faz parte da herança indivisa por óbito do referido DD, os seguintes prédios urbanos:

a) fração autónoma designada pela letra “AE”, destinada à habitação, a que corresponde o 1º (primeiro) andar esquerdo, com entrada pelo nº ..., da Rua ..., em Matosinhos, que faz parte do prédio urbano constituído sob o regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., e ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ......, da freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrita na matriz predial urbana da união das freguesias ... e ..., concelho de Matosinhos, sob o artigo ...... e b) o 2,70/100 avos, em compropriedade, da fração autónoma designada pela letra “A”, que corresponde a um lugar de garagem devidamente delimitado, na cave, destinada a garagem e arrumos, composta de 24 lugares de garagem e 7 lugares de arrumos, com entrada pelo nº ..., da ..., em Matosinhos, que faz parte do prédio urbano constituído sob o

regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., e ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ......, da freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrita na matriz predial urbana da união das freguesias ... e ..., concelho de Matosinhos, sob o artigo ......, conforme certidões predial e matricial juntas aos autos com a p.i. como docs. nºs 2 a 6, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3) Por documento particular de 20 de agosto de 2015, denominado de “contrato de arrendamento urbano para fim habitacional com prazo certo”, o pai das Autoras,

o falecido DD declarou dar, conjuntamente, de arrendamento à Ré a fração autónoma “AE” destinada à habitação, sita na Rua ..., nº ..., 1º andar esquerdo, e um lugar de garagem devidamente delimitado na cave, que faz parte da fração autónoma “A”, sito na ..., ..., pelo prazo de três anos, com início de 01 de setembro de 2015 com termo no dia 31 de agosto de 2018, considerando-se prorrogado por períodos de um ano, enquanto não fosse denunciado nos termos legais e pela renda anual de 3.600,00 €, a ser paga em duodécimos mensais de 300,00 €, conforme documento junto aos autos com a p.i. sob o nº 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4) Por carta datada de 04/03/2022, remetida à Ré por registo com aviso de receção e por esta rececionada, as AA. na qualidade de únicas herdeiras de DD, comunicaram à Ré, que relativamente ao contrato de arrendamento acima referido, se opunham à renovação do contrato de arrendamento em causa, pelo que o deveria considerar cessado com efeitos a partir do dia 01 de setembro de 2022, conforme documento junto com a p.i. como doc. nº 8, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5) A Ré não entregou os locados às Autoras.


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3. O direito

Nas conclusões de recurso as apelantes insurgem-se contra a sentença que considerou ineficaz a oposição à renovação do contrato deduzida pelo senhorio (autoras), por se entender que estava ainda a decorrer o prazo de três anos de renovação do contrato.

Cumpre apurar se estando na presença de um contrato de arrendamento para habitação, com prazo certo, o prazo de renovação do contrato que se iniciou em 01 de setembro de 2021 tem a duração de um ano, ou, de três anos e se a oposição à renovação deduzida pelo senhorio operou a caducidade do contrato.

De harmonia com o artigo 1094º/1 Código Civil o contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada.

Relativamente aos contratos de duração indeterminada vigora o instituto da denúncia, com sede no artigo 1101º do CC. Quanto aos arrendamentos habitacionais com prazo certo, vigora o instituto da oposição à renovação deduzida pelo senhorio, previsto no artigo 1097º do CC.

A oposição à renovação consiste na declaração de um dos contraentes perante outro, comunicada com determinada antecedência, segundo os casos, de recursa de prorrogação do contrato com prazo certo, fazendo-o assim cessar no último dia da sua duração.

A oposição à renovação é, por natureza, um instituto específico dos contratos dotados de prorrogação automática; logo, quanto ao arrendamento de prédios urbanos, é privativo dos contratos com prazo certo[2].

As apelantes não se insurgem contra o segmento da sentença que qualificou o contrato como contrato de arrendamento para habitação, com prazo certo, o que aliás está admitido por acordo nos articulados.

Por outro lado, as partes admitem e aceitam, tal como já resultava da posição assumida nos articulados, que apesar de celebrado o contrato ao abrigo do regime jurídico previsto na Lei 31/2012 de 14 de agosto, tem imediata aplicação a lei nova, Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, por se tratar de questão que regula sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, aplicando-se, assim, às relações de arrendamento já constituídas e que se mantém, por se tratar de contratos de execução duradoura.

Prevê o art. 1096º/1 do CC, na redação da Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro, sob a epígrafe “Renovação automática”:

“Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.

