REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
QUESTÕES NOVAS
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Sumário

I - Os recursos destinam-se à impugnação de decisões judiciais com vista à respetiva anulação, revogação ou modificação e não à reapreciação da causa. Não pode, por regra, o tribunal de recurso apreciar questões, de direito ou de facto, com que não tenha sido confrontado o juiz que proferiu a decisão recorrida, salvo nos casos especialmente previstos.
II - Quando os novos factos que as partes pretendem ver aditados por via do recurso sejam inúteis à decisão da causa deve ser rejeitada a sua reapreciação.
IIII - A redação do número 6 do artigo 1906.º em vigor desde 01-12-2020 deve conduzir, na prática judiciária, a que o regime de residência alternada não deixe de ser aplicado, quando tal se revelar benéfico para os menores, apenas porque um dos progenitores a tal se opõe ou porque tal regime implica dificuldades de ordem prática que não sejam intransponíveis ou de relevo.

(Da Responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 3329/21.0T8VFR.P1

Processo número ...29/21.0T8VFR.P1, Juízo de Família e Menores de ..., Juiz 1.

Recorrentes: Ministério Público e AA

Recorrido: BB

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeiro adjunto: José Eusébio Almeida

Segundo adjunto: Jorge Martins Ribeiro

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:


1. Em 05-11-2021 AA propôs contra BB ação especial para regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor CC, nascida a ../../2018, alegando ter-se separado deste - que é o pai da menor com quem se mantinha em união de facto, desde 2012 -, por força de “abusos” que motivaram a apresentação de queixa junto de órgão de polícia criminal.
2. Designada conferência de pais, a mesma realizou-se em 14-12-2021, não se tendo alcançado acordo, pelo que ali foi fixado um regime provisório de residência da menor com a mãe e um regime de visitas da menor ao pai às quartas feiras e aos fins de semana em dias alternados, sem pernoita. Foram ordenadas diligências instrutórias e foi designada data para nova conferência a realizar após instrução.
3. A 18-01-2022 realizou-se nova conferência de pais tendo o pai da menor manifestado a pretensão de que a residência da menor passasse a ser consigo ou, pelo menos, a fixação de um regime de residência alternada, ao que a mãe se opôs. Ambos os progenitores aceitaram ser alvo de avaliação das capacidades parentais e foi alterado o regime de visitas da menor ao pai de forma a que a mesma passasse a pernoitar com o mesmo em fins de semana alternados e por uma semana nas férias de natal, da páscoa e de verão. Foi fixada a obrigação do pai prestar alimentos à menor no valor mensal de 150 €.
4. A 28-12-2021 foi comunicada pelo Gabinete de Apoio à Vítima ... que a menor CC se encontrava em situação de perigo por estar “ansiosa e confusa” com a situação de litígio entre os pais. No âmbito do processo que ali correu termos com o acordo dos pais os mesmos alcançaram um entendimento, em 15-03-2022, pelo qual a menor passou a residir de forma alternada com ambos, passando três dias consecutivos com cada um deles, regime que cessou, por decisão da mãe em 17 e maio de 2022.
5. Tendo sido remetido aos autos, pela CPCJ, o expediente relativo ao acompanhamento da situação da menor, foi autuado como processo de promoção e proteção por apenso aos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais e de imediato arquivado, por despacho de 15-11-2022, por se ter entendido que a menor não se encontrava em perigo que determinasse o prosseguimento dos autos e por já estarem provisoriamente regulados os termos do exercício das responsabilidades parentais.
6. Em 19-01-2023 o pai da menor requereu a alteração do regime provisório fixado pedindo que a menor passasse a residir consigo e que regressasse ao estabelecimento de ensino que frequentava antes da separação dos progenitores, que se situava na ..., com fixação de novo regime de visitas à mãe. Para tanto alegou uma alteração do estado anímico e comportamental da menor, notado pela sua educadora e consubstanciado em relatório psicológico que juntou aos autos. Segundo o requerente, a menor não se adaptou ao estabelecimento de ensino, em ..., onde a mãe a matriculou quando se mudou para essa cidade sem o consentimento do pai, e, uma vez que a sua mãe trabalha no Porto são os avós maternos que acompanham diariamente a CC e não a progenitora.
7. Em 27-02-2023 foi proferido despacho pelo qual se decidiu não existirem razões determinantes da alteração do regime provisório fixado.
8. Em 14 de junho de 2023 foi realizada nova conferência de pais na qual, por acordo, foi alterada a regulação provisória das responsabilidades parentais com vista a fixar o regime de convívio da menor com os pais nas férias e épocas festivas.
9. Em 07-12-2023 frustrado o acordo dos pais quanto à regulação das responsabilidades parentais foram as partes notificadas para apresentação de alegações e ou junção de prova.
10. O pai da menor alegou pedindo a fixação da residência alternada da menor e que a mesma passasse a frequentar estabelecimento de ensino no Porto, equidistante da residência de ambos os progenitores, proposta que já antes havia expressado nos autos.
11. A mãe da menor defendeu a manutenção da residência da menor consigo e o regime de visitas ao pai já fixado bem como defendeu que a menor deveria continuar a frequentar a escola por si escolhida, em ..., sublinhando que embora trabalhe no Porto se desloca em transportes públicos, o que constituiria sacrifício injustificado para a menor e que quando não pode assegurar a deslocação da filha à escola são os seus pais, avós da menor, quem assegura o seu transporte, dada a distância entre a sua casa e o estabelecimento de ensino sito em ..., que se percorre em cerca de oito minutos.
12. Em 11 de março de 2024 realizou-se audiência de julgamento, continuada a 11 e a 18 de março de 2024, com produção de prova testemunhal e documental.
13. A 25 de março de 2024 foi proferida a sentença que é objeto deste recurso pela qual se fixou a residência da menor com ambos os progenitores em regime de alternância semanal.

II - O recurso:

É desta sentença que recorre o Ministério Público pretendendo a alteração parcial do julgamento da matéria de facto e a sua revogação e a fixação da residência da menor com a sua mãe, de um regime de visitas ao pai e do valor com que o mesmo deve contribuir mensalmente para o sustento da menor.

Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:

“1. O Ministério Publico discorda com a sentença proferida em 25 de Março de 2024, na parte em que fixou o regime de regulação das responsabilidades parentais da criança CC, com residência alternada semanal entre os progenitores e inerente regime de implementação do mesmo e regime de alimentos, dela impugnando matéria de fato e de direito.

2. O Ministério Publico discorda dos pontos 1,2,3,4,10, 11 e 16 da decisão transcrita nas alegações, com o que delimita o recurso, apresentando discordância quanto ao regime de residência alternada fixado e responsabilidade por obrigação de alimentos;

3. O Ministério Publico impugna a parte dos fatos não provados uma vez que se afigura ser adequado e necessário às decisões das questões em apreciação que se julguem também provados os seguintes fatos:

1ºFacto: A progenitora tem a intenção de matricular a CC no 1º ano de escola pública de ... próxima da residência.

2º.Facto: Nunca existiu e não existe acordo quanto a escolha de escola privada no Porto

Os meios de prova que impõem a prova destes fatos são:

Declarações do progenitor BB no dia 11/3/2024 com iicio às 10:06

Minuto 20.25 até minuto 22.42: “o ideal era voltar para ... (..); na tentativa de compromisso e meio termo faz sentido que a escola (do primeiro ciclo) seja no Porto, fica a meio caminho entre a ... e ..., local onde ambos os pais trabalham; não percebe porque é que a mãe não quer isto e que permitiria que fosse a mãe a levar e a recolher a CC à escola, o que a mãe não tem nunca pois são os avós maternos que o fazem; as escolas que indica são as mesmas; a solução é muitíssimo conveniente para a mãe; não há abertura da mãe para escolha de estabelecimento de ensino privado”

Minuto 33. e minuto 33.30 “ está disposto a pagar metade do estabelecimento privado; irá obter auxilio dos pais para pagamento do colégio, o que está perfeitamente assegurado”.

Declarações da progenitora AA no dia 11/3/2024 com inicio às 10:44: Minuto 14.50 “ comunica pouco com pai da CC”; Minuto 18 a 19 “a CC deve residir consigo, está feliz e segura, tem rotina consolidada” Minuto 19.57 a 20.30: “ Conhece a cidade, tem os amigos, frequência a escola de musica, a alteração de rotina iria alterar a estabilidade que CC alcançou desde que saíram de casa”.

Declarações complementares da progenitora AA por iniciativa da Srª Juiz no dia 11/3/2024 com inicio às 10:36 (estando descrita na gravação do MediaStudio com nome da Srª Juiza) Minuto 00.30 “ a sua perspectiva é a CC frequentar a escola pública em ...” “ pensa na escola n.º 3 de ... que pertence ao Agrupamento de Escola .... Minuto 1.13 “sabe que há colegas da escola da turma que vão também para essa escola” 3º Facto: .Existe proximidade de 1 quilómetro da residência dos avós maternos da residência da progenitora na cidade ...

