I - Transitada em julgado a sentença homologatória de acordo das partes, em que estas acordaram sobre todas as questões necessárias à concretização da partilha dos bens comuns em processo para separação de meações, como seja o valor do bem imóvel a partilhar, a sua adjudicação ao cabeça de casal e a forma e prazo de pagamento das tornas devidas pelo cabeça de casal à requerente, nenhum obstáculo legal existe a que seja observado o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 8º-B, do Código do Registo Predial em conjugação com o previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do mesmo diploma e, pelo contrário, impende sobre o tribunal o dever de promover esse registo.
II - O pagamento das tornas mediante transferência bancária é um modo tão seguro e inequívoco de comprovação do pagamento como o depósito.
III - Não comprovando o devedor das tornas a transferência bancária do montante em dívida para a conta identificada no acordo judicialmente homologado, a credora das tornas tem direito a requerer que se proceda no processo de separação de meações à venda do bem que foi adjudicado ao devedor até onde seja necessário para o seu pagamento.
Sumário do acórdão proferido no processo nº 57/12.1TBCPV-B.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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1. Relatório
Em 11 de janeiro de 2022, por apenso ao processo nº 57/12.1TBCPV-B.P1, pendente no Juízo de Competência Genérica de ..., Comarca de Aveiro, com apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, AA instaurou ação especial para separação de meações contra BB.
Para tanto alega que casou com o requerido em 05 de dezembro de 1981, sem convenção antenupcial, casamento dissolvido por divórcio decretado por sentença de 15 de maio de 2012, já transitada em julgado; existem bens comuns do dissolvido casal por partilhar, sendo o requerido o ex-cônjuge mais velho.
BB foi nomeado cabeça de casal e, citado, prestou declarações e após duas prorrogações do prazo ofereceu relação de bens.
Por despacho proferido em 11 de maio de 2022 o cabeça de casal foi notificado para apresentar nova relação de bens corrigida e variada documentação.
O cabeça de casal ofereceu nova relação de bens e um documento.
Em 11 de outubro de 2022, a requerente reclamou contra a relação de bens negando a existência de qualquer crédito do património comum de que a requerente seja devedora, negou ter na sua posse alguns dos bens móveis relacionados, impugnou o valor de alguns dos bens móveis que reconheceu estarem na sua posse, arguiu a falta de relacionação de variados bens móveis, negou a dívida passiva relacionada pelo cabeça de casal e requereu que se reconheça o crédito da requerente sobre o cabeça de casal no montante de €25.575,00, acrescido das rendas vencidas desde a entrada da ação.
O cabeça de casal respondeu à reclamação contra a relação de bens pugnando pela sua total improcedência,
Em 19 de janeiro de 2023 foi proferido despacho[1] de não reconhecimento do crédito do património comum sobre a interessada AA referente a um levantamento no montante de € 16 360,00 da conta conjunta do casal, indeferiu-se a reclamação contra a relação de bens na parte em que impugnou o valor de vários bens móveis, bem como na parte em que reclamou créditos sobre o cabeça de casal por este fruir da casa de morada de família e a reclamante ter de pagar renda pela casa onde habita, designando-se dia para produção de prova.
Em 14 de março de 2023 produziu-se prova pessoal.
Em 27 de março de 2023 foi proferida decisão final[2] fixando o valor do incidente no montante de € 57 670,00 e que terminou com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, julga-se a reclamação contra a relação de bens apresentada pela interessada AA parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, determina-se:
a) A eliminação das verbas n.º 2 e 3 da relação de créditos do património comum sobre a interessada AA;
b) A eliminação da verba única da relação de dívidas – dívida passiva sobre a meação da requerida AA, no valor de € 60.000,00 (sessenta mil euros);
c) A inclusão, na relação de bens, de todos os bens móveis identificados no facto provado n.º 7.
Improcede, no mais, a reclamação contra a relação de bens.
Custas processuais devidas pelo incidente pelo cabeça-de-casal e pela reclamante, na proporção do vencimento, que se fixa em 85% e 15% respetivamente”.
Realizou-se perícia singular requerida pelo cabeça de casal ao único imóvel relacionado, sendo em 29 de agosto de 2023 junto aos autos o relatório pericial.
