EMBARGOS DE EXECUTADO
PRECLUSÃO DE MEIOS DE DEFESA
PROVA PERICIAL
LIVRANÇA EM BRANCO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
Sumário

I - Cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis, devendo proceder à alteração da decisão de facto quando esta, perante a prova produzida e analisada de forma conjugada com a factualidade apurada e da mesma extraindo as presunções impostas por lei ou pelas regras da experiência, evidencie erro de julgamento que imponha decisão diversa.
II - Os meios de defesa devem ser deduzidos todos aquando da apresentação do respetivo articulado, respeitando o princípio da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e das razões de direito [vide artigos 552º nº 1 al. d) e 573ºdo CPC].
A não observância de tal princípio, impede a posterior invocação de tal meio de defesa por via do princípio da preclusão que configura o contraponto do princípio da concentração dos meios de defesa antes assinalado.
III - O resultado da prova pericial, no que à impugnação da autoria das assinaturas imputadas à parte concerne, tem de ser avaliado de forma conjugada com a demais prova produzida.
IV - Perante a entrega de um título cambiário em branco a um terceiro, presume-se confiar o subscritor de tal título no preenchimento por parte do seu portador.
V - Querendo o subscritor obrigado cambiário, demonstrar que o preenchimento não corresponde ao que foi por si assumido, cabe-lhe alegar e demonstrar o preenchimento abusivo do título, em violação do que foi acordado.
VI - O mesmo é dizer que se exige a invocação do mencionado acordo. E a concretização do que foi violado perante tal acordo.

Texto Integral

Processo nº. 100/20.0T8OAZ-A.P1

3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunta – Ana Olívia Loureiro

Adjunto – Jorge Martins Ribeiro

Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Jz. de Execução de Oliveira de Azeméis

Apelante/ “A..., Lda,” e outros

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):

………………………………

………………………………

………………………………

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

Relatório.

I- Banco 1..., S.A. instaurou (em 10/01/2020) execução para pagamento de quantia certa contra:

“A..., Lda.”

AA

BB e

CC,

Liquidando a quantia exequenda nos seguintes termos:

“1. CAPITAL: € 20.000,00;

2. JUROS: São devidos juros de mora, calculados à taxa supletiva legal de 4%, desde o vencimento da livrança e até efetivo pagamento, os quais ascendem a € 146,67, reportados a 3/01/2020;

3. IMPOSTO DE SELO: Sobre tais juros incide Imposto de Selo à taxa de 4%, conforme 17.3.1 da respetiva Tabela, o que importa em € 5,87;

4. QUANTIAS VINCENDAS: Acrescerão juros moratórios vincendos, a contar de 4/01/2020 e até efetivo pagamento, calculados à taxa supletiva legal de 4% e sobre € 20.000,00, bem como o respetivo Imposto de Selo sobre eles incidente à taxa de 4%.”

Para tanto invocando:

ser “dono e legítimo portador de uma livrança no montante de € 20.000,00 e vencida em 29.10.2019, subscrita por A..., Lda. e avalizada a favor desta sociedade pelos demais executados.”

Livrança cujo valor não foi pago, apesar de interpelação para o efeito.


*

***


Em 23/06/2020, a exequente apresentou requerimento de cumulação sucessiva de execução de mais cinco livranças contra os mesmos executados, para tanto alegando:

“1. O Banco Exequente é dono e legítimo portador de cinco livranças nos montantes de € 79.288,16, € 30.000,00, € 19.571,40, € 7.164,31 e € 1.360,31, vencidas respetivamente em 14/02/2020, 14/02/2020, 24/02/2020, 6/04/2020 e 19/02/2020, subscritas por A..., Lda. e avalizadas a favor desta sociedade pelos demais executados.

2. Todavia, apresentadas a pagamento nos seus vencimentos, as mesmas não foram pagas por quaisquer dos obrigados cambiários.

3. Acrescem, por isso, os respetivos juros de mora, calculados à taxa supletiva legal de 4%, desde os vencimentos das livranças e até efetivo pagamento, os quais ascendem a € 1.920,54, reportados a 23/06/2020.

4. Sobre tais juros incide o respetivo Imposto de Selo à taxa de 4%, conforme 17.3.1 da respetiva Tabela, o que importa em € 76,82.”

E assim liquidando a nova quantia exequenda nos seguintes termos:

“1. CAPITAL: € 137.384,18;

2. JUROS: São devidos juros de mora, calculados à taxa supletiva legal de 4%, desde os vencimentos das livranças e até efetivo pagamento, os quais ascendem a € 1.920,54, reportados a 23/06/2020;

3. IMPOSTO DE SELO: Sobre tais juros incide Imposto de Selo à taxa de 4%, conforme 17.3.1 da respetiva Tabela, o que importa em € 76,82;

4. QUANTIAS VINCENDAS: Acrescerão juros moratórios vincendos, a contar de 24/06/2020 e até efetivo pagamento, calculados à taxa supletiva legal de 4% e sobre € 137.384,18, bem como o respetivo Imposto de Selo sobre eles incidente à taxa de 4%.”

II- “A..., Lda.”; AA e BB, deduziram por apenso à execução contra si instaurada os presentes embargos de executado (Apenso A), em 01/07/2020, pugnando pela sua procedência com as consequências legais.

Alegaram em suma:

- não entender a sua citação para pagamento da quantia que foi fixada provisoriamente (conforme nota de citação) em “58.540,18 Euros já aqui estando incluídos os honorários e despesas previsíveis com o agente de execução no valor de 313,65 Euros.” quando o título executivo é uma livrança de € 20.000,00 e a exequente liquidou a quantia exequenda em € 20.152,54;

Do valor titulado pela livrança tendo já pago € 10.788,91, na sequência de acordo celebrado com a exequente.

Devendo assim ser chamados apenas para pagamento do remanescente no valor de € 9.363,63;

- a livrança apresentada corresponderá a títulos de garantia do pagamento das relações contratuais que existiram entre embargantes e embargado;

- no entanto, os embargantes desconhecem “a origem da presente dívida garantida por livrança, a qual a terem assinado, limitaram-se a nele apor a assinatura, sem que nada fosse lido ou explicado” (artigo 32º r.i.).

Sendo o requerimento executivo inepto por nada no mesmo ser explicado quanto ao conteúdo e termos em que a livrança foi subscrita. Não tendo sido alegada a causa debendi;

- inexiste qualquer relação comercial que justificasse a emissão da livrança, pelo que inexiste a obrigação exequenda;

Concluindo pela extinção da execução por falta de título.

Mais alegaram que a livrança terá sido assinada em branco, servindo de caução, sem valor na mesma inscrito.

Pelo que não se constituíram em obrigação pecuniária de montante determinado.

Causa de inexistência da obrigação exequenda.

Livrança cujo preenchimento é assim abusivo;

- Não demonstrando a exequente quando houve incumprimento ou comunicou a resolução ou que termos estavam definidos contratualmente para executar a livrança, a obrigação não é exigível;

- Não ocorreu autorização para o preenchimento da livrança;

- Não ocorreu interpelação ao pagamento ou de um suposto incumprimento.

Pelo que não são devidos juros de mora.

Termos em que terminaram formulando o pedido acima já enunciado.


*

Admitidos liminarmente os embargos e notificada a exequente, contestou esta, em suma tendo impugnado parcialmente o alegado e no mais invocado:

- a livrança dada à execução é o resultado de anteriores pedidos de reforma formulados pela subscritora que inicialmente formulou um pedido de desconto de uma livrança no valor de € 50.000,00, conforme doc. 3 datado de 29/04/2019. A qual foi sucessivamente reformada, até à livrança dada à execução.

Tendo os embargantes perfeito conhecimento que a mesma não respeita a livrança caução de qualquer contrato.

Como o demonstram tanto “a proposta de desconto da livrança inicial, como os subsequentes pedidos de reforma demonstram precisamente o contrário.”

Tanto que a “proposta de desconto da livrança inicial de € 50.000,00 e dois dos pedidos de reforma encontram-se assinados, em representação da A..., Lda., por AA e o primeiro pedido de reforma encontra-se assinado por BB em representação da A..., Lda.”

- A “A..., Lda. foi interpelada, em 2/12/2019, para proceder a pagamento da livrança aqui em causa e os demais Embargantes, na qualidade de avalistas, foram igualmente interpelados naquela data, para procederem ao pagamento da mesma, tendo sido recebidas as cartas enviadas – Docs. 7 e 8”;

- E tanto conhecem os embargantes a origem da dívida, que vieram propor à exequente o seu pagamento em prestações mensais o que veio a ser aceite.

Procedendo “ao pagamento das duas primeiras prestações no valor de € 5.182,04 cada, bem como da quantia de € 424,83 ainda devida ao Agente de Execução a título de despesas e honorários (valor que foi liquidado juntamente com a primeira prestação) – Doc. 9.”

- Assim, e imputado o pagamento em primeira linha, a despesas processuais, juros e respetivo imposto de selo e, por último, a capital, ficou a dívida exequenda reduzida a € 10.440,60, reportada a 9/12/2020, sendo o capital de € 10.119,04, os juros de € 309,19 e o imposto de selo de € 12,37.

Face ao exposto, é evidente que existe obrigação exequenda e título executivo, não se podendo falar em preenchimento abusivo, já que não está aqui em causa uma livrança entregue ao Embargado em branco e que tenha sido posteriormente preenchida pelo mesmo.

Termos em que concluiu pela total improcedência dos embargos.


*

Em sede de resposta – aos documentos oferecidos com a contestação - os embargantes vieram entre o mais invocar ser falsa a assinatura aposta na livrança dada à execução no valor de € 20.000,00 (bem como nas anteriores que alegadamente foram sucessivamente reformadas até à dada à execução).

*

Por despacho de 22/03/2021 foi determinada a “apensação aos presentes autos do processo de embargos de executado do apenso B, sendo nestes autos efetuada toda a tramitação subsequente, incluindo a prolação da respetiva sentença.”