O meio de prova que o permite são as declarações da progenitora AA no dia 11/3/2024 com inicio às 10:44. Minuto 3.22 e 4.20 “ por vezes vai buscar a CC”; “ por vezes trabalha aos fins de semana e tem folgas”; toda as semanas vai uma ou duas vezes levar a filha à escola e nos outros dias são os pais”. Minuto 4.20 a 4.40“ ir buscar são os meus pais, ocasionalmente sou eu e o pai vai buscar às terças, quinta e quando pernoita com pai à sexta”. Minuto 4.48 “os pais residem a distância de um quilómetro”

4ºA progenitora demora cerca de 1hora e 30 minutos a chegar ao seu local de trabalho e demora pelo menos uma hora no trajeto do local de trabalho para a residência.

O meio de prova que o permite são as declarações da rogenitora AA no dia 11/3/2024 com inicio às 10:44

Minuto 2 “nas deslocações para o trabalho (na Rua ..., Porto, próximo do ...) “apanha comboio, metro e autocarro; não possui estacionamento no local de trabalho”) horário 9.30 17.30. Minuto 2.36 “sai de casa às 8 e chega a casa pelas 18.30”;

5º. Existem perspetivas educativas distintas dos progenitores em projeção de futuro.

Os meios de prova que o permitem são o Relatório de Audição Técnica Especializada junta nos autos a 23/6/2022 (referência CITIUS 13178811) consta: “Por outro lado, a progenitora afirma que o pai é um individuo com comportamento dominador, que parece estar a instrumentalizar a criança contra a figura materna e avós maternos, denegrindo a imagem e atitudes destes. O progenitor considera que sendo ele a ficar com a residência da filha, partilhará com a progenitora toda a informação relativa à CC, quer em termos de saúde e de educação. Menciona que todas as decisões relativas à filha serão tomadas em conjunto com a progenitora e que tudo será negociado entre os dois progenitores. A mãe não aceita tal, em virtude do pai até ao momento presente não aceitar qualquer negociação ou tentar consensualizar com ela, relativamente à postura de cada um, face ao exercício das responsabilidades parentais. A comunicação funcional entre os progenitores revela-se difícil por serem pessoas distintas e com perspetivas de futuro, aparentemente, diferentes para a filha de ambos. O progenitor menciona que a progenitora inviabiliza o diálogo, ou qualquer tipo de comunicação sobre os assuntos da CC, dando exemplos de email enviados à mesma, aos quais não obteve qualquer tipo de resposta. A progenitora repudia tal afirmação, alegando manter o pai informado das questões pertinentes relativamente à vida de CC. Atendendo às questões colocadas pelo progenitor relativamente ao facto de não ser informado do processo educativo da filha e dificuldades na comunicação com a progenitora, foi ponderada a possibilidade de realização de entrevista conjunta, à qual o progenitor não se revelou recetivo, por considerar que não chegariam a qualquer consenso”; e,

Declarações da progenitora AA no dia 11/3/2024 com inicio às 10:44, Minuto 14.50 “comunica pouco com pai da CC”;

4. O Ministério Público discorda do fato provado nº 70: “No ano de 2019 o progenitor declarou de rendimentos o montante de €17 022,52 e na parte que se assinala do fato provado n.º 71: “ No ano de 2020 o progenitor declarou de rendimentos o montante de €16 897,”.

5.Pugna para que se julgue provado que:

6º Facto: No ano de 2019 a progenitora declarou de rendimentos o montante de €17 022,52

7º Facto: No ano de 2020 a progenitora declarou de rendimentos o montante de €16 897,01”.

8º Facto: O progenitor não tem rendimentos pelo menos desde 2020 Os meios de prova que impõem tal prova são: as declarações de IRS do ano 2019 e 2020 juntas ao processo em que consta ser a progenitora AA, como sujeito B, a titular dos rendimentos e não o progenitor BB, a como sujeito A; e,

Declarações do progenitor BB no dia 11/3/2024 com inicio às 10:06: Minuto 02.50 “não tem rendimento”; Minuto 3.40 com a situação da CC gasta cerca de 500 euros”; Minuto 24 “trabalha em regime misto”; Minuto 25 “já não tem rendimento desde a altura da pandemia” Minuto 29.40.” Atingiu ponto zero das poupanças”; não há valor mensal que pais lhe deem”, dão lhe prendas em dinheiro; Minuto 31.20 “atualmente está a viver com auxilio dos pais”

6. Afigura-se que os fatos provados sob os números 34, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 53, 74, 75, 76, 77, 87 acrescidos dos oito fatos cuja inserção no elenco dos fatos provados é pretendida pelo Ministério Publico, impunham decisão distinta no sentido de ser fixada a residência junto da mãe.

7.A questão primordial na definição de regime de regulação das responsabilidade parentais, está no caso concreto, correlacionada com a questão da escolha da escola de CC para assegurar a sua educação (com carácter obrigatório), o que o tribunal não valorizou, como consta da motivação.

8. Afigura-se que com o regime fixado na sentença, mormente em face do fatos provados sob os números 49,50, 51, 74, 75, 76, 77 e 78, na hipótese de se mantiver Escola em ..., o mesmo será de impossível cumprimento pela progenitora nos períodos da semana com o progenitor nos dias em que a criança não tenha atividade letivas, incluindo nas férias letivas (com exceção das férias de verão) devido ao horário de trabalho da progenitora, não ter ao seu dispor e dentro das sua possibilidades de utilização de meios de transporte para assegurar a entrega e recolha da filha nos dias em que lhe incumbisse recolher e entregar a filha na residência do progenitor nos horários estipulados, às sextas feiras e às quartas feiras consideradas as distâncias existentes.

9. prova produzida e a matéria em discussão incidiu particularmente na solução de que a escola a frequentar por CC passaria a ser no próximo ano letivo situada na cidade do Porto, adiantando o progenitor a hipótese dos estabelecimento A... (na zona da Avenida ...) e B... (na zona de ...) não obstante não se tratar de área de residência dos progenitores.

10. Afigura-se que o regime de residência alternada semanal com ambos progenitores e com escola a ser fixada no Porto, não é adequado face à principal circunstância, que se avalia como relevante, da distância das residências dos progenitores e entre estas e escola no Porto, associado às caraterísticas de vida dos progenitores, com prevalência, a da progenitora AA.

11. A distância, a duração dos trajetos e a variedade de transportes públicos que a menor teria de fazer com a progenitora para assegurar a frequência escolar, um obstáculo relevante e impeditivo da implementação do regime aplicado na sentença.

12. O critério norteador é sempre o do interessa da menor e “A sua eficácia específica permite tomar em conta cada caso particular. O interesse de uma criança não é o interesse de uma outra criança e o interesse de cada criança é, ele próprio, suscetível de se modificar”.

13. O regime de residência alternada vem obtendo maior aceitação no plano legal e jurisprudencial, conforme se expende na sentença recorrida e que vem explanado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30 de maio de 2023, in www.dgsi.pt.

14 Contudo, o regime decidido implica um sacrifício intolerável para as boas condições do dia a dia da menor que não correspondem ao interesse da mesma perante as concretas circunstâncias da sua vida.

15. Acrescenta-se a árdua dificuldade de implementação para a progenitora do mesmo nos termos acima mencionados.

16 Verifica-se dificuldade de comunicação dos progenitores, a qual persiste e estilos educativos distintos, conforme se pugna na impugnação da matéria de fato.

17. Os critérios a que o tribunal está vinculado vêm plasmados no art. 1906º do Cod. Civil quanto a definição de responsabilidades parentais em caso de separação.

18. Entende-se que a parte decisória da sentença são, nos seus pontos 1 a 4,10, 11, e 16 não estão conformes com o critério do art. 1906º n.º 5, 6 e 8 do Cód Civil.

19. Entende-se que existem circunstâncias objetivas relevantes que tornam o regime estipulado- na parte impugnada - inadequado para uma criança de cinco anos que irá iniciar o primeiro ciclo no próximo ano letivo, a saber:

- da localização especifica das residências dos progenitores

- distância entre as residências dos progenitores

Conjugados com a localização do local de trabalho (com carater estável) da progenitora e condições de vida da mesma (condições e meios de mobilidade) .

20. O Tribunal a quo violou o artigo 1906.º, n.º 6 do Código Civil (CC), na medida em que, na sua decisão, não atendeu ao superior interesse da criança e não ponderou e apreciou todas as circunstâncias relevantes – acima indicadas- para proferir a decisão de alterar a residência da menor.

21. Sendo que o Tribunal a quo deveria ter aplicado aquela norma jurídica, no sentido de que deveria permanecer a residência com a mãe, não correspondendo ao superior interesse da criança a alteração para um regime de residência alternada, até pelas circunstâncias relevantes que resultaram da prova produzida nos presentes autos e dos fatos por cuja prova se pugna.