Em 13 de dezembro de 2023 realizou-se conferência de interessados, tendo as partes celebrado transação com o seguinte teor:
“I
As partes acordam em eliminar os bens móveis constantes das verbas nºs 2 a 20 da relação de bens, declarando que cada um dos interessados ficará com os bens que estão na sua posse;
II
A verba nº 21 (imóvel) é adjudicada ao cabeça de Casal BB, pelo valor € 120.000,00 (cento e vinte mil euros);
III
Mais acordam que as tornas devidas à interessada AA, no valor de € 60.000,00 (sessenta mil euros), serão pagas em duas prestações, por transferência bancária para o IBAN ...05, sendo a 1ª prestação no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) paga até ao dia 20/12/2023, e a 2ª prestação, no valor de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) paga até ao dia 29/02/2024;
IV
Os interessados declaram nada mais terem a haver um do outro, na sequência do divórcio e respetivo inventário.”
Logo de seguida foi proferida sentença homologatória da transação[3].
Em 20 de dezembro de 2023, BB veio comprovar o pagamento da primeira prestação de tornas à requerente do inventário.
Em 26 de fevereiro de 2024, BB ofereceu o seguinte requerimento:
“BB, com o sinal dos autos, vem requerer a Vª Exª a junção aos autos do comprovativo de haver efetuado, pessoalmente e junto da interessada, a devida comunicação do pagamento integral das tornas, através da comunicação da compensação entre o débito que possui para com a mesma e referente à segunda prestação de tornas que se venceria a 29 de Fevereiro de 2024, com o credito que acionou no âmbito do processo que está a correr termos pelo Tribunal da Comarca de Aveiro, Processo ...8/24.0T8AVR, Juízo Central Cível de ... – Juiz 1, para a qual a mesma foi citada em 19 de Fevereiro de 2024, efetuada por carta registada com A/R, datada de 21 de Fevereiro de 2024 e por ela efetiva e pessoalmente recebida a 26 de Fevereiro de 2024, pelo que e nos termos do disposto nos artigos 2º, al. a), 3º, nº 1, al. c), 8º-A, nº 1, al. a) e 8º-B, nº 3, al. a), todos do Código do Registo Predial, deve o Tribunal, porque sujeito obrigatório para proceder ao registo, oficiar à Conservatória do Registo Predial competente, a elaboração do respetivo registo de aquisição.”
Também em 26 de fevereiro de 2024, a requerente do inventário veio opor-se ao requerimento que precede, requerendo a venda do bem adjudicado ao devedor das tornas e até onde seja necessário para proceder a esse pagamento.
Em 06 de março de 2024 foi proferido o seguinte despacho[4]:
“Ref.ª citius 15789908
Requereu o cabeça de casal que fosse oficiada à Conservatória do Registo Predial competente a elaboração do registo de aquisição do imóvel que lhe foi adjudicado no âmbito do presente inventário.
A interessada AA opôs-se a tal pretensão, alegando que o cabeça de casal não procedeu ainda ao pagamento integral do valor que ficou obrigado a pagar-lhe a título de tornas.
Consigna-se que, na perspetiva do Tribunal, não há que apreciar se o montante acordado pelas partes a título de “tornas” foi integralmente pago pelo cabeça de casal, o que em nada influi na comunicação da decisão proferida nos autos ao registo.
Com efeito, tal matéria extravasa o âmbito do presente inventário, porquanto o mesmo terminou com a homologação da transação obtida pelos interessados, no âmbito da qual aqueles acordaram que o cabeça de casal ficaria com o imóvel que corresponde a verba 21 da relação de bens e pagaria à interessada AA, a título de compensação, a quantia de 60.000,00 €.
Nos casos em que os interessados decidem pôr termo ao processo de inventário por acordo (transação), a execução do mesmo não ocorre no mesmo processo, terminando este com a homologação judicial da transação obtida pelas partes.
Assim, não cabe ao Tribunal sindicar se os termos do acordo são ou não cumpridos e/ou executar a decisão, em caso de incumprimento.
Neste caso, não cabe, então, ao Tribunal (pelo menos não neste processo) apurar se a compensação pretendida pelo cabeça de casal é ou não válida ou eficaz.
Cabe, sim, ao Tribunal, promover o registo da decisão proferida nos autos, porquanto a mesma é constitutiva de um direito sujeito a registo (predial).
Assim, ao abrigo do disposto nos arts. 2.º al. a), 3.º n.º 1, al. c), 8.º-A n.º 1, al. a) e 8.º-B n.º 3, al. a) e 53.º-A, todos do Código do Registo Predial, comunique à Conservatória do Registo Predial Competente a decisão proferida nos autos, com cópia da ata de conferência de interessados.
