CÂMARAS DE VIGILÂNCIA
VIDEOVIGILÂNCIA
COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS
LICENCIAMENTO
LEI APLICÁVEL
PROVA
LOCAL ACESSÍVEL AO PÚBLICO
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
VALIDADE
Sumário

I - A Lei n.º 58/2019, de 8/08, não define a licitude ou ilicitude da recolha ou utilização das imagens, sendo que a existência ou inexistência da licença concedida pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) para a colocação de câmaras de videovigilância integra, apenas, desrespeito pela legislação de protecção de dados.
III - Não consubstancia prova proibida aquela que foi obtida através de videovigilância quando este sistema mecânico tenha por finalidade a protecção do património perante situações de tentativa de furto e não esteja colocado em local privado ou em local parcialmente restrito, mesmo que não esteja licenciado pela CNPD.
III - A captação de imagens de eventual suspeito de acto ilícito em instituição bancária constitui um meio necessário e apto a repelir a agressão ilícita, não só da propriedade da instituição bancária ofendida, mas também a de todos os cidadãos que aí depositaram valores, não constituindo meios de prova proibidos nos termos do artigo 126.º/3 do C.P.P. e não afrontando qualquer norma da Lei Fundamental.

(Da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 112/20.4GAETR .P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Central Criminal de Aveiro - Juiz 2





Acordam, em conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto



I. Relatório

1. A 08-05-2024 foi proferido acórdão atinente ao arguido AA, com os demais sinais dos autos, com o dispositivo que se passa a transcrever nas partes que ora relevam:
“Pelo exposto, atendendo às considerações expendidas e normas legais citadas, decide-se:
(…)
C- CONDENAR o arguido AA na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 2 alínea e) do Código Penal - factos 1-8, 15-18 dos supra dados como provados;
D - CONDENAR o arguido AA na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p.p. pelos artigos 203º, 204º, nº 2 alínea e), 22º, 23º e 73º do Código Penal - factos 9-18 dos supra dados como provados;
E- Em cúmulo jurídico das penas descritas de C) e D) CONDENAR o arguido AA na pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
(…)”

2. O arguido recorreu da decisão pedindo alteração da mesma, no sentido de ser absolvido do crime pelo qual foi acusado e ocorrido a 16 de Junho de 2020 na Banco 1..., mantendo-se na parte restante.
Rematou o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:
“1. O arguido foi condenado pela prática de dois crimes de furto qualificado.
2. O arguido não praticou o crime pelo qual foi condenado nos pontos 9 a 18 dos factos dados como provados.
3. Não foram visualizadas nem juntas aos autos as imagens de videovigilância de antes e depois do acontecido, portanto, é lógico afirmar que não se pode dizer, sem quaisquer margem (sic) para dúvidas de que foi o condenado quem praticou este crime! Como pode o douto Tribunal “a quo” afirmar que é visível o arguido à hora da ocorrência, se não sabe qual a hora da ocorrência concretamente?
4. Ademais, as fotografias juntas aos autos são retiradas durante o dia e não durante a noite, conforme é possível verificar, pelo que, a não ser que o assalto ocorresse durante o dia desconhece-se o momento em que foram tiradas e por quem.
5. Atente-se ao auto de visionamento de vídeo e extração de fotogramas, no qual não é sequer visível o rosto do sujeito, e ainda, nas considerações finais juntas ao mesmo onde é claramente dito: “Não foi possível visualizar o individuo a efectuar o dano, pois, o local onde o ilícito ocorreu corresponde a uma zona de “ângulo morto” que a câmara de videovigilância não capta.
5. Não foi efetuado o reconhecimento do arguido nas fotografias constantes dos autos, ou seja, porque afirmamos que é ele? Com base em que? Por não se visualizar o dano, não se visualizar o rosto do condenado, obviamente, terá o arguido de ser absolvido.
6. Não foi verificado, nem indicado no despacho de acusação que os equipamentos de videovigilância utilizados para a recolha de imagens obedecem à legislação regulamentar (Lei 46/2019, de 8/07, Lei 58/2019, de 8/08, e Portaria 292/2020, de 18/12), por se encontrarem em locais privados e públicos, que estão autorizados pela entidade legalmente competente, que contêm a colocação de avisos sobre a sua existência, regularidade e legalidade, e que têm alvará da entidade de segurança privada autorizada a operar o sistema, o nome do responsável pelo tratamento dos dados recolhidos, sendo que as imagens recolhidas e os fotogramas extraídos, onde estão visadas pessoas que não consentiram a sua captação atenta contra o direito fundamental à imagem destas pessoas, previsto pelo nº 1, do art. 26.º da Constituição da República, constituindo provas que são nulas, por terem sido obtidas mediante a intromissão abusiva na sua vida privada, à qual é imanente o direito à imagem (art. 32º, nº 8, da Constituição da República, e arts. 118º, nº 3, 125º, 126º, nº 3, e 167º, todos do CPP).
8. O arguido terá de ser absolvido do que se recorre, com base no princípio do “in dúbio pro reo”.
(…)”

3. O Ministério Público em primeira instância respondeu, sem apresentar conclusões, pugnando pelo não provimento do recurso e integral manutenção da decisão recorrida.

4. Subidos os autos a este Tribunal, o Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu o parecer que se passa a transcrever parcialmente:
“(…)
4. Vejamos.
Desde logo, e como bem refere a Senhora Procuradora da República junto do Tribunal recorrido na resposta que subscreveu, importa sublinhar que o recorrente não cumpre os requisitos exigidos pelo art. 412º, nº 3, do C. P. Penal para impugnação da decisão sobre matéria de facto.
Ainda que indique os factos que considera incorrectamente julgados, enumera-os em bloco sem individualizar os que pretende concretamente impugnar por referência aos meios de prova que impunham decisão diversa.
Aliás, omite, de todo, “as concretas provas que, por contraponto àquelas de que se serviu o Tribunal recorrido, impunham decisão diversa da recorrida”, como se refere naquela resposta do Ministério Público, na qual se acrescenta ainda, com acerto, que “Não cabe ao Tribunal ad quem andar à procura dos concretos pontos de facto que poderão estar incorrectamente julgados, nem dos elementos de prova que lhes poderiam corresponder”.
O recorrente o que se limita a fazer é uma reapreciação da prova produzida em julgamento, analisando-a numa perspectiva diferente - a sua - e divergente daquela que foi feita pelo Tribunal a quo e que levou a que se tivessem por provados os factos dos quais resulta a prática do correspondente crime de furto qualificado.
De qualquer forma, e como se detalha na resposta apresentada pela Senhora Procuradora da República junto do tribunal recorrido, do acórdão recorrido resulta com clareza que “a prova dos factos que fundamentaram a condenação do arguido ali se encontra exposta de forma lógica e consistente – suportada em bastos elementos probatórios” – que, de seguida, enuncia, e para onde remetemos, sem necessidade de os aqui repetir.
Por outro lado, não existe qualquer fundamento para se invocar, in casu, o princípio in dúbio pro reo, como o faz o recorrente, pois que, como é por demais sabido, tal princípio, para ter aplicação, pressupõe que o Tribunal tenha ficado com dúvidas sobre determinada factualidade. Não tendo o Tribunal a quo ficado com dúvidas, como não ficou, em relação aos factos provados (o que bem decorre do capítulo intitulado “2.3- Fundamentação da matéria de facto”), nem havendo motivos para que tais dúvidas existissem, não se encontra qualquer fundamento para o recorrente clamar pela sua absolvição com base na aplicação de tal princípio – tudo conforme melhor e de uma forma mais completa se demonstra na resposta do Ministério Público que temos vindo a seguir.
Quanto à nulidade decorrente da utilização de um meio de prova alegadamente proibido – as imagens obtidas através do sistema de videovigilância existente no local – mais uma vez remetemos para o que foi dito pela Senhora Procuradora da República na 1ª instância na sua bem elaborada resposta, pelo que escusado se torna aqui repetir toda a argumentação desenvolvida e a jurisprudência citada.
Apenas queríamos acrescentar, ao rol de acórdãos ali citados, a recente decisão Sumária desta Relação do Porto proferida a 19/06/2024 no âmbito do processo nº 432/18.8PBMTS.P2 pelo Senhor Juiz Desembargador Donas Botto, na qual escreveu o seguinte:
“…não consubstancia prova proibida, aquela que foi obtida através de videovigilância, quando este sistema mecânico tenha por finalidade a proteção do património perante situações de tentativa de furto, e não esteja colocado em local privado, ou em local parcialmente restrito, mesmo que não esteja licenciado.
O legislador, face à necessidade de salvaguardar interesses e valores igualmente merecedores de tutela afasta uma leitura fundamentalista dos direitos da personalidade a qual iria deixar desprotegida a comunidade perante as exigências de perseguição à criminalidade, daí admitir alguma restrição a esses direitos.
É certo que o princípio da necessidade emerge como um limite legal à utilização dos dados pessoais obtidos através destes sistemas de videovigilância, no âmbito de uma investigação policial, pois só é permitida a sua utilização nos casos de prevenir um perigo concreto ou de reprimir uma infração determinada.
Por isso, tem que existir uma justa causa para a obtenção de imagens e fotogramas através de sistema de videovigilância no âmbito de uma investigação criminal.
É certo que existe um núcleo intangível da intimidade de cada cidadão que o Estado não pode invadir, mas que terá de ceder quando se está perante a prática de um crime, pois aqui o Estado, através dos seus órgãos, adquire a legitimidade necessária para se concretizar a invasão destes direitos, mas sempre em respeito pelo princípio da proporcionalidade.
Assim, legitima-se a utilização dos referidos sistemas de videovigilância, apenas exclusivamente, quando se trate de prevenir a ocorrência de novos crimes e de reprimir determinados ilícitos, e como tal, estas imagens de videovigilância e os fotogramas daí extraídos são meios de prova válidos.
Ora, a falta de consentimento dos visados, nas imagens em causa, captadas em local de acesso público, não correspondem a qualquer método proibido de prova, por não violarem o núcleo duro da vida privada, avaliado numa ideia de proporcionalidade e por existir uma justa causa na sua obtenção e utilização, que é a prova de uma infração criminal”.
Como tal, conclui-se que a utilização das imagens recolhidas através do sistema de videovigilância em apreço não está ferida de qualquer ilegalidade ou irregularidade e foi, por isso, lícita.
Não assiste razão ao recorrente, pois, no recurso que interpôs.
5. Somos, assim de parecer que a douta decisão recorrida não merece qualquer censura, pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto e mantida tal decisão, nos seus precisos termos.”