22. O superior interesse da criança, o artigo 1906º, n.º 6 do Código Civil e os fatos provados assim como aqueles que devem ser julgados provados habilitam à decisão mais conforme às orientações legais predispostas no art. 1906º do Cód. Civil no sentido de a residência ser fixada junto da progenitora sendo essa a interpretação defendida pelo Ministério Publico e que deveria ter sido acolhida.

23. A figura materna assume maior relevância na medida em que a criança reside com a mãe desde Outubro de 2021, a criança está totalmente e adequadamente inserida no meio escolar, familiar e escolar de ....

As necessidades de descanso e de estudo e de estabilidade e tranquilidade que se vão colocar com o início do ensino obrigatório são melhor acauteladas com este regime de residência em que a frequência escolar ocorrerá próximo desta, sem prejuízo de se estabelecer períodos de convívio alargado com progenitor que permita “relação de grande proximidade com os dois progenitores” e “amplas oportunidade de contato com ambos” com “ partilha de responsabilidades”.

24. Para assegurar a almejada manutenção do vínculo afetivo e relação afetivo proximidade e participação do progenitor na vida da criança atenta a elevada disponibilidade do progenitor, não é imperativo a fixação do regime da residência alternada, devendo não se olvidar outros critérios tradicionalmente atendidos.

25. Importa alargar prever um regime de convívios que o assegure, que seja suscetível de implementação prática perante a realidade de vida da criança (no presente e no futuro próximo) e que assegure maior tranquilidade a menor, evitando-se rotinas excessivamente exigentes, desgastadoras e perturbadoras do descanso e estudo e tempo lúdico.

26. O regime de residência fixa com a progenitora com convívios ao fim de semana com o progenitor não tenha significado para assegurar a participação na vida da criança pelo progenitor.

O mesmo pode supervisionar tarefas escolares no fim de semana, acompanhar e promover atividade extracurricular e tempo de descano, lúdicos e de partilha com família alargada nesses períodos .

27. Atentos os critérios legais predispostos nos artigos 1874º 2003º e 2004º do Código Civil, deverá ser fixado ao progenitor a obrigação de pagamento a titulo de alimentos no montante 150€ (cento e cinquenta euros), sem prejuízo da comparticipação nas despesas como consta da decisão proferida e não recorrido.

28. Para tanto, a fundamentação resulta do fato provado n.º 69 “ O progenitor conta, se necessário, com a ajuda dos pais, o pai é empresário e o progenitor é filho único” e do fato que se pretende seja julgado provado de “ o progenitor não aufere rendimentos desde 2020 “.

29. Pelo que deverá ser dado provimento ao presente recurso, com a prolação de Acórdão que revogue a sentença proferida pelo Tribunal nos pontos 1,2,3,4,10, 11 e 16 e, em consequência, fixe o seguinte regime:

Que a residência da criança CC seja fixada junto da progenitora;

Que o progenitor conviva com a menor dois fins de semana por mês a iniciar às sextas feiras no final das atividades letivas (ou no local em que a menor se encontra quando não existam) e até Domingo pelas 19.30 h, incumbindo as deslocações ao progenitor;

Que o progenitor conviva com a menor um terceiro fim de semana por mês com início à sexta feira no final das atividades letivas (ou no local em que a menor se encontra quando não existam) até Sábado pelas 19 horas incumbindo a recolha à progenitora:

Que a menor conviva com o progenitor durante metade ou dois terços de todos os períodos das férias em datas concretas a acordar entre os progenitores;

Que seja fixada a quantia fixa de prestação de alimentos no montante de 150 € a pagar por transferência bancária até ao dia 8 do mês a que respeitam (mantendo-se o regime de comparticipação nas despesas fixado na sentença”.


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A mãe da menor aderiu ao recurso do Ministério Público e declarou pretender ampliar o seu objeto com vista à impugnação da matéria de facto, para o que formulou as seguintes conclusões de recurso:

“PRIMEIRA: devem ser dados como provados os factos resultantes do alegado nos artigos 16 e 17 das alegações apresentadas em 30/12/2023 (REF CITIUS 15522752): “Se viesse a concretizar-se a mudança de escola para o Jardim de Infância A..., de uma viagem de carro, de 8 minutos, passaria a Criança CC a fazer diariamente uma viagem de comboio + uma viagem de Metro + uma viagem de autocarro + deslocações a pé entre transportes, tudo no total de 65 minutos à ida para a escola e de 67 minutos à vinda.”;

SEGUNDA: a pesquisa do “interesse superior da Criança” deve ser feita no caso concreto, no caso sub judicio, sem vieses de ordem ideológica, atendendo apenas aos melhores interesses das Criança em causa, i. e.: da CC!

TERCEIRA: caso a CC ficasse a viver alternadamente com cada um dos Progenitores e passasse a frequentar uma escola no Porto (solução proposta pelo Recorrido Progenitor e admitida pela Douta sentença recorrida como ideal), gastaria em viagens, diariamente, nas semanas em que ficasse com a Mãe, pelo menos 65 minutos em cada sentido;

QUARTA: essas viagens seriam feitas em transportes públicos, com percursos intermédios a pé, o que constituiria uma violência insofrível por uma Criança como a CC, atenta a sua pouca idade e o seu pequeno porte físico, dado que as horas em que tais percursos teriam lugar seriam horas de grande afluência de público aos transportes públicos usados;

QUINTA: acresce que os percursos a pé entre a casa da Mãe e o comboio, entre este e o metro, entre este e o autocarro e entre este e a escola (e vice-versa) seriam feitos em diversas e —frequentemente— adversas condições atmosféricas: com chuva, com frio, com calor excessivo;

SEXTA: todas as horas gastas em transportes constituiriam uma intolerável compressão dos direitos da Criança CC ao descanso e ao lazer, uma vez que antecipariam a hora de acordar e postergariam a hora de chegar a casa para fazer os seus deveres escolares ou descansar, ou brincar;

SÉTIMA: a única solução que protege o concreto interesse superior da concreta Criança CC é o da fixação do seu domicílio habitual com a Recorrida Mãe, como defende o Ministério Público.”


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O Recorrido contra-alegou sustentando que o recurso deve improceder, defendendo que os interesses da menor ficam melhor protegidos com a residência alternada, regime que diz estar em aplicação desde a prolação da sentença recorrida com manifesto sucesso. Juntou aos autos documentos supervenientes destinados a comprovar o posterior acordo dos pais quanto à inscrição da menor em estabelecimento de ensino sito no Porto.

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A 28-08-2024 foi proferido despacho a facultar às partes e ao Ministério Público contraditório sobre o teor dos documentos juntos nas contra-alegações de recurso pelo recorrido, e para que informassem os autos sobre se a menor estava, de facto, já inscrita em estabelecimento de ensino sito no Porto. Foi ainda facultado contraditório sobre a possibilidade de se vir a considerar ocorrer inutilidade superveniente da apreciação do recurso em face do efetivo e posterior acordo dos progenitores quanto à inscrição escolar da menor na cidade do Porto, já que os recursos do Ministério Público e da Requerente estão essencialmente estribados na alegação dos inconvenientes decorrentes da distância entre a casa de ambos os progenitores e a dificuldade de deslocação da menor para uma escola no Porto quanto se encontrasse a residir com a sua mãe, por esta se deslocar de transportes públicos.

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O Ministério Público não apresentou resposta a tal notificação.

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A Recorrente confirmou a autoria dos documentos juntos pelo Recorrido nas alegações de recurso entendendo, contudo, que deles resulta a manutenção de desacordo entre os pais sobre a escola a frequentar pela CC, reiterando que pretende inscrevê-la em escola em ... e alegando que o pai a tinha inscrito em colégio privado sem o seu consentimento. Conclui que a menor foi, já depois da prolação da sentença, matriculada, por decisão de ambos, em escola pública situada no Porto, mas que tal decisão não teve o seu acordo, tendo-se limitado a conformar-se com o exigido pelo Requerido “dada a impossibilidade prática de, em tempo útil, se socorrer de processo tutelar de suprimento”. Juntou, também ela emails trocados com o Recorrido depois da prolação da sentença recorrida com o intuito de provar tal alegação.

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O Recorrido não se opôs à declaração de inutilidade superveniente do recurso, sublinhando que a Recorrente não interpôs recurso no prazo a tanto destinado, apenas tendo aderido posteriormente ao recurso do Ministério Público, o que, a seu ver, revela que a mesma estava de facto conformada com a decisão de residência alternada da menor e, nesse contexto, procurou e alcançou acordo com o progenitor sobre a matrícula da menor em escola do Porto. Reitera a sua pretensão de, caso venha a ser apreciado, ver improceder o recurso.