Em resposta ao requerimento do cabeça de casal, veio a interessada AA, ao abrigo do disposto no art. 1122.º n.º 2 do Código de Processo Civil, requerer a venda do bem adjudicado ao cabeça de casal, até onde seja necessário para o pagamento das tornas que este alegadamente não liquidou.
Pelos motivos atrás expostos e pelos que infra se acrescentará, julga-se não ter tal pretensão cabimento legal.
Com efeito, conforme se disse, no caso de as partes lograrem obter transação que ponha termo ao litígio, o processo de inventário cessará com a sentença homologatória da transação, não tendo, pois, aplicação o disposto no art. 1122.º n.º 2 do Código de Processo Civil (tal como, por exemplo, não têm aplicação os arts. 1120.º e 1121.º do mesmo código).
No caso de uma transação nos termos em que foi celebrada nos presentes autos, os interessados acordam na aquisição do direito de propriedade de um bem por parte de um dos interessados, com a inerente obrigação de pagar um valor monetário a outro interessado.
Foi esta, claramente, a pretensão das partes vertida no acordo logrado e ditado para a ata na conferência de interessados, e foi nesse sentido que o mesmo foi homologado.
Tanto assim é que não se seguiram os ulteriores termos do processo de inventário (1120.º e seguintes), com o que os ilustres mandatários dos interessados concordaram.
Assim, tal acordo é homologado judicialmente e a execução das obrigações daí emergentes, em caso de não cumprimento (nomeadamente pelo que está obrigado a pagar o valor monetário), deve a decisão ser judicialmente pedida, devendo o credor, para tanto, fazer uso dos meios judiciais executivos adequados.
Assim não poderia deixar de ser porque, no caso de ser obtida e homologada uma transação nos termos em que ocorreu nos presentes autos, com a prolação da sentença se esgota o poder jurisdicional do Tribunal, sendo uma situação materialmente distinta da prevista nos arts 1120.º a 1122.º, com as consequências processuais já mencionadas.
Pelo exposto, indefere-se a pretensão da interessada AA.”
Em 08 de março de 2024, inconformada com as decisões que precedem, AA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“a) A Recorrente vem requerer a atribuição do efeito suspensivo do recurso, requerendo desde já que se prescinda da caução, uma vez que está garantida a mesma pelo imóvel objeto da partilha.
b) Por requerimento com referência citius 15789908 veio o cabeça de casal requerer ao tribunal que oficiasse à Conservatória do Registo Predial competente a elaboração do respetivo registo de aquisição, alegando que já havia pago integralmente as tornas (através de uma alegada compensação de créditos).
c) A ora Recorrente tendo recebido tal comunicação e sido notificada do requerimento com referência 15789908, veio imediatamente aos autos apresentar o seu requerimento com referência citius 15790052 que aqui se deverá dar como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
d) Perante tais requerimentos com referências citius 15789908 (apresentado pelo Cabeça de Casal) e ...52 (apresentado pela ora Recorrente) veio o tribunal proferir o seguinte despacho com referência 131926115, despacho com o qual não concordamos e que é objeto do presente recurso.
e) A ora Recorrente não pode concordar com o douto despacho proferido, na medida em que aceitar tal decisão, seria, salvo o devido respeito aceitar uma total anarquia na aplicação do direito.
Assim,
f) Aos dias 13 de dezembro de 2023 pelas 9h30, realizou-se a conferência de interessados, onde após breve discussão foi possível alcançar termos de uma transação que foi devidamente homologada por sentença. A mencionada ata de conferência de interessados/transação homologada por sentença resulta de documento com referência citius 130567775 “TRANSAÇÃO – I. As partes acordam em eliminar os bens móveis constantes das verbas nºs 2 a 20 da relação de bens, declarando que cada um dos interessados ficará com os bens que estão na sua posse; II.A verba nº 21 (imóvel) é adjudicada ao cabeça de Casal BB, pelo valor € 120.000,00 (cento e vinte mil euros); III Mais acordam que as tornas devidas à interessada AA, no valor de € 60.000,00 (sessenta mil euros), serão pagas em duas prestações, por transferência bancária para o IBAN ...05, sendo a 1ª prestação no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) paga até ao dia 20/12/2023, e a 2ª prestação, no valor de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) paga até ao dia 29/02/2024; IV Os interessados declaram nada mais terem a haver um do outro, na sequência do divórcio e respetivo inventário.”.
g) Tendo sido proferida a seguinte sentença: “As partes chegaram a acordo quanto à partilha dos bens e pagamento de tornas. Estabelece o art. 1111.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil que na conferência podem os interessados acordar, por unanimidade, que a composição dos quinhões se realize, designando as verbas que os hão-de compor, no todo ou em parte, e o valor por que devem ser adjudicadas. Os interessados no presente inventário acordaram, nos termos acima descritos, acerca do valor a atribuir a cada uma das verbas e, bem assim, da forma de preenchimento dos respetivos quinhões e pagamento do passivo. Pelo exposto, no presente processo de inventário da partilha dos bens comuns do dissolvido casal constituído por AA e BB, homologo pela presente sentença a partilha constante da transação que antecede, adjudicando aos interessados os respetivos quinhões (arts. 283.º, n.º 2, 284.º, 289.º, n.º 1, al. a) a contrário, e 290.º, 1122.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).”
h) O Cabeça de casal procedeu ao pagamento da 1.ª prestação de tornas no valor de €15.000,00 (quinze mil euros).
i) Próximo da data de vencimento da 2.ª prestação de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) que devia ser paga até ao dia 29/02/2024., o Cabeça de Casal procedeu ao envio de comunicação à ora Recorrente (comunicação já junta aos presentes autos no artigo 2.º do presente articulado) onde alegou não liquidar as tornas em falta invocando a compensação de um alegado crédito que reclama na ação judicial – processo ...8/23.0 T8AVR Juízo Central Cível ... J1, cuja petição se junta em anexo. (Doc.1)
j) Não podemos deixar de referir que intentar a mencionada ação - processo ...8/23.0 T8AVR Juízo Central Cível ... J1- não legitima o Cabeça de Casal para invocar a compensação, encontrando-se inclusive em curso o prazo para a ora Recorrente contestar tal ação, o que vai fazer, na medida em que não reconhece ao Cabeça de Casal a existência de qualquer crédito, não tendo a ação qualquer fundamento de facto ou direito.
k) Dispõe o artigo 847.º do Código Civil, que a compensação é uma forma de extinção das obrigações quando os obrigados são simultaneamente credores e devedores. – O que não é o caso, o crédito que o Cabeça de Casal alegou não é certo, líquido, exigível, nem sequer está reconhecido por decisão judicial, é simplesmente hipotético, controvertido e litigioso.
l) O que releva no presente recurso é que contrariamente ao alegado pelo tribunal ora recorrido, cabe sim, ao tribunal sindicar se os termos da transação da partilha são ou não cumpridos e/ou executar decisão em caso de incumprimento.
m) Em sede de conferência de interessados, houve acordo quanto à partilha dos bens e aos pagamentos das tornas nos termos já aqui referidos e que aqui se deverão dar como integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
n) De acordo com o disposto no artigo 1111.º n. º2 al. a) do CPC, na conferência de interessados podem os interessados acordar, por unanimidade, que a composição dos quinhões se realize, designando as verbas que os hão-de compor, no todo ou em parte, e o valor por que devem ser adjudicadas. - Foi o que o cabeça de Casal e a ora Recorrente fizeram, acordaram nos termos do artigo supramencionado, acerca do valor a atribuir a cada uma das verbas, e bem assim, da forma de preenchimento dos respetivos quinhões.
o) Não pode o tribunal recorrido referir que os interessados decidiram pôr termo ao processo de inventário por acordo(transação), na medida em que não foi o pretendido pelas partes, nem tal resulta da transação e homologação, o que resulta é uma transação nos termos do artigo 1111.º n.º 2 al. a) do CPC.
p) O que os interessados, ou pelo menos a Recorrente pretendia era acordar na composição do quinhão de cada um, bem como os respetivos valores dos bens e a forma de pagamento das tornas. E tal foi o que foi decidido em conferência de interessados, com transação que regula os termos da partilha de acordo com os artigos 1111.º n.º 2 al. a) do CPC.
q) Contrariamente ao alegado pelo tribunal recorrido, cabe sim ao tribunal recorrido, verificar se as tornas da partilha foram ou não pagas, antes de mandar promover um registo de um imóvel cujo valor não foi pago.