5. Notificado o arguido nos termos e para os efeitos do artigo 417.º/2 do CPP, nada mais acrescentou.
6. No exame preliminar a relatora deixou exarado que nada obstava ao conhecimento do recurso, que, por sua vez, havia sido admitido com o regime de subida adequado.
7. Seguiram-se os vistos legais.
8. Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.

*

II. Fundamentação

1. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), quanto a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º/2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).
Assim e tendo presente ainda que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como não visam criar decisões sobre matéria nova, então, as questões suscitadas no presente são as seguintes:
- saber se o Tribunal recorrido violou o princípio in dubio pro reo;
- se a decisão recorrida teve como fundamento provas nulas, por terem sido obtidas mediante a intromissão abusiva na vida privada do visado, ora arguido;
- saber se houve erro de julgamento quanto à factualidade dada como provada nos pontos 9. a 18.

2. Comecemos por transcrever o acórdão recorrido, no que ora interessa:
“(…)
2 – Fundamentação
De relevante para a decisão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1 - No dia 11/06/2020, da parte da tarde, o 1º arguido, AA, conduzindo o veículo com matricula ..-..-RQ, propriedade da sua mãe, BB abeirou-se das instalações da empresa A..., mais concretamente da respetiva cantina, sita na área industrial de ..., ....
2 - Uma vez junto da referida cantina, o arguido, usando uma chave de fendas partiu o vidro de uma das suas janelas, e desta forma conseguiu introduzir uma das suas mãos nessa janela, acabando por conseguir forçar a respetiva fechadura, cortando-se.
3 - Aberta a janela, pela mesma o arguido introduziu-se no referido estabelecimento, arrombando a máquina registadora, de onde retirou, pelo menos €75,00 Euros, subtraindo o respetivo computador HP, de valor não inferior a €500,00 Euros e tombando igualmente a máquina de venda de tabaco, de onde retirou os maços de tabaco e quantia monetária não concretamente apurada mas não inferior a €45,00 Euros, deixando na referida máquina a marca do seu próprio sangue.
4 - E provocando danos no valor de cerca de €90,00 Euros.
5 - Ainda do interior do referido estabelecimento o arguido retirou umas calças azuis com riscas florescentes, que vestiu.
6 - Após o que, na posse dos referidos objetos o arguido se ausentou daquele local, levando-os consigo.
7 - Com a intenção de fazer deles coisa sua.
8 - Como efetivamente fez.
9 - No dia 16/06/2020, cerca das 23h, o arguido, AA abeirou-se da agência do Banco, Banco 1..., sita na Avª ..., na ....
10 - Uma vez ali, o 1º arguido, AA, através de método que não foi possível apurar forçou a fechadura da porta interior da referida agência.
11 - Nela entrando e remexendo em vários armários.
12- Mas como o alarme foi acionado, o 1º arguido acabou por fugir do local.
13 - Agiu o arguido com a intenção de subtrair valores que pudesse encontrar no referido banco, deles se apoderando, em valor não apurado, mas obviamente superior a 102,00 Euros.
14 - O que só não conseguiu, por o alarme ter disparado
*
15 - Bem sabia o 1º arguido, AA, que os valores de que se apoderara da cantina da empresa “A..., SA” ou queria apoderar da Agência do Banco 1... não lhe pertenciam.
16 - E que nessas situações agia contra a vontade dos seus verdadeiros donos, e com o conhecimento que as suas condutas lhe eram proibidas por Lei
17- Assim, agindo o arguido de forma livre, voluntária e consciente.
*
(…)
20 - Por decisão proferida no âmbito do processo .../04.0GASJM, que correu termos no Tribunal Judicia de Santa Maria da Feira, datada de 22.07.2004 e devidamente transitada em julgado a 29.09.2004, foi o arguido AA, condenado pela prática de 1 crime de detenção ilegal de arma, por factos datados 21.07.2004, na pena de 130 dias de multa à taxa diária de €2,50, pena que se encontra extinta.
21 - Por decisão proferida no âmbito do processo ...7/03.4PTVNG, que correu termos no Tribunal Judicia de Vila Nova de Gaia, datada de 09.05.2005 e devidamente transitada em julgado a 24.05.2005, foi o arguido AA, condenado pela prática de 1 crime de condução sem habilitação legal, por factos datados 01.10.2003, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €2,00, pena que foi convertida em prisão subsidiária e se encontra extinta.
22- Por decisão proferida no âmbito do processo ...15/03.8PHLSB, que correu termos no Tribunal Judicia de Lisboa, 1º juízo criminal, datada de 02.02.2006 e devidamente transitada em julgado a 21.03.2006, foi o arguido AA, condenado pela prática de 1 crime de furto qualificado, por factos datados 16.07.2003, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão suspensa por 2 anos, pena que foi declarada extinta.
23 - Por decisão proferida no âmbito do processo ...1/05.3TAETR, que correu termos no Tribunal Judicia de Estarreja, 2º juizo, datada de 10.05.2007 e devidamente transitada em julgado a 06.06.2007, foi o arguido AA, condenado pela prática de 1 crime de condução sem habilitação legal, por factos datados 26.09.2003, na pena de 4 meses de prisão substituída por 120 dias de multa à taxa diária de €3,50.
24 - Por decisão proferida no âmbito do processo ...85/03.1PSLSB, que correu termos no Tribunal Judicia de Lisboa, 9ª vara criminal, datada de 12.06.2007 e devidamente transitada em julgado a 27.06.2007, foi o arguido AA, condenado pela prática de 1 crime de furto qualificado, por factos datados 18.09.2003, na pena de 2 anos de pisão suspensa pelo mesmo período, pena que se encontra extinta.
25 - Por decisão proferida no âmbito do processo .../03.8S8LSB, que correu termos no Tribunal Judicia de Lisboa, 7ª vara criminal, datada de 24.10.2006 e devidamente transitada em julgado a 23.08.2007, foi o arguido AA, condenado pela prática de 1 crime de furto qualificado tentado, 1 crime de furto qualificado, 1 crime de furto simples e 1 crime de falsas declarações, por factos datados 01.07.2003, na pena única de 4 anos e 9 meses de prisão.
26 - Por decisão proferida no âmbito do processo ...37/05.5PRLSB, que correu termos no Tribunal Judicia de Lisboa, 3ª vara criminal, datada de 30.09.2008 e devidamente transitada em julgado a 30.10.2008, foi o arguido AA, condenado pela prática de 1 crime de furto qualificado, por factos datados 31.10.2005, na pena de 2 anos de prisão.
27 - No âmbito do processo ...37/05.5PELSB foi efectuado cumulo jurídico das penas em que foi ali condenado e a que foi condenado no âmbito no processo .../03.8S8LSB, tendo-lhe sido aplicada a pena única de 5 anos de prisão.
28 – Ainda no âmbito do processo ...37/05.5PELSB foi efectuado cumulo jurídico das penas em que foi ali condenado e as em que foi condenado no âmbito dos processos ...1/05.3TAETR, .../05.8GAETR, .../03.8S8LSB, ...4/04.5PELSB, ...8/04.2PQLSB e ...82/05.3PRLSB tendo-lhe sido aplicada a pena única de 7 anos de prisão.
29 - No âmbito do processo ...32/10.1TXLSB-C, por decisão datada d 18.07.2011, foi concedida liberdade condicional ao arguido no âmbito dos autos a correr termos sob o nº ...37/05.5PRLSB até 17.12.2012, tendo a mesma sido declarada cessada e convertida em definitiva a partir de 18.12.2012.
30 - Por decisão proferida no âmbito do processo ...8/04.2PQLSB, que correu termos no Tribunal Judicia de Lisboa, 7ª e 8ª vara criminal, datada de 01.06.2005 e devidamente transitada em julgado a 04.05.2009, foi o arguido AA, condenado pela prática de 1 crime de furto qualificado tentado, por factos datados 18.05.2004, na pena de 15 meses de prisão.
31 - Por decisão proferida no âmbito do processo ...4/04.5PELSB, que correu termos no Tribunal Judicia de Lisboa, 1º juizo criminal, datada de 17.12.2009 e devidamente transitada em julgado a 19.01.2010, foi o arguido AA, condenado pela prática de 1 crime de detenção de rama proibida, por factos datados 11.08.2004, na pena de 1 ano de prisão.
32 - Por decisão proferida no âmbito do processo ...82/05.3PRLSB, que correu termos no Tribunal Judicia de Lisboa, 5º juízo criminal, datada de 12.05.2010 e devidamente transitada em julgado a 11.06.2010, foi o arguido AA, condenado pela prática de 1 crime de furto qualificado, por factos datados 17.07.2005, na pena de 2 anos de prisão.
33 - Por decisão proferida no âmbito do processo ...73/04.2PHLSB, que correu termos no Tribunal Judicia de Lisboa, 2º juízo criminal, datada de 21.12.2011 e devidamente transitada em julgado a 02.02.2012, foi o arguido AA, condenado pela prática de 1 crime de detenção ilegal de arma, por factos datados 17.10.2004, na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pena que se encontra extinta.
34 - Por decisão proferida no âmbito do processo ...7/13.4SHLSB, que correu termos no Tribunal Judicia de Lisboa, 7ª e 8ª vara criminal, datada de 05.12.2014 e devidamente transitada em julgado a 12.08.2015, foi o arguido AA, condenado pela prática de 4 crimes de furto qualificado e 1 crime de furto qualificado tentado, por factos datados 09.02.2013, na pena de 6 anos de prisão.
35 - No âmbito do processo ...32/10.1TXLSB-F, foi concedida liberdade condicional ao arguido no âmbito dos autos a correr termos sob o nº ...7/13.4SHLSB com efeitos a partir de 30.04.2019 e até ../../2020, tendo a mesma sido declarada cessada e convertida em definitiva a partir dessa data.
36 - Por decisão proferida no âmbito do processo ...1/13.0PGAMD, que correu termos no Tribunal Judicia de Lisboa Oeste, juízo local criminal da amadora, J1, datada de 15.06.2015 e devidamente transitada em julgado a 12.09.2016, foi o arguido AA, condenado pela prática de 1 crime contra a liberdade/autodeterminação sexual, por factos datados 23.01.2013, na pena de 6 meses de prisão, pena que se encontra extinta.
37 - Por decisão proferida no âmbito do processo 69/21.4, que correu termos no Tribunal Judicia de Aveiro, juízo central criminal, J4, datada de 18.01.2022 e devidamente transitada em julgado a 22.09.2022, foi o arguido AA, condenado pela prática de 2 crimes de furto simples, e 5 crimes de furto qualificado, por factos datados 07.03.2021, 12.04.2021, 07.03.2021, 02.05.2021, 06.03.2021, 10.04.2021, 14.05.2021, na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.
(…)
2.2. Matéria de facto não provada
Nenhum outro facto com relevância para a causa resultou como provado, nomeadamente:
A- Após o descrito 8 o 1º arguido vendeu o monitor da caixa registadora ao 2º arguido, CC, pelo preço de 25,00 Euros.
B- O referido monitor foi avaliado em 1.200,00 Euros.
C- Valor que o 2º arguido não podia desconhecer, uma vez que é comerciante deste tipo de material, tendo inclusive uma loja para o exercício desse comércio denominada “...”, em ....
D- E não obstante este conhecimento, não se coibiu o 2º arguido, “CC” de adquirir o referido objeto ao arguido, sem qualquer tipo de garantia sobre a sua proveniência e em valor muito inferior ao seu valor real.
E- Pelo que, teve o 2º arguido de representar como possível a proveniência ilicito do bem que adquiriu, conformando-se com esse facto.
F- E não obstante, não se coibiu o 2º arguido de praticar os factos descritos.