Na questão suscitada no recurso está em causa saber se a norma tem natureza imperativa, fixando um prazo mínimo de renovação do contrato - três anos -, ou, supletiva, permitindo que as partes fixem livremente o prazo de renovação do contrato, desde que respeitam o limite do art. 1095º/2 CC (um ano).

As apelantes defendem a natureza supletiva do prazo em causa, sendo eficaz a oposição à renovação para o dia 1 de setembro de 2022 e por isso, se insurgem contra a sentença, que adotando diferente posição considerou não ser eficaz a oposição à renovação, porque estava a decorrer o prazo de renovação de três anos, que se iniciou em 01 de setembro de 2021.

A resposta a esta questão não tem obtida uniformidade da parte da doutrina e jurisprudência.

Na doutrina, no estudo[3] da Ex.ª Juiz Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça Professora Doutora MARIA OLINDA GARCIA defende-se que: “[u]ma breve leitura das alterações introduzidas nestas normas permite facilmente concluir que o legislador teve como propósito a proteção da estabilidade do arrendamento habitacional, limitando os direitos extintivos do locador e limitando a liberdade das partes para modelarem o conteúdo do contrato. […]

Nos arrendamentos para habitação tendencialmente duradoura, a liberdade dos contratantes para modelarem o conteúdo do contrato sofre significativas limitações com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019.

Passa a existir um prazo mínimo de um ano (artigo 1095.º, n.º 2). Trata-se de uma norma imperativa que não admite convenção em contrário, pois se as partes convencionarem duração inferior, o prazo considera-se automaticamente ampliado para um ano.

Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação. Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo.

Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.

Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência.

Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau”.

Seguem esta posição os Ac. Rel. Guimarães 11 de fevereiro de 2021, Proc. 1423/20.4T8GMR.G1, Ac. Rel. Guimarães 08 de abril de 2021, Proc. 795/20.5T8VNF.G1, Ac. Rel. Guimarães 23 de março de 2023, Proc. 1824/22.3T8VCT.G1, Ac. Rel. Évora 10 de novembro de 2022, Proc. 983/22.0YLPRT.E1, Ac. Rel. Évora 10 de novembro de 2022, Proc. 126/21.7T8ABF.E1 e Ac. Rel. Évora 30 de janeiro de 2023, Proc. 3934/21.5T8STB.E1 (com um voto de vencido), Ac. Rel. Porto 25 de janeiro de 2024, Proc. 8357/23.9 T8PRT.P1 (com um voto de vencido), Ac. Rel. Porto 08 de fevereiro de 2024, Proc. 840/23.2YLPRT.P1 (com um voto de vencido), Ac. Rel. Porto 20 de maio de 2024, Proc. 1686/23.3YLPRT.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt .

A posição defendida assenta os seus fundamentos essencialmente numa interpretação teleológica da norma considerando os objetivos que a lei e as alterações introduzidas pretendiam alcançar. Considera-se que o legislador ao definir um período mínimo de renovação, pretendeu conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria. A liberdade de estipulação fica limitada à possibilidade de ser ou não convencionado a renovação automática do contrato sendo esse o significado que se atribui à expressão “salvo estipulação em contrário”. O prazo de renovação poderá ficar convencionado, desde que respeite o mínimo de três anos.

Numa outra linha de entendimento, situa-se a análise do Exmº Juíz Conselheiro PINTO FURTADO e de EDGAR MARTINS VALENTE.

Na interpretação da expressão “ou de três anos se esta for inferior” observa o Exmº Juiz Conselheiro PINTO FURTADO: “[s]erá que, com ele, se pretendeu fixar renovações de nunca menos de três anos? Cremos que semelhante dúvida é efetivamente dissolvia pelo disposto no art. 1097º/3, na redação da mesma Reforma, segundo o qual “a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo”.

O que o legislador agora pretendeu fixar foi apenas que, se a duração contratual estipulada fosse de dimensão inferior a três anos, o senhorio só poderia inicialmente lançar uma oposição à renovação quando preenchidos, no mínimo, três anos sobre a sua celebração.

Parece, pois, de pensar de tudo isto que é perfeitamente legítimo estipularem-se “renovações” de períodos iguais entre si, ainda que diferentes da duração contratual.

Cremos, portanto, e em conclusão poder validamente estabelecer, ao celebrar-se o contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender”[4].

EDGAR MARTINS VALENTE considera, por sua vez:”[…]em termos práticos, caso as partes celebrem contrato de arrendamento para habitação permanente pelo prazo certo de um ano sem convenção em sentido contrário, este, findo o prazo de um ano, renovar-se-á por um período de três anos, não sendo atualmente admissível renovação supletiva por período inferior, ao invés do que sucede se as partes celebrarem um contrato com a duração inicial de, por exemplo, quatro anos, findo os quais, o contrato se renovará por período de tempo de igual duração.