r) Aceitar a decisão do tribunal que ora se recorre é aceitar uma total anarquia, em que os interessados acordavam na adjudicação das verbas, comprometendo-se a pagar em prestações (como no presente caso), acordavam na partilha, não pagavam as tornas, e mesmo assim procediam ao registo de aquisição de um imóvel que não pagaram.
s) A decisão que ora se recorre só pode estar fundamentada num erro grosseiro do tribunal recorrido, que em sede de conferência de interessados acompanhou uma transação nos termos do artigo 1111.º n.º 2 al. a) do CPC, tendo proferido sentença em que referiu: “homologo pela presente sentença a partilha constante da transação que antecede, adjudicando aos interessados os respetivos quinhões (arts. 283.º, n.º 2, 284.º, 289.º, n.º 1, al. a) a contrário, e 290.º, 1122.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).” (negritos e sublinhados nossos)
t) E em sede de despacho com referência citius 131926115, objeto do presente recurso, alegou: “Nos casos em que os interessados decidem pôr termo ao processo de inventário por acordo (transação), a execução do mesmo não ocorre no mesmo processo, terminando este com a homologação judicial da transação obtida pelas partes. Assim, não cabe ao Tribunal sindicar se os termos do acordo são ou não cumpridos e/ou executar a decisão, em caso de incumprimento. Neste caso, não cabe, então, ao Tribunal (pelo menos não neste processo) apurar se a compensação pretendida pelo cabeça de casal é ou não válida ou eficaz.”
u) O próprio tribunal recorrido remete a presente partilha para o regime estabelecido no artigo 1122.º do CPC.
v) O tribunal, tendo conhecimento que as tornas não foram pagas na sua totalidade, jamais poderá promover o registo requerido pelo Cabeça de Casal pelo facto de as tornas não haverem sido pagas tal como o próprio Cabeça de Casal confessou.
w) A ora Recorrente tendo sido informada pelo Cabeça de Casal que não iria liquidar as mencionadas tornas, pelo facto de ter intentado uma ação e pretender compensar o crédito, comunicou de forma imediata ao tribunal para nos termos do disposto no artigo 1122.º n.º 2 do Código de Processo Civil, requerer a venda do bem adjudicado ao cabeça de casal, até onde seja necessário para o pagamento das tornas que o Cabeça de Casal não liquidou.
x) Estabelece ainda o número 2 e 3 do artigo 1122.º do CPC:
“2 - Depois do trânsito em julgado da sentença homologatória e se houver direito a tornas, os requerentes podem pedir que se proceda, no processo, à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o seu pagamento.
3 - Se não for reclamado o seu pagamento, as tornas vencem juros legais desde a data da sentença homologatória da partilha e os credores beneficiam de hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor.”
y) Não tendo o Cabeça de Casal liquidado o montante a que se obrigou a título de tornas, a ora Recorrente requereu, legitimamente ao tribunal ora recorrido que proceda à venda do bem adjudicado ao cabeça de casal, até onde seja necessário para o pagamento das tornas que este não liquidou. - Sendo tal pretensão licita, legal, tempestiva e admissível contrariamente ao que alega o tribunal ora recorrido.
z) Vejamos a título de exemplo o que sucede no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-12-2023, acórdão que ora se anexa.
aa) Na situação dos autos e do Acórdão aqui mencionado, o devedor das tornas, não carecia de ser notificado para depositar as tornas de que se tornou devedor, por se ter comprometido a fazê-lo ate ao dia 29 de fevereiro de 2024, assim tendo sido determinado na sentença homologatória da partilha.
bb) Formulado tal pedido de venda do bem, e transitada que seja a sentença homologatória das partilhas, procede-se à venda, no próprio processo de inventário, dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para pagamento do seu débito ao requerente, isto sem haver necessidade de lhe instaurar qualquer processo executivo como alega o tribunal recorrido.
cc) Assim, andou mal o tribunal ora recorrido ao decidir como decidiu, violando assim o disposto no artigo 1111.º n.º 2 al. a, 1120.º, 1121.º, 1122.º do CPC.
V. Normas Violadas:
Ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido violou o disposto no artigo 1111.º n.º 2 al. a, 1120.º, 1121.º, 1122.º do CPC.”
BB respondeu ao recurso pugnando pela sua total improcedência.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
Uma vez que o objeto do recurso tem natureza estritamente jurídica e se reveste de alguma simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de seguida.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
3.1 Devia ter sido comunicada à Conservatória do Registo Predial a adjudicação do imóvel ao cabeça de casal, para efeitos de registo?
3.2 A requerente do inventário tem direito a requerer a venda do aludido bem adjudicado ao cabeça de casal para satisfação das tornas que afirma estarem em dívida?
3. Fundamentos de facto
Os factos necessários e suficientes para conhecimento do objeto do recurso constam do relatório deste acórdão, resultam dos próprios autos de que estes foram extraídos e são dotados de força probatória plena nesta vertente estritamente adjetiva.
4. Fundamentos de direito
4.1 Devia ter sido comunicada à Conservatória do Registo Predial a adjudicação do imóvel ao cabeça de casal, para efeitos de registo?
A recorrente pugna pela revogação do despacho recorrido que determinou a comunicação à Conservatória do Registo Predial da sentença homologatória que adjudicou o imóvel relacionado no inventário ao cabeça de casal, se bem interpretamos as suas alegações, em virtude de ainda não se mostrarem pagas as tornas.
Cumpre apreciar e decidir.
Na conferência de interessados os dois únicos interessados acordaram sobre todas as questões necessárias à concretização da partilha dos bens comuns, como seja o valor do bem imóvel a partilhar, a sua adjudicação ao cabeça de casal e a forma e prazo de pagamento das tornas devidas pelo cabeça de casal à requerente.
O acordo das partes pelo seu conteúdo permitiu a eliminação de alguns trâmites do processo de inventário, como seja a organização de mapa da partilha e termos subsequentes, tendo sido logo proferida sentença de homologação com adjudicação do bem imóvel partilhado ao cabeça de casal.
A sentença de homologação do acordo das partes qualificado por estas de transação em nada difere de uma sentença homologatória da partilha e o próprio tribunal recorrido assim deve ter entendido pois que aprecia a validade do acordo à luz do disposto no artigo 1111º, n º 2, alínea a) do Código de Processo Civil e profere sentença homologatória citando expressamente o nº 1 do artigo 1122º do Código de Processo Civil.
Transitada em julgado a sentença homologatória do acordo das partes, nenhum obstáculo legal existe a que seja observado o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 8º-B, do Código do Registo Predial em conjugação com o previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do mesmo diploma e, pelo contrário, impende sobre o tribunal o dever de promover esse registo.
Atente-se ainda que a falta de pagamento das tornas acordadas não afeta a adjudicação acordada entre as partes, à semelhança do que sucede na compra e venda, paradigma dos negócios onerosos (artigo 886º do Código Civil, aplicável subsidiariamente aos outros contratos onerosos ex vi artigo 939º do mesmo diploma legal). Só assim não seria se acaso as partes no acordo celebrado tivessem previsto alguma consequência jurídica especifica para o caso de não pagamento total ou parcial das tornas.
Além disso, a efetiva transmissão do direito de propriedade sobre o bem partilhado é condição necessária para permitir a realização coerciva do crédito de tornas da recorrente parcialmente insatisfeito nos termos do previsto no nº 2 do artigo 1122º do Código de Processo Civil.
Assim, tudo visto e ponderado, o despacho recorrido proferido em 06 de março de 2024 na parte em que “ao abrigo do disposto nos arts. 2.º al. a), 3.º n.º 1, al. c), 8.º-A n.º 1, al. a) e 8.º-B n.º 3, al. a) e 53.º-A, todos do Código do Registo Predial” determinou a comunicação “à Conservatória do Registo Predial Competente a decisão proferida nos autos, com cópia da ata de conferência de interessados”, não enferma de qualquer ilegalidade determinante da sua revogação, razão pela qual improcede o recurso nesta parte.
4.2 A requerente do inventário tem direito a requerer a venda do aludido bem adjudicado ao cabeça de casal para satisfação das tornas que afirma estarem em dívida?
A recorrente pugna pela revogação do despacho proferido em 06 de março de 2024, na parte em que indeferiu a sua pretensão de venda do imóvel adjudicado ao cabeça de casal em virtude de não ter sido paga a segunda prestação das tornas, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 1122º do Código de Processo Civil.
Na decisão recorrida justificou-se o indeferimento desta pretensão da recorrente argumentando-se que com a homologação da transação finda imediatamente o processo de inventário, que por isso a execução do acordo homologado não corre no processo de inventário, não competindo ao tribunal verificar se o acordo é ou não cumprido e, finalmente, que “obtida e homologada uma transação nos termos em que ocorreu nos presentes autos, com a prolação da sentença se esgota o poder jurisdicional do Tribunal, sendo uma situação materialmente distinta da prevista nos arts 1120.º a 1122.º” do Código de Processo Civil.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 1133º do Código de Processo Civil, “[d]ecretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns.”
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 1122º do Código de Processo Civil, depois de decididas todas as questões, o juiz profere sentença homologatória da partilha constante do mapa.
Por seu turno, prevê-se no nº 2 do artigo 1122º do Código de Processo Civil que “[d]epois do trânsito em julgado da sentença homologatória e se houver direito a tornas, os requerentes podem pedir que se proceda, no processo, à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o seu pagamento.”
No caso em apreço, na conferência de interessados, as partes acordaram na definição dos bens integrantes do património comum do extinto casal a partilhar, no valor do único bem que afirmaram integrar esse património comum, na adjudicação desse bem a um dos interessados, na determinação do montante, do prazo e da forma de pagamento das tornas devidas ao outro interessado.
Na sequência deste acordo das partes, o tribunal recorrido homologou-o, referindo-se para aferir da sua validade ao disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 1111º do Código de Processo Civil e justificando a decisão tomada, além do mais, com o disposto no nº 1 do artigo 1122º do Código de Processo Civil. A condenação das partes ao pagamento das custas foi feita com base no disposto no artigo 1134º do Código Civil e o valor da causa foi fixado, além do mais, com a invocação do disposto no nº 3, do artigo 302º do Código de Processo Civil e que se refere à questão da determinação do valor da causa no processo de inventário.
Neste contexto, pergunta-se: em que difere a sentença homologatória do acordo das partes a que se procedeu nestes autos da sentença homologatória da partilha prevista no nº 1 do artigo 1122º do Código de Processo Civil?
Respondemos: a única diferença resulta de a partilha acordada não se ter materializado num mapa da partilha, divergência que decorre da circunstância do acordo homologado conter tudo o que é necessário para a definição precisa e exaustiva dos direitos das partes.
E porque assim foi, o tribunal recorrido julgou-se habilitado a proferir logo sentença homologatória do referido acordo, terminando deste modo de forma mais abreviada o processo de inventário, nomeadamente, sem elaboração de mapa da partilha (artigo 1120º do Código de Processo Civil) e sem a notificação da credora de tornas, nos termos previstos no nº 1 do artigo 1121º do Código de Processo Civil.
Da adoção deste procedimento abreviado decorre que a sentença homologatória do acordo das partes tal como se processou nestes autos é substancialmente diferente da sentença prevista no nº 1 do artigo 1122º do Código de Processo Civil, como afirmou o tribunal a quo sem cuidar de fundamentar tal asserção?
Não o cremos e nem o tribunal recorrido assim pensava quando homologou o acordo das partes já que nessa decisão citou expressamente o nº 1 do artigo 1122º do Código de Processo Civil.
Com a prolação da sentença homologatória proferida nestes autos, tal como sucede com a “clássica” sentença homologatória da partilha constante do mapa, esgota-se o poder jurisdicional quanto à matéria da causa (artigo 613º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável aos processos especiais por força do disposto no nº 1 do artigo 549º do Código de Processo Civil).
Porém, esse esgotamento em nada interfere com a resolução de questões subsequentes que possam surgir em consequência da decisão final proferida sobre a matéria de causa, nomeadamente, por força do não pagamento das tornas.
No caso do acordo homologado pelo tribunal recorrido as partes previram o pagamento das tornas devidas à recorrente em duas prestações por transferência bancária para o IBAN que identificaram, a primeira no montante de quinze mil euros, a pagar até ao dia 20 de dezembro de 2023 e a segunda, no montante de quarenta e cinco mil euros, até ao dia 29 de fevereiro de 2024.
Se não tivesse havido o acordo entre as partes homologado pelo tribunal recorrido e houvesse lugar a tornas, sendo estas reclamadas, estava o devedor das tornas obrigado a proceder ao seu depósito (1121º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Cremos que a exigência legal do depósito das tornas por parte do devedor delas se destina a tornar praticamente indiscutível o cumprimento ou não da referida obrigação.
No caso do acordo homologado previu-se o pagamento fracionado das tornas devidas até certas datas e mediante transferência bancária para uma conta devidamente identificada.
Será esta forma diferente de pagamento das tornas relativamente ao regime que consta do já citado nº 2 do artigo 1121º do Código de Processo Civil suficiente para se entender existir aqui uma divergência essencial que obsta a que seja aplicado o regime jurídico previsto no nº 2 do artigo 1122º do Código de Processo Civil, quando não sejam pagas as tornas devidas?
Não o cremos.
A nosso ver, o pagamento das tornas mediante transferência bancária é um modo tão seguro e inequívoco de comprovação do pagamento como o depósito.
Assim, tudo visto e sopesado, não existe qualquer razão válida para que no caso dos autos não seja aplicado o disposto no nº 2 do artigo 1122º do Código de Processo Civil[5].
O requerimento do devedor das tornas de 26 de fevereiro de 2024 e a posição assumida pelo mesmo na resposta ao recurso permitem de forma inequívoca a comprovação de que não procedeu à transferência bancária no montante de quarenta e cinco mil euros para a conta bancária identificada no acordo judicialmente homologado e que se recusa a fazer essa transferência bancária.
Ao proceder do modo descrito o devedor das tornas está a violar o acordo que outorgou com a recorrente e que se mostra judicialmente homologado.
Neste circunstancialismo, a credora das tornas tem direito a requerer que se proceda no processo de inventário à venda do bem que foi adjudicado ao devedor até onde seja necessário para o seu pagamento.
Pelo exposto, deve revogar-se o despacho proferido em 06 de março de 2024 que indeferiu o requerimento da recorrente de 26 de fevereiro de 2024, deferindo-se esta pretensão e determinando-se que o tribunal a quo proceda às diligências subsequentes necessárias (artigo 549º, nº 2, do Código de Processo Civil).
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente e do recorrido em partes iguais (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), mas sem prejuízo do apoio judiciário de que goza a recorrente.
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por AA e, em consequência, revoga-se o despacho proferido em 06 de março de 2024 que indeferiu o requerimento da recorrente para venda do bem imóvel adjudicado ao recorrido BB, nos termos previstos no nº 2 do artigo 1122º do Código de Processo Civil, deferindo-se esta pretensão e determinando-se que o tribunal a quo proceda às diligências subsequentes necessárias (artigo 549º, nº 2, do Código de Processo Civil), confirmando-se o despacho proferido na mesma data que determinou a comunicação à Conservatória do Registo Predial competente da decisão proferida nos autos, com cópia da ata de conferência de interessados.
Custas a cargo da recorrente e do recorrido na proporção de metade para cada um deles, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que goza a recorrente.
O presente acórdão compõe-se de catorze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.
Porto, 21 de outubro de 2024
Carlos Gil
José Eusébio Almeida
Miguel Baldaia de Morais
__________________
[1] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 20 de janeiro de 2023.
[2] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 28 de março de 2023.
[3] A sentença tem o seguinte teor: “As partes chegaram a acordo quanto à partilha dos bens e pagamento de tornas. Estabelece o art. 1111.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil que na conferência podem os interessados acordar, por unanimidade, que a composição dos quinhões se realize, designando as verbas que os hão-de compor, no todo ou em parte, e o valor por que devem ser adjudicadas. Os interessados no presente inventário acordaram, nos termos acima descritos, acerca do valor a atribuir a cada uma das verbas e, bem assim, da forma de preenchimento dos respetivos quinhões e pagamento do passivo. Pelo exposto, no presente processo de inventário da partilha dos bens comuns do dissolvido casal constituído por AA e BB, homologo pela presente sentença a partilha constante da transação que antecede, adjudicando aos interessados os respetivos quinhões (arts. 283.º, n.º 2, 284.º, 289.º, n.º 1, al. a) a contrário, e 290.º, 1122.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Custas pelos interessados na proporção do recebido (art. 1134.ºdo Código de Processo Civil). Fixo o valor da causa em € 120.000,00 (arts. 296.º, 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 4, 302.º, n.º 3, e 306º, n.º 2, do CPC). Registe e notifique.”
[4] Notificado mediante expediente eletrónico elaborado em 07 de março de 2024.
[5] No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de dezembro de 2023, proferido no processo nº 1725/19.2T8PBL.C1, acessível na base de dados do IGFEJ, num caso com contornos similares ao destes autos, nenhuma objeção foi suscitada à aplicação do nº 2 do artigo 1122º do Código de Processo Civil. Sublinhe-se, porém, que não constituía objeto do recurso a aplicação ou não do citado preceito legal.