G- Com vista a alcançar o resultado pretendido, a sua vantagem patrimonial.
H- No dia 06/07/2020, cercas das 2h22m, o 1º arguido AA abeirou-se do estabelecimento comercial denominado “B...” sito na rua ..., ..., ....
I- Uma vez aí, o arguido deslocou um caixote do lixo para junto de uma das janelas do referido estabelecimento e subindo ao referido caixote do lixo, alcançou a referida janela, forçou a respetiva fechadura, mas quando se preparava para entrar no dito estabelecimento verificou que passava pela rua um individuo, pelo que, abandonou o local.
J- Agiu o 1º arguido, mais uma vez com a intenção de subtrair e apoderar-se de valores que se encontrassem no referido estabelecimento, em valor não apurado, mas obviamente superior a 102.00 Euros.
K- O que não concretizou por ter sido surpreendido por um individuo, mais tarde identificado como sendo DD.
L- Mas provocando um dano no valor de 100.00 Euros.
M- Bem sabia o 1º arguido, AA, que os valores de que se queria apoderar da pastelaria “B...”, não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu verdadeiro dono, com o conhecimento que esta sua conduta lhe era proibida por Lei, assim, agindo de forma livre, voluntária e consciente.
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***
Ao nível da fixação da matéria de facto, o tribunal não se pronunciou sobre as afirmações contidas na acusação, e pedido de indemnização civil que constituem alocuções conclusivas ou de direito, e que não são susceptíveis de resposta em termos de provado ou não provado ou por não terem qualquer relevância para a decisão da presente causa (sendo certo que a lei apenas exige que devam constar da sentença os factos com relevo para a decisão da causa e só estes, devendo proceder-se se necessário ao aparo do que porventura em contrário e com carácter supérfluo provenha das referidas peças processuais de que aquela não é nem pode ser mera serventuária – cfr: a este propósito Ac. do STJ de 2 de Junho de 2005, proc. 05P1441, in www.dgsi.pt). Nos termos do artigo 124º do CPP para a decisão de facto apenas relevam «os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência de crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis» - únicos levados à fundamentação de facto na decisão a proferir.
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2.3- Fundamentação da matéria de facto
O tribunal fundou a sua convicção na totalidade da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente nas declarações do arguido, concatenadas com a documental e testemunhal junta aos autos, tudo analisado com base nas regras de experiência comum.
Deste modo e iniciando pelas declarações do arguido, AA, que optou por prestar declarações em tribunal mas circunscritas aos factos descritos de 1 a 8. Deste modo, o arguido confirmou a sua intervenção em tais facos, dando os esclarecimentos que teve por convenientes, referindo que a máquina registadora não tinha dinheiro e que apenas retirou moedas e tabaco da máquina de tabaco, sem, no entanto, a arrombar, limitando-se a tomba-la.
Assim, e com relevância para os autos, de modo convincente, face à restante prova produzida e que infra se analisará, confirmou o modo de entrada no estabelecimento em causa e o facto ter tombado a maquina do tabaco, da mesma saindo moedas (entre 45 a 50 euros – daqui resultando o montante fixado em 3 dos factos supra dados como provados no que concerne ao dinheiro retirado da máquina de tabaco) e maços de tabaco (em quantidade não superior a 10), dos quais se apropriou, não tendo feito, na mesma, qualquer estrago. Denotando alguma objectividade refere que actuou do modo descrito porque estava a procura de trocos, chegando-lhe entre 20-30 euros, mas trouxe mais…
Em contraposição, negou ter retirado qualquer monitor, computador ou qualquer outro objecto (para alem das moedas e tabaco referidos) do local em causa, situação da qual não logrou convencer o tribunal face à demais prova produzida, e a que infra se fará referência.
Ainda com relevância para os autos este arguido negou ter vendido o que quer que fosse, retirado deste estabelecimento ao segundo arguido.
Usando da prerrogativa que a lei lhe confere, o arguido AA optou por se remeter ao silêncio no que se refere aos demais factos da acusação que lhe estavam imputados.
O mesmo se diga relativamente ao arguido CC, que, assim, se remeteu ao silêncio de acordo com prerrogativa legal.
Prosseguindo, agora com as testemunhas de acusação ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, importa antes de mais, realçar o carácter objectivo, calmo e credível de todas as testemunhas ouvidas. Assim, EE, militar da GNR, à data em exercício de funções no NIC de ..., esclarece ter efectuado diligências no âmbito das situações referentes aos factos descritos em 1-7 e 9-14. Deste modo, esclareceu que visionou as imagens da empresa de A... e da empresa contigua, confirmando o modo de entrada e o visível nas imagens juntas aos autos – confirmando o constante de fs. 25 e seguintes.
Com relevância para os autos (e confirmado pela testemunha FF) esta testemunha esclareceu que o que dali foi retirado não foi um monitor, mas sim um computador HP, que nunca foi recuperado, assegurando que, no local, não ficou monitor ou portátil que apoiasse a caixa registadora, não existindo duvidas que foi dali retirado na situação em discussão nos presentes autos. Mais, com clareza, confirmou que à saída do local, o arguido levava algo na mão (cfr. fls. 54, que confirma), assegurando que visualizou o vídeo e que, como se vê a fls. 52, se percebe que o arguido entrou de calções e camisola, que foram apreendidos em casa dele, mas, à saída se encontra de calças. Denotando objectividade, esta testemunha referiu que não viu documentação relativa ao computador associado à máquina registadora, desconhecendo o valor do mesmo.
No que se refere aos factos referentes à agência da Banco 1..., esclarece que não foi o próprio quem elaborou o constante de fls. 94-95, mas viu o vídeo no posto da GNR ..., não tendo dúvidas que era o arguido (pelas imagens e por o conhecer pessoalmente, de outras situações).
Confrontado com fls. 19-21 do apenso ...6/20.7GAETR, no seu ponto 3, confirma que o individuo a que se referia era o arguido AA.
Quanto a fls. 43-45 do apenso 134/20.5GAETR, confirma que se trata de uma diligência feita no âmbito de um outro processo relativo a um furto a uma residência que não está aqui em apreciação, mas veio para aqui a certidão. Com relevância para os autos e denotado, uma vez mais, objectividade, esta testemunha reconhece não se recordar de nada relativo à situação ocorrida na pastelaria B... aqui em discussão.
Aqui chegados importa realçar que os factos dados como provados sob os pontos 1 a 8, resultaram das declarações do arguido e da testemunha supra referida, mas também das declarações de GG, HH e FF. Assim, GG, responsável dos recursos humanos dos A..., de modo claro e objectivo, descreveu o local onde ocorreu o furto, bem como o facto de o mesmo se encontrar arrendado à testemunha FF que foi quem a alertou para a situação. Denotando objectividade, refere que apenas viu o vidro partido, manchas de sangue, e a maquina de tabaco com amolgadelas, esclarecendo que a maquina registadora era da inquilina e a maquina de tabaco de empresa terceira.
Por seu turno, HH, empresário, representante da empresa C... de maquinas de tabaco, esclareceu, de modo claro e sereno, reconhecer a situação dos autos quando confrontado com fls. 25-32. No que se refere a fls. 160 esclarece que é uma lista de tabaco, provavelmente por si elaborada, já que por si assinada. Com relevância, refere que esta lista terá sido feita com base numa auditoria e que efectuam a contagem do tabaco que estava na maquina quando fechada e subtraem o que está na maquina após a ocorrência. Ora, salvo o devido respeito por opinião contraria, a contagem efectuada nos moldes descritos por esta testemunha, não nos permite concluir, com segurança, que o tabaco em falta resulte todo da ocorrência em discussão nos presentes autos, uma vez que desconhecemos a data em que máquina terá sido reabastecida e, principalmente, as vendas efectuadas entre essa data e a da contagem do tabaco após a ocorrência em causa.
Denotando objectividade esta testemunha confirma que, no caso dos autos, e do que se recorda, a máquina não terá sido arrombada, mas antes tombada permitindo a saída de tabaco e de dinheiro.
Finalmente, no que concerne à prova testemunhal deste conspecto factual (factos 1-8), FF, que tinha a exploração do bar/cantina da empresa A..., à data. Assim, mostrando-se conhecedora da matéria acerca da qual depôs, confirmou o modo de entrada do autor dos factos no estabelecimento em causa, bem como facto de ter a caixa registadora partida e de lhe ter sido retirado o dinheiro (pelo menos €75) e o computador portátil que valeria, no mínimo, €500 – tudo cfr. ponto 3 dos factos provados. Mais confirmou que a reposição da fechadura da caixa registadora importaria um custo de cerca de €90 (ponto 4 dos factos provados).
Confrontada com fls. 54, refere que, na primeira foto é possível que o objeto que o arguido leva debaixo do braço seja o computador que referiu como tendo sido o desparecido do local aquando da ocorrência em causa nos presentes autos, pelo tamanho e forma.
No mesmo sentido de toda a restante prova testemunhal e declarações do próprio arguido, confirma que a máquina de tabaco não estava arrombada.
A acrescer a tudo o exposto, para a fixação dos factos descritos sob os pontos 1-8 dos supra dados como provados, o tribunal atendeu na prova documental junta aos autos, devidamente analisada e ponderada, nomeadamente:
- Fls. 3-4 e 129-130 - Auto de notícia
- Fls. 8, 74 – pesquisa matrícula ..-..-RQ – ... registado em nome de BB (mãe do arguido); fls. 75 tomador do seguro do veículo (mãe do arguido)
- Fls. 9-13 – relatório fotográfico – janela partida, caixa registadora com sinais de furto, vestígios de sangue na maquina de tabaco e junto ao vidro partido
- Fls. 21-24 -relatório tático de inspeção ocular e fls. 25-32 relatório fotográfico que o acompanha
- Fls. 35-43 e 117-119 – autos de aditamento
- Fls. 44-58 e 59-71 – extracção de fotogramas principalmente fls. 49 e ss (escalamento) e 54 e ss (sai com o monitor da caixa registadora); fls. 69 tatuagem perna direita (que identifica o arguido)
- Fls. 76-82 – auto de busca e respectivo relatório fotográfico– residência arguido AA (roupa visível nas imagens) e auto de apreensão de fls. 87
- Fls. 83-86 -auto de busca e respectivo relatório fotográfico– viatura
- Fls. 88 - termo de consentimento de pesquisa de dados informáticos no telemóvel do arguido, fls. 89 relatório fotográfico analise telemóvel (registo de chamadas com CC - ...55)
- Fls. 102-103- relatório fotográfico do computador portátil apreendido ao CC (ASUS) a fls. 104 e termo de entrega fls. 120
- Fls. 106 – termo de entrega de caixa de acendalhas (ap. a fls. 87)
- Fls. 150 – relatório técnico de inspecção judiciária (zaragatoa com vestígios hemáticos),
- Fls. 151- relatório fotográfico de suporte – fls. 267 – relatório do exame pericial – perfil do arguido
- Fls. 183-191 certidão permanente da ofendida

Prosseguindo agora com a analise da prova referente aos factos supra fixados sob os pontos 9-14, e a acrescer às declarações da testemunha EE supra descritas, foram devidamente valoradas as declarações sérias, claras e objectivas de II, bancário, à data responsável da agencia em causa que confirmou ter sido avisado pela central de alarmes e, tendo-se deslocado ao local viu a porta principal arrombada. Esta testemunha descreveu as instalações da agência em causa e a colocação das Câmaras de vídeo vigilância e as portas existentes. Com relevância para os autos confirmou a existência de computadores, impressora, máquina de contar notas, tudo no espaço em causa, em valor muito superior a €102.
Confrontado com fls. 13 (NUIPC ...6/207GAER), refere que é possível que seja essa a hora da ocorrência e com fls. 9 confirma ser a porta arrombada a que fez referência.
A acrescer a tudo o exposto, para a fixação dos factos descritos sob os pontos 9-14 dos supra dados como provados, o tribunal atendeu na prova documental junta aos autos, devidamente analisada e ponderada, nomeadamente do apenso ...6/20.7GAER, em especial:
Fls. 4-5– auto de noticia
Fls. 7-11 – relatório fotográfico – visíveis danos
Fls. 13 – comunicação centra de alarmes (confirma hora da ocorrência)
Fls. 94-95 – auto de visionamento e extração de fotogramas (visível o arguido à hora da ocorrência, sendo a única pessoa presente no local).
Assim sendo a totalidade da prova produzida, e pese embora o silêncio do arguido no que a tais factos concerne, leva a ausência de duvida da ocorrência dos factos e da sua autoria por parte do arguido (única pessoa a aceder à agência bancária em causa naquele circunstancialismo temporal).
No que se refere aos factos atinentes ao elemento subjectivo dos tipos de crime em causa, resultam os mesmos da apreciação conjugada de todos os elementos de prova supra descritos, apreciados de acordo com as regras de experiência comum, sendo certo que a intenção com que o arguido agiu e as consequências da sua conduta emergem, também, da materialidade objectiva dos demais factos que se deram como provados, a acrescer à própria postura do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, sendo claro e indubitável que o mesmo é pessoa capaz de distinguir o bem e o mal, tem plena consciência da gravidade dos factos em causa nos presentes autos, da ilicitude e punibilidade dos mesmos.
O teor dos certificados de registo criminal dos arguidos (juntos sob ref. 15160083 – 12.10.2023 e ref. 15159205 – 12.10.2023, respectivamente do arguido AA e CC) foram também devidamente analisados e valorados para a determinação de factos supra dados como provados sob os pontos 20-37 e 39.
(…)”

3. A violação do princípio in dubio pro reo.
O recorrente, depois de alegar que o Tribunal considerou indevidamente provados os factos vertidos nos pontos 9. a 18. da matéria de facto dada como provada e referir que o Tribunal se socorreu de provas nulas, defende (aliás de forma manifestamente singela) que, de harmonia com o princípio in dubio pro reo, deveria ter sido absolvido relativamente ao ilícito atinente à Banco 1...
Vejamos.
O princípio in dubio pro reo, enquanto expressão ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico de presunção de inocência, traduz-se na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido - a dúvida resolve-se a favor do arguido.
No que se traduz que apenas pode haver condenação se se tiver alcandorado a verdade com um grau de certeza, para além de qualquer dúvida razoável, que naturalmente, fica aquém da noção de qualquer sombra de dúvida.
“Em processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com consagração constitucional, artigo 32°/2 da Constituição da República Portuguesa e ainda na Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “cuja primeira grande incidência, assenta fundamentalmente, na inexistência de ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido de que o arguido não tem de provar a sua inocência para ser absolvido; um princípio in dubio pro reo; e ainda que o arguido não é mero objecto ou meio de prova, mas sim um livre contraditor do acusador, com armas iguais às dele.
Na verdade, e em primeiro lugar, o princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual parece imposta (ou ficcionada) pela lei, o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação.
Em segundo lugar, do referido princípio da presunção de inocência do arguido - embora não exclusivamente dele - decorre um princípio in dubio pro reo, princípio que procurando responder ao problema da dúvida na apreciação do caso criminal (não a dúvida sobre o sentido da norma, mas a dúvida sobre o facto) e, partindo da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, determina que na dúvida quanto ao sentido em que aponta a prova feita, o arguido seja absolvido” (cfr. Rui Patrício, O princípio da presunção de inocência do arguido na fase do julgamento no actual processo penal português, Ass. Académica da FDL, 2000, 93/94.)
Como cremos resultar do supra transcrito, que a decisão recorrida procurou demonstrar, na motivação e no exame crítico da prova, a existência das razões pelas quais o tribunal deu como provados os factos, contra cujo julgamento o arguido se insurge, permitindo-lhe, nesta fase, de recurso, todos os meios de defesa, e ao tribunal de recurso, assim como a qualquer cidadão, reconstruir retrospectivamente o iter percorrido na decisão recorrida.
O princípio in dubio pro reo como regra de decisão da prova, é a solução que resulta de um conjunto de factores em verificação cumulativa:
- necessidade de pôr fim ao processo, com decisão definitiva que não represente, do ponto de vista da paz jurídica do arguido, uma demora intolerável;
- a inadmissibilidade da pena de suspeição;
- a opção pelo modus probandi de livre apreciação da prova ou livre convicção do tribunal, necessariamente objectivável e motivável;
- a possibilidade do surgimento de dúvidas, resistentes à prova e impeditivas da tal convicção, na verificação dos enunciados factuais abrangidos pelo objecto do processo;
- a consciência da diferença entre o processo criminal e a lide civilística, que impede a transferência para o primeiro da solução do ónus de prova, típica de um processo de partes;
- a convicção de que o Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.
Daí que, este princípio deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente. Consequentemente, só releva e restringe o seu âmbito de aplicação à questão de facto, é mais do que o equivalente processual do princípio da culpa, desligando-se, quanto ao fundamento, da presunção de inocência e abarcando, quer as dúvidas sobre o facto crime, quer a incerteza quanto à perseguibilidade do agente. E finalmente o controle da sua efectiva boa ou má aplicação está dependente de os tribunais cumprirem a obrigação de fundamentarem a sua convicção (cfr. Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, 165 e ss.
Quer isto dizer, que a sua verificação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, sendo certo, todavia, que a simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes, não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dubio pro reo.
Não basta a mera probabilidade de existir uma hipótese contrária à da acusação, para que se possa afirmar que tal obsta à condenação do arguido.
Será seguramente, necessário para fazer desencadear a aplicação deste princípio, que a versão do arguido seja plausível e demonstrável, pois só uma versão credível subjaz a uma dúvida racional. Não basta a mera plausibilidade e verosimilhança da sua versão para que surja sem mais, a dúvida séria e razoável.
A dúvida só pode surgir de uma versão plausível dos factos minimamente fundada e sustentada.
Se da decisão recorrida resultar que o tribunal chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido, há que concluir pela violação de tal princípio. Da mesma forma há violação do dito princípio, se o mesmo for invocado sem fundamento, sério e razoável, seja fora das condições concretas de que depende a sua aplicação e, não obstante, se decretar a absolvição do arguido.
A questão que o arguido coloca - e que a decisão recorrida, de forma alguma sugere, de resto - é a de saber qual a natureza, a dimensão e a característica que deve assumir a dúvida - a que o tribunal chegue - como pressuposto e justificação da aplicação deste princípio.
Não pode deixar de ser uma dúvida insanável, razoável, racional, objectiva e séria e, não meramente subjectiva, intuitiva e assente em meras conjecturas ou suposições.
Tão pouco, fundada e estruturada numa errada apreciação da prova.
Importa, assim, indagar se no caso, a regra da absolvição na dúvida, foi, ou não, violada.
E a resposta a dar depende da apreciação que se fizer sobre se merece censura o processo lógico e racional, subjacente à formação da afirmada convicção. Depende do facto de se poder, ou não considerar como suficiente e bastante a fundamentação. Depende do facto de se poder, ou não, afirmar que o tribunal errou, notoriamente - na apreciação e na valoração que fez da prova.
O que nos remete para a formulação da questão de saber qual o grau de certeza exigível para que se dê determinado facto como provado.
Isto, porque a certeza que se visa alcançar será sempre uma certeza possível, uma firme persuasão da verdade e nunca a certeza absoluta.
Antes a verdade lógica, racional e processualmente válida resultante da concreta prova produzida nos autos.
Será que se justifica que o Tribunal de 1.ª instância tivesse ficado na dúvida sobre a afirmação dos factos cujo julgamento o arguido impugna?
Obviamente que, desde logo, a conclusão afirmada pelo recorrente tem subjacente a sua própria, subjectiva, interessada e parcial, valoração do conjunto da prova produzida.
E como se sabe, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.
Nenhuma dúvida assolou o tribunal sobre o modo como os factos se passaram e sobre a culpabilidade do arguido, sendo certo que “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida” (Cfr. Roxin, Derecho Processual Penal, Buenos Aires, 111).
E a dúvida, que impede o julgamento como provado de determinado facto, é apenas aquela que o tribunal tiver e, não a dúvida que o arguido entende que o tribunal deveria ter tido.
Donde, no caso concreto, a resposta não pode deixar de ser negativa, improcedendo este segmento do recurso.