Note-se que as partes, à semelhança do que já sucedia na redação anterior da norma, podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma em questão, conforme resulta da parte inicial do nº1 do presente artigo, tal significando que as referidas regras constantes do preceito alterado apenas serão aplicáveis na ausência de acordo ou estipulação contratual das partes em sentido diverso, sendo certo, como referido, que na ausência de qualquer disposição diversa das partes, o período mínimo de renovação do contrato é de três anos”[5].

Esta posição tem sido sustentada na jurisprudência, que sublinha o caráter supletivo da norma, nos Ac. Rel. Lisboa 17 de março de 2022, Proc. 8851/21.6T8LRS.L1-6, Ac. Rel. Lisboa 10 de janeiro de 2023, Proc. 1278/22.4YLPRT.L1-7, Ac. Rel. Lisboa 27 de abril de 2023, Proc. 1390/22.0YLPRT.L1-6, Ac. Rel. Porto 23 de março de 2023, Proc. 3966/21.3T8GDM.P1, Ac. Rel. Porto 09 de abril de 2024, Proc. 3179/23.0T8VNG.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Argumenta-se, citando o Ac. Rel. Lisboa 17 de março de 2022: “Da comparação entre as duas versões [Lei 31/2012 e Lei 13/2019], conclui-se que a Lei 13/2019 limitou-se a aditar a expressão ou de três anos se esta for inferior à versão anterior, mantendo todo o restante preceito.

Ou seja, e escalpelizando, em ambas as versões sucessivas, a regra é:

a) O contrato de arrendamento celebrado com prazo certo, renova-se automaticamente no seu termo;

b) Por períodos sucessivos de igual duração;

c) Constituem impedimento às duas regras anteriores, a estipulação distinta das partes;

d) ou a circunstância de se enquadrarem os contratos celebrados em qualquer das situações previstas no art. 1095º, nº 3 do mesmo diploma (contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, designadamente por motivos profissionais, de educação e formação ou turísticos, neles exarados).

Estas quatro conclusões são válidas perante qualquer uma das versões sucessivas do art. 1096º, nº1, de modo pacífico.

Ou seja, e para o que agora releva, quer numa quer noutra das versões, se admite que as partes afastem a renovação automática do contrato celebrado ou prevejam período distinto (superior ou inferior) do inicial, após essa renovação.

A diferença encontra-se apenas no aditamento de uma limitação temporal à duração desse período de duração do contrato, após a renovação: não pode ser inferior a três anos, caso o período inicial de duração do contrato seja inferior a três anos.

Da letra da alteração legislativa de 2019 apenas se retira um efeito: nos contratos de arrendamento de duração inicial inferior a 3 anos, a renovação automática dos mesmos (quando opera), verifica-se por um período sucessivo de três anos (necessariamente maior do que o período inicial).

 Trata-se de uma solução que «foge» à lógica da regra da renovação automática, fixando-se um período sucessivo extraordinário de três anos para um contrato de duração inicial inferior.

Mas foi a opção do legislador.

O passo seguinte constitui em apurar se a fixação por força de lei desse período sucessivo extraordinário de três anos constitui norma imperativa ou supletiva, ou seja, se as partes podem afastar tal regra, ao abrigo do princípio da liberdade de estipulação contratual.

Debalde encontramos resposta no seio da Lei 13/2019, pois da mesma apenas se retira que o seu objeto é o seguinte: A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.

A solução, na ausência de letra expressa, encontra-se na ponderação dos fins pretendidos com a alteração legislativa: a limitação imperativa à estipulação de períodos de renovação sucessiva inferiores a três anos corrige situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforça a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e protege arrendatários em situação de especial fragilidade?

Ora, parece-nos que a resposta há de ser negativa, pois nesse caso, o legislador «esqueceu-se» de proteger ou prosseguir tais fins com igual intensidade no período de duração inicial do contrato.

Efetivamente, a mesma Lei 13/2019 estabeleceu, como limite mínimo dessa duração o período de um ano, na redação dada ao nº 2 do art. 1095º do mesmo Código, sob a epígrafe Estipulação de prazo certo:

1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato.

 2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.

 E tal norma, pela sua própria natureza, assume força imperativa: a ampliação ou redução automática dos prazos mínimo e máximo de duração inicial para um e trinta anos, significa que esses limites mínimos e máximos não podem ser derrogados por estipulação das partes no contrato celebrado.

Ou seja, e para o que agora releva, imperativo é que o contrato de arrendamento tenha a duração mínima de um ano.

Duração inicial ou sucessiva de um ano.

Não se antevendo da Lei 13/2019 qualquer intenção de conferir maior proteção ao arrendatário no período sucessivo daquela concedida no período inicial.

Desde logo, por não se demonstrar constituir o período sucessivo à renovação uma situação de maior desequilíbrio entre arrendatário e senhorio, de maior necessidade de segurança e estabilidade do arrendamento urbano e de maior fragilidade do arrendatário relativamente ao período inicial de duração do mesmo contrato de arrendamento.

Por fim, refira-se que o processo legislativo (disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42542) pouco esclarece a intenção do legislador, pois a alteração do art. 1096º tem origem em proposta de alteração do Grupo Parlamentar ... à Proposta de Lei nº 129/XIII/3, no seio da discussão na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação – sendo que a Proposta inicial do Governo em nada se referia a este preceito em concreto.
Ou seja, a alteração ao preceito surge no decurso da discussão parlamentar da Proposta de Lei, sem lograrmos apurar o fio condutor ou a intenção do legislador, no caso.

[…]

Não se demonstrando essa imperatividade, quer pela letra quer pelo espírito da Lei, vigora o princípio da liberdade contratual, estabelecido no art. 405º do Código Civil, no sentido de que as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, podendo inclusivamente reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei”.

Sublinhando a importância do elemento sistemático na interpretação do preceito, refere-se no Ac. Rel. Lisboa 17 de janeiro de 2023: “[e]m primeiro lugar, é patente que as partes são livres de estabelecer o prazo do arrendamento entre os prazos mínimos de um ano e máximo de trinta anos, conforme deflui do Artigo 1095º, nº2, do Código, na redação da Lei nº 13/2019, de 12.2.

Em segundo lugar, da ressalva inicial do nº 2 do Artigo 1096º (“Salvo estipulação em contrário”) decorre que as partes podem, ab initio, convencionar que o contrato de arrendamento não será renovado.

Em terceiro lugar, estipulando as partes que o contrato será renovável, são livres de estabelecer prazos diferenciados de renovação, sendo o prazo de três anos (introduzido pela Lei nº 13/2019) um prazo supletivo a aplicar nos casos em que as partes não concretizem o prazo da renovação (silêncio do contrato), apesar de preverem a renovação do contrato. De facto, se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus; cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, p. 443).

A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º, nos termos do qual:
«3- A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.»

Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº1 do Artigo 1096º do Código Civil.

De facto, a tese acima explicitada (maioritária na jurisprudência) segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do Artigo 1097º do Código Civil.

Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº1 do Artigo 1096º.

Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático”.

Por fim, no Ac. Rel. Lisboa 27 de abril de 2023, sublinha-se que a ressalva do preceito “salvo estipulação em contrário” concede a possibilidade das partes determinarem o prazo de prorrogação do contrato, em obediência ao princípio da liberdade contratual e nesse sentido conclui-se: “Não distinguindo a lei, não vemos por que motivo a ressalva da estipulação em contrário se haveria de aplicar apenas à faculdade de as partes estipularem a renovação automática. Por outro lado, seria incongruente que as partes pudessem afastar a possibilidade de renovação automática, num contrato que, nos termos do disposto no art.º 1095.º n.º 2 poderá ter a duração de um ano, mas caso o quisessem renovar já o teriam de fazer, imperativamente, por três anos. Cremos não fazer sentido esta interpretação”.

A decisão recorrida seguiu a primeira posição, sendo também a posição defendida pela apelada, na resposta ao recurso, para sustentar a decisão, a qual não acompanhamos, por se nos afigurar que os argumentos apresentados na segunda posição a respeito da interpretação do art. 1096º/1 CC, partindo do elemento literal, levam em consideração os elementos histórico e sistemático, sem ignorar o elemento teleológico, mostrando-se por isso, mais completa quanto ao sentido efetivo da norma.

É de considerar que o regime da renovação do contrato não faz parte do elenco das normas com caráter imperativo, previstas no art. 1080º CC e a efetiva tutela do direito do arrendatário é concedida pelo regime do art. 1097º/3 CC, quando limita o exercício do direito à oposição à renovação, por parte do senhorio.

Mostra-se inequívoca a redação do preceito quando prevê: “salvo estipulação em contrário” sem limitar tal estipulação à renovação automática do contrato. Tal limitação não se justificaria face à tradição legislativa que nunca excluiu a possibilidade das partes fixarem convenção quanto ao prazo de renovação.

Anote-se que, de acordo com o disposto no art. 9º do Código Civil, embora a interpretação não deva cingir-se à letra da lei, devendo ter-se principalmente em conta a unidade do sistema, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, bem como, nos termos do seu nº 3, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Este foi o entendimento, expresso pela aqui RELATORA no Ac. Rel. Porto 12 de julho de 2023, Proc. 19506/21.1T8PRT-A.P1 (acessível em www.dgsi.pt).

Desta forma, e aplicando tal interpretação ao caso concreto somos levados a concluir que assiste razão às apelantes, quando pretendem ver reconhecido que foi exercido de forma válida e eficaz a oposição à renovação do contrato. A cláusula contida no contrato que fixou o prazo de um ano de renovação do contrato mostra-se válida, porque respeita a liberdade das partes na fixação do conteúdo dos contratos e não contende com norma imperativa.

Com efeito, estamos na presença de um contrato de arrendamento para habitação por prazo certo que foi celebrado em 20 de agosto de 2015, mas com início em 01 de setembro de 2015 e termo em 31 de agosto de 2018. Ficou convencionado a renovação automática do contrato pelo período de um ano. O contrato renovou-se automaticamente em 01 de setembro de 2018 pelo período de um ano.

Em 04 de março de 2022 as autoras expediram carta com aviso de receção dirigida à ré a comunicar a cessação da renovação para 01 de setembro de 2022.

A carta foi expedida e recebida no prazo legal (120 dias - art. 1097º/1 b) CC)), facto que as partes não questionam. Quando foi exercido pelo senhorio o direito de oposição à renovação não estava a decorrer o prazo de renovação por três anos, porque as partes convencionaram prazo diferente de renovação - um ano - e renovando-se em 01 de setembro de 2021, o seu termo ocorreria em 31 de agosto de 2022. Não se justifica aplicar o prazo supletivo de renovação do contrato de três anos, porque as partes expressamente convencionaram um prazo de renovação, inferior a três anos, convenção válida ao abrigo do regime previsto no art. 1096º/1 CC, na redação da Lei 13/2019 de 12 de fevereiro, pelos motivos que se deixaram expostos.

Acresce que a comunicação foi dirigida à ré quando já tinham decorrido mais de três anos sobre a data de início do contrato (art.º 1097º/3 CC), facto que também não é questionado pela ré. O contrato tinha a duração inicial de três anos, prazo que se completou ainda antes da entrada em vigor da Lei 13/2019 de 12 de fevereiro.

Conclui-se, assim, por julgar válida a oposição à renovação do contrato deduzida pelo senhorio (as autoras) e desta forma, operou-se a caducidade do contrato, cessando o direito da ré a ocupar o local arrendado a partir de 01 de setembro de 2022, devendo por isso proceder à sua entrega às autoras.

Em conclusão, procedem as conclusões de recurso, com a consequente revogação da sentença, procedendo a ação, com a condenação da ré a reconhecer que o contrato de arrendamento que existiu entre as partes cessou no dia 31 de agosto de 2022, por oposição à renovação - caducidade - e condenação da ré a entregar às autoras, livre de pessoas e bens, o prédio objeto do contrato de arrendamento.


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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelada.

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III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e revogar a sentença e nessa conformidade, revogar, em parte a sentença, e condenar a ré a reconhecer que o contrato de arrendamento que existiu entre as partes cessou no dia 31 de agosto de 2022, por oposição à renovação - caducidade - e condenar a ré a entregar às autoras, livre de pessoas e bens, a fração autónoma “AE”, sita no 1º (primeiro) andar esquerdo, com entrada pelo nº ..., da Rua ..., em Matosinhos e o lugar de garagem devidamente delimitado na cave, que faz parte da fração autónoma designada pela letra “A”, sito na ..., ..., em Matosinhos.


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Custas a cargo da apelada.

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Porto, 21 de outubro de 2024
(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Fernanda Almeida
Manuel Domingos Fernandes
_________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] Cfr. Ac. Rel. Coimbra 22 de novembro de 2022, Proc. 837/22.0YLPRT.C1, acessível em www.dgsi.pt
[3] MARIA OLINDA GARCIA “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019” JULGAR online, março de 2019, pag. 10-12
[4] JORGE PINTO FURTADO Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, outubro de 2019, pag. 578-579
[5] EDGAR ALEXANDRE MARTINS VALENTE Arrendamento Urbano – Comentário às Alterações Legislativas Introduzidas ao Regime Vigente, Reimpressão, maio de 2019, Almedina, Coimbra, pag. 31