*

III- APENSO B (A ESTES AUTOS APENSADO E TRAMITADO EM CONJUNTO APÓS A DECISÃO DE APENSAÇÃO) em que

“A..., Lda.”; AA e BB, NOTIFICADOS DA CUMULAÇÃO SUCESSIVA DE EXECUÇÕES NOS AUTOS PRINCIPAIS DE EXECUÇÃO ADMITIDA POR DECISÃO DE 30/09/2020 deduziram por apenso à execução contra si instaurada embargos de executado (Apenso B), em 02/11/2020, pugnando pela sua procedência com as consequências legais.

Alegaram em suma:

-A exequente não cumpriu o disposto no DL 227/12 de 25/10.

Seja o desenvolvimento das diligências para efeitos do Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI); seja para implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).

Diligências que deveria ter observado aos avalistas pessoas singulares.

O que configura exceção dilatória que determina a absolvição da instância dos executados.

- no mais, invocaram os embargantes a ineptidão do título executivo – em causa 5 livranças; o preenchimento abusivo das livranças; a inexistência de relação comercial que justifique a dívida, em si impugnada.

Nomeadamente alegando que “desconhecem de todo a origem da presente dívida, garantida por livrança, a qual a terem assinado (que desde já sérias dúvidas levantam, conforme infra se exporá) limitaram-se a nele apor a assinatura, sem que nada fosse lido ou explicado”. O “que impediu a perceção do alcance dos mesmos.”

Invocaram ainda a inexigibilidade da dívida, bem como a não interpelação ao seu pagamento, para efeitos de juros.

Com a mesma argumentação já exposta no apenso A.

Impugnaram ainda a veracidade das assinaturas, concretizando a impugnação dizendo não corresponder à sua, por referência à assinatura aposta nas livranças de € 1360,31; € 30.000,00 e € 7.164,31 (vide artigo 80º dos embargos).

Bem como requereram a suspensão da execução e o levantamento imediato das penhoras efetuadas.

Terminando formulando o seguinte pedido:

“A) Deve o presente apenso declarativo ser julgado procedente, e consequentemente ser declaradas as exceções procedentes com as legais consequências daí decorrentes; caso assim não se entenda, por mera hipótese académica,

B) Serem os presentes embargos declarados procedentes, por provados com as consequências legais daí decorrentes;

C) Mais se requer seja a execução suspensa nos termos do disposto no art.º 733.º n.º 1 al. b) e c) do C.P.C.”


*

A embargada contestou, em suma:

- invocando não ser aplicável o disposto no DL 227/2012 ao caso dos autos;

- no mais alegando que, com exceção da livrança no montante de € 30.000,00 – a qual resulta de um pedido de desconto bancário formulado pela sociedade executada em 14/08/219 – as demais livranças dadas à execução tratam-se de livranças-caução, tendo sido entregues ao Banco Exequente como garantia do cumprimento de determinadas obrigações contratuais.

Nos termos que descreveu (juntando como docs. 1 a 4 os contratos que alegou terem sido celebrados).

Para o aludido fim (caucionar aqueles contratos de empréstimo), tendo os Embargantes entregue as livranças e conferido autorização expressa ao Banco Exequente para as preencher e as apresentar a pagamento, com vista à garantia que as mesmas representam.

Tendo ocorrido o incumprimento contratual, tendo a exequente interpelado ao pagamento dos valores em dívida sob pena de, em caso de não pagamento no prazo fixado, serem considerados resolvidos os contratos, tendo essas cartas sido recebidas – Docs. 6 a 9.

Nas mesmas datas, enviando também aos demais Embargantes, na qualidade de avalistas, cartas registadas com aviso de receção, remetendo-lhes cópia das cartas remetidas à A..., Lda., sendo que as referidas cartas foram recebidas – Docs. 10 a 13.

Após o que e no não pagamento, preencheu e apresentou a pagamento as livranças, pelos valores em dívida, nos termos que expôs no seu articulado.

No mais e impugnando o alegado, concluiu a exequente pela total improcedência dos embargos, bem como pela condenação dos embargantes em multa e indemnização a seu favor em montante não inferior a € 5.000,00 como litigantes de má-fé.


*

Os embargantes, notificados dos documentos juntos, vieram entre o mais alegar o desconhecimento do teor do clausulado dos contratos juntos sob docs. 1 a 4 com a contestação do apenso B, por não comunicados, lidos ou explicados.

*

***


IV- Na sequência da tramitação conjunta antes ordenada, foi agendada audiência prévia e nesta foi:

- proferido o seguinte despacho

“Da redução do pedido executivo quanto à ação executiva intentada a 03.01.2020:

Atento o exposto pelo exequente no artigo 17º da sua contestação do apenso A, defere-se a redução deste pedido exequendo a €. 10.440,60 (dez mil quatrocentos e quarenta euros e sessenta cêntimos), nos termos requeridos.”

- Foi proferido despacho saneador apreciando e julgando improcedentes as arguidas ineptidões do requerimento executivo;

- Identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Então tendo entre o mais sido identificado como tema da prova:

“. falsidade da letra e assinatura dos embargantes constante das livranças de 1.360,31, 30.000,00 € e de 7.164,31 €, dadas à execução;”


*

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em 06/05/2023, julgando

“(…) os embargos de executado totalmente improcedentes, por não provados e por improcedência das exceções invocadas pelos embargantes, e, nessa sequência, determina-se o prosseguimento da execução, sem prejuízo do despacho de deferimento da redução do pedido exequendo a €. 10.440,60 quanto ao primeiro requerimento executivo.”

(…)


*

Notificados os embargantes da sentença proferida em 06/05/2023 e com a mesma não se conformando, interpuseram recurso de apelação, alegando e formulando as seguintes

Conclusões:

1) A douta Sentença proferida, ora recorrida, e salvo o devido respeito, deve ser revogada in totum por manifesta desconformidade legal;

2) Com a devida vénia, a sentença do tribunal a quo fez uma incorreta apreciação dos factos e, por conseguinte, da aplicação do direito aos factos sub juditio, o que levou a negar erradamente, provimento ao pedido dos Recorrentes;

3) Não podendo, pois, os Recorrentes conformar-se com tal decisão, motivo pelo qual apresenta o presente Recurso;

4) Desde já aqui se consigna, que o presente Recurso, versa contundentemente sobre a matéria de facto dada como provada, mais especificamente a que consagra o seguinte:

“7. Os Embargantes têm perfeito conhecimento que a livrança de €. 20.000,00 não se trata de uma livrança-caução de qualquer contrato.”.

(…)

11. O exequente Banco 1..., SA procedeu à cumulação de nova execução ordinária, a 23.06.2020, nos autos principais, contra os executados A..., LDA, AA e BB, oferecendo à execução cinco livranças nos montantes de € 79.288,16, € 30.000,00, € 19.571,40, € 7.164,31 e € 1.360,31, vencidas respetivamente em 14/02/2020, 14/02/2020, 24/02/2020, 6/04/2020 e 19/02/2020, subscritas por A..., Lda.”

“12. Os embargantes assinaram e avalizaram as referidas livranças a favor desta sociedade”.

(…)

“24. Os Embargantes têm perfeito conhecimento do teor dos aludidos contratos e respetivas livranças-caução, incumprimento dos mesmos por parte da A..., Lda, não desconhecendo a origem da dívida exequenda, como pretendem fazer crer.”.

(…)

“28. A proposta de desconto da livrança encontra-se assinada por AA, na qualidade de representante legal da A..., Lda.”

5) O Tribunal de 1.ª Instância entendeu dar como Não Provados, um conjunto de factos que são, absolutamente indispensáveis para a descoberta da verdade material e que levem a uma decisão justa.

6) Isto porque, de modo algum, a prova produzida nos Autos permite extrair ou convencer o tribunal de que foram os Recorrentes, na qualidade de representante legal e avalistas que assinaram todas as livranças.

7) A Recorrente é uma empresa que se dedica à atividade de transporte nacional e internacional de passageiros, direcionado para passeios e excursões turísticas, desde 2013.

8) A saúde financeira desta empresa foi, fortemente abalada na altura da Pandemia, que implicou uma estagnação total da sua atividade, desde logo, pela total falta de procura de serviços de transporte turístico que a mesma presta, por força do encerramento do país e das fronteiras.

9) Além de estar impedida de exercer a sua atividade, a Recorrente pessoa coletiva viu-se obrigada a acarretar com os prejuízos dos serviços que tinham sido contratados, e que acabaram por não se realizar.

10) Ao mesmo tempo que a empresa Recorrente atravessava esta fase de total inércia, mantinha as obrigações para cumprir, a saber, o pagamento de salários aos trabalhadores, impostos, banca, seguros, fornecedores e créditos, etc.

11) Todo este circunstancialismo fez com que os Recorrentes se vissem impossibilitados de dar cabal cumprimento às responsabilidades até aí assumidas.

12) A Recorrida alegou que o incumprimento em causa era já anterior à Pandemia e, até que era uma prática reiterada e habitual. No entanto, e como a Recorrida bem sabia, a Recorrente só manteve e mantém relações comerciais bancárias com a Recorrida e, depois de muitos anos de relação entre ambas era frequente, a Recorrente entrar em incumprimento nos períodos de Invernos, quando praticamente não laborava e, nos meses de calor retomava a atividade e, a par disso, a capacidade para cumprir e repor os valores em dívida.

13) E, tal como sempre ocorreu, contra todas as expectativas, a Recorrente pessoa coletiva contava pagar os valores em dívida, assim que chegassem os meses de calor e começasse com os passeios turísticos e, consequentemente, gerar receitas para fazer face às dívidas.

14) Pelo facto da atividade da Recorrente ser sazonal, parando no Inverno (redução gradual após setembro) e iniciando na Primavera (abril/maio), não se pode descurar o seguinte:

I – por regra, haviam dificuldades no cumprimento das obrigações durante o período de redução ou paragem da atividade, o que se pode até extrair dos reiterados pedidos de reforma de livranças e pedidos de desconto, mas que, posteriormente eram regularizados;

II – apenas com o incumprimento generalizado junto do Banco, é que os Embargantes não gozaram da mesma abertura, para adiamento do cumprimento das obrigações;

III – apesar do vírus Covid-19 apenas ter surgido em Portugal à data de março/2020, ele foi inicialmente detetado em dezembro/2019, na China, e, na sequência, da divulgação dessa informação, todos os serviços que a Embargante tinha contratados, e que são agendados com bastante antecedência (3 ou 4 meses), foram sendo cancelados, não sendo pagos os valores que deveriam receber adiantados pela realização daqueles serviços;

IV - é preciso ter ainda em atenção que a atividade comercial da Embargante, pessoa coletiva, era exercida no seio europeu, nomeadamente França, Itália, Bélgica, entre outros, em autocarro, locais onde a Pandemia chegou bastante antes, quando comparado com Portugal;

15) Por conta deste incumprimento, houve lugar à presente ação, por conta do preenchimento e vencimento de um conjunto de livranças. A Recorrente apresentou seis livranças à execução, a saber:

I – no montante de 20.000,00 €, emitida a 20/08/2018, vencida a 29/10/2019, com o n.º ... – Execução Inicial;

II – no montante de € 79.288,16, emitida a 04/02/2020, vencida a 14/02/2020, com o n.º ...; – Cumulação de Execuções;

III – no montante de € 30.000,00, emitida a 14/08/2019, vencida a 14/02/2020, com o n.º ...; – Cumulação de Execuções;

IV – no montante de 19.571,40 €, emitida a 12/02/2020, vencida a 24/02/2020, com o n.º ...; – Cumulação de Execuções;

V – no montante de € 7.164,31, emitida a 26/03/2020, vencida a 06/04/2020, com o n.º ...; – Cumulação de Execuções;

e

VI – no montante de € 1.360,31, emitida a 04/02/2020, vencida a 19/02/2020, com o n.º ....... – Cumulação de Execuções;

16) Esta empresa é gerida pelas Recorrentes pessoas singulares, na qualidade de gerentes, pelo que a sua responsabilidade é reclamada mediante aval, mediante a assinatura dupla em todas as livranças pelo Sr. AA e a D. BB.

17) Estas assinaturas foram alvo de perícia, quer na qualidade de Legais Representantes quer na qualidade de Avalistas, através de comparação das assinaturas da frente (como Gerentes) e das assinaturas do verso (como Avalistas).

18) Nessa sequência, os Recorrentes requereram a realização de uma segunda perícia às assinaturas, já que o resultado da primeira perícia concluiu que, da comparação destas assinaturas resulta uma probabilidade e 50% a 70% de terem sido efetuados pelos punhos dos Recorrentes.

19) A realização desta segunda perícia passava, essencialmente, por confirmar ou não as inexatidões da primeira perícia, bem ainda uma avaliação individual de cada uma das assinaturas aposta em cada livrança, já que, as assinaturas não foram efetuadas no mesmo documento e nos mesmos moldes de tempo e de lugar.

20) Isto porque, a perícia foi elaborada a ambas as assinaturas em conjunto e, por isso o resultado não individualiza as assinaturas, nem refere tão pouco qual a percentagem de probabilidade que corresponde a cada uma das assinaturas.

21) Este pedido foi indeferido, o que é incompreensível!! Não se compreende a decisão proferida pelo tribunal quanto a esta matéria ao valorizar a prova pericial, servindo-se do seu resultado, pois que assenta num juízo simples e de mera possibilidade dos Recorrentes terem sido os Autores daquelas assinaturas, qualificando-as como “provável”.

22) Não se concluiu por um resultado de “muito provável” >70 a 85%” ou “muitíssimo provável >85 a 95%” nem de “praticamente provado >95%”. Os Recorrentes não conseguem, por isso, compreender como é que o Tribunal se serviu de um relatório pericial, como se o resultado que dele consta não fosse dúbio e pouco conclusivo, e se tratasse de um relatório 100% conclusivo que não deixa margem para dúvidas.

23) É incompreensível e inaceitável que a decisão proferida pelo tribunal recorrido tenha assentada num juízo de probabilidade entre os 50 e 70%.

A perícia contém variadas imprecisões e não pode, por isso constituir um meio de prova idóneo, por ser manifestamente insuficiente e incompleta, tanto quanto ao método utilizado – a comparação das assinaturas – e o resultado da mesma – 50% a 70%.

24) Além deste resultado pouco confiável, os Recorrentes impugnaram estas assinaturas em sede de Embargos de Executado. Ora, a invocação da falsidade da assinatura, pelo seu Autor, ao abrigo do artigo 376.º CC, faz recair sobre a entidade Recorrida um ónus de prova sobre a veracidade das assinaturas em causa.

25) Nesse seguimento, foi realizada perícia apenas quanto a três das seis livranças apresentadas à Execução, nas quais foi aposto o valor de € 1.360,31, € 30.000,00 e de € 7.164,31.

26) Ou seja, quanto às assinaturas das livranças com o valor de € 79.288,16 e de € 19.571, 40 não foi efetuada qualquer perícia às assinaturas, pelo que não pode operar aqui qualquer tipo de extensão de efeitos a estas referidas livranças que não foram alvo de exame. O juízo de probabilidade entre os 50% e 70% não pode valer quanto a assinaturas que não foram alvo de análise, nem quanto àquelas sobre que recaiu por não deter um grau de probabilidade suficiente para se concluir que a letra e assinatura são dos Recorrentes, quando conciliada com a demais prova produzida;

27) Nomeadamente, com as Declarações de Parte, na qual se afirmou perentoriamente que algumas das assinaturas não eram do seu punho – cfr. Declarações do Embargante AA acima transcritas, que aqui integralmente se reproduzem para todos e devidos efeitos legais;

28) Ora, não tendo havido lugar a perícia ou confissão quanto a estas assinaturas, não pode resultar provado que a Legal Representante M.ª DD e a Sociedade Recorrente tenham assinado estas livranças e, por isso, estejam a elas vinculadas.

29) Pelo que, não pode a ação executiva, cujo título executivo assente nestas duas livranças, que não foram alvo de perícia, correr contra a Recorrente BB e a empresa.

30) Sendo o resultado da perícia livremente apreciado pelo Tribunal, nomeadamente em conciliação com a demais prova produzida que, em matéria de assinar ou não as livranças é escassa (além da perícia e das declarações de parte, nenhuma outra incidiu sobre as assinaturas) e, incompatibilizando-se a perícia com a demais prova produzida, ou seja com as Declarações do Recorrente, que em conjunta com a perícia foram a única prova apreciada quanto à veracidade/falsidade das assinaturas e, tendo ainda, em consideração o resultado exíguo da perícia efetuada (concluindo por 50% a 70% de probabilidade apenas em 3 das 6 das livranças dos Autos) e, à falta de outra e melhor prova, não poderia o Tribunal a quo, segundo os bons juízos de equidade e justiça, aferidos pelo Homem médio e comum, concluir que os Recorrentes assinaram as Livranças.

31) A prova dos Recorrentes resumiu-se, praticamente às Declarações de Parte do Sr. AA, que foram francas e sinceras, pelo que merecem valorização positiva por parte do Tribunal. Além disso, tais declarações confrontadas com a prova produzida pelo Banco, por exemplo, a prova Testemunhal, não demonstrou a existência de dúvidas ou contradições essenciais.

32) Os contratos de financiamento em causa, garantidos por livrança inserem-se nos contratos de adesão de crédito ao consumo, composto por cláusulas contratuais gerais, que gozam de um regime próprio e impõe um conjunto de obrigações às partes, especialmente, ao contratante – aquele que assume uma posição de domínio.

33) A celebração deste tipo de contratos implica, necessariamente, que uma das partes assuma uma posição contratual mais débil, desde logo, porque ao aceitante não é dada a possibilidade de participar na redação do contrato, de negociar ou modificar qualquer cláusula, desde logo porque elas são previamente redigidas. O aceitante só tem duas hipóteses, neste caso: i) ou aceita o contrato nos termos em que foi elaborado; ii) ou rejeita, sem possibilidade de alteração.

34) O Sr. AA, à semelhança de muitos outros consumidores, assinou documentos, sem saber quais as implicações subjacentes a essa assinatura e sem saber o teor do contrato. Por esse motivo, é que o regime jurídico aplicável a estes contratos impõe ao contratante – aquele que assume a posição de privilégio e superioridade – um ónus de comunicar ao aceitante o conteúdo do contrato,

35) O contratante tem de comunicar ao aceitante o conteúdo do contrato, designadamente o sentido e a alcance das cláusulas inseridas, sobretudo quais as penalizações em que incorre em caso de incumprimento, no momento da aceitação do contrato.

36) No caso sub judice, foi violado um conjunto de obrigações que recaíam sobre a entidade bancária, na cláusula/as atinente ao preenchimento e condições de preenchimento da livrança.

37) Veja-se, foram celebrados vários contratos de financiamento e como para garantia para o cumprimento desses contratos, o Recorrente e esposa assinaram diversas livranças, deixadas em branco. Nestes contratos de adesão relativos ao crédito ao consumo é frequente a inserção e previsão por parte das entidades bancárias, uma ou várias cláusulas relativas ao preenchimento das livranças, verificado o incumprimento definitivo do devedor, mediante interpelação admonitória e respetiva resolução contratual.

38) A verdade é que ao Sr. AA não foi comunicada a existência desta cláusula, nem tão pouco lhe foi explicado os moldes do preenchimento da livrança, em caso de incumprimento e,

39) Pelo facto do Legal Representante, aqui Recorrente, desconhecer a presença desta cláusula no contrato, que não reconhece nem aceita a existência de uma dívida de valor tão avultado.

40) O desconhecimento total do devedor da inserção e previsão destas cláusulas, apanhou-o completamente de surpresa.

41) Não está aqui em causa o reconhecimento da dívida já que o próprio em diversos momentos do processo reconheceu que devia dinheiro à Recorrida e, que tinha como principal objetivo solver os seus créditos.

42) No entanto, este valor que o Recorrente reconheceu não corresponde ao valor peticionado em execução, uma vez que nele se insere, além do valor do capital, juros, impostos, penalizações, despesas bancárias com a concessão do crédito….

43) Este montante, na ótica do Recorrente, exorbitante, inclui um conjunto de penalizações que o Sr. AA não sabia que podia ser-lhe exigível, desde logo porque o teor das cláusulas que continham estas informações não lhe foi devidamente comunicado, nem tão pouco explicado.

44) Além do mais, estas cláusulas referentes ao preenchimento das livranças, prevê a possibilidade de as mesmas poderem ser preenchidas pelo credor, em caso de incumprimento definitivo, é também celebrado um “pacto de preenchimento” que, na prática, consiste na previsão, mediante aceitação e autorização por parte do subscritor das livranças – o devedor, para que a entidade bancária, devidamente autorizada, possa preencher o título de crédito, podendo este ser exigível.

45) Desta forma, não se verificando o cumprimento das obrigações legalmente impostas, quando estamos perante contratos de adesão e, por consequência, cláusulas contratuais gerais, designadamente, o ónus de comunicação e o dever de informação, o preenchimento da livrança é manifestamente abusivo e não pode a mesma valer como título crédito, desde logo, porque: i) o devedor/Recorrente desconhecia a existência desta cláusula; ii) não foi ao Recorrente explicitado qual o sentido e alcance desta cláusula contratual; iii) não foi celebrado nenhum tipo de pacto de preenchimento entre o Recorrente e a Recorrida; iv) os Recorrentes não foram informados sobre o preenchimento das livranças e respetivo acionamento; v) os Recorrentes não autorizaram o seu preenchimento.

46) Por tudo quanto se tem vindo a expor, os contratos de financiamento celebrados entre os Recorrentes e a Recorrida não podem considerar-se válidos, já que nada foi comunicado ou sequer explicado aos aceitantes.

Não bastando, foram praticados atos que os Recorrentes desconheciam por completo e sem que estes tenham dado o respetivo consentimento/autorização para o efeito. Houve lugar a um preenchimento dos títulos de crédito e, por esse motivo, não podem os mesmos ser exigíveis.

47) A dívida reconhecida pelo Recorrente, que sabe ter de pagar, não abrange indemnizações, taxas de juros, impostos, juros sobre juros ou penalizações, simplesmente porque o devedor nem sabia tão pouco da existência de tais condições no contrato, pelo que não podem estes acréscimos à dívida ser exigíveis ao Sr. AA, uma vez que desconhecia a sua existência, tendo sido apanhado completamente de surpresa, com um montante em dívida muito superior aquele que ele sabia existir/dever.

48) E, o banco não foi autorizado a preencher aquelas livranças, porquanto não se dignou a avisar o Recorrente que pretendia ao seu preenchimento, carecendo este ato de autorização, o que não aconteceu.

49) Ao devedor não lhe pode ser exigido o pagamento de tais valores que, nem tão pouco sabia que existiam, não só pela violação do ónus de comunicação e do dever de informação, mas também pela violação do princípio da boa-fé que se impõe a ambas as partes e que é próprio de qualquer relação contratual, especialmente, numa relação contratual estabelecida, sabendo-se que uma delas assume uma posição mais frágil, desde o início.

50) Pelo que, inexiste qualquer obrigação exequenda!!!

51) Termos em que, deve ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal de Instância Inferior, nos termos supra e ser substituída por uma outra que julgue procedente o pedido dos Recorrentes.

52) Dando-se, pois como procedente o Recurso.

53) Atento que é apodítico que a sentença recorrida violou, entre outros, os seguintes preceitos legais: 2.º, 4.º, 5.º, 6.º, 152.º, 415.º, 607.º, 608.º, 615.º, 651.º do CPC; 376.º do CC; 1.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º do Decreto-Lei 446/1985, de 25 de outubro.

Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare e reconheça, que os Embargantes, têm interesses e direito juridicamente atendíveis e, consequentemente, determine a alteração da matéria dada como provada, passando a mesma a evidenciar que os Embargantes não assinaram as Livranças em apreço, nem tomaram conhecimento do conteúdo dos contratos que subjazem àquelas livranças, e portanto, estas não podem ser título executivo nem podem ser reclamadas as penalizações apostas nos contratos, por correspondem a cláusulas não comunicadas nem explicadas, e, por via disso, determinar-se a extinção da execução, com as demais consequências legais.

ASSIM DECIDINDO, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS A ACOSTUMADA JUSTIÇA!”


*

Apresentou a exequente contra-alegações

CONCLUINDO

“A. Foi decretada por sentença a total improcedência dos embargos e prosseguimento da execução, bem como a procedência do incidente de litigância de má fé deduzido pela embargada e, em consequência, condenados no pagamento de uma indemnização ao exequente no valor de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) e no pagamento de uma multa de 3UC cada um.

B. Porquanto ficou provado que os Apelantes subscreveram e avalizaram as livranças dadas à execução.

C. Os Embargantes têm, pois, perfeito conhecimento do o conteúdo dos contratos subjacentes à emissão e entrega das aludidas livranças, bem como os termos das autorizações do seu preenchimento e não ignoram que o Banco Exequente exercia um direito potestativo que lhe assistia, preenchendo e utilizando as livranças em estrita conformidade com o acordado, quer com a subscritora, quer com os avalistas, acordo esse plasmado nos já mencionados contratos.

D. Assim, é evidente que o preenchimento das livranças-caução dos contractos acima referidos nada tem de abusivo ou injustificado, sendo do perfeito conhecimento dos Embargantes que as mesmas foram preenchidas pelos valores em dívida, no âmbito de cada um dos contratos, à data do respetivo preenchimento.

E. Chamando à colação o explanado na sentença recorrida pode ler-se “(…) Por várias vezes, e pese embora os muitos negócios celebrados com o banco, o embargante referiu pormenores do local onde assinou, quem estava presente, que lhe foi explicado “o produto” em causa, que lhe foram entregues cópias para ler.... De resto, dos depoimentos honestos e objetivos das testemunhas do banco, permitiu-nos concluir, e acreditar, que todos os procedimentos foram corretamente feitos.(…)”

Mais,

F. Os Apelantes impugnaram a veracidade das assinaturas, pelo que, recaindo sobre si o ónus da prova, o Exequente requereu a devida perícia.

G. A perícia cuja conclusão foi “provável – 50 a 70%” que pertence aos embargantes, o que conjugado com a prova testemunhal do banco embargado, permitiu a tribunal convencer-se pela autenticidade destas livranças e dar como provada esta materialidade.

H. O juiz não está vinculado a este resultado da perícia, pelo que, quando opera este tipo de probabilidade, terá que julgar atendendo à restante prova produzida. Assim o fez!

I. Com efeito, da análise destes documentos – leia-se as livranças alvo de perícia-, bem como, do próprio relatório da perícia, mas também, das admissões feitas pelo embargante, em conjugação com o depoimento das testemunhas EE e FF, foi possível concluir pela versão do banco embargado.

J. Pelo que, devem os embargantes honrar a promessa de pagamento que assumiram para com a embargada, ao assinar e avalizarem as livranças dada à execução, e pagar-lhe a quantia peticionada nos requerimentos executivos com base nesses títulos de crédito, que, como é sabido, vale como fonte autónoma, abstrata e literal da obrigação cambiária nele titulada (artigos 75.º, ponto 2, 78.º, primeiro parágrafo, e 43.º da LULL), sendo manifestamente improcedentes os demais fundamentos de defesa invocados pelo embargante.

K. Não tem qualquer fundamento a conclusão por parte dos Apelantes que uma vez que não houve lugar a perícia às assinaturas das livranças com o valor de €79.288,16 e de €19.571,40, “(…) não pode resultar provado que a Legal representante BB e a Sociedade Recorrente tenham assinado as livranças e, por isso estejam a elas vinculadas(…)”.

L. “(…) Pelo que, não pode a ação executiva, cujo título executivo assenta nessas duas livranças, que não foram alvo de perícia, correr contra a Recorrente BB e a empresa(…)”.

M. Refira-se, algumas das questões agora levantadas, nunca foram suscitadas junto da primeira instância, constituindo, agora, uma questão de facto novo, que não deverá ser objeto de análise, mas que por dever de patrocínio aqui se respondeu.

N. Não obstante, andou bem o tribunal a quo quando, dá como factos provados os referidos nos pontos 13 a 16 da sentença recorrida, a saber, que os embargantes assinaram os respetivos contratos, bem como, avalizaram as livranças que lhe serviam de garantia e foram dadas à execução.

O. Caso assim o entenda, deve o douto Tribunal ouvir a gravação da Audiência de Discussão e Julgamento, para melhor compreender o grau de manipulação dos factos, dolo e atuação dissimulada praticada pelos Apelantes para se eximirem da sua responsabilidade.

P. No mais, em decorrência do provado quanto à assinatura dos contratos e aval das respetivas livranças, ficou demonstrado e claramente provado, que as cláusulas contratuais gerais foram explicadas, pelo exequente, aos aqui recorrentes, tendo sido entregue as respetivas cópias dos contratos.

Q. Tal, está expressamente identificado na sentença, agora recorrida, “(…) e, não obstante ter sido questionado, a instâncias da sua Ilustre Mandatária, sobre se lhe foram lidas, comunicadas e explicadas as cláusulas contratuais, certo é que, se mostra inequívoco, do seu vasto depoimento que o embargante, na qualidade de legal representante da sociedade executada, e como garante, bem como a executada mulher, sempre estiveram cientes do teor destes contratos, nomeadamente garantias prestadas e consequências do incumprimento(…)”.

R. Diga-se ainda a este respeito que, foi admitido pelo próprio embargante que as referidas cláusulas lhe foram explicadas: “(…) Tendo sido confrontado com cada um dos contratos e questionado, de modo geral, quanto à problemática se lhe foram explicadas as suas cláusulas, certo é que foi notório que o embargante tinha o conhecimento destes negócios, chegando a elucidar que os contratos eram feitos do mesmo modo, só mudando a dependência do banco (referindo as mudanças dos balcões(…).”

S. É inegável que não só conheciam os termos e as cláusulas contratuais gerais, como facilmente comprovável, uma vez que fizeram uso das garantias constituídas sobre os referidos contratos, a par, da tentativa de regularização do incumprimento, através de um Acordo Pagamentos.

T. O recurso de Apelação deduzido pelos Apelantes nada mais é do que uma tentativa desesperada de manipulação dos factos, que não foi - e bem - bem-sucedida na primeira instância.

U. Não pode o Tribunal da Relação deixar-se iludir pelo comportamento dissimulado de alguém que tenta a todo o custo e às custas da Justiça e dos Tribunais (note-se que até a sociedade executada é beneficiária de apoio judiciário) eximir-se de uma responsabilidade que resulta provada ter assumido.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELOS RECORRENTES, E EM CONSEQUÊNCIA CONFIRMAR-SE A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, MANTENDO-SE A CONDENAÇÃO DOS RECORRENTES NOS EXATOS TERMOS EM QUE FOI PROFERIDA.

ASSIM SE FAZENDO A NECESSÁRIA E ACOSTUMADA JUSTIÇA!


*

***


O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos (dos embargos) e com efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.


*

II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem as seguintes as questões a apreciar:

I- erro na decisão de facto.

II- erro na decisão de direito.


***

III- Fundamentação

O tribunal a quo julgou provada a seguinte matéria de facto:

«Factos Provados

Com interesse para a decisão em apreço, provaram-se os seguintes factos:

1. O exequente Banco 1..., SA intentou ação executiva ordinária, a 03.01.2020, a que estes autos são apensos, contra os executados A..., LDA, AA e BB, oferecendo à execução a livrança no montante de €.20.000,00, vencida a 29.10.2019, subscrita por A..., LDA e assinada e avalizada pelos executados AA e BB, junta a fls. 7 dos autos principais e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida.

2. A livrança em causa resulta de um pedido de reforma de uma livrança inicial no valor de € 50.000,00, ao qual se seguiram dois outros pedidos de reforma. (cfr. art. 2º da contestação do apenso A)

3. A A... Lda., em 29/10/2018, efetuou um pedido de desconto de uma livrança no montante de € 50.000,00, com vencimento em 29/04/2019. (cfr. art. 4º da contestação do apenso A)

4. Em 17/05/2019, foi efetuado um pedido de reforma da referida livrança, a qual foi substituída por uma livrança no montante de € 45.000,00, com vencimento em 29/05/2019. (cfr. art. 5º da contestação do apenso A)

5. Em 27/06/2019, foi efetuado outro pedido de reforma, pelo que a livrança no montante de € 45.000,00 foi substituída por uma nova livrança no montante de € 40.000,00, com vencimento em 29/06/2019. (cfr. art. 6º da contestação do apenso A)

6. Em 20/08/2019, a livrança de € 40.000,00 foi também objeto de um pedido de reforma, dando lugar à livrança aqui em causa no valor de €. 20.000,00 (cfr. art. 7º da contestação do apenso A)

7. Os Embargantes têm perfeito conhecimento que a livrança de €. 20.000,00 não se trata de uma livrança-caução de qualquer contrato. (cfr. art. 8º e 22º da contestação do apenso A)

8. A A..., Lda. foi interpelada, em 2/12/2019, para proceder a pagamento da livrança aqui em causa e os demais Embargantes, na qualidade de avalistas, foram igualmente interpelados naquela data, para procederem ao pagamento da mesma, tendo sido recebidas as cartas enviadas. (cfr. art. 11º da contestação do apenso A)

9. Os Embargantes vieram propor ao Exequente o pagamento desta dívida em prestações mensais. (art. 1º da pi e art. 12º da contestação do apenso A)

10.Tendo sido aceite o pagamento da quantia exequenda em quatro prestações mensais pelo exequente, os Embargantes procederam ao pagamento das duas primeiras prestações no valor de € 5.182,04 cada, bem como da quantia de € 424,83 devida ao Agente de Execução a título de despesas e honorários (valor que foi liquidado juntamente com a primeira prestação). (cfr. artigos 13º e 14º da contestação do apenso A)

11.O exequente Banco 1..., SA procedeu à cumulação de nova execução ordinária, a 23.06.2020, nos autos principais, contra os executados A..., LDA, AA e BB, oferecendo à execução cinco livranças nos montantes de € 79.288,16, € 30.000,00, € 19.571,40, € 7.164,31 e € 1.360,31, vencidas respetivamente em 14/02/2020, 14/02/2020, 24/02/2020, 6/04/2020 e 19/02/2020, subscritas por A..., Lda, juntas a fls. 30 e 31 dos autos principais e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida.

12.Os embargantes assinaram e avalizaram as referidas livranças a favor desta sociedade. (cfr. segundo requerimento executivo e contestação do apenso B)

13.A livrança dada à execução, no montante de € 79.288,16, foi emitida e entregue ao Banco Exequente para garantir o cumprimento integral das obrigações decorrentes de um contrato de empréstimo Capitalizar ... – Linha Específica “Fundo de Maneio” no montante de € 150.000,00, o qual se encontra subscrito pela A..., Lda. e pelos demais Embargantes enquanto avalistas, resultando do mesmo a autorização de preenchimento da livrança, cfr. documento 1 junto com a contestação do apenso B e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. (cfr. art. 6º da contestação do apenso B)

14.O referido contrato mostra-se assinado pelos Embargantes AA e BB na qualidade de representantes legais da A..., Lda. e de avalistas, tendo as assinaturas sido reconhecidas. (cfr. art. 7º da contestação do apenso B)

15.A livrança dada à execução, no montante de € 19.571,40, foi emitida e entregue ao Banco Exequente para garantir o cumprimento integral das obrigações decorrentes de um contrato de empréstimo Capitalizar – Linha Específica “Fundo de Maneio” no montante de € 50.000,00, subscrito pela A..., Lda. e pelos demais Embargantes enquanto avalistas, resultando do referido contrato a autorização de preenchimento da livrança, cfr. documento 2 junto com a contestação que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. (cfr. art. 8º da contestação do apenso B)

16.O referido contrato mostra-se assinado pelo Embargante AA na qualidade de representante legal da A..., Lda. E de avalista e por BB na qualidade de avalista, tendo as assinaturas sido reconhecidas. (cfr. art. 9º da contestação do apenso B).

17. A livrança dada à execução, no montante de € 7.164,31, foi emitida e entregue ao Banco Exequente para garantir o cumprimento integral das obrigações decorrentes de um contrato de empréstimo Linha PME Crescimento ... – “Fundo de Maneio e Investimento”, no montante de € 50.000,00, subscrito pela A..., Lda. e pelos demais Embargantes enquanto avalistas, resultando do referido contrato a autorização de preenchimento da livrança, cfr. documento 3 junto com a contestação e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. (cfr. art. 10º da contestação do apenso B)

18.O referido contrato mostra-se assinado por BB, na qualidade de representante legal da A..., Lda. e de avalista, e por AA na qualidade de avalista, tendo as assinaturas sido reconhecidas. (cfr. art. 11º da contestação do apenso B)

19.A livrança dada à execução, no montante de € 1.360,31, foi emitida e entregue ao Banco Exequente para garantir o cumprimento integral das obrigações decorrentes de um contrato de abertura de crédito/mútuo, no montante de € 1.589,98, subscrito pelos Embargantes que assinaram também o pacto de preenchimento da livrança, cfr. documentos 4 e 5 juntos com a contestação que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais. (cfr. art. 12º da contestação do apenso B)

20.O referido contrato e o pacto de preenchimento da livrança mostram-se assinados por AA na qualidade de representante legal da A..., Lda. e de avalista e por BB na qualidade de avalista, tendo sido efetuado o controle das assinaturas. (cfr. art. 13º da contestação do apenso B)

21.Em virtude do incumprimento dos referidos contratos, o Banco Exequente, em 2/12/2019, 5/12/2019, 10/01/2020 e 2/12/2019, enviou à A..., Lda. cartas registadas com aviso de receção, interpelando a mesma para o pagamento dos valores em dívida, sob pena de, em caso de não pagamento no prazo fixado, serem considerados resolvidos os contratos, tendo essas cartas sido recebidas – cfr. Docs. 6 a 9 juntos com a contestação que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. (cfr. art. 16º da contestação do apenso B)

22. Nas mesmas datas, enviou também aos demais Embargantes, na qualidade de avalistas, cartas registadas com aviso de receção, remetendo-lhes cópia das cartas remetidas à A..., Lda., sendo que as referidas cartas foram recebidas –cfr. Docs. 10 a 13 juntos com a contestação que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. (cfr. art. 17º da contestação do apenso B)

23.Dada a situação de incumprimento por parte da A..., Lda., o Exequente considerou os contratos resolvidos e procedeu ao preenchimento das livranças dadas de caução, tendo comunicado aos Embargantes tal preenchimento, os termos e origem do respetivo crédito, montante em dívida e data de vencimento, através de cartas registadas com aviso de receção, datadas de 4/02/2020, 12/2/2020, 26/03/2020 e 4/02/2020, e enviadas para o domicílio convencionado, as quais não foram reclamadas – cfr. Docs. 14 a 21 juntos com a contestação que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. (cfr. arts. 18º e 21º da contestação do apenso B)

24.Os Embargantes têm perfeito conhecimento do teor dos aludidos contratos e respetivas livranças-caução, incumprimento dos mesmos por parte da A..., Lda, não desconhecendo a origem da dívida exequenda, como pretendem fazer crer. (cfr. arts. 15º, 19º e 23º da contestação do apenso B)

25.O Banco embargado informou os embargantes que deduziu ao capital em dívida o montante pago pela B..., cfr. cartas de fls. 109 e ss enviadas aos Embargantes, dando nota do preenchimento das livranças nos montantes de € 79.288,26, € 19.571,40 e € 7.164,31, juntas com a contestação que aqui se dão por integralmente reproduzidas. (cfr. art. 26º da contestação)

26.No que diz respeito ao contrato Capitalizar ... – Linha Específica “Fundo de Maneio”, o Banco recebeu da B... a quantia de € 73.405,47, no que diz respeito ao contrato Linha específica Capitalizar – “Fundo de Maneio”, o Banco recebeu da B... a quantia de € 18.333,32 e, no que diz respeito ao contrato Linha Específica PME Crescimento ... “Fundo de Maneio e Investimento”, o Banco recebeu a quantia de € 14.736,85 (cfr. art. 27º da contestação)

27.A livrança no montante de € 30.000,00 resulta de um pedido de desconto bancário efetuado pela A..., Lda. em 14/08/2019. (cfr. art. 28º da contestação)

28.A proposta de desconto da livrança encontra-se assinada por AA, na qualidade de representante legal da A..., Lda. (cfr. art. 29º da contestação)

29. Os Embargantes foram interpelados, em 16/03/2020, para proceder a pagamento desta livrança de € 30.000,00, mas não reclamaram as cartas que lhes foram enviadas – cfr. docs. 29 e 30 juntos com a contestação que aqui se dão por integralmente reproduzidos. (cfr. art. 30º da contestação)

30.O representante legal da A..., Lda. reuniu com o Exequente no sentido de encontrar uma solução de regularização das responsabilidades vencidas. (cfr. art. 35º da contestação)


*

E, julgou o tribunal a quo, não provada a seguinte matéria de facto:

“Factos Não Provados

Com interesse para a decisão em apreço não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que:

a) Na dívida exequenda do primeiro requerimento executivo, os Executados apenas devem o valor de 9.363,63 € (nove mil, trezentos e sessenta e três euros e sessenta e três cêntimos). (cfr. art. 11º da petição do apenso A)

b) A exequente tivesse preenchido a livrança no valor de €. 20.000,00, junto com o primeiro requerimento executivo, não se mostrando que os executados tivessem autorizado esse preenchimento. (cfr. art. 57º da petição do apenso A)

c) Os embargantes não tivessem sido interpelados para proceder ao pagamento do capital mutuado e do incumprimento. (cfr. art. 60º da petição do apenso A)

d) Os Embargantes desconhecessem de todo a origem da presente dívida, garantida por livrança, a qual, a terem assinado, limitaram-se a nele apor a assinatura, sem que nada fosse lido ou explicado, (cfr. art. 27º da petição do apenso B)

e) O que impediu a perceção do alcance dos mesmos. (cfr. art. 28º da petição do apenso B)

f) Não existisse qualquer relação comercial que justificasse a emissão das livranças em causa. (cfr. art. 36º da petição do apenso B)

g) A exequente tivesse preenchido as mencionadas livranças-caução não se mostrando que os executados tivessem autorizado esse preenchimento. (cfr. art. 55º da petição do apenso B)

h) Os embargantes não tivessem sido interpelados para proceder ao pagamento do capital mutuado e do incumprimento. (cfr. art. 58º da petição do apenso B).


*

Conhecendo.

1) Do erro na decisão de facto.

Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662º do CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.

Sem prejuízo de e quanto aos factos não objeto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no artigo 662º n.º 2 al. c) do CPC.

Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.

Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recurso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.

Cabe assim ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis, devendo proceder à alteração da decisão de facto quando esta, perante a prova produzida e analisada de forma conjugada com a factualidade apurada e da mesma extraindo as presunções impostas por lei ou pelas regras da experiência, evidencie erro de julgamento que imponha decisão diversa.

Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso.

Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.ºs 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.ºs 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.

Embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC), se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.

Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..

Acresce ser de ter presente o fim dos recursos – por via da apreciação da pretensão dos recorrentes, validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, modificando a decisão antes proferida.

Pelo que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objeto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo [vide neste sentido Acs. do TRG de 12/07/2016, nº de processo 59/12.8TBPCR.G1; e de 11/07/2017 nº de processo 5527/16.0T8GMR.G1 ambos in www.dgsi.pt/jtrg ].

Pelos mesmos motivos sendo entendimento uniforme que as questões novas, antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, não podem pelo tribunal de recurso ser consideradas, salvo se de conhecimento oficioso [vide, entre outros, Ac. TRC de 14/01/14, nº de processo 154/12.3TBMGR.C1; Ac. TRP de 16/10/2017, nº de processo 379/16.2T8PVZ.P1; Ac. TRG de 08/11/2018 nº de processo 212/16.5T8PTL.G1; Ac. TRP de 10/02/2020, nº de processo 22441/16.1T8PRT-A.P1, todos in www.dgsi.pt].

Finalmente releva realçar ser ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.

Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação.

Implicando que apenas será considerada a impugnação dos factos identificados nas conclusões de recurso.

Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.

Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso.

No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Tendo presentes estes considerandos e analisado o articulado de recurso dos recorrentes – corpo alegatório e conclusões - verifica-se terem sido cabalmente observados os ónus de impugnação e especificação sobre si incidentes e enunciados nas als. a) e c) do nº 1 do artigo 640º do CPC.

Sendo que e quanto aos meios probatórios que impõem decisão diversa, invocaram os recorrentes a prova pericial e resultado que analisaram de forma conjugada com o depoimento de parte do legal representante da sociedade embargante – AA, do qual transcreveram parte e depoimento da testemunha FF que igualmente apenas em parte transcreveram.

Assim e sem prejuízo das observações que infra deixaremos na reapreciação da decisão de facto impugnada, consideram-se igualmente observados os ónus exigidos pelas als. b) do nº 1 e nº 2 al. a) do artigo 640º, pelo que cumpre proceder à reapreciação da decisão de facto, nos termos pelos recorrentes pugnados.

Em causa – atento o teor das conclusões de recurso, as quais, como já referido, delimitam o objeto do recurso, obrigatoriamente identificando os pontos impugnados – os pontos 7, 11, 12, 24 e 28 dos factos provados.


*

Os recorrentes impugnam em suma e de um lado, a assinatura que foi reconhecida como sua em relação às assinaturas apostas nas 5 livranças dadas à execução (no apenso B) e identificadas nos pontos 11 e 12 dos factos provados. Bem como a assinatura de AA enquanto legal representante da sociedade embargante, aposta na proposta de desconto da livrança mencionada em 28 dos factos provados.

De outro lado, impugnam o julgado provado conhecimento dos contratos subjacentes à emissão das livranças-caução, bem como a origem da dívida exequenda - vide ponto 24 dos fp´s. Ou o conhecimento de que a livrança mencionada em 6 dos fp não se trata de uma livrança caução – vide ponto 7 dos fp.

Começando pela impugnação aduzida a este ponto 7, vindo provado e não impugnado que a livrança de € 20.000,00 dada à execução no apenso A é o resultado das reformas descritas em 2 a 6 dos factos provados e não impugnados, com origem numa inicial livrança emitida no valor de € 50.000,00 na sequência de um pedido de desconto desta primeira livrança formulado pela sociedade executada e assinada e avalizada pelos executados e embargantes AA e BB – vide fp 1, resulta como consequência lógica a demonstração do facto provado 7.

Ademais o embargante no seu depoimento confirmou que esta livrança não foi entregue em branco, não era uma livrança caução.

Inclusive reconhecendo que as cartas que foram enviadas relativas a esta livrança foram rececionadas no seu domicílio pelo seu sogro que depois as entregava. Tal como invocou o pagamento parcial que por conta deste valor foi efetuado na sequência de acordo celebrado com a exequente. Pagamento que veio a dar origem à redução do pedido exequendo.

Em suma, perante o exposto e na ausência de qualquer concretização probatória por parte dos recorrentes que afaste a convicção do tribunal a quo formada nos termos constantes da decisão de facto, impõe-se concluir pela improcedência da alteração do ponto 7 dos factos provados.

Quanto às assinaturas imputadas aos embargantes e a que se reportam os pontos 11 e 12 dos factos provados, bem como o ponto 28 dos factos provados impõe-se em primeiro lugar assinalar que sobre os recorrentes recaía o ónus de especificadamente impugnar as assinaturas que a si foram imputadas, afirmando-as como falsas / não da sua autoria.

Relembra-se que os meios de defesa devem ser deduzidos todos aquando da apresentação do respetivo articulado, in casu do requerimento de embargos, respeitando o princípio da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e das razões de direito [vide artigos 552º nº 1 al. d) e 573ºdo CPC].

A não observância de tal princípio, impede a posterior invocação de tal meio de defesa por via do princípio da preclusão que configura o contraponto do princípio da concentração dos meios de defesa antes assinalado.

No requerimento de embargos do apenso B, os embargantes impugnaram expressamente as assinaturas quanto às livranças no valor de € 1.360,31; € 30.000,00 e € 7.164,31.

Mas já não quanto às demais duas livranças em tal requerimento identificadas – ou seja as livranças nos valores de € 79.288,16 e € 19.571,40 (vide pontos 70 e segs. do requerimento de embargos).

Não sendo bastante para tanto, a nosso ver, a afirmação de que “impugnam (…) as assinaturas das livranças” (ponto 85º do r.i.) quando antes especificadamente identificaram concretamente as 3 livranças acima já referidas e não as outras duas.

Atuação processual que terá assim sido entendida pelo tribunal a quo, em conformidade com o tema da prova enunciado na audiência prévia [do qual não consta a menção ao apuramento da falsidade da letra e assinatura destas outras duas livranças], sem que tenha merecido qualquer censura pelas partes quando notificadas do decidido.

Tema de prova que aqui se deixa reproduzido:

“.falsidade da letra e assinatura dos embargantes constante das livranças de 1.360,31, 30.000,00 € e de 7.164,31 €, dadas à execução”;

O exposto é, a nosso ver, suficiente para julgar afastada a impugnação das assinaturas das 2 livranças já identificadas – dos valores de € 79.288,16 e € 19.571,40 (apenso B).

Ainda que assim se não entendesse e, aliás, em consonância com o que se entende foi a posição assumida pelas partes nos articulados, confirmou o embargante AA no decurso das suas declarações e depoimento de parte, repetidamente e de forma clara, corresponderem as assinaturas nas demais 3 livranças dadas à execução [a referida em 1) e as duas acima mencionadas] às suas assinaturas, bem como de sua mulher, tanto na qualidade pessoal como de legal representante da sociedade embargante.

Admissão que tem de ser e foi valorada de forma conjugada com a demais prova no que respeita às assinaturas imputadas a sua mulher embargante, mas que quanto a si configuram uma verdadeira confissão.

Tendo neste mesmo depoimento mencionado que tais as assinaturas eram feitas no banco, juntamente com a sua mulher e na presença do funcionário bancário.

Corroborando assim o depoimento da testemunha FF quanto a esta realidade.

O resultado da prova pericial, no que à impugnação da autoria das assinaturas imputadas à parte concerne, tem de ser avaliado de forma conjugada com a demais prova produzida.

Entendemos consequentemente e no que respeita às duas livranças acima referidas e mencionadas nos pontos 11 e 12 dos factos provados por esta via afastada qualquer censura quanto ao decidido.

E quanto às outras 3 livranças:

- atendendo ao teor do resultado da prova pericial que não afastou a autoria de tais assinaturas, antes tendo concluído ser provável que as assinaturas apostas nestas 3 livranças (tanto do embargante AA, como da embargante BB) sejam da autoria dos embargantes, correspondendo a afirmação de probabilidade a um grau de significância de mais de 50% a 70%;

conjugada esta resposta pericial com a demais prova documental

- tanto para as livranças no valor de € 1360,31 e € 7.164,31, como para as outras duas primeiras mencionadas, veja-se que

. vem provado e não impugnado a relação contratual subjacente à emissão destas livranças nos factos provados 13) [com reconhecimento das assinaturas, conforme referido em 14 dos fp) para a livrança no montante de € 79.288,16]; 15) [com reconhecimento das assinaturas, conforme referido em 16 dos fp) para a livrança no montante de € 19.571,40]; 17) [com reconhecimento das assinaturas, conforme referido em 18 dos fp) para a livrança no montante de € 7.164,31] e 19) [com controle das assinaturas, conforme referido em 20 dos fp) para a livrança no montante de € 1.360,31];

. tal como vem provado a interpelação ao pagamento à subscritora e avalistas (vide fp´s 21 e 22) e subsequente comunicação de resolução contratual enviada para o domicílio convencionado, ainda que as cartas enviadas não tenham sido reclamadas (vide fp 23) e ainda

- e ainda vem provado e não impugnado ser a livrança de € 30.000,00 o resultado de um pedido de desconto bancário efetuado pela sociedade embargante (fp 27).

Concluímos nenhuma censura merecer o decidido nestes pontos factuais 11 e 12.

A resposta pericial foi cabalmente sustentada/reforçada pelos demais meios probatórios.

A que se somam os depoimentos das duas testemunhas FF e EE.

O primeiro confirmou entre o mais a ocorrência dos descontos das livranças, para além dos contratos “PME”. Sempre com assinatura presencial, conforme era seu procedimento habitual.

A segunda explicou o processo de arquivo das garantias que são entregues, após digitalização de toda a documentação relativa a cada procedimento bancário. Digitalização que permite a consulta nos termos dos docs. que acabaram por ser juntos a fls. 195 e segs. dos autos.

Garantias cujos originais são arquivados em cofre e do mesmo retirados quando são necessárias ativar.

Ainda e para a livrança no valor de € 30.000,00 veja-se o teor da resposta pericial conjugada com o teor da proposta de desconto junta a fls. 119 – da qual vem apenas impugnado que a proposta fosse assinada pelo embargante AA na qualidade de legal representante da sociedade embargante, não obstante constar que ocorreu controlo de assinaturas e a assinatura do embargante AA estar por debaixo da menção à sociedade e gerência, associado às cartas de fls. 120 a 124 as quais vieram devolvidas por não reclamadas - a que correspondem os factos provados 27 e 28, o primeiro não impugnado, associado ao facto provado 29 relativo à interpelação dos executados embargantes ao pagamento, conjugados com o depoimento das testemunhas FF e EE, já referidos.

A análise conjugada da prova produzida nos termos expostos, não evidencia a nosso ver erro de julgamento que imponha decisão diversa, no que às assinaturas questionadas concerne.

O tribunal a quo, numa fundamentação pormenorizada, coerente, explicativa e justificativa quanto ao processo de formação da sua convicção, expôs entre o mais:

“decorre das vastas declarações do embargante que este admite o incumprimento dos contratos, bem sabendo da constituição em mora e do respetivo incumprimento, não concordando, porém e de um modo geral, com o montante peticionado. Pese embora referir que “não percebe” o valor de certas livranças, o certo é que sabe que a sociedade deve ao exequente e, obviamente, os executados na qualidade de avalistas. Estamos perante um empresário experiente com negócios com a banca que durante anos celebrou, durante largos anos, contratos de financiamento com o banco exequente, sabendo perfeitamente do incumprimento desses contratos e da comunicação dos montantes dos débitos por parte do exequente, não se percebendo a alegada ignorância relatada, em geral, nos seus embargados de executado.

No que concerne à invocada falsidade da assinatura nas livranças nos valores de €. 1360,31, €. 30.000,00 e de €. 7.164,31, a justificação dada pelo embargante para essa falsidade revelou-se confusa. Na verdade, existem vários documentos insertos nos autos e não impugnados (aliás, alguns juntos pelos próprios embargantes), com diversas datas, em que a assinatura do embargante é feita de diversas formas, designadamente: na procuração forense outorgada a favor dos seus Ilustres Mandatários de 29.01.2020, de fls. 21, consta uma rúbrica; no AR referente à citação da sociedade de 16.10.2020, fls. 41v dos autos principais já consta o nome completo do embargante na qualidade de legal representante desta executada; nos comprovativos de pagamentos do Banco 1..., SA insertos na petição de embargos do apenso A, de fevereiro e março de 2020, consta uma rúbrica; na cópia do seu cartão de cidadão do embargante/executado AA, com data de validade de 17.02.2021, de fls. 28 da petição de embargos do apenso A, consta uma rúbrica; na cópia do seu cartão de cidadão do embargante/executado AA com data de validade de 20.02.2030, de fls. 14 da petição de embargos do apenso B, consta uma rúbrica; na livrança no valor de €. 20.000,00, datada de 29.10.2019, consta o nome completo, quer na frente, quer no verso (estas assinaturas foram confessadas pelo embargante em julgamento); na livrança no valor de €. 79.288,16, datada de 04.02.2020, consta rúbricas, quer na frente, quer no verso (estas assinaturas foram confessadas pelo embargante em julgamento); na livrança no valor de €. 19.571,40, datada de 04.02.2020, consta rúbricas, quer na frente, quer no verso (estas assinaturas foram confessadas pelo embargante em julgamento)… Repare-se, ainda, nos contratos de fls. 29v e ss do apenso B e respetivas datas. Pelo que só pela análise destes documentos é fácil de concluir que o embargante AA não tem uma única forma de assinar.

E a justificação apresentada pelo próprio executado de que, com a mudança do cartão de cidadão, a assinatura passou a ser diferente (referindo que “em fevereiro era rúbrica”) não é compatível com estes documentos e respetivas datas, pois tanto rubrica, como assina o nome completo.

De resto, em bom rigor, a postura dos embargantes quanto a esta suposta falsidade da assinatura de alguns títulos executivos e mesmos de outros documentos insertos pelo banco embargante é bastante obscura e confusa, conforme é relatado, nomeadamente, nos artigos 79º e ss da petição de embargos do apenso B. Efetivamente, e conforme corretamente assinala o banco exequente na sua contestação, desse apenso B, “os Embargantes não referem que não subscreveram as livranças dadas à execução nem invocam que as assinaturas não foram efetuadas pelo seu punho, limitando-se a dizer que as mesmas “não podem ter sido efetuadas pela mesma pessoa” ou que não correspondem às que usam habitualmente, tentando apontar diferenças com as assinaturas apostas nos documentos de identificação de AA e BB. Mais surpreendente ainda é o referido nos artigos 82.º e 83.º da Oposição apresentada, chegando os Embargantes ao cúmulo de dizer que os carimbos da sociedade executada nem sempre são iguais!” Na verdade, os embargantes lançam esta confusão em sede de embargos, que deu azo à realização da perícia, sem que, de modo calor e inequívoco, aleguem, na sua causa de pedir, que não subscreveram/assinaram certa livrança – factos esses que são do seu conhecimento pessoal -. Quanto à questão dos carimbos, verifica-se o mesmo raciocínio, em vez que de alegaram a suposta falsificação dos carimbos da empresa, limitam-se a tecer comentários que os carimbos, da sua própria sociedade executada, nem sempre são iguais, como se não fosse possível uma empresa mudar de carimbo e só a própria saberá se alguém falsificou certo carimbo ou a forma correta de escrever o nome da sociedade executada.

Esta confusão gerada pelos embargantes, quer na sua causa de pedir, quer mesmo a incongruência das declarações prestadas pelo executado AA, não infirmou o resultado do exame pericial feito às assinaturas/rúbricas das livranças em causa de fls. 88 e ss dos autos, cuja conclusão foi “provável – 50 a 70%” que pertençam aos embargantes, o que conjugado com a prova testemunhal do banco embargado, permitiu a tribunal convencer-se pela autenticidade destas livranças e dar como provada esta materialidade.”

A convicção do tribunal a quo, justificada nos termos assinalados quanto à autenticidade das assinaturas questionadas, mostra-se coerente, sustentada na prova produzida e conforme às regras da experiência, não evidenciando como tal erro de julgamento que imponha decisão diversa.

Implicando a improcedência da impugnação apresentada quanto aos pontos 11, 12 e 28 dos factos provados.

Cumpre por último analisar a impugnação do ponto 24 dos factos provados – em causa a informação que foi fornecida aos embargantes quanto aos contratos subjacentes a 4 das livranças emitidas e descritos de 13 a 20 dos factos provados, bem como o conhecimento da origem da dívida exequenda.

O embargante AA (que era também legal representante da sociedade embargante e marido da embargante BB, esta também gerente da sociedade) confirmou ter recebido as cópias dos contratos – onde se inserem as condições gerais e particulares; tendo sido informado do prazo de pagamento, valor das prestações e periodicidade, bem como taxa de juros. Dizendo que era o que precisava de saber. Igualmente confirmou, como já referido antes, que a embargante mulher o acompanhava às assinaturas dos contratos.

Acrescentou saber que as livranças que reconheceu ter assinado eram para garantia das obrigações assumidas em caso de incumprimento.

Tal como afirmou não ter tido dúvidas, nem pedido esclarecimentos sobre o teor dos contratos que recebeu, sem prejuízo de ter ainda afirmado que não os leu até à presente data. O que a ser verdade denotaria uma violação grosseira dos seus deveres de diligência, tanto mais quando se trata (tratam) de empresário(s) com uma longa relação contratual com o banco, subscrevendo diversos contratos com clausulado similar, como também o referiu o embargante AA.

Contratos que foram sendo cumprido ao longo dos anos – o primeiro contrato data de 2016 [vide contrato de € 50.000,00 mencionado em 17) dos factos provados], sendo os outros 3 de 2018 (1) e 2019 (2). Sendo claro o depoimento do embargante também quanto à intenção de cumprir o que fora acordado, apenas tendo cessado definitivamente o cumprimento quando e conforme explicou se revelou financeiramente inviável continuar. Em parte, devido às consequências da pandemia, em parte como resultado da atividade que desenvolvia no setor turístico com atividade mais intensa nos meses de verão e paragem nos meses de inverno e sem existência de fundo de maneio por tudo ser investido na atividade; associado à posição do banco que (nas suas palavras) não aceitou chegar a um acordo para regularização dos valores em dívida.

Dívida que igualmente reconheceu existir, sem prejuízo de afirmar – num depoimento pautado por algumas incoerências, conforme o notou o tribunal a quo - desconhecer os valores concretos.

Relembre-se que ambos os embargantes eram sócios gerentes da embargante sociedade e como tal empresários, não meros consumidores na relação estabelecida com o embargado banco e com longa relação contratual com este mesmo banco estabelecida.

Acrescenta-se ainda que os recorrentes, na resposta à junção dos contratos em causa por parte da embargada, se limitaram a afirmar de forma genérica que o “teor das condições gerais, comuns, particulares e específicas dos contratos” jamais lhes foram comunicadas, informadas, lidas, explicadas, esclarecidas ou interpretadas por parte do embargado.

Não concretizando, enquanto tal, cláusula alguma em relação à qual, pela sua extensão ou complexidade os impedisse de tornar possível o seu conhecimento – já que reconhecidamente lhes foram entregues as cópias dos contratos - para tanto usando de comum diligência (vide artigo 5º das CCG).

Do depoimento do embargante acima já mencionado, associado ao depoimento da testemunha FF que de igual forma afirmou ter procedido à entrega dos contratos e explicado os termos, essenciais é certo, dos contratos e obrigações deles resultantes, julga-se não merecer censura o que vem decidido neste ponto 24 dos factos provados.

O tribunal a quo justificou a formação da sua convicção neste ponto nos seguintes termos: questionado (o embargante AA) sobre se “lhe foram lidas, comunicadas e explicadas as cláusulas contratuais, certo é que, se mostra inequívoco, do seu vasto depoimento que o embargante, na qualidade de legal representante da sociedade executada, e como garante, bem como a executada mulher, sempre estiveram cientes do teor destes contratos, nomeadamente garantias prestadas e consequências do incumprimento (aliás, o embargante já tinha se reportado, várias vezes, aos” PMEs”). Por exemplo, quanto ao contrato de ano de 2016 (fls. 60v e ss), o embargante acabou por admitir que assinou uma livrança em branco, como garantia do bom cumprimento desse contrato, bem sabendo que se “deixasse de pagar, iriam preencher essa livrança”, afirmando “se não cumprisse, ia pagar o que estava em dívida”. Acrescentou ainda que entregou ao Banco 1... livranças, “algumas foram pagas, outras não”.

Não obstante - na segunda sessão das declarações/depoimento do embargante e novamente a instâncias da sua Ilustre Mandatária -, ter sido novamente questionado sobre a temática se lhe foram explicadas as cláusulas do contrato de fls. 61 e ss e, nessa sequência dizer que ninguém lhe explicou essas cláusulas, logo a seguir demonstrou perfeito conhecimento desse negócio, explicando as negociações prévias com o exequente, que se tratava de um apoio à tesouraria da empresa, e que tal foi aceite pelos executados. Afirmou também, espontaneamente, que o banco lhe explicou o valor mensal que a executada iria pagar, “`à volta de €. 3000,00” e “neste contrato, entregou uma livrança”.

Decorreu deste depoimento, sem a menor dúvida, que o embargante -empresário experiente - era perfeito conhecedor, quer deste contrato, quer dos restantes. Mais, a desculpa que usou de “não saber fazer corresponder a livrança a cada contrato”, dando a ideia de que o banco exequente pudesse misturar as livranças e/ou não houvesse uma correspondência entre cada uma delas e o respetivo contrato subjacente, foi matéria amplamente refutada pelo depoimento sério, detalhado e credível da testemunha EE, conforme será analisado.

Tendo sido confrontado com cada um dos contratos e questionado, de modo geral, quanto à problemática se lhe foram explicadas as suas cláusulas, certo é que foi notório que o embargante tinha o conhecimento destes negócios, chegando a elucidar que os contratos eram feitos do mesmo modo, só mudando a dependência do banco (referindo as mudanças dos balcões…). Por exemplo, confrontado com o contrato de abertura de crédito de fls. 77v e ss, foi categórico ao comunicar que se recordava “sim senhora” deste contrato, sendo que a 3ª cláusula foi “uma história de um telemóvel”, ou seja, para a aquisição de um telemóvel. E não obstante o executado referir que, para este contrato, não entregou uma livrança, resulta do mesmo a prestação desta garantia - cfr. 11ª cláusula - com a rúbrica do embargante, que confirmou as assinaturas.

Reportou-se, mais uma vez, ao pedido de financiamento para a compra de um autocarro para a atividade turística da sociedade executada (no valor de €. 290.000,00) e que “tudo corria bem até à pandemia”. Confessou o incumprimento e tentou pedir ao banco as “ditas moratórias”, porém, este explicou-lhe que, como já existiam valores em atraso (anteriores à pandemia, conforme decorre dos autos), não teria direito.

Em relação à B..., referiu que “parte dos contratos em causa estavam seguros”, pelo que foi feito um plano de pagamento com aquela B... e estes pagamentos permitiram pagar partes dos “PMEs”. Daqui resulta que, o embargante bem sabe os valores acionados e reembolsados, não se percebendo, mais uma vez, o alegado desconhecimento desta matéria na sua petição de embargos do apenso B (cfr. artigos 74º e ss).

Deste modo, a conjugação desta admissão por parte do embargante, com a análise dos documentos insertos pelo exequente, designadamente de fls. 109 e ss e os documentos n.º 22 a 27 juntos com a contestação do apenso B, assim como o depoimento das testemunhas, permitiu ao Tribunal apurar também esta factualidade. De resto, os embargantes limitam-se, mais uma vez, a tecer considerações genéricas nos seus embargos, questionando se estas garantias foram ou não acionadas, competindo-lhes a eles alegarem concretas exceções quanto a factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente, por força do preceituado no art. 342º do Código Civil.

Por várias vezes, e pese embora os muitos negócios celebrados com o banco, o embargante referiu pormenores do local onde assinou, quem estava presente, que lhe foi explicado “o produto” em causa, que lhe foram entregues cópias para ler... Todavia, no que concerne à tentativa de o embargante colocar em causa o reconhecimento de assinaturas feito por advogado, não mereceu credibilidade ao tribunal, parecendo-nos ensaiada a matéria pelo embargante, apresentando-se ainda este titubeante. De resto, dos depoimentos honestos e objetivos das testemunhas do banco, permitiu-nos concluir, e acreditar, que todos os procedimentos foram corretamente feitos.

A análise do tribunal a quo mostra-se conforme à prova produzida e neste segmento assinalada, em respeito pelas regras da experiência, não evidenciando por tal e pelo já exposto erro de julgamento que imponha decisão diversa quanto a este ponto 24 dos factos provados.

Termos em que se julga totalmente improcedente a impugnação deduzida à decisão de facto, a qual assim se mantém.


*

Do direito.

Em função do acima decidido, cumpre apreciar de direito.

Tal qual resulta das alegações de recurso e conclusões que acima se deixaram reproduzidas, fundaram os recorrentes a crítica apontada à subsunção jurídica da decisão recorrida na prévia alteração da decisão de facto.

Com efeito, de um lado sustentam uma inexistente dívida com fundamento na invocada falsidade das assinaturas apostas nos títulos dados à execução.

Vindo demonstrado o contrário.

De outro lado, invocaram a nulidade das cláusulas contratuais gerais dos contratos mencionados em 24 dos factos provados por não comunicadas ou explicadas.

Sem concretização, sequer, das cláusulas em causa em cada um dos 4 contratos celebrados.

Concluindo, agora em sede de recurso, que pela não comunicação e informação de tais cláusulas o preenchimento das livranças foi abusivo por inexistir válida autorização do preenchimento da livrança.

Igualmente invocando agora em sede de recurso que as penalizações – que também não concretiza – não são exigíveis por não comunicadas.

Tendo em conta o que vem provado em 24 dos factos provados, improcede igualmente este fundamento de recurso.

Sempre sendo de referir ainda que uma vez demonstrada a veracidade das assinaturas, caso se viesse a concluir pela inexistência de acordo ou pacto de preenchimento relativamente às livranças dadas à execução e entregues em branco, então sempre os recorrentes responderiam pela quantia exequenda enquanto obrigação cambiária.

Entende-se por acordo ou pacto de preenchimento a «convenção extracartular, informal e não sujeita a forma, em que as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a data do pagamento, etc.".

Perante a entrega de um título cambiário em branco a um terceiro, presume-se confiar o subscritor de tal título no preenchimento por parte do seu portador.

Querendo o subscritor obrigado cambiário, demonstrar que o preenchimento não corresponde ao que foi por si assumido, cabe-lhe alegar e demonstrar o preenchimento abusivo do título, em violação do que foi acordado.

O mesmo é dizer que se exige a invocação do mencionado acordo. E a concretização do que foi violado perante tal acordo[1].

Alegando o embargante inexistir qualquer acordo, fica nessa medida afastada a possibilidade de demonstrar o que inexistiu. Com a consequente improcedência da exceção de preenchimento abusivo.

Pelo que também por aqui improcederia a pretensão dos embargantes.

Termos em que se conclui pela total improcedência do recurso interposto.


***

IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente se mantendo a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.


Porto, 2024-10-21
Fátima Andrade
Ana Olívia Loureiro
Jorge Martins Ribeiro
_____________
[1] Cfr. Ac. TRG de 26/10/2017, nº de processo 103/16.0T8MLG-A.G1 in www.dgsi.pt , citando sobre a definição de pacto de preenchimento por nós reproduzida “Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, 2011, Almedina, pág. 329, Miguel JA Pupo Correia, Direito Comercial, 10ª edição, Ediforum, Lisboa, 2007, pág. 479, Abel Pereira Delgado, LULL, Anotada, 4ª edição, 1980, pág. 63, acórdão do STJ, de 3 de Maio de 2005 – Proc.º 05A1086, citado no Ac, do mesmo Tribunal de 13 de Abril de 2011- Proc nº 2093/04.2TBSTJ.L1.S1, relatado por Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt)”.