4. Da prova obtida através das imagens de videovigilância recolhidas e dos fotogramas delas retirados.
4.1. Da nulidade de tal prova.
Alega o recorrente que não foi verificado, nem indicado no despacho de acusação que os equipamentos de videovigilância utilizados para a recolha de imagens obedecem à legislação regulamentar (Lei 46/2019, de 8/07, Lei 58/2019, de 8/08, e Portaria 292/2020, de 18/12), por se encontrarem em locais privados e públicos, que estão autorizados pela entidade legalmente competente, que contêm a colocação de avisos sobre a sua existência, regularidade e legalidade, e que têm alvará da entidade de segurança privada autorizada a operar o sistema, o nome do responsável pelo tratamento dos dados recolhidos.
Decidindo, começar-se-á por referir que a Lei n.º 46/2019, de 8/07, que alterou o regime do exercício da actividade de segurança privada e da autoprotecção (tendo procedido à primeira alteração à Lei n.º 34/2013, de 16/05, que estabeleceu o regime de exercício da actividade de segurança privada), tem por objecto e âmbito o estabelecimento do regime do exercício da actividade de segurança privada e da organização de serviços de autoprotecção, bem como a adopção de medidas de segurança por entidades públicas ou privadas, com vista à protecção de pessoas e bens e à prevenção da prática de crimes (cfr. artigo 1.º).
De acordo com o preceituado no diploma legal em causa é admissível o uso, além do mais, de material e equipamento de segurança para detectar a prática de furtos e capturar, registar, e visualizar imagens de um espaço protegido, bem como quaisquer sistemas ou dispositivos de segurança e protecção, eléctricos e ou electrónicos (cfr. artigos 2.º/h e 31.º).
Mais, e como bem refere o Ministério Público na resposta que apresentou ao recurso, no que se refere em particular às instituições de crédito e sociedades financeiras, como é o caso da sociedade ofendida, são as mesmas obrigadas a adoptar um sistema e medidas de segurança específicas que incluem a instalação de um sistema de videovigilância e a existência de uma central de controlo, receptora de sinais de alarme e de videovigilância, própria ou através de empresa de segurança privada habilitada (artigo 8.º/1, b) e d) do referido diploma legal).
Por sua vez, a Lei n.º 58/2019, de 8/08, assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento, e do Conselho de 27/04/2016, relativo à protecção das pessoas singulares, relativamente ao tratamento dos seus dados pessoais e à livre circulação desses dados no território nacional, enunciando o seu art 19.º os locais onde as câmaras de videovigilância não podem incidir (vias públicas, propriedades limítrofes ou outros locais que não sejam do domínio exclusivo do responsável, exceto no que seja estritamente necessário para cobrir os acessos ao imóvel; zona de digitação de códigos de caixas multibanco ou outros terminais de pagamento ATM; o interior de áreas reservadas a clientes ou utentes onde deva ser respeitada a privacidade, designadamente instalações sanitárias, zonas de espera e provadores de vestuário e interior de áreas reservadas aos trabalhadores, designadamente zonas de refeição, vestiários, ginásios, instalações sanitárias e zonas exclusivamente afetas ao seu descanso).
Este diploma não define a licitude ou ilicitude da recolha ou utilização das imagens, sendo que a existência ou inexistência da licença concedida pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) para a colocação de câmaras de videovigilância só poderá integrar um desrespeito pela legislação de protecção de dados – cf. Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado, em anotação ao artigo 167.º, Almedina, pag. 702).
Por fim, a Portaria 292/2020, de 18 de Dezembro, veio proceder à segunda alteração à Portaria n.º 273/2013, de 20 de Agosto (alterada pela Portaria n.º 106/2015, de 13 de Abril), que regula as condições específicas da prestação dos serviços de segurança privada, o modelo de cartão profissional e os procedimentos para a sua emissão e os requisitos técnicos dos equipamentos, funcionamento e modelo de comunicação de alarmes, implementando a regulamentação dos procedimentos de registo dos sistemas de videovigilância, previstos no artigo 28.º da citada Lei 34/2013.
Deste quadro legal resulta, cremos que sem dúvidas, a admissibilidade do uso de sistemas de videovigilância, nomeadamente com registo de imagem, com as finalidades e nos locais ali definidos – como é o caso do local ora em causa neste recurso.
No caso dos autos, foram utilizadas as imagens recolhidas pelo sistema de câmaras de videovigilância instaladas numa parte interior de um estabelecimento bancário, incidindo as câmaras sobre um espaço de acesso livre a clientes e a demais utilizadores das caixas multibanco ali instaladas (não constando que se encontrassem direccionadas para esses máquinas), não estando em causa local privado ou de acesso restrito ou, tão pouco, local onde normalmente sejam levados a efeito actividades ou actos do foro da intimidade de quem ao mesmo acede sendo que através dessas imagens se conseguiu obter a identificação arguido.
Constitui jurisprudência pacífica o entendimento de que não consubstancia prova proibida aquela que foi obtida através de videovigilância quando este sistema mecânico tenha por finalidade a protecção do património perante situações de tentativa de furto, e não esteja colocado em local privado ou em local parcialmente restrito mesmo que não esteja licenciado pela CNPD – neste sentido e por todos cf. os Acs. do STJ de 28-09-2011, proc. n.º 22/09.6YGLSB.S2, de 28-04-2022, proc. n.º 397/21.9GBABF.S1 e 02-12-2021, proc. 7/12.5JALRA.C1.S2, em www.dgsi.pt; desta Relação de 16-01-2013, proc. n.º 201/10.3GAMCD.P1 e de 15-12-2021, proc. n.º 515/10.2TBGMR-D.P1, ambos em jurisprudencia.csm.org.pt/ecli e ainda de 27/01/2021, proc. n.º 22/19.8P6PRT.P1, em www-dgsi.pt; da RLx de 10-05-2016, prov. n.º 12/14.7SHLSB.L1.L1-5; da RC de 20-09-2017, proc. n.º 167/15.3PBVFX.C1; da Rev. de 24-12-2012, proc. n.º 932/10.8PAOLH.E1, em www.dgsi.pt.
Na verdade, ainda que não tivessem sido cumpridos os formalismos para a sua instalação e utilização, este circunstancialismo não torna a gravação ilícita, nos termos da lei penal, uma vez que, de acordo com a Lei n.º 67/98, só o não cumprimento intencional das obrigações relativas à protecção de dados, designadamente a omissão das notificações ou os pedidos de autorização a que se referem os artigos 27.º e 28.º, constituem o crime da previsão do art. 43.º dessa lei, daí que a jurisprudência dos nossos tribunais venha entendendo que a falta de licenciamento da CNPD não impede que as imagens possam ser usadas como meio de prova.
E no que toca à falta de autorização do ou dos visados, susceptível de conduzir a uma violação do direito à imagem, a ilicitude penal depende do preenchimento dos elementos típicos do crime previsto no artigo 199.º, do Código Penal.
Quanto a este aspecto vem sendo entendido, de forma unânime, que quando as filmagens estão enquadradas em lugares públicos e visem a realização de interesses públicos, designadamente prevenção criminal, existe justa causa nesse procedimento, até por exigências de eficiência da justiça, o que afasta a ilicitude da sua captação, tanto mais que não são atingidos dados sensíveis da pessoa visionada, que é vista a circular em local público.
A utilização da gravação, em ofensa daquele direito à imagem, para realização de finalidades que visam a eficiência da justiça, justifica-se nestes casos com apelo ao princípio da proporcionalidade entre os bens jurídicos em confronto, devendo prevalecer a realização da justiça sobre o direito à imagem, afectada em medida pouco relevante quando o que é revelado é o titular em local público.
A ilicitude da utilização das imagens é afastada por uma causa de justificação, que numa perspectiva de unidade da ordem jurídica encontra apoio, também, no art. 79.º/2, do Código Civil, em relação a situações de falta de consentimento do visado, desde que exista uma justa causa nesse procedimento, designadamente, quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou que hajam ocorrido publicamente.
Assim sendo, conclui-se que as imagens obtidas através do sistema de camaras de videovigilância instaladas no estabelecimento bancário em causa nos autos, foram captadas em local de acesso ao público, não tendo existido qualquer intromissão no “núcleo duro” da vida privada do arguido, justificando-se plenamente a sua obtenção e a sua utilização, como aconteceu, para a prova da prática do crime de furto qualificado na forma tentada perpetrado pelo arguido, até porque estamos perante uma utilização de imagens que não afrontam direitos fundamentais que possam contender directamente com a garantia da dignidade da pessoa, e que não constituem meios de prova proibidos nos termos do artigo 126.º/3, do C.P.P.
Ponderando também os interesses em conflito (a inviolabilidade das imagens obtidas e a punição do culpado), entende-se não existir fundamento legal para considerar que a prova obtida através dos sistemas de videovigilância é nula – neste sentido cf. por todos Ac. STJ de 31/01/2008, Proc. nº 06P4805, e o Ac. STJ de 03/03/2010, Proc. nº 886/07.8PSLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt
Pelo exposto improcede o recurso também neste segmento.

4.2. Da violação de direitos fundamentais.
Alega ainda o arguido que ter existido violação do n.º 1, do art. 26.º da Constituição da República, constituindo provas que são nulas, por terem sido obtidas mediante a intromissão abusiva na vida privada do visado, à qual é imanente o direito à imagem (art. 32º, nº 8, da Constituição da República, e arts. 118º, nº 3, 125º, 126º, nº 3, e 167º, todos do CPP).
Nos termos do preceituado no artigo 125.º do CPP são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.
As proibições de prova são verdadeiras limitações, ou prescrições de limite, à descoberta da verdade material. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 2008, 4ª edição, vol. II, pág. 138), “É manifesto que com a proibição de prova se pode sacrificar a verdade, já que a prova proibida, seja qual for a causa da proibição, pode ser de extrema relevância para a reconstituição do facto histórico, pode mesmo ser a única. Um facto pode ter de ser julgado como não provado simplesmente porque o meio que o provaria não pode ser utilizado no processo, porque é um meio de prova proibido e, por isso, não admissível para formar a convicção do julgador. Simplesmente (…) não se propõe a busca da verdade absoluta e por isso não se admite que a verdade possa ser procurada, usando de quaisquer meios, mas tão-só através de meios justos, ou seja, de meios legalmente admissíveis.”.
Como refere Carlos Adérito Teixeira (Escutas Telefónicas: A Mudança de Paradigma e os Velhos e os Novos Problemas, Revista do C.E.J., 1º Semestre 2008, n.º 9 (Especial) – Jornadas sobre a revisão do Código de Processo Penal, pág. 292 e 293) “(…) as proibições de prova são invalidades que dispõem de uma causa específica (vício) e de um efeito específico (consequência): ao nível da causa, representam limitações à descoberta da verdade material por a sua violação constituir colisão de direitos fundamentais ou de (…) garantias de defesa do arguido; ao nível do efeito, as provas proibidas estão atingidas por uma inutilizabilidade, quer endoprocessual originária quer externa.”.
A lei processual penal, no artigo 118.º, reporta-se ao princípio da legalidade que consagra no domínio da violação ou inobservância das suas disposições, ressalvando expressamente do regime das nulidades as normas relativas a proibições de prova.
O artigo 126.º, do Código de Processo Penal, traduzindo o artigo 32.º/8, da Constituição da República Portuguesa, disciplina nos seus n.ºs 1 e 2, as provas absolutamente proibidas e no n.º 3, as provas relativamente proibidas. As primeiras nunca podem ser utilizadas e as segundas podem ser utilizadas nos casos previstos na lei, ou seja, desde que respeitadas as regras estabelecidas na lei para a “invasão” dos direitos tutelados, isto é, desde que respeitadas as regras da sua admissibilidade.
O artigo 26.º/1, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Outros direitos pessoais”, dispõe que “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.”.
No direito à imagem está implícito, designadamente, o direito de cada um a não ser fotografado ou filmado sem o seu consentimento.
Contudo, a própria Lei Fundamental, no seu artigo 18.º/2, admite a restrição dos “direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Quer isto dizer que a própria lei fundamental admite excepções e uma delas decorre da estatuição do artigo 167.º, do Código de Processo Penal:
“1. As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.
2. Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título III deste Livro.”.
Por sua vez estatui o artigo 199.º do CP, sob a epígrafe “Gravações e fotografias ilícitas”, que:
“1. Quem sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
(…)”
Do que se expôs até ao momento resulta que o regime da legalidade da prova, ao estabelecer proibições de produção ou valoração da mesma, comprime o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, já que tratando-se de prova proibida, a mesma deve ser oficiosamente reconhecida e declarada em qualquer fase do processo, originando nulidade insanável, a par daquelas que expressamente integram o catálogo do artigo 119.º, do Código de Processo Penal.
Nesta sede e para apreciação da questão que ora nos ocupa revela especial interesse o que se escreveu no Ac. do T.C. de 187/2001, de 2 de Maio (cf. tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20010187.html), em desenvolvimento do Ac. n.º 634/93 (cf. também Ac. n.º 632/2008, de 23 de Dezembro (http://bdjur.almedina.net/): “o princípio da proporcionalidade, em sentido lato, desdobra-se “em três subprincípios: da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)”. Há, assim, três exigências na relação entre as medidas e os fins prosseguidos. Como se afirmou no acórdão n.º 1182/96, “num primeiro momento perguntar-se-á se a medida legislativa em causa […] é apropriada à prossecução do fim a ela subjacente”; de seguida, “haverá que perguntar se essa opção, nos seus exactos termos, significou a «menor desvantagem possível» para a posição jusfundamental decorrente do direito […]”; finalmente, há que “pensar em termos de «proporcionalidade em sentido restrito», questionando-se «se o resultado obtido [...] é proporcional à carga coactiva» que comporta”.
Assim, o legislador constitucional, face à necessidade de salvaguardar interesses e valores igualmente merecedores de tutela, afasta uma leitura fundamentalista dos direitos da personalidade, que deixaria desprotegida a comunidade perante as exigências de perseguição de uma criminalidade cada vez mais organizada e eficiente na prossecução dos seus propósitos, admitindo alguma restrição a esses direitos.
Como consta do Ac. STJ de 26/03/2014 (proc. n.º 15/10.0JAGRD.E2.S1, www.dgsi.pt), “(…) é nítido o diferente recorte que assumem, no preceito citado, e em termos de tonalidade ético-normativa, a proibição de provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física, ou moral, das pessoas em relação àquelas que têm por fundamento a intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Se, na primeira hipótese, estamos perante uma proibição absoluta, insusceptível de qualquer concessão, pois que está em causa o próprio núcleo dos direitos de personalidade, já no segundo caso é a própria norma -ao referir os casos ressalvados na lei - que admite a compressão de direitos constitucionais, porquanto tal é razoável e admissível, numa lógica de proporcionalidade, é e exigido pelo próprio interesse do Estado no funcionamento da justiça penal.
Ora, no caso concreto, na ponderação entre o nulo ou, quando muito, reduzido legítimo interesse privado do arguido na não captação da sua imagem e o interesse da prossecução criminal, cremos que se tem de decidir, necessariamente, pela prevalência deste último interesse, de natureza pública. Esse conflito de interesses não tutela prevalentemente o interesse privado do arguido, tanto mais que quando a sua imagem é captada se encontra em local onde, por lei, se deve assegurar a existência de um sistema e medidas de segurança específicas que incluem a instalação de um sistema de videovigilância e a existência de uma central de controlo, receptora de sinais de alarme e de videovigilância, em ordem a assegurar, de forma plena, quer a segurança das pessoas que acedem à instituição bancária, quer dos bens (de valor naturalmente significativo) que ali se encontram.
Na verdade, a captação de imagens de um eventual suspeito, nas circunstâncias como aquelas em que foram recolhidas nos autos, constitui um meio necessário e apto a repelir a eventual agressão ilícita não só da propriedade da instituição bancária ofendida mas também a de todos os cidadãos que aí depositaram valores.
Acresce que, a obtenção de imagens nas circunstâncias em apreço também não constitui qualquer crime de devassa contra a vida privada (previsto no artigo 192.º do C.P.) uma vez que com estes ilícitos pretende-se tutelar apenas o núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas, o que não é manifestamente o caso da situação que nos ocupa.
Como referimos já as imagens do arguido não foram registadas no contexto da esfera privada e íntima deste e o que é constitucionalmente protegido é, apenas, a esfera privada e íntima do indivíduo. A gravação em causa, por todas as razões já invocadas, não contende minimamente nem com uma nem com outra.
Nesta conformidade, pode-se concluir que, no caso em apreço, a obtenção de imagens do arguido através do sistema de videovigilância e a sua utilização e bem assim os fotogramas obtidos através de tal sistema não diz respeito ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa visionada, não violando, por isso, qualquer disposição da lei fundamental.
Improcede, pois, o recurso também neste segmento.

5. Impugnação da matéria de facto.
5.1. É sabido que em face do nosso quadro normativo, a decisão da primeira instância pode ser modificada (artigo 431.º/b) por duas vias diferentes:
Ou através da invocação dos vícios referenciados no artigo 410.º/2 do CPP (a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova, onde, consabidamente, se vem inserindo a violação do princípio in dubio pro reo), vícios, aliás, de conhecimento oficioso, no que se vem denominando de “revista alargada”.
Ou mediante o que se vem denominando de “impugnação ampla”, procedendo-se à invocação de erros de julgamento, de harmonia com o estatuído no artigo 412.º/3 e 4 do mesmo diploma.
No caso dos vícios do artigo 410.º/2 do CPP estamos perante vícios da decisão, sendo que qualquer das situações aí mencionadas se traduzem em deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspectiva interna, não sendo por isso o domínio adequado para discutir os diversos sentidos a conferir à prova.
Qualquer um dos vícios previstos no n.º 2 do referido artigo 410.º do CPP, é inerente ao silogismo da decisão e apenas dela pode ser apurado em face da mesma - não sendo possível o recurso a outros elementos que não o texto da decisão, para sua afirmação - ainda que conjugado com as regras da experiência - sendo a consequência lógica e imediata, da sua existência, salvo o caso de ser possível conhecer da causa, o reenvio do processo, nos termos do estatuído no artigo 426.º CPP.
Na sequência lógica destes pressupostos, a sua emergência, como resulta expressamente referido no artigo 410.º/2 CPP, terá que ser detectada do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum.
Em sede de apreciação dos vícios do artigo 410.º do CPP, não está em causa a possibilidade de se discutir a bondade do que se considerou provado ou não provado, a maior ou menor abundância de prova para sustentar um facto.
Qualquer dos vícios do artigo 410.º/2 C P Penal, pressupõe uma outra evidência, não podendo ser confundidos com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão tomada em sede de matéria de facto, nem podem emergir da mera divergência entre a sua convicção pessoal sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127.º do CPP.
Contudo e, uma vez que, os vícios do artigo 410.º/2 CPP são do conhecimento oficioso por parte do Tribunal (sendo que, no caso concreto, nenhum desses vícios foi invocado pelo recorrente), sempre diremos que da leitura da decisão recorrida, designadamente dos segmentos dos factos provados e não provado e da motivação, concatenada com as regras da experiência comum - pois que de outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se - não se vislumbra que se patenteie a ocorrência de qualquer dos vícios previstos naquela norma legal.
Com efeito, não se evidencia,
- insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, pois não se vê que matéria de facto, com utilidade e pertinência, poderia o tribunal, mais ter averiguado,
- contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, já que não se descortina a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição,
- erro notório na apreciação da prova, pois que não existem pontos de facto fixados na decisão recorrida, manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum.

5.2. No caso dos autos, alega o recorrente ter havido erro de julgamento, defendendo que não devia o Tribunal ter dado como provados os factos vertidos nos pontos 9. a 18. da matéria de facto dada como provada, mais concretamente relativamente aos factos atinentes ao dia 16 de Junho de 2020 e à Banco 1....
Antes de avançarmos na consideração mais aprofundada desta temática, justifica-se fazer um breve parêntesis aos poderes conferidos às Relações em termos de modificação da matéria de facto apurada em 1.ª instância.
É que não se trata, como à primeira vista poderia resultar de uma leitura mais imediata dos correspondentes preceitos processuais, de poderes que traduzam um conhecimento ilimitado dessa mesma factualidade.
Para isso concorre, essencialmente, a concepção adoptada no nosso ordenamento adjectivo que concebe os recursos como “remédio jurídico” para os vícios de julgamento, ou se se quiser, o seu entendimento como juízos de censura crítica e não como “novos julgamentos”, bem como ainda, as decorrências do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 127.º do CPP e bem assim o natural privilegiamento que compreensivelmente se há-de conferir à decisão que foi proferida numa relação de maior imediação e proximidade com a sua própria produção.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (cfr., por todos, os acs. do STJ, de 14-03-2007, proc. nº 07P21; de 23-05-2007, proc. nº 07P1498; ac. RC de 09-09-2009, proc. n.º 112/08.2GDCBR.C1; da Relação de Lisboa, de 16-11-2021, proc. n.º 1229/17.8PAALM.L1-5; Ac. RE de 13.01.2011, proc. n.º 4/10.5GCSLV.E1, todos em www.dgsi.pt; e Ac. RP de 26-04-2021, proc. n.º 898/20.6T8PNF.P1 em jurisprudencia.csm.org.pt.)
Havendo versões diferentes e mesmo antagónicas sobre os factos, inexistindo a possibilidade de a final se chegar a uma solução intermédia, pois que ambas as teses em confronto, mutuamente se excluem, apenas uma delas se poderá ter como “verdadeira”, entendendo-se por esta expressão, uma versão processualmente estabelecível por meios probatórios válidos e não a uma “verdade ontológica”, porque impossível ao julgador.
Por via de regra, o tribunal de recurso não vai à procura de uma convicção autónoma fundada na sua própria interpretação da prova, mas antes verificar se a factualidade definida na decisão em apreciação se mostra adequadamente ancorada na análise crítica efectuada das provas.
Da mesma maneira, a alteração solicitada em recurso de um qualquer facto só é de proceder, quando de forma clara e convincente o juízo alternativo apresentado sobre a sua definição como provado ou não provado, evidencie o seu melhor fundamento em relação ao apresentado pela instância.
A questão, suscitada pelo recorrente, nesta sede, tem, desde logo, subjacente o controlo sobre a admissibilidade e valoração dos meios de prova de que depende em última análise, a fixação dos factos materiais da causa.
À pergunta sobre o que significa, negativa e positivamente, a livre apreciação da prova, ou, o que é o mesmo, valoração discricionária ou valoração da prova segundo a livre convicção do julgador, responde o Prof. Figueiredo Dias, “(…) significa, negativamente, ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova; mas qual o seu significado positivo? Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma motivação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida; se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionaridade (como já dissemos que a tem toda a discricionaridade jurídica) os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados; a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo, possa embora a lei renunciar à motivação e o controlo efectivos” - cf. Direito Processual Penal, 202/203.
“Livre apreciação da prova não é, portanto, livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela objectivável e motivável; já se vê, assim, que sendo a dúvida que legitima a aplicação do princípio in dubio pro reo, obviamente, a que obsta à convicção do juiz, tal dúvida não pode ser puramente subjectiva, antes tem de, igualmente, revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável”, no dizer no já longínquo mas ainda actual Ac. STJ de 04-11-1998, CJ STJ, III, 209.
Como se refere no Ac. de 25-02-99 do mesmo Colendo Tribunal (proc. n.º 98P1458, www.dgsi.pt), “A melhor interpretação do artigo 127.º do Código de Processo Penal assenta no seguinte ensinamento de Figueiredo Dias:
"Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica e se uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bem fundado da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal - até porque nela desempenha uma função de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais - mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.
Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável" (v. Direito Processual Penal, I, 205).
Por outro lado, também o Tribunal Constitucional (ac. TC 1166/96 de 19-11-1996, in D.R., II, 06-02-97, debruçando-se sobre o artigo 127.º do Código de Processo Penal, concluiu que "a regra da livre apreciação de prova em processo penal não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância às regras da experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controle".
“Embora os meios de prova produzidos não estejam sujeitos a qualquer regime de prova legal, mas antes à livre apreciação do tribunal, a verdade é que livre apreciação não significa pura convicção subjectiva, mas sim “convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. E uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável; não se tratará, pois, de uma mera opção voluntarista pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos “a posteriori” tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”. – Cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 125.
A circunstância de o tribunal, perante duas versões distintas, dar crédito a uma em detrimento da outra, ou entender que ambas merecem o mesmo crédito, tem a ver com o exercício do princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual o julgador deve proceder à avaliação e ponderação dos meios de prova sem vinculação a um quadro pré-definido de valoração das provas, sujeito apenas às regras da experiência comum e ao dever de dar explicação concisa das razões da relevância atribuída à cada prova e do percurso racional que levou à decisão tomada.
Se assim é, se o Tribunal da Relação não procede a um segundo julgamento de facto, pois que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, não pressupõe a reanálise pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzida, mas tão-só o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido mencionados no recurso e das provas, indicadas pelo recorrente, que imponham (e não apenas, sugiram ou permitam) decisão diversa, estamos perante uma reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o mesmo entende incorrectamente julgados e às razões dessa discordância.
Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas uma panaceia a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª Instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível), ou entendeu não poder considerar qualquer delas como suficiente para formar uma convicção clara e inequívoca.
De resto, a consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, pode vir a transformar o julgamento na 2ª instância, num jogo de palavras vazio do pulsar da vida, da percepção dos sentidos e sentimentos.
Na verdade, não podemos esquecer que, ao apreciar a matéria de facto, o Tribunal da 2ª Instância está condicionado pelo facto de não ter com os participantes do processo, aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão. Só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais, podendo o Tribunal de Primeira Instância apreciar não só as declarações e depoimentos verbais, mas toda a linguagem não verbal que os acompanha (trejeitos faciais, silêncios, vacilações, gestos involuntários, entoações de voz, postura corporal), muitas vezes bem mais reveladora dos que os primeiros.
Esta relação estabeleceu-se com o Tribunal de 1ª Instância e daí que a alteração da matéria de facto fixada, deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo funcionamento do princípio da imediação.
Ao tribunal de recurso cabe apenas “…aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significara que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” - Paulo Saragoça da Matta, A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença, in “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253.

5.3. Pretende o recorrente impugnar o julgamento sobre a matéria de facto nos termos prescritos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP.
Nesta situação a apreciação do Tribunal ad quem alarga-se à análise da prova produzida em audiência, mas com os limites impostos pela norma invocada.
Nos termos deste preceito,
“1 - A motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta nos termos do nº 2 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

6 - No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
Assim, nos termos do normativo acabado de citar, incumbe sobre o recorrente que pretende impugnar amplamente a matéria de facto “o ónus de uma tripla especificação, a saber: a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; a especificação das provas que devem ser renovadas [esta, nos termos do art. 430º, nº 1 do C. Processo Penal, apenas quando se verificarem os vícios da sentença e existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio], acrescendo, relativamente às concretas provas, que quando tenham sido gravadas, as duas últimas especificações devem ser feitas por referência ao consignado na acta, com a concreta indicação das passagens em que se funda a impugnação, devendo todas estas especificações constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas…” - cf. Ac. do TRC de 06-07-2016, proc. n.º 340/08.0PAPBL.C1, www.dgsi.pt.
Em síntese, o recorrente tem o ónus de expressamente indicar, de acordo com o disposto no artigo 412.º/3, do CPP:
i) Os factos individualizados que constam da sentença recorrida e que considera incorretamente julgados;
ii) O conteúdo específico do meio de prova e com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida; e
iii) Se for caso disso, os meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, no âmbito dos vícios previstos no artigo 410.º/2, do CPP, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. o artigo 430.º/1, do CPP).
No que tange às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente o ónus de, havendo gravação das provas, as mesmas deverem ser efetuadas com referência ao consignado na ata (caso funde as razões da sua discordância em prova gravada), com a concreta indicação das passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, não bastando a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos, pois são essas concretas passagens que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes, nos termos dos nºs 4 e 6 do artigo 412.º, do CPP.
Por outro lado, a procedência da impugnação, com a consequente modificação da decisão sobre a matéria de facto, não se satisfaz com a circunstância de as provas produzidas possibilitarem uma decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo. Este decide, salvo existência de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção, e por isso, não é suficiente para a pretendida modificação da decisão de facto que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diferente da proferida pelo tribunal, sendo imprescindível, para tal efeito, que as provas especificadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida.
E a demonstração desta imposição recai igualmente sobre o recorrente, que deve relacionar o “conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 1135).
Como se refere no ac. do TRC de 12-07-2023 (proc. n.º 982/20.6PBFIG.C1, www.dgsi.pt) a impugnação alargada não se satisfaz com “mera discordância do recorrente quanto à valoração feita pelo tribunal recorrido quanto à prova produzida, contrapondo apenas os seus argumentos, críticas, a negação dos factos, suscitando dúvidas – próprias que não do julgador - e não analisando o teor dos depoimentos das indicados nas respetivas passagens da gravação, indicando por que tal facto ou factos devem ser dados como provados ou não provados.”
Não obstante, cumpre aqui introduzir uma distinção deveras relevante e, muitas vezes olvidada. Se o recorrente impugna a matéria de facto com o fundamento em que a prova produzida é insuficiente para sustentar uma condenação, que não foi produzida prova com base na qual o Tribunal possa concluir, sem dúvidas, pela culpabilidade do agente, não se lhe pode exigir, naturalmente, que indique, especificadamente, as provas que imponham uma decisão diferente. Como refere Sérgio Gonçalves Poças (Processo Penal, Quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, in Julgar, n.º 10, 2010, pag. 33) “De facto, no caso de não ter havido quaisquer outras provas para além das indicadas na motivação da decisão, em minha opinião, o procedimento descrito será normal. O recorrente não pode indicar outras provas — que não existem — que imponham decisão diversa, mas pode defender que aqueles depoimentos impõem decisão diversa da recorrida. Como nos parece evidente, o recorrente ao questionar a valoração da prova levada a cabo pelo tribunal está verdadeiramente a impugnar a matéria de facto, apesar de não estar a indicar outras provas que impõem decisão diversa. Aliás o recorrente pode/deve indicar outras passagens dos depoimentos daquelas testemunhas (das mesmas testemunhas) dos quais, em seu entender, se deve concluir com segurança, que o tribunal decidiu mal na valoração que fez daqueles depoimentos. Cada caso tem de ser analisado com ponderação, sob pena de se cair no logro de dizer, em situações como a descrita que o recorrente não impugnou validamente a decisão da matéria de facto quando verdadeiramente o fez.”
No caso dos autos o recorrente não especificou os factos individualizados que constam da sentença recorrida e que considera incorretamente julgados, antes tendo indicado, em bloco os factos vertidos sob os pontos 9. a 18. da matéria de facto dada como provada. Não obstante, das alegações apresentadas é perfeitamente perceptível a factualidade concreta que pretende impugnar o recorrente, que nega ter cometido o furto na forma tentada atinente à Banco 1... E daí ter remetido para todos os pontos da factualidade dada como provada referentes à dita Banco 1... Assim, ainda que de forma deficiente, cremos encontrar-se cumprido o primeiro dos ónus que recai sobre o recorrente nesta sede.
Prossegue o recorrente fazendo referência ao depoimento de uma testemunha, que não identifica, alegando que a mesma refere que “é possível que seja a hora da ocorrência”. Ora o arguido não especificou, citou, transcreveu e localizou no suporte da gravação digital os excertos do depoimento em causa (para além de não ter identificado, sequer a testemunha) – ou de qualquer outra prova pessoal - que entende imporem decisão diversa da recorrida, sendo que não vale, para os efeitos pretendidos, remeter para a análise crítica da prova e para o comentário, crítico, que dela faz, ele próprio.
Necessário era identificar, concretizar, localizar os concretos excertos da prova pessoal, primeiro e, depois, analisá-los de forma a justificar a sua pretensão de alteração do sentido do decidido.
O que o arguido definitivamente, não fez, acabando por transcrever, em abono da sua pretensão, o que consta da fundamentação da matéria de facto e que, de alguma forma, o pudesse favorecer, esquecendo-se estrategicamente da demais prova pessoal referenciada pelo Colectivo. Assim, e quanto à prova pessoal, forçoso é concluir não ter o arguido cumprido minimamente os ónus a que está sujeito ao impugnar a matéria de facto.
Sempre se dirá, contudo, e de forma a não restarem quaisquer dúvidas, que não tem qualquer correspondência com a realidade a alegação feita pelo recorrente de que não se sabe qual a hora da ocorrência concretamente. O Tribunal explicou, com absoluta clareza, que a hora da ocorrência se extrai da comunicação proveniente da Central de Alarmes (Relatório Técnico de Verificação de Sistema de Intrusão, constante de fls. 13 dos autos). Prova que em nada é beliscada pela circunstância de dada testemunha ter referido “é possível que seja a hora da ocorrência”, sendo perfeitamente descabida a conclusão do recorrente de que, face a tal afirmação, o Tribunal desconhece a hora da ocorrência.
Seguidamente, centra o recorrente a sua discordância relativamente ao decidido com base nos fotogramas extraídos das filmagens do sistema de videovigilância.
Alega que:
- as fotografias juntas aos autos são retiradas durante o dia e não durante a noite, conforme é possível verificar, pelo que, a não ser que o assalto ocorresse durante o dia desconhece-se o momento em que foram tiradas e por quem;
- não é visível o rosto do sujeito nos fotogramas juntos aos autos e nas considerações finais do relatório de visionamento consta que “Não foi possível visualizar o individuo a efectuar o dano, pois, o local onde o ilícito ocorreu corresponde a uma zona de “ângulo morto” que a câmara de videovigilância não capta”;
- não foi efetuado o reconhecimento do arguido nas fotografias constantes dos autos, pelo que não se pode afirmar que é ele.
Também aqui carece, em absoluto, de razão o recorrente.
Em primeiro lugar desconhece-se o que o leva a afirmar que as fotogramas em causa (e não fotografias) se reportam a filmagem efectuada durante o dia. Tal afirmação não se encontra minimamente sustentada por qualquer prova, aliás não indicada pelo recorrente, pelo que é ilegítima a conclusão por ele retirada de que as filmagens não se reportam ao crime em causa nos autos.
A asserção de que não é visível o rosto do sujeito nos fotogramas juntos aos autos é contrariada na análise crítica da prova, aí se tendo referido ser visível o arguido nos fotogramas em causa. Aliás, vistos os ditos fotogramas, não podemos concluir que o rosto da pessoa que neles aparece não seja “visível”.
Quanto ao ponto 4. das Considerações Finais do Relatório de Visionamento, do mesmo constando que “Não foi possível visualizar o individuo a efectuar o dano, pois, o local onde o ilícito ocorreu corresponde a uma zona de “ângulo morto” que a câmara de videovigilância não capta” apenas se pode retirar isso mesmo: que não é possível visionar o arguido forçando a fechadura da porta. O que não significa, naturalmente, que o não tenha feito. Aliás constituiria erro notório na apreciação da prova não concluir dessa forma tendo presente que era o arguido a única pessoa que, no momento, se encontrava no local.
Finalmente, embora não se perceba claramente o alcance e significado da alegação de que “não foi efetuado o reconhecimento do arguido nas fotografias constantes dos autos”, mais uma vez se repete, que o Tribunal a quo identificou o arguido como sendo o sujeito a que se reportam os fotogramas juntos aos autos. Assim como foi reconhecido pela testemunha EE, militar da GNR, em termos que não suscitaram dúvidas aos julgadores.
Destarte, cumpre concluir pela total improcedência do recurso.

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III. Decisão

Nos termos e com os fundamentos mencionados, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, AA, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
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Taxa de justiça pelo arguido, que se fixa em 4 Ucs – artigos 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal e artigo 8.º/9 do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, por remissão para a tabela III ao mesmo anexa.
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Notifique.
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Porto, 16-10-2024

Elaborado e integralmente revisto pela relatora, nos termos do artigo 94.º/2 do CPP.
Assinado digitalmente pela relatora e pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos.

Maria João Lopes
Francisco Mota Ribeiro
Carla Carecho