LEVANTAMENTO DE SIGILO PROFISSIONAL DE ADVOGADO
AUTORIZAÇÃO DA ORDEM DOS ADVOGADOS
Sumário

I - A revelação do segredo profissional de advogado, que abrange os documentos direta ou indiretamente relacionados com os factos sujeitos a sigilo, só é legalmente permitida desde que verificados os seguintes requisitos cumulativos: i) que a mesma se revele absolutamente necessária para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes; ii) que haja prévia autorização do presidente do conselho distrital respetivo.
II - O levantamento do sigilo pressupõe que os factos a ele sujeitos ainda se encontrem em segredo, pelo que, uma vez violado o segredo profissional, torna-se inútil pedir ao Conselho Regional da Ordem dos Advogados a sua dispensa.
III - O recurso ao incidente de levantamento do sigilo está, nos termos do disposto no artigo 417º, n.º 3, alínea c) do CPC e artigo 135º do CPP, dependente da existência de uma situação sujeita a sigilo e de uma situação de escusa.
IV - Se o Autor (advogado) junta um documento que lhe foi fornecido pela Ré sua cliente (uma sociedade de advogados), sem ter pedido previamente autorização ao presidente do conselho distrital respetivo e a Ré se opõe a essa junção, não se verifica uma situação de escusa que possa desencadear o incidente do levantamento do sigilo.
V - A Ordem dos Advogados não é a única entidade que pode dizer quando há ou não violação do segredo profissional, podendo os tribunais apreciar a existência de tal situação.
VI - Nas situações em que não foi pedida pelo advogado autorização ao Conselho Regional da Ordem dos Advogados para a junção aos autos de um documento, caberá ao tribunal respetivo averiguar se o mesmo integra ou não matéria de sigilo profissional, nos termos do EOA, decidindo em conformidade.

Texto Integral

Processo nº 6609/22.4T8PRT-D.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível do Porto-J8


Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º- Adjunto: Des. Dr. Carlos Gil
2º- Adjunto: Des. Drª Teresa Sena Fonseca



Sumário
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I - RELATÓRIO

AA, residente na Rua ...., ..., instaurou ação declarativa contra A..., SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, RL, com sede na Rua ..., ..., Porto, pretendendo a condenação desta a pagar-lhe o montante € 9.750,00, e juros moratórios, invocando o primeiro a sua qualidade de advogado e a obtenção prévia de dispensa de sigilo profissional[1] e originando-se o crédito na prestação de serviços ocasionais de assessoria jurídica, na área fiscal, do primeiro à segunda.
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Contestou a Ré, opondo-se à procedência da ação.
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Com o requerimento de 03/06/2022, o Autor juntou aos autos o doc. 1, através do qual o legal representante da Ré reencaminha para aquele uma troca de emails com a assessora da administração da B... Dra. BB.

A Ré opôs-se à junção de tal documento, afirmando que a divulgação destes mails não foi autorizada ao Autor pelo Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados (OA).
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Perante tal oposição o Autor apelante apresentou, em 29/06/2022 novo requerimento, onde pugna pela admissão da junção do referido documento ou, subsidiariamente, a sua manutenção nos autos até que o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados decida do pedido de dispensa de segredo profissional, entretanto apresentado.
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Na sequência de tal pedido a OA, entendeu, a 15/01/2023, não existir qualquer utilidade na prolação de decisão, uma vez que os documentos em causa já tinham sido juntos aos autos.[2]
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Sequentemente, foi proferido despacho saneador, datado de 3.3.2023, tendo-se entendido dever o Autor, querendo, suscitar (o incidente da) a quebra do sigilo junto do Tribunal Superior, ao abrigo do disposto no art. 135.º do CPP ex vi do art. 417.º, n.º 4 do CPC.
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Por requerimento de 17/03/2023, o Autor formulou pedido de quebra de sigilo sobre os mesmos documentos, a remeter para o Tribunal da Relação.
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Sobre este incidente foi proferido, em 27/03/2023, despacho que, mandando extrair certidão integral do processado, ordenou mandou remeter o apenso assim autuado ao Tribunal da Relação do Porto.
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Por acórdão de 19/02/2024 esta Relação anulou o despacho de 27/03/2023 e todo o processado ulterior que dele dependesse, por preterição do princípio do contraditório.
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Exercido o contraditório na sequência da citada anulação, a Ré ora apelante pugna nos seguintes termos:
1. Não deverá ser conhecido o presente incidente, por não se mostrarem preenchidos os pressupostos dos artigos 417.º, n.º 4 do CPC e artigo 135.º, n.º 3 e 4 do CPP;
Sem prescindir,
2. Deverá ser declarada incompetência material absoluta para conhecimento do objeto do presente incidente;
Sem prescindir,
3. Deverá o pedido do Autor ser declarado totalmente improcedente”.
Para tanto invoca, em suma, que:
“- Previamente ao presente incidente, mas já após ter junto aos autos o referido documento, o Autor requereu junto do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, autorização para juntar aos presentes aquele documento, tentando, dessa forma, obviar aos efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 92.º do EOA, invocados pela Ré no contraditório exercido quanto à junção daquele documento;
- A Ré limitou-se a opor-se à permanência daquele documento nos autos, demonstrando que aquela junção pelo Autor não estava autorizada pela Ordem dos Advogados e requerendo a verificação dos efeitos inerentes à violação do sigilo profissional por parte do Autor;
- Ao invés, o Autor agiu em violação do segredo profissional e opôs-se, posteriormente, ao pedido de desentranhamento do documento formulado pela Ré;
- Não estando em causa uma situação de escusa, falham in totum os pressupostos do incidente previsto no artigo 135.º, n.º 3 e 4 do CPP;
- Resulta claro do articulado do incidente que o Autor nada mais pretende do que sindicar a decisão do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, proferida em 13.01.2023;
- O levantamento do sigilo que incide sobre o documento objeto dos presentes autos – e sobre os factos que dele constam–versa sobre correspondência trocada entre a Ré e a sua cliente, pelo que, não pode ser utilizado pelo Autor nos termos dos artigos 76.º, 77.º e 80.º do Código Civil e 34.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;
- e carece (também) o Autor de legitimidade para requerer o levantamento do sigilo que incide sobre o documento e sobre os factos dele constantes.
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Sobre o assim requerido foi exarado o seguinte despacho:
(…) O incidente de quebra de sigilo profissional dispõe de uma estrutura processual própria, sendo atribuída a competência para a sua decisão ao tribunal superior àquele em que o mesmo é suscitado.
Este incidente comporta dois momentos de tramitação distintos: num primeiro, que corre em primeira instância, limita-se à determinação da legitimidade da escusa; num segundo momento, subsequente àquele e caso se entenda que a escusa é legítima, processa-se o incidente propriamente dito, sendo-o da competência do tribunal superior, nos termos dos indicados artigos (135.º do CPP “ex vi” do art. 417.º do CPC).
Assim, encontrando-se o incidente dividido em duas fases: uma referente à questão da legitimidade da escusa, outra referente à questão da justificação da escusa, incumbe ao tribunal avaliar a legitimidade da escusa e, em caso afirmativo, isto é, caso entenda que a escusa é legítima, incumbe-lhe instruir o respectivo apenso de modo a ser apreciado pelo tribunal superior.
Sublinhe-se que o incidente visa o levantamento/quebra do sigilo profissional de Advogado relativamente ao email que foi enviado pelo legal representante da Ré ao Autor por via do qual o primeiro (o representante legal da R.) reencaminha ao segundo correspondência havida com uma sua cliente.
Daqui resulta que o documento objecto do incidente corresponde a troca de correspondência havida entre o legal representante da Ré e o Autor.
Dispõe, a propósito do segredo profissional do advogado, o artigo 92º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, que:
“1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.”.
Complementarmente, estatui o nº 3 do mesmo normativo legal, que “o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo”, enquanto que o respectivo nº 5 determina que “os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo”.
Os nºs. 1 e 3 do art. 92º do EOA, acima mencionados, impedem a divulgação de factos ou a junção de documentos ao processo quando, dado o seu conteúdo, daí possa resultar violação do sigilo profissional.
O segredo profissional existe sempre que alguém deva estar excluído do acesso ao conhecimento de um determinado facto, pois que o “segredo” é um conhecimento que deve permanecer reservado a um conjunto determinado de pessoas.
Porém, a rigorosa tutela a que se acha submetido tem apenas por base um interesse social, de natureza pública, e não o interesse dos profissionais que recebem confidências nem o daqueles que as desvendam, correspondendo a sua preservação ainda a uma exigência de protecção da privacidade do defensor, dos seus demais clientes e, por via disso, da própria liberdade do exercício da profissão.
Ora, decorre do transcrito nº 1 do referido preceito que, para que os factos (entendidos aqui numa acepção lata, abrangendo também os documentos) revistam carácter sigiloso, é necessário que o conhecimento que o advogado tem de tais factos lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
Mas é necessário, previamente, que se trate de matéria sigilosa, como é aliás intuitivo.
Se a matéria de facto em causa não constituir segredo, obviamente não está o advogado obrigado a guardar um segredo que inexiste.
Ultrapassada esta introdução teórica, e novamente revertendo ao caso em sujeito, o presente incidente visa o levantamento/quebra do sigilo profissional de Advogado relativamente ao email que foi enviado pelo legal representante da Ré ao Autor por via do qual o primeiro (o representante legal da R.) reencaminha ao segundo correspondência havida com uma sua cliente.
O que significa que o documento objeto do presente incidente não deixa de corresponder à própria troca de correspondência havida entre o legal representante da Ré e o Autor. Troca de correspondência essa consubstanciada (materialmente) no reencaminhamento pelo próprio legal representante da R. de correspondência havida com uma sua cliente. Porém, este reencaminhar de correspondência havida com a cliente do representante legal da R. não desvirtua que foi o mesmo (o reencaminhamento) realizado no âmbito de uma troca de correspondência que o legal representante da R. estabeleceu ele próprio com o A., corporizando-a, e é esta troca de correspondência que está em causa no incidente suscitado no âmbito da presente acção.
Note-se que a presente acção, como acima mencionado, trata-se de uma acção de honorários em que o A. alega ter prestado serviços ocasionais de assessoria jurídica, na área fiscal, à R., invocando esta causa de pedir como a origem do crédito que reclama nos autos. A R., por sua vez, impugna a causa de pedir assim delineada, negando inclusivamente terem tais serviços sido solicitados.
Do exposto resulta não acompanharmos o enquadramento do incidente da R. quando conclui pela incompetência absoluta material para conhecimento do objecto do incidente suscitado, pois o incidente do levantamento do sigilo profissional incide sobre um dado email do representante legal da Ré que foi enviado ao A., assistindo por isso a este último legitimidade para requerer o levantamento do sigilo que incide sobre um tal.
Com efeito, do acima exposto resulta, claramente, que esse documento, desde logo a sua existência como tal–enquanto correspondência electrónica que foi endereçada pelo legal representante da R. ao A. -, releva para os termos da presente acção, contendendo, por seu lado, com os interesses protegidos pelo sigilo profissional de Advogado, ou seja, configura-se como matéria confidencial para efeitos de sigilo profissional previsto no art. 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Pugna ainda a R. pela inadmissibilidade do incidente defendendo, por outro lado, que, já após ter junto aos autos o referido documento, o Autor requereu junto do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, autorização para juntar aos presentes aquele documento, tentando, dessa forma, obviar aos efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 92.º do EOA, invocados pela Ré no contraditório exercido quanto à junção daquele documento, limitando-se a opor-se à permanência daquele documento nos autos, demonstrando que aquela junção pelo Autor não estava autorizada pela Ordem dos Advogados e requerendo a verificação dos efeitos inerentes à violação do sigilo profissional por parte do Autor, tendo o Autor, ao invés, actuado em violação do segredo profissional, opondo-se a desentranhamento do documento formulado pela Ré, concluindo não estar em causa uma situação de escusa, e, por isso, falhando os pressupostos do incidente previsto no artigo 135.º, n.º 3 e 4 do CPP, sustentando que o Autor nada mais pretende do que sindicar a decisão do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, proferida em 13.01.2023.
Mais uma vez não acompanhamos estas conclusões.
Note-se que na decisão do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados datada de 15-1-2023 junta aos autos com o requerimento do A. de 7-2- 2023 (ref.ª citius 34684036), a mesma limitou-se a considerar “ficar prejudicada, por falta de objecto, a apreciação da pretensão da Requerente”, pelo que, assim entendendo, não apreciou a pretensão do levantamento do sigilo profissional no qual se inscreve o documento objecto do incidente.
Por outro lado ainda, a Ré, quando, no exercício do contraditório quanto à junção daquele documento, se opõe à permanência daquele documento nos autos, afirmando que aquela junção pelo Autor não estava autorizada pela Ordem dos Advogados, está a manifestar de forma clara a sua escusa àquela junção.
A assim se não entender e perante um non liquet decisório por parte do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados na decisão de 15-1-2023 quanto à pretensão suscitada no incidente de levantamento/quebra de sigilo profissional suscitado pelo A.–a qual, reitera-se, se limitou a considerar “ficar prejudicada, por falta de objecto, a apreciação da pretensão da Requerente”, e, desso modo, não apreciou essa mesma pretensão (levantamento do sigilo profissional)–, estar-se-ia inelutavelmente a cercear qualquer possibilidade de o A. poder de modo efectivo submeter essa pretensão perante o órgão jurisdicional competente para a apreciar dado que assenta em documento que lhe foi remetido pela R. no quadro das relações profissionais que o mesmo alega ter estabelecido com aquela e em que alicerça a causa de pedir da presente acção.
Assim, de tudo o explanado, concluímos que a R. manifestou de forma clara e expressa, mormente através da oposição à junção de um tal documento, a sua recusa/ escusa.
Concluímos ainda que essa recusa/escusa é legítima ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 3 al. c) do CPC.
Mais concluímos ter o A. legitimidade para suscitar o incidente de quebra/levantamento de sigilo profissional junto do Tribunal Superior, nos termos do art. 135.º do CPP “ex vi” do citado art. 417.º, n.º 4 do CPC.
Nessa sequência, através do requerimento em referência, o A. requereu ao Venerando Tribunal da Relação do Porto que decretasse a quebra do segredo profissional relativo ao doc. 1 junto pelo A. com o seu requerimento de 03-06-2022, admitindo-se, em consequência, a sua junção e manutenção nos autos.
Assim, deduzida escusa com base em violação do segredo profissional-como é o caso dos autos-, deverá ser aplicado o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado (cfr. art. 417.º, nº 4, do CPC).
Nestes termos, nos moldes plasmados no art. 135.º, nº 3, do CPP, a ponderação sobre a justificação (ou não) da quebra do segredo profissional em causa caberá ao Tribunal Superior.
Consigna-se não se determinar a audição da Ordem dos Advogados nos termos do art. 135.º, n.º 4 do CPP uma vez que esta Instituição já tomou posição sobre a questão em apreço, na decisão datada de 15-1-2023 junta aos autos com o requerimento do A. de 7-2-2023 (ref.ª citius 34684036).
Pelo exposto, para cabal compreensão do objeto do incidente, extraia certidão integral de todo o processado (incluindo este despacho) e remeta o (novo) apenso assim autuado ao Venerando Tribunal da Relação do Porto, para decisão do incidente suscitado”.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor o presente recurso formulando as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho de fls., proferido em 06.05.2024, com a referência Citius 459387583, que, ao arrepio do disposto nos artigos 417.º, n.º 4 do CPC e 135.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, pugnou pela admissibilidade do incidente de dispensa de segredo profissional apresentado pelo Recorrido em 17.03.2023 e ordenou a sua remessa ao Venerando Tribunal da Relação do Porto;
2. O documento objeto do incidente de dispensa do segredo profissional foi ilegalmente junto aos autos pelo Recorrido em 03.06.2022, porque violava o segredo profissional a que o Recorrido se encontrava vinculado, e que não foi previamente levantado pela Entidade legalmente competente para o efeito;
3. O incidente apresentado pelo Recorrido não pretende obter a dispensa do segredo profissional sobre o referido documento, mas antes pretende obviar aos efeitos da sua conduta transgressora, i.e., à aplicação do disposto no artigo 92.º, n.º 5 do EOA, conforme tempestiva e oportunamente requerido pela Recorrente;
4. A competência para o levantamento do sigilo do advogado cabe exclusivamente à Ordem dos advogados, sendo que o recurso ao incidente previsto nos artigos 417º, n.º 3, alínea c) do CPC e 135º do CPP está limitado aos casos em que, sendo deferido o levantamento do sigilo pela Ordem dos Advogados, o advogado, ainda assim, optar por mantê-lo;
5. Já uma decisão de indeferimento do levantamento do sigilo profissional por parte da Ordem dos Advogados não poderá, jamais, ser sindicada por qualquer tribunal;
6. In casu, o órgão objetivamente competente para conhecer do levantamento do sigilo profissional é o Conselho Regional da Ordem dos Advogados, cuja posição já foi devidamente tomada sobre o levantamento do sigilo em apreço;
7. O levantamento do sigilo pressupõe que os factos a ele sujeitos ainda se encontrem em segredo, pelo que, uma vez violado o segredo profissional, o mesmo não mais poderá ser levantado, tal como entendeu–e bem!–o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados;
8. O mesmo será dizer que, com a sua conduta transgressora, o Recorrido cerceou qualquer possibilidade de valoração probatória daquele documento, convertendo aquele documento em prova nula, porque proibida, nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 5 do EOA;
9. À impossibilidade de levantamento de um segredo que já foi violado–deixando de existir segredo–acresce que não existiu por parte do Recorrente uma recusa legitima à revelação do documento.
10. Ao invés, a Recorrente limitou-se a opor-se à permanência daquele documento nos autos, invocando o disposto no artigo 92.º, n.º 5 do EOA;
11. Só a relutância da Recorrente para a prática de um ato podia configurar uma situação de escusa para efeitos do disposto no artigo 417º, n.º 3, alínea c) do CPC, pelo que a Recorrente a nada se escusou;
12. Como tal, a oposição à manutenção do documento nos autos enquadra-se apenas no disposto no artigo 92.º, n.º 5 do AEOA e não tem qualquer cabimento no disposto nos artigos 417º, n.º 3, alínea c) do CPC e 135º, n.ºs 3 e 4 do CPP;
13. O Incidente de dispensa de levantamento do sigilo apresentado pelo Autor é, assim, inadmissível, por não se verificarem preenchidos os seus pressupostos;
14. Com efeito, impõe-se a observância do disposto no artigo 92.º, n.º 5 do EOA e o consequente desentranhamento do documento junto ao requerimento do Recorrido de 03.06.2022;
15. Caso assim não se entenda, sempre deverá ser ouvida a Ordem dos Advogados, nos termos do disposto no artigo 135.º, n.º 4 do CPP, independentemente de já ter tomado posição sobre a falta de objeto do pedido do Recorrido, e ainda porque o tribunal a quo não compreendeu e desconsiderou aquela posição;
16. A prova que o Recorrente pretende fazer com o documento aqui em causa constitui prova proibida, nos termos do disposto no artigo 92º, n.º 5 do EOA, pelo que jamais poderá ser valorada. Nula, porque proibida, e cuja nulidade é insanável;
17. O despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que não admita o incidente de dispensa de segredo profissional apresentado pelo Recorrido e ordene o desentranhamento daquele documento dos autos, em estrita aplicação do disposto no artigo 92º, n.º 5 do EOA;
18. O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 417.º, n.º 3, alínea c) do CPC, artigo 135.º do CPP e artigo 92.º do EOA.
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Devidamente notificado contra-alegou o Autor concluindo pelo não provimento do recurso.
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Foram dispensados os vistos.
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II - FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
No seguimento destas é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se devia, ou não, ter sido admitido o incidente de dispensa de segredo profissional.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A dinâmica factual a ter em consideração para a resolução da questão supra enunciada é a que resulta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzida.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se devia, ou não, ter sido admitido o incidente de dispensa de segredo profissional.
Como se evidencia da decisão recorrida aí se propendeu para o entendimento da legitimidade do Autor/apelado para suscitar o incidente de quebra/levantamento de sigilo profissional junto do Tribunal Superior.
Deste entendimento dissente a Ré apelante alegando que, no caso em apreço, é inadmissível a dedução do referido incidente por não estarem verificados os referidos pressupostos.
Que dizer?
O artigo 417.º, n.º 1, do CPCivil, consagra o dever de cooperação para descoberta da verdade, estabelecendo que todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
Não obstante este dever geral, ressalva-se na alínea c) do n.º 3 do artigo 417.º do citado diploma a legitimidade da recusa se a obediência importar violação do sigilo profissional.
“[E]ntende-se por segredo profissional a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é exigido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão”.[3]
Os advogados, assim como todas as pessoas que com ele colaborem no exercício da sua atividade profissional, estão sujeitos a segredo profissional, nos termos regulados no Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA).
Dispõe o artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro:
1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.
5 - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o segredo profissional.
7 - O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5.
8 - O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior, nos termos de declaração escrita lavrada para o efeito, o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração, consistindo infração disciplinar a violação daquele dever.
O dever de guardar sigilo é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, aplicando-se-lhes a mesma cominação, ou seja, os atos praticados com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo (art.º 92º, nºs 5 e 7 do EOA).
A revelação de informações cobertas pelo sigilo profissional de advogado pode implicar responsabilidade criminal do infrator, conforme art.º 195.º, do CPenal, e constituir infração de dever deontológico.
Todavia, o advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional desde que verificados os seguintes requisitos cumulativos: i) tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes; que haja sido pedida prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento (art.º 92.º, nº 4, do EOA).
A única entidade que pode desvincular o advogado (ou quem com ele colabore) do dever de sigilo profissional é o presidente do Conselho Regional da Ordem dos Advogados, e já não o próprio cliente do advogado.
Isto porque o segredo profissional não visa garantir exclusivamente interesses de natureza privada ou particular do cliente e da sua relação contratual com o advogado, tendo também uma finalidade pública, consubstanciada na correta e eficaz administração da justiça, e uma natureza social e deontológica inerente ao exercício da própria profissão.
Feitas estas breves considerações revertamos de novo à situação concreta dos autos.
Como consta do Relatório supra, com o requerimento de 03/06/2022, o Autor/apelado, juntou aos autos o doc. 1, através do qual o legal representante da R. reencaminha para o A. uma troca de emails com a assessora da administração da B... Dra. BB.
A Ré opôs-se à junção de tal documento, afirmando que a divulgação destes mails não foi autorizada ao Autor pelo Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados (OA) pedindo, assim, o seu desentranhamento dos autos.
Perante tal oposição o Autor apelante apresentou, em 29/06/22, requerimento, onde pugna pela admissão da junção do referido documento ou, subsidiariamente, a sua manutenção nos autos até que o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados decida do pedido de dispensa de segredo profissional, entretanto apresentado.
Em 15/01/2023 a OA, emitiu decisão no sentido de não existir qualquer utilidade na prolação de decisão, uma vez que os documentos em causa, se albergavam sigilo profissional, já tinham sido juntos aos autos.
Daqui resulta que o Autor apelado juntou documento aos autos que, segundo alegou[4], estaria abrangido pelo sigilo profissional violando, assim, o nº 4 do artigo 92.º do EOA atrás transcrito.
Evidentemente que, ao contrário do que se defende na decisão recorrida, a AO emitiu pronúncia efetiva sobre a pretensão do levantamento do sigilo profissional que o Autor apelado lhe solicitou, como decorre, aliás, da respetiva decisão, em parte, transcrita na nota 3.
Com efeito, está fora de dúvida que o levantamento do segredo profissional pressupõe, desde logo, que os factos e os documentos que sustentam esses mesmos factos ainda se encontrem sob sigilo.
Ora se, na situação concreta, o documento já foi divulgado com a sua junção nos autos, fica prejudicada a análise sobre se se trata, ou não, de documento sob sigilo não existindo, assim, qualquer non liquet decisório por parte da referida Ordem.
Aliás, diga-se, sempre o Autor/apelado, notificado da decisão do Conselho Regional da Ordem dos Advogados, podia ter recorrido daquela decisão para o Bastonário da Ordem dos Advogados, conforme lhe é permitido pelos artigos 92.º, n.º 4 do EOA e artigo 6.º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional (RDSP), o que não fez.
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A questão que agora se coloca é que procedimento devia ter seguido perante a junção do referido documento ante a decisão da AO?
O tribunal recorrido na prolação do despacho saneador entendeu que devia o Autor/apelado, querendo, suscitar (o incidente da) a quebra do sigilo junto do Tribunal Superior, o que veio a suceder.
Mas será que esse era o procedimento a seguir?
A resposto é, a nosso ver, respeitando-se entendimento diverso, negativa.
O recurso ao incidente de levantamento do sigilo está, nos termos do disposto no artigo 417º, n.º 3, alínea c) do CPC e artigo 135º do CPP, dependente da existência de uma situação sujeita a sigilo e de uma situação de escusa.
Visa o mesmo resolver uma situação de conflito entre dois valores protegidos: o interesse probatório legítimo e as razões que justificam a invocação do sigilo profissional.
Nesse sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[5], “O incidente de quebra de sigilo profissional (artigo 135.º, n.º 3 do CPP) pressupõe uma escusa legítima para depor, fundada em sigilo efetivamente existente.” –
Também no mesmo sentido, Augusto Lopes Cardoso[6], “Assim é a primeira hipótese imaginável para poder entrar em aplicação o art.º 135.º CPP é a de o Advogado se ter escusado a depor invocando segredo profissional e vir a verificar-se que não se estava perante caso de sigilo dessa natureza. Em tal caso, não possuía o “direito” à escusa que o n.º 1 do artigo prevê (n. º2).
(…)
A outra hipótese é a do poder/dever fazer cessar o “legitimo” direito à escusa por subsistência de valores superiores ao do dever/direito ao sigilo (cit. art.º 135.º-3): apesar de, em princípio, ter o direito de se escusar, o Advogado pode ser solicitado a quebrar o segredo por haver valores mais altos”.
Refere o tribunal recorrido que a Ré/apelante quando, no exercício do contraditório, se opõe à junção do documento em causa afirmando que a mesma não estava autorizada pela Ordem dos Advogados, está a manifestar de forma clara a sua escusa àquela junção.
Salvo o devido respeito não se acompanha esta asserção.
A impugnação da junção de um documento não se confunde com uma situação de escusa.
Ora, em momento algum foi pela recorrente/apelante invocado o disposto no artigo 417.º, n.º 3, alínea c) do CPCivil, porquanto não lhe foi ordenada a prática de qualquer ato nos autos, pelo que aquela a nada se escusou.
Ao invés de se escusar ao que quer que fosse, a apelante limitou-se a opor-se à permanência daquele documento nos autos, alegando constituir prova nula e de valoração proibida, não sanável, uma vez não estar demonstrado nos autos que aquela junção pelo Autor/apelado estava autorizada pela Ordem dos Advogados e, como tal, impunha-se a observância dos efeitos previstos no artigo 92.º, n.º 5 do EOA, e o consequente desentranhamento do documento.
Desta forma e ao contrário do que refere o tribunal recorrido, não existe, no caso concreto, qualquer situação de escusa legítima por parte da Ré/apelante nos termos do artigo do art.º 417.º, n.º 3 al. c) do CPCivil que permita desencadear o incidente de dispensa de sigilo profissional perante o Tribunal Superior.
Quem juntou o documento aos autos foi o Autor apelado, ao Réu/apelante não foi pedida a junção de qualquer documento ou a prestação qualquer outro procedimento (depoimento etc.).
Como assim, era ao Autor apelado que, pretendendo prevalecer-se do citado documento, devia ter pedido ao Conselho Distrital da AO autorização para a sua junção pelo, não o tendo feito, sib impuntet.
E se o tivesse feito tal pedido antes da referida junção[7], duas situações podiam ocorrer:
a)- o Concelhos Distrital da AO autorizava a referida junção;
b)- ou indeferia tal pedido.
Na primeira hipótese a questão ficava arrumada e, portanto, o apelado podia juntar aos autos o documento em causa.
Na segunda hipótese o Autor/apelado podia, como já supra se referiu, recorrer daquela decisão para o Bastonário da Ordem dos Advogados.[8]
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Aqui Chegados, tendo o documento em causa sido junto aos autos sem autorização do Concelhos Distrital da AO e não estando verificados os pressupostos para a dedução do incidente da dispensa de sigilo profissional, o que fazer?
Como tem sido defendido a competência do tribunal para apreciação da validade da prova face ao regime legal do segredo profissional dos advogados, tem sido reiteradamente afirmada pelos tribunais superiores, como ocorreu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/06/1988[9], nos acórdãos da Relação de Lisboa, de 9 de Novembro de 1995[10], e de 13 de Maio de 1999.[11]
Como bem se salienta no primeiro dos citados acórdãos a decisão da AO sobre a não dispensa do sigilo não é inatacável, a AO não é a única que pode dizer quando há ou não violação do segredo profissional, podendo os tribunais apreciar a existência de tal situação.
Como se refere no citado aresto a nossa Constituição da República assenta no princípio do estado de direito (cf. artigo 2.º). Este princípio abrange um conjunto de regras dispersas pelo texto constitucional e, entre essas, contam-se: a da reserva da função jurisdicional para os tribunais (cf. artigo 206.º), a da independência dos tribunais (cf. artigo 208.º) e da prevalência das decisões dos tribunais sobre as de qualquer outra autoridade (cf. artigo 210.º, nº 2).
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Dito isto, torna-se evidente que caberá ao tribunal recorrido averiguar se o documento junto pelo Autor/apelado, em 03/06/2022, integra ou não matéria de sigilo profissional, nos termos do EOA, sendo que, no caso afirmativo deverá então seguir o preceituado no artigo 92.º, nº 5 do EOA atrás transcrito, ou seja, que o documento em causa não é idóneo a fundamentar a demonstração dos factos revelados.
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Procedem, assim, em parte as conclusões formuladas pela Ré/apelante e, com elas o respetivo recurso.
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Face ao supra decidido, prejudicada fica a apreciação da questão do abuso do direito colocada pelo Autor/apelado nas suas contra-alegações.

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IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogando-se a decisão recorrida, deverá o tribunal a quo, por não estarem verificados os pressupostos para a dedução do incidente da dispensa do sigilo profissional, apreciar se a junção do documento feita pelo Autor/apelado, em 03/06/2022, integra ou não matéria de sigilo profissional, nos termos do EOA. decidindo depois em conformidade.
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Custas pelo Autor/apelado (cf. artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).


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Porto, 21/10/2024

Dr. Manuel Fernandes

Dr. Carlos Gil (dispensei o visto)

Drª Teresa Sena Fonseca (dispensei o visto)

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[1] Juntou certidão com o seguinte teor: O Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados Portugueses:
Certifica que é do teor seguinte o despacho exarado pelo Exmo. Vogal deste Conselho Regional do Porto, com competência delegada, Sr. Dr. CC, a propósito da consulta feita pelo Sr. Dr. AA, sobre dispensa de Segredo Profissional nº .../.../2021-P “Em conformidade com o acima vertido, que aqui se dá por reproduzido, autoriza-se o Requerente a juntar à ação de honorários a propor contra a A..., SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, RL e a revelar em juízo os factos neles versados os seguintes documentos: i) conjunto de e-mails trocados entre 16.11.2020 a 17.12.2020; ii) e-mail de 23.12.2020; iii) conjunto de e-mails trocados entre 07.01.2021 a 11.02.2021; iv) e-mail de 21.04.2021; v) e-mails trocados no dia 03.05.2021; vi) e-mails trocados nos dias 09 e 10.05.2021; vII) conjunto de e-mails trocados entre 09.05.2021 a 28.06.2021; viii) conjunto de e-mails trocados entre13.07.2021 a 02.09.2021; e ix) conjunto de e-mails trocados entre 20.01.2021 a 02.02.2021 e no dia 10.09.2021.”
[2] Nessa decisão foi vertido, além do mais, o seguinte: “(…) mesmo que se entenda que os documentos poderiam ser objecto de decisão favorável, a partir do momento em que foram juntos aos Autos, não mais é possível emitir decisão, seja ela favorável ou de indeferimento do levantamento, porquanto com a sua junção os documentos deixaram de estar sob sigilo.
Assim, há que indeferir o pedido do Requerente.
(…)
Em conformidade com o acima vertido, que aqui se dá por reproduzido: a) O levantamento do segredo profissional pressupõe, desde logo, que os factos e os documentos que sustentam esses mesmos factos ainda se encontrem sob sigilo; b) No caso em análise, porque os documentos já foram divulgados, fica prejudicada a análise da decisão sobre se se trata de documentos sob sigilo, porquanto a partir do momento em que foram juntos aos Autos, não mais se pode levantar o sigilo. (…)”
[3] Cf. acórdão do STJ, de 15.2.2018, P 1130/14.7TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt.
[4] Cf. requerimento de 29/06/2022 junto aos autos.
[5] In Código do Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, 2018.
[6] in “Do Segredo Profissional na Advocacia”, 2ª Edição Actualizada e Completada, Almedina, 2020, pp. 110.
[7] Como, aliás, o fez em relação aos outros documentos que juntou com a petição inicial.
[8] Questão que se poderá colocar é se a decisão do Bastonário não poderá ser objeto de impugnação nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (cf. artigo 6.º, nº 3 do EOA).
Sob este conspecto refere a Ré recorrente que uma decisão de indeferimento do levantamento do sigilo profissional por parte da Ordem dos Advogados não poderá, jamais, ser sindicada por qualquer tribunal citando para o efeito Fernando Sousa Magalhães, in Estatuto da Ordem dos Advogados, Anotado e Comentado, 11ª Edição, Almedina, 2017, p. 139: “[d]o despacho final do bastonário não cabe recurso contencioso para os tribunais administrativos, por se tratar de ato praticado no uso de discricionariedade técnica e porque solução contrária permitiria a publicitação do segredo através da tramitação processual, o que seria contraditório com a finalidade do sistema legal.”
[9] CJ, Ano XIII, 1988, Tomo 3, pág. 11.
[10] CJ, Ano XX, 1995, Tomo 5, pág. 104.
[11] Ano XXIV, 1999, Tomo 3, pág. 96.