III – Questões a resolver:
Em face das conclusões dos Recorrentes nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, e em face do posterior processado são as seguintes as questões a resolver:
1 – Aferir se é admissível a alegação pelo Recorrido de factos supervenientes e a junção de documentos em sede de contra-alegações; em caso afirmativo,
2 – Apurar se da junção desses documentos decorre a inutilidade superveniente da apreciação do recurso; se assim não suceder,
3 – Aferir se é de admitir o recurso da matéria de facto; se o mesmo for admitido,
4 – Averiguar se, em face dos meios de prova a reapreciar deve ser alterada a seleção dos factos provados como requerido por ambos os Recorrentes; e,
5 – Em face da fixação definitiva dos factos provados, conhecer da adequação do regime da residência alternada fixado na sentença recorrida ao interesse superior da menor.

IV – Fundamentação:
1. Da admissibilidade da alegação de factos supervenientes e da junção de documentos supervenientes:

O tratamento conjunto das duas questões prende-se com a existência de fundamentos comuns à resposta a dar a ambas e permite, assim o esperamos, maior clareza da exposição.

O Recorrido juntou com as suas contra-alegações documentos constituídos por vários emails trocados entre ele a Recorrente visando, segundo o mesmo, provar a colaboração e entendimento entre ambos após a prolação da sentença recorrida, com vista à matrícula da menor em estabelecimento de ensino no Porto e a, assim, contrariar a alegação do Ministério Público de que nunca existiu nem existe acordo dos progenitores quanto a tal matrícula. Alegou que tais documentos são supervenientes admitindo, ainda, a superveniência do referido acordo entre os progenitores quanto à inscrição da menor em escola no Porto.

A mãe da menor, por sua vez, entende que a escolha da nova escola onde a menor se encontra matriculada não decorreu da sua concordância, mas apenas do seu assentimento a tal opção em face da necessidade de dar cumprimento à sentença recorrida.


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Prevê o artigo 588.º, número 1 do Código de Processo Civil o seguinte: “Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.” O número 3 do mesmo artigo estipula três momentos possíveis para a apresentação desse articulado sendo eles a audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento, os 10 dias posteriores à notificação da audiência de julgamento, quando não tenha havido audiência prévia e a audiência de julgamento se a superveniência (objetiva ou subjetiva) for posterior a um dos anteriores momentos.

O encerramento da discussão da matéria de facto em primeira instância corresponde, nos termos do artigo 588.º do Código de Processo Civil ao derradeiro momento em que podem, ainda, ser alegados factos com relevância para a decisão da causa.

Assim não tem sido, contudo, entendido por parte da doutrina e da jurisprudência que convocam outras normas adjetivas para a discussão sobre a atendibilidade de factos jurídicos supervenientes em sede de recurso.

Uma dessas normas é o artigo 611º do referido Diploma (aplicável ao acórdão ex vi 663,º, número 2), que sob a epígrafe “Atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes” estatui: “1 - Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.”.

Com base neste preceito encontramos na doutrina[1] e na jurisprudência[2] a defesa da admissibilidade de alegação em sede de recurso de factos jurídicos supervenientes desde que se tratem de factos integradores da causa de pedir do pedido inicialmente formulado.

Em sentido contrário, todavia, parece apontar o disposto no artigo 627.º, número 1 do Código Civil de que decorre que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais. Ou seja, os mesmos são tendentes à reapreciação de uma decisão, com vista à respetiva anulação, revogação ou modificação e não à reapreciação da causa. Neste conspecto, não poderá o tribunal de recurso apreciar questões, de direito ou de facto, com que não tenha sido confrontado o juiz que proferiu a decisão recorrida[3].

Deve reconhecer-se, todavia, que o referido fim do recurso – de reapreciação de decisão proferida -, não colocou uma barreira absolutamente estanque a que se tenham em conta, mesmo em sede de recurso, novas questões, permitindo mesmo o legislador, à luz do artigo 264.º do Código de Processo Civil que possa ocorrer uma alteração dos próprios pedidos ou causa de pedir, em primeira ou segunda instância, desde que sobre tal as partes estejam de acordo. Neste específico caso, em que as partes estão de acordo em alterar o objeto da ação, permite-se que tal alteração seja feita ainda em sede de recurso, salvo, contudo “se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito”. Esta admissibilidade (não decorrendo dela inconveniente), da ampliação ou alteração do pedido ou da causa de pedir faz todo o sentido perante a natureza instrumental do processo civil, que visa regular os termos adjetivos da discussão judicial de um litígio que é das partes (no sentido de que são elas a determinar as suas pretensões e de que apenas a elas cabe o dever de alegar os factos essenciais à sua procedência). Assim, caso ambas estejam de acordo em alterar ou ampliar tais pretensões ou seus fundamentos, não deve, por regra, ser a lei adjetiva a impedi-las de alcançar a resolução definitiva do litígio.

Não nos parece, contudo, que desta norma, que é excecional, se possa retirar qualquer argumento (de maioria de razão) no sentido de admitir a alegação de novos factos quando não haja acordo das partes nesse sentido.

E no caso, como resulta da síntese do processo, não há tal acordo da Recorrida que se opôs expressamente à consideração desses novos factos em sede de recurso.

Discordamos, pois, por regra, da admissibilidade de apreciação de factos jurídicos supervenientes em sede de recurso pois os recursos visam o reexame de questões precedentemente apreciadas pelo Tribunal de categoria inferior e a alegação de um novo facto que seja juridicamente relevante (se não o for não deve ser considerado por inútil), traduz a pretensão de uma das partes de sustentar um novo argumento (seja a favor da revogação seja da confirmação da decisão recorrida ) que o Tribunal a quo não pôde apreciar.

Todavia, o que deve sublinhar-se no caso dos autos, é que a pretensão do Recorrido com alegação do novo facto que entende relevante para a defesa da sua tese – o acordo com a Recorrente sobre a escola a frequentar pela menor a partir de setembro de 2024 -, não constitui qualquer alteração à pretensão que exerceu em primeira instância: a de que menor passasse a frequentar escola no Porto.

A sentença recorrida, por sua vez, baseou-se, na ponderação da praticabilidade do regime de residência alternada que veio a fixar e nela consta a afirmação de que a inscrição da menor em estabelecimento de ensino a uma distância idêntica das moradas dos seus pais é uma das soluções possíveis e desejáveis.

Pode, assim, afirmar-se que, independentemente de a menor ter já sido matriculada em escola do Porto, a consideração dessa possibilidade sempre deverá ser objeto de reapreciação por via do recurso, já que foram apenas as alegadas dificuldade práticas decorrentes dessa solução e o sacrifício que importa para a menor que serviram de fundamento ao recurso.

É irrelevante para a decisão do recurso, visto o seu objeto, a consideração do alegado novo facto, sobre o qual não há acordo das partes. O que releva é saber se a deslocação diária da menor para estabelecimento situado no Porto representa sacrifício de monta que leve à revogação da decisão recorrida caso a menor continue a frequentar escola em ..., onde foi matriculada contra a vontade do pai.

Dizendo de outra forma, e como sustenta a mãe da menor, é irrelevante saber se a menor frequenta ou não uma escola no Porto (afirmando a mãe que tal só sucede porque era necessário executar a sentença recorrida). O que releva é aferir qual a dificuldade que essa solução representa para a menor.
No confronto entre os factos que o Ministério Público e a mãe da menor querem ver alterados, os que serviram de fundamentação à sentença sob censura e o facto ora alegado pelo Recorrido, conclui-se pela inutilidade deste para a decisão do recurso.
E, nos termos do previsto no artigo 130º do Código de Processo Civil, não é lícito realizar no processo atos inúteis[4].

Ora, se o novo facto que se quer ver ponderado é inútil à apreciação do objeto do recurso, não há qualquer fundamento para a pretensão de o ver aditado aos factos a atender, sendo de rejeitar o seu aditamento.

Em consequência, e quanto à junção de documentos supervenientes, também eles devem ser rejeitados por se destinarem a provar facto que não pode ser apreciado.

O legislador permite nos termos do artigo 651.º a apreciação em sede de recurso de novos meios de prova documental, nos casos previstos no artigo 425º do Código de Processo Civil (sendo essa admissibilidade um dos argumentos usados por alguns dos defensores da admissibilidade de conhecimento de factos supervenientes em sede de recurso)[5].

Prevê o artigo 651.º, número 1 do Código de Processo Civil que: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.

O referido artigo 425.º do mesmo Diploma, por sua vez, estatui que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”[6].

É, assim por regra, admissível a junção de documentos supervenientes desde que, naturalmente, os mesmos se destinem a provar factos já apreciados pelo Tribunal a quo e que se querem ver reapreciados em sede de recurso.

Se, como sucede neste caso, não houver utilidade na junção dos documentos por os mesmos se destinarem à prova de factos que não podem ser reapreciados em sede de recurso (sejam por não serem objeto da decisão recorrida ou por se considerarem inúteis à apreciação do recurso), não deve admitir-se a sua junção, pelo que não serão considerados.


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2 – Da inutilidade superveniente da instância recursória em face dos novos factos alegados e dos documentos destinados a comprová-los.

Em face da alegada alteração, por acordo, da escola a frequentar pela menor a partir de setembro de 2024, ponderou-se, em prévio despacho da relatora, a possibilidade de se julgar inútil a apreciação deste recurso por o mesmo se estribar apenas na sustentação da impraticabilidade da residência alternada perante a frequência pela menor de estabelecimento escolar em ... e na alegação de que mesmo uma mudança da mesma para uma escola situada no Porto, onde ambos os pais trabalham, imporia à menor sacrifício elevado e injustificado, na medida em que a mãe se desloca diariamente de ..., onde reside, por meio de transportes públicos, o que obrigaria a menor a suportar horários e viagens inadequadas à sua idade.

O Ministério Público nada disse quando notificado para se pronunciar sobre tal inutilidade superveniente, mas, como já salientado, a mãe da menor opôs-se alegando, em suma, que a alteração da escola frequentada pela menor não teve o seu acordo, tendo constituído, antes, uma cedência à vontade do pai com vista a permitir o imediato cumprimento da sentença recorrida. Afirmou pretender, caso proceda o recurso e a residência da menor seja fixada consigo, voltar a matricular a mesma em estabelecimento de ensino sito em ....

Em face desta alegação da Recorrente e pelas razões já acima melhor enunciadas, entendemos que não será inútil a apreciação do mérito do recurso.


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3 – Da admissibilidade do recurso da matéria de facto.

Ao contrário do sustentado pelo Recorrido o Ministério Público cumpriu os ónus legalmente impostos para o recurso da matéria de facto.

O artigo 640º do Código de Processo Civil estatui quais as obrigações do recorrente que pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto.

É o seguinte o seu teor:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos ns.º 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

A Recorrido sustenta que as alegações do Ministério Público omitem a transcrição exata das passagens dos depoimentos em que fundamenta a censura dirigida à decisão recorrida pelo que não pode admitir-se o recurso da matéria de facto.

Não lhe assiste razão.

A lei não estatui qual a forma de indicação “com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso”. Essa indicação não tem, pois, necessariamente, como parece entender a Recorrida, que ser feita por via da sua transcrição que o legislador referiu expressamente como uma possibilidade à escolha do recorrente.

A atual redação legal permite que nalguns casos a exata indicação das passagens do depoimento que se querem ver reapreciadas possa ser feita por referência ao seu conteúdo, ou até, à sua transcrição. Se por via dessa forma de indicação o tribunal de recurso puder apurar quais os concretos momentos do depoimento que o recorrente entende de valorar/desacreditar, deve concluir-se que foi cumprido o ónus do recorrente.

Ora o Ministério Público indicou os dias, horas e minutos de cada depoimento que quer ver reapreciado e, em parte, apresenta o que entende ser a transcrição dos trechos que relevam.

Do teor das suas alegações é manifestamente fácil perceber qual o conteúdo dos depoimentos prestados de cuja apreciação crítica o Recorrente discorda.

Tem sido praticamente unânime o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, expresso nomeadamente em Acórdão de 29-09-2015[7] de que o “ónus de indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento – como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da ata, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso.”.

Este entendimento, que apela a considerações de proporcionalidade, é o único que reverencia ao intuito do legislador, em várias disposições do Código de Processo Civil, de fazer prevalecer o conhecimento do mérito sobre as exigências de forma[8]. Bem como é o único que se adequa ao propósito do legislador quando exige a indicação exata das passagens da prova gravada em que se funda o seu recurso: o de permitir ao tribunal de recurso apreciar as razões da discordância sem ter de fazer a reapreciação de toda a prova quando o objeto do recurso se limita a alguns pontos da matéria de facto e apenas ocorre discordância quanto à apreciação de certos meios de prova.

Assim, adota-se a interpretação do preceito em análise que tem vindo a ser feita pelo Supremo Tribunal de Justiça bem como por este Tribunal[9], pela qual o conteúdo da exigência de exatidão na indicação das passagens da prova gravada em que se funda o recurso deve ser apreciado caso a caso, de acordo com critérios de proporcionalidade. Entende-se que tal interpretação é a única que reverencia aos princípios hermenêuticos previstos no artigo 9º do Código Civil, nomeadamente quando ali se apela à consideração da unidade do sistema jurídico (elemento sistemático que impõe a consideração da prevalência do mérito sobre a forma) e se estipula a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.

Ora, no caso em apreço nada obsta ou dificulta a reapreciação da prova gravada cujo teor, nas partes objeto da discordância, foi indicado com exatidão bastante à sua identificação e localização. É, portanto, de admitir o recurso da decisão relativa à matéria de facto.


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O Recorrido levantou, ainda, dúvidas sobre a legitimidade do Ministério Público para se pronunciar sobre “a posição da mãe” da menor, uma vez que a mesma se faz representar nos autos por advogado.

Confunde o Recorrido, salvo o devido respeito a posição dos progenitores com a posição da menor, cujos interesses o Ministério Público defende nos autos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17º, número 2 da Regime Geral do Processo Tutelar Cível, 23º, número 1 do Código de Processo Civil.

O Ministério Público pretende, por via do recurso, a tutela dos interesses da menor e nenhuns outros. O facto de, pelo menos em parte, a solução preconizada pelo Ministério Público coincidir com a defendida pela mãe não faz transmutar a posição do primeiro para a de representante dos interesses desta e é manifesta a legitimidade do mesmo para recorrer, nos termos do número 2 do artigo 32º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.


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4 - Da pretendida alteração da matéria de facto provada.

O Ministério Publico afirma que discorda dos pontos 1, 2, 3, 4, 10, 11 e 16 da sentença recorrida. Neles ficou decidido:

- a fixação de um regime de residência alternada da menor, e a forma da sua concretização quanto aos dias e horas da mudança semanal de residência e às visitas da menor ao progenitor com quem não permaneça, a meio de cada semana (pontos 1 a 4 e 10);

- a fixação de um período de férias quinzenais com cada um dos progenitores no verão (ponto11);

- a obrigação de cada um dos progenitores assumir o sustento da menor nas semanas em que esta com eles residam (ponto 16).

Para sustentar esta pretensão o Ministério Público requer que se deem como provados os seguintes factos:

“1. A progenitora tem a intenção de matricular a CC no 1º ano de escola pública de ... próxima da residência.”

“2. Nunca existiu e não existe acordo quanto a escolha de escola privada no Porto.”

“3. Existe proximidade de 1 quilómetro da residência dos avós maternos da residência da progenitora na cidade ....”

“4. A progenitora demora cerca de 1hora e 30 minutos a chegar ao seu local de trabalho e demora pelo menos uma hora no trajeto do local de trabalho para a residência.”

“5. Existem perspetivas educativas distintas dos progenitores em projeção de futuro.”

“6. No ano de 2019 a progenitora declarou de rendimentos o montante de €17 022,52.”

“7. No ano de 2020 a progenitora declarou de rendimentos o montante de € 16 897,01.”

“8. O progenitor não tem rendimentos pelo menos desde 2020.”

A Recorrente, por sua vez, acompanha este recurso do Ministério Público e amplia o seu objeto quanto ao recurso da matéria, nos termos do artigo 636º, número 2 do Código de Processo Civil, pretendendo que se julguem provada a seguinte factualidade: “Se viesse a concretizar-se a mudança de escola para o Jardim de Infância A..., de uma viagem de carro, de 8 minutos, passaria a Criança CC a fazer diariamente uma viagem de comboio + uma viagem de Metro + uma viagem de autocarro + deslocações a pé entre transportes, tudo no total de 65 minutos à ida para a escola e de 67 minutos à vinda.”;


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Os factos selecionados pelo Tribunal a quo para sustentação do decidido foram os seguintes:

Provados:

“1 - CC nasceu no dia ../../2018 e está registada como filha de BB e AA.

2- No dia 31 de outubro de 2021 AA, progenitora da CC, apresentou na PSP-Comando Distrital de ... denúncia contra BB, progenitor da CC, com a seguinte descrição de factos: «No dia 24 de outubro de 2021, pelas 16horas, na residência sita na Avenida ... (...), o suspeito dirigiu-lhe as seguintes palavras e expressões “tu vais-te arrepender, tu não voltas a fazer isso, eu vesti a CC, ela vai como eu a vesti, tu não te sobrepões, tu não tens cabeça, tu és igual a tua mãe, tu não és capaz de nada, és burra, acabou. AA eu não aguento, começa a procurar um sítio para saíres daqui, está na hora”. A vítima refere que sente receio pela sua integridade física, motivo pelo qual abandonou a residência, trazendo consigo a sua filha CC, com 3 anos de idade. A vítima declara que vive maritalmente com o denunciante há cerca de 9 anos e dessa relação têm uma filha a CC. A vítima neste momento está a residir na residência do seu irmão. Declarou não existirem ocorrências anteriores por agressões à vítima ou outro familiar praticados pelo mesmo denunciado; não há lesões; a ocorrência foi presenciada pela criança».

3- O auto de denúncia referido em 2) recebeu o n.º...33/21.9GAMAI e foi atribuído o estatuto de vítima especialmente vulnerável à denunciante.

4- No dia 4 de novembro de 2021 BB, progenitor da CC, apresentou no Juízo de Família e Menores da Maia- Comarca do Porto providência de regulação do exercício das responsabilidades parentais da CC, requerendo a atribuição de carácter urgente, alegando na petição inicial, além do mais, a seguinte factualidade:« que viveu em união de facto com a progenitora da CC durante cerca de 9 anos, que a relação começou a deteriorar-se progressivamente até que, por conclusão e acordo de ambos foi tomada decisão de terminar a mesma, tendo por acordo entre ambos, por o imóvel onde viviam ser bem próprio do progenitor, a progenitora continuaria a residir na morada até conseguir arranjar uma casa; no sábado dia 30 de outubro de 2021, sem qualquer aviso prévio ou comportamento que o pudesse indiciar, a progenitora, aproveitando que o requerente se encontrava num jantar social com amigos, saiu de casa levando a CC, recusou revelar o local onde se encontra a filha, por várias vezes, o tentou ver a filha, o que a progenitora sempre se recusou; nunca até ao dia 30 de outubro a CC esteve privada da presença do pai; o relacionamento entre a CC é muito próximo, está habituada à presença do pai e aos cuidados deste (…)».

5- No dia 5 de novembro de 2021 AA, progenitora da CC, apresentou petição inicial que deu origem aos presentes autos, na qual alegou, além do mais: «A Requerente e o Requerido viveram juntos, desde setembro de 2012, em condições análogas às dos cônjuges. A Requerente e o Requerido são progenitores da Criança CC nascida a ../../2018. A Requerente foi vítima de abusos por parte do Requerido, o que motivou a sua saída da casa de morada de família com a Criança CC e a apresentação de queixa-crime na PSP ..., a qual deu origem ao Inquérito que sob o NUIPC ...33/21.9GAMAI corre termos pelo DIAP Regional de Matosinhos, tendo-lhe sido atribuído o Estatuto de Vítima Especialmente Vulnerável. 4) A Requerente e a Criança CC estão a viver provisoriamente em casa do Irmão da Requerente. Estando estabelecida a filiação da Criança

CC relativamente à Requerente e ao Requerido e tendo cessado a coabitação entre estes, há que regular o exercício das responsabilidades parentais relativamente à Criança».

6- Em 9 de novembro de 2021 foi proferido despacho na providência tutelar cível intentada pelo progenitor descrita em 4), julgando o Juízo de Família e Menores da Maia territorialmente incompetente por a criança CC se encontrar a residir junto da mãe em ....

7- O auto de denúncia referido em 2) recebeu aditamento com avaliação para risco médio, tendo a denunciante declarado que as atitudes intimidatórias continuaram até à véspera da conferência de progenitores, através de SMS; a vítima encontra-se num estado emocional fragilizado.

8- Na conferência de progenitores realizada no dia 14 de dezembro de 2021 foi fixado o seguinte regime provisório: «1.º - A menor CC fixa residência com a progenitora. As responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da menor serão exercidas em cada momento pelo progenitor que esteja com a filha, não podendo, no entanto, o progenitor contrariar as orientações educativas mais relevantes tal e qual elas são definidas pela progenitora. As responsabilidades parentais relativas aos atos de particular importância para a vida da menor (designadamente a escolha da creche) serão exercidas por ambos os progenitores de comum acordo. 2.º - O progenitor poderá estar com a menor todas as quartas-feiras indo buscá-la à creche (Colégio ..., Rua ..., ..., ...) ou a casa onde a mesma reside atualmente pelas 17:00 horas e indo levá-la às 20:00 horas a casa da mãe. Mais estará com a menor nos fins-de-semana, em dias alternados começando esta semana no sábado, indo buscá-la a casa da mãe pelas 10:00 horas e entregando-a novamente na referida casa pelas 18:00 horas. Nas festividades (véspera de Natal, dia de Natal, véspera de Ano Novo e dia de Ano Novo) a menor estará com o progenitor no dia 24 de dezembro, indo o mesmo buscá-la a casa da mãe pelas 18:00 horas e entregando-a às 23:00 horas. No dia 1 de janeiro o pai irá buscar a menor a casa da mãe pelas 11:00 horas e levá-la novamente a casa da mãe pelas 18:00 horas, ficando nos restantes dias festivos (Dia 25 de dezembro e 31 de dezembro) com a mãe. O tribunal teve em conta para tomar a sua decisão, no que respeita à residência, a circunstância de por um lado a CC se encontrar desde a data da separação dos progenitores ocorrida no dia 30-10-2021, a residir com da mãe, e, por outro lado, a falta de informação existente nos autos (não obstante as diligências para a obter), que não

permite, por ora, ao tribunal formar convicção sobre o ocorrido entre os progenitores e que poderá ter afetado a menor. Ademais, resultou evidente nesta diligência a dificuldade de entendimento dos pais, bem ainda a ausência de informação que tornasse possível ao tribunal, nesta fase embrionária do processo, optar por uma residência partilhada ou pela fixação de pernoitas da menor com o pai, sem prejuízo de qualquer alteração que venha a ser fixada na próxima diligência».

9- Em 28 de dezembro de 2021 foi aberto processo de promoção e proteção por sinalização do Espaço GAV- Espaço ...- acompanhou a progenitora desde 10 de novembro 2021 e sinalizou a situação da CC à CPCJ com o seguinte teor: «quando a progenitora permita que a criança fale com o pai através de videochamada este fala-lhe das coisas materiais que tem em casa e das amigas que deixou na escola. Esta mostra-se ansiosa e confusa, questionando várias vezes a mãe sobre o que se está a passar, podendo toda esta situação trazer consequências psicológicas para a criança», conforme documento junto aos autos pela CPCJ ... por email 18 de janeiro de 2022.

10- Em 18 de janeiro de 2022 foi realizada nova conferência de progenitores, na qual foi fixado o seguinte o regime provisório, em complemente ao fixado em 14 de dezembro de 2021: «: 1.º - Residência e exercício das responsabilidades: nos termos antes definidos. 2.º - O progenitor poderá estar com a sua filha todos os fins-de-semana, alternadamente de sexta-feira do fim do horário das atividades da menor até sábado às 21:00 horas e de sábado das 19:00 horas até domingo às 21:00 horas, começando na próxima sexta-feira. Estará, ainda, com a sua filha todas as terças e quintas-feiras, indo buscar a sua filha diretamente às atividades e entregando-a em casa da mãe às 20:30 horas. Nas férias escolares da Páscoa e do verão a menor estará com cada um dos progenitores em semanas alternadas. Quando estiver nas semanas do progenitor jantará com a mãe à quarta-feira e quando estiver nas semanas da progenitora jantará com o pai no mesmo dia. No domingo de Páscoa a menor almoçará com a mãe e jantará com o pai. No dia de aniversário dos progenitores, dia do pai e dia da mãe, a menor passará os dias com o progenitor respetivo, sem prejuízo das suas atividades. No dia de aniversário da menor, esta fará pelo menos uma refeição com cada um dos progenitores, começando o progenitor com o almoço. 3.º - O progenitor contribuirá a título de alimentos para a filha com a quantia mensal de 150,00 €, a liquidar até ao dia 8 de cada mês, com início no próximo mês de fevereiro, por transferência ou depósito bancário para conta cujo IBAN a progenitora indicará atempadamente ao progenitor através dos Ilustres Mandatários.».

11- Em 15 de março de 2022 no âmbito da intervenção da CPCJ foi lavrado acordo de promoção e proteção com aplicação de medida de apoio junto dos pais, com duração de 6 meses, no âmbito da qual os progenitores estabeleceram por mútuo acordo um regime de residência alternada com rotação a cada 3 dias que se inicia a 18 de março de 2022 com o pai; o regime estabelecido será revisto no prazo de 30 dias para confirmar que o acordado pelos pais cria melhores condições para proteger os interesses da criança e o seu desenvolvimento integral (…)», acordo datado de 15 de março de 2022, junto aos autos de promoção e proteção cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. O progenitor não chegou a assinar tal acordo.

12- Em 18 de abril de 2022 a progenitora comunicou ao técnico que acompanha a execução da medida o seguinte: «o progenitor não está a cumprir o acordo no que respeita aos horários de saída da creche, nem as atividades letivas que integram a planificação semanal, não está a cumprir o acordo relativamente às deslocação ; sempre que a CC regressa da casa do pai tem testemunhado perguntas e comentários “Porque me tiraste da Escola dos 3 anos, O papa diz que foste tu que me tiraste da escola dos 3 anos; o papa diz que eu nunca devia ter saído da ... e não devia viver em .... O papa não gosta das pessoas de .... Diz que a avó DD não sabe falar que o avô EE não é o papa das minhas bonecas. Diz que elas não têm pai, comentários que me transmitem da parte dela tristeza e confusão e que me fazem temer pelo desenvolvimento emocional equilibrado da minha filha de 3 anos pelos danos psicológicos que estes comentários lhe estejam a causar neste momento. Devo realçar que desde a minha separação o tempo que o pai esteve impedido de ver a CC nunca foi com o intuito de o prejudicar enquanto progenitor, mas sim porque eu era vítima de violência doméstica e tinha esse estatuto depois de apresentar queixa na PSP .... Tanto é que, quando senti que o melhor para a felicidade da minha filha, mesmo sendo o pior para mim, seria a alteração do regime de visitas, aceitei de livre vontade. (…) A tudo isto devo acrescentar que neste período sempre agi de boa-fé, tendo concordado com a proposta que me foi feita no próprio dia da reunião e sempre cumpri com a minha parte do acordo apesar deste não estar assinado pelo pai, por considerar que poderia ser no melhor interesse da minha filha. No entanto, perante os factos descritos acima considero agora que esta acordo vai contra o melhor interesse da minha filha CC (…)», conforme email de 18 de abril de 2022, junto ao processo de promoção e proteção.

13- O processo de promoção e proteção foi apenso aos presentes autos.

14- Por decisão de 15 de novembro de 2022 o processo de promoção e proteção foi arquivado.

15- Em 22 de agosto de 2022 a progenitora apresentou aditamento ao auto de denúncia referido em 2) denunciando mensagens recebidas pelo progenitor e emails; denúncia incumprimento na hora de entrega da CC no dia 21 de agosto de 2022; não lhe entrega a filha, nem permite que contacte com a mesma; no dia 1 de maio de 2022 também não cumpriu com o estipulado, recusou-se a levar a filha a casa da mãe; enviou mensagens que segundo a vitima chegam a ser provocatórias e intimidatórias, que provocam na vitima uma violação do seu bem-estar emocional.

16- Em 16 de dezembro de 2022 foi comunicado aos autos por entidade policial que a progenitora participou à PSP que o progenitor da CC a não entregou no dia 9 de dezembro de 2022, tendo-lhe comunicado que não entregaria a criança, alegando que no pretérito dia 8 de dezembro de 2022, o mesmo não esteve com a filha e só a iria entregar no domingo dia seguinte. O auto teve aditamento com mensagens com o seguinte teor: «Tendo em conta que na 5.ª feira te apropria te do dia que era meu e da CC, e o que fizeste sem pedir e unilateralmente tomaste essa decisão, eu decidi compensar e ficar com a CC no dia de amanhã, pelo que não vai hoje para .... O que fizeste foi ilegítimo e impediste inclusive a CC de estar num almoço com a família alargada, parte da qual a CC não conhecia ainda. Pelo menos hoje compensará um pouco isso, estando presente num outro aniversário da família à noite. A decisão está tomada, pelo que qualquer argumentação não surtirá efeito. Tenho muita pena, pela CC de ter que fazer as coisas deste maneira, mas infelizmente contigo para que não há outra forma. A progenitora responde “o acordo é para cumprir e eu não aceito alterações. O progenitor responde Só podes estar a brincar. A CC vai amanhã a noite e termina assim a conversa. A progenitora responde A CC tem a festa da FF da escola hoje as 15j, cuja presença está conformidade. Ela foi comigo comprar a prenda e conta ir à festa. O progenitor responde. Paciência, tivesses pensado nisso antes de inventares que os feriados são alternados e reteres a CC, inclusive perdendo um almoço de família importante. Além disso ela veio cheia de tosse e ontem a noite teve febre, suspeito até que amanha poderá não ir à escola. Por isso pensa, em caso de necessidade podes ficar em casa (tu mesma) com ela ou se fico eu. Preciso saber se vais entregar a camisola, para decidir se levo a mochila», auto de notícia e aditamento junto aos autos em 19 de dezembro de 2022.

17- Em 20 de dezembro de 2022 foi fixado a título provisório para as festividades de Natal e Passagem de Ano nos seguintes termos:« - Dia 23, 24 e 25/12 até 11.30 horas e dia 1/1/2022 a partir das 11.30 com a progenitora; - Dia 25/12 a partir das 11.30 horas e entrega no dia 26/12 pelas 21horas (assegurar a presença no aniversário do avô) e dias 30, 31/12 e 1/1/2023 até às 11.30 com o progenitor, regime que acautela os interesses da CC. As deslocações serão divididas, de igual forma, pelos progenitores.».

18- O inquérito n.º...33/21.9GAMAI com início no auto de denúncia referido em 2) recebeu despacho final de arquivamento datado de 6 de janeiro de 2023, tendo a exma. Procuradora da República titular do inquérito, depois de realizadas as diligências de inquérito, designadamente a produção de prova testemunhal e análise das mensagens juntas aos autos de inquérito, concluído que: «Em face da prova produzida nos autos, não podemos considerar que tenham sido recolhidos indícios suficientes de todos os factos que a ofendida imputa ao arguido. Com efeito, a versão apresentada pela ofendida só em parte é sustentada pela prova recolhida nos autos, uma vez que as testemunhas inquiridas não presenciaram os factos, limitando-se a replicar os relatos que a própria ofendida lhes havia feito. Assim, em face da prova produzida afigura-se que, de todo o acervo da denúncia, os factos que relevam e relativamente aos quais importa proceder ao respetivo enquadramento jurídico, são os insultos dirigidas pelo arguido à ofendida durante as discussões, designadamente quando a apelida de “burra”, sendo que, com exceção dos ocorridos no dia 24 de outubro de 2021, nem a ofendida nem as testemunhas souberam precisar as data em que as mesmas se verificaram ou a sua frequência. Tais factos indiciados não revelam densidade suficiente para integrar o crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. º152.º, nºs 1, al. a), 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal. Por último, diga-se ainda que a grande maioria dos factos denunciados nos autos não são suscetíveis de integrar o crime de violência doméstica em apreciação, tratando-se antes de factos que se prendem com divergências quanto ao exercício das responsabilidades parentais relativas à menor CC e que deverão ser valorados nessa sede, designadamente os que relevam em matéria de prestação dos cuidados básicos de que a menor carece, os que se prendem com a sua educação ou até mesmo com a forma como é gerido o desenvolvimento do vínculo emocional e afetivo entre os progenitores e a menor. Assim, em face dos elementos probatórios recolhidos nos autos consideramos que não resulta indiciada, com a suficiência exigida pelo art.º 283.º, nº 2, do Código de Processo Penal, a prática do crime participado para efeitos de prolação de um despacho de acusação.

Efetivamente, a prova dos autos não prima pela evidência exigida pela lei processual em vigor, de modo a habilitar a formação de um juízo válido de imputação subjetiva indiciária. Ora, uma acusação criminal tem de ser fundada em indícios de prova de que resulte existir uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança – como dispõe expressamente o nº 2 do artº 283º do Código de Processo Penal. Tal não sucede no caso vertente, visto que não existem nos autos meios de prova capazes de comprovar perante o tribunal, sem dúvida razoável, que o arguido praticou os factos que lhe imputa a ofendida. Consequentemente, qualquer acusação deduzida neste processo estaria votada ao insucesso, quanto mais não fosse pelo benefício da dúvida concedido aos arguidos pelo princípio vigente conhecido como “in dubio pro reo”, ligado ao princípio da presunção de inocência constitucionalmente consagrado. Face ao exposto, não se vislumbrando outras diligências de efeito útil a realizar, por falta de indícios suficientes da verificação do aludido crime de violência doméstica, determino o arquivamento do inquérito nesta parte, nos termos do art.º277º, nº 2, do Código de Processo Penal. Comunique o presente arquivamento, nos termos do disposto no artº 277º, nº 3, do Código de Processo Penal. Comunique o arquivamento ao o.p.c., para que cesse as avaliações de risco. Cumpra o disposto no artº 37º-A, nº 3, al. g), da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro, na redação conferida pela Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto), comunicando à BDVMVD o despacho de arquivamento e a cessação do estatuto de vítima». No mesmo processo de inquérito foi proferido douto despacho de arquivamento quanto a factos suscetíveis de integrar crime de injúria, porquanto notificada para o efeito a assistente (aqui progenitora) declarou que não iria deduzir acusação particular.

19- O processo de inquérito n.º2704/22.8T9MAI que teve origem na queixa apresentada no dia 23 de agosto de 2022 por omissão de entrega da CC à progenitora mereceu despacho de arquivamento datado de 29 de abril de 2023. Consta do douto despacho de arquivamento além do mais o seguinte: «(…) No caso em apreço, é importante ter em consideração, em primeiro lugar, que se mostra controvertida a afirmação constante na queixa, segundo a qual ficou acordado um primeiro período de 15 dias seguidos com o pai (primeira quinzena) e um segundo período de 15 dias com a mãe (segunda quinzena), no mês de agosto de 2022. Não é isso que consta na ata de conferência de progenitores do dia 18-01-2022. Aqui se lê que “nas férias escolares e do verão a menor estará com cada um dos progenitores em semanas alternadas. Quando estiver nas semanas do progenitor jantará com a mãe à quarta-feira e quando estiver nas semanas da progenitora jantará com o pai no mesmo dia”. E também não é essa a versão do progenitor, que refere a existência de um acordo alcançado por intermédio dos advogados do processo de regulação de responsabilidades parentais, porém, em sentido não inteiramente coincidente com o referido pela queixosa. Assim, desde logo, afigura-se faltar um nexo direto entre o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais fixado - durante as férias, semanas alternadas com cada um dos progenitores - e o regime supostamente acordado por intermédio dos advogados do processo n.º ...29/21.0T8VFR, o qual, como assinalado, se mostra controvertido. Ou seja, está em causa uma alegada inobservância, por parte do arguido, de um concreto acordo – e não o regime em si – quanto aos períodos de férias de agosto de 2022. Por conseguinte, é de concluir que não se pode ter como suficientemente indiciada a violação do regime do exercício das responsabilidades parentais, pressuposto da aplicação e elemento típico da norma incriminadora prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 249.º do Código Penal. Em segundo lugar, é de ter em conta que estamos na presença de um período de não entrega da criança entre os dias 21-08-2022 e 27-08-2022. E, lidas as mensagens através da aplicação WhatsApp juntas pela queixosa, verifica-se que, durante o período em que a CC esteve com o pai, a denunciante foi sendo informada sobre o estado de saúde da criança e inclusivamente terá sido ocorrido pelo menos uma conversação telefónica entre ambas. Também resulta das mensagens que o progenitor questiona a progenitora sobre o que vai fazer com a menor na semana seguinte, o que pressupõe a intenção de entrega, que ocorreu, de facto, no dia 27-08-2022. Nesta medida, salvo o devido respeito por entendimento diverso, não pode falar-se, nem de perto nem de longe, numa situação de rutura da convivência familiar com a gravidade exigida pelo tipo incriminador, nem, sem margem para dúvidas, de uma situação de “repetido e injustificado” incumprimento do regime, de forma a concluir-se que estamos na presença de um incumprimento qualificado. Tal situação, a entender-se como censurável e a qualificar-se como incumprimento do regime de convívios em vigor – mesmo sendo questão controvertida, como vimos –, é suscetível de tratamento no processo de regulação de responsabilidades parentais, se as partes assim o entenderem, não sendo aqui exigida a tutela jurídico-penal, atendendo ao referido princípio de subsidiariedade da sua intervenção. Assim, em suma, pelas razões expostas, não estão suficientemente indiciados factos integradores dos elementos objetivos e subjetivos previstos no tipo legal de crime do artigo 249.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal. (…) atento principalmente o facto de estar em causa um período de seis dias (21-08- 2022 e 27-08-2022), o qual é controvertido e não se encontra vertido expressamente no regime de responsabilidades parentais como tempo em que a criança deveria estar com a progenitora, antes resultando de um alegado acordo alcançado entre advogados. Ao que acresce a consideração de que, numa imagem global do facto, não se está na presença de um de incumprimento qualificado do regime de convivência que traduza uma rutura na relação familiar entre mãe e filha. Neste enquadramento, é imprescindível ter presente que o juízo de prognose que determinará a sujeição de alguém a julgamento exige uma possibilidade de condenação em julgamento que respeite o princípio in dubio pro reo. (…) Em face do exposto, por insuficiência de indícios de crime, determina-se o arquivamento do inquérito (…)».

20- Em 11 de abril de 2023 o progenitor apresentou requerimento para alteração do estabelecimento escolar frequentado pela CC requerendo que a CC não seja inscrita na escola que frequenta atualmente em ... e regresse à Escola ... na ... e requer que a CC ingresse numa escola situada na cidade do Porto, indicando-se como possibilidade as escolas A..., ... ou Colégio B..., apenso que recebeu a letra C.

21- No dia 14 de junho de 2023 foi realizada conferência de progenitores no âmbito do processo principal e apenso C, no âmbito da qual foi fixado por via de homologação de acordo quanto às férias de verão de 2023 nos seguintes termos: «Direito de Convívio Regular e Organização dos Tempos Festivos 1. No presente verão, as férias da criança CC, ocorrerão da seguinte forma: a) de 26 de junho a 9 de julho, a criança estará de férias com a progenitora; b) de 09 julho a 23 julho, a criança estará de férias com o progenitor; c) de 23 de julho a 30 julho, a criança estará de férias com a progenitora; d) de 30 de julho a 15 de agosto, a criança estará de férias com o progenitor; e) de 15 agosto a 1 setembro, a criança estará de férias com a progenitora; f) de 1 a 3 setembro, a criança estará de férias com a progenitora; 2. A hora de entrega será às 21:00 horas de domingo, cabendo a recolha ao progenitor que irá beneficiar do convívio na residência do outro. 3. Nos períodos supra referidos, o progenitor que não estiver com a criança poderá realizar uma videochamada entre as 19:30 horas e as 20:00 horas, cabendo ao progenitor que tem a criança atender a chamada e promover o convívio da criança com o outro progenitor. 4. Nos períodos supra referidos, suspende-se o convívio pessoal com o outro progenitor ao jantar de quarta-feira. 5. A progenitora comunicou que no dia 8 de setembro terá uma festividade (batizado de amiga da CC), pedindo ao progenitor que nessa semana o convívio se inicie no dia 9».

22- Nessa mesma conferência foi discutida a alteração do estabelecimento escolar da CC no ano letivo 2023/24 para Escola no Porto, não tendo sido possível alcançar acordo.

23- Em 7 de julho de 2023 foi proferida sentença no apenso C na qual foi decidido: « A criança frequenta estabelecimento escolar perto da área da sua residência, que corresponde ao fixado no regime provisório. A indicação da educadora para realização de rastreio em psicologia à CC por dificuldades de socialização com os colegas só por si não justifica a mudança de estabelecimento de ensino por parte da criança. Aliás, a indicação da educadora só denota proximidade e preocupação com a criança, o que permite concluir que o estabelecimento de ensino em causa tem acompanhamento atento e próximo com as crianças e partilha com os progenitores das mesmas, sendo que nada garante que as sinalizadas dificuldades de socialização da criança não se iriam verificar nos estabelecimentos de ensino indicados pelo progenitor. A factualidade invocada pelo progenitor não é suficiente para que o Tribunal conclua que o atual estabelecimento de ensino frequentado pela CC não é adequado à criança, ou que afete de forma considerável o bem-estar e desenvolvimento da criança. É certo que ambos os progenitores trabalham no Porto e a frequência por parte da criança de um estabelecimento ensino que se situasse mais próximo da área de residência do progenitor poderia, ou não (tendo presente a dimensão da cidade do Porto e dificuldades de acesso ao centro da cidade), facilitar a logística dos convívios com o progenitor ou a implementação do regime de guarda partilhada preconizado pelo progenitor. Porém, tendo presente que no próximo ano letivo (23/24) a criança não irá para novo ciclo de estudos, que a residência da criança ainda não está decidida a título definitivo, entende-se, acompanhando a posição do Ministério Público, que nesta fase é prematuro decidir por uma mudança por parte da CC de estabelecimento de ensino, sendo de manter a frequência de estabelecimento de ensino junto da área da residência da progenitora, o que permite a colaboração e retaguarda dos avós maternos. Nesta conformidade, resolvendo o diferendo, indefere-se a pretensão do progenitor de mudança da CC de estabelecimento de ensino no ano letivo 2023/24.».

24- Os progenitores da CC viveram com marido e mulher durante cerca de 9 anos, relacionamento do qual nasceu a CC, com residência fixada na Avenida ..., ....

25- O relacionamento pautou-se por divergências e conflituosidade o que conduziu à deterioração da relação conjugal.

26- Em 30 de outubro de 2021 a progenitora da CC saiu de casa onde morava com o requerido, levando a CC consigo.

27- Quando a progenitora saiu de casa no dia 30 de outubro de 2021 o progenitor não estava em casa, encontrava-se num jantar com amigos.

28- A progenitora recusou-se a revelar ao progenitor o local onde se encontrava com a filha.

29- Por várias vezes, o progenitor tentou que a progenitora lhe permitisse ver a filha, o que esta recusou.

30- A CC até ao dia 30 de outubro de 2021 nunca tinha estado privada da presença do pai.

31- O progenitor esteve sem a filha desde 30 de outubro a 15 de dezembro de 2021.

32- A CC frequentou o jardim de infância ... de 17 de setembro a 29 de outubro.

33- A educadora GG, do jardim de infância ..., declarou à Técnica da Segurança Social que «a criança fez boa adaptação, não chorando, entrando na sala sempre bem-disposta. Criança autónoma, calma, meiga com regras de educação, participava nas brincadeiras com o seu grupo de pares. A criança era levada ao Jardim de Infância pelo pai, sendo recolhida pelos avós paternos, mantendo-se todos os familiares atentos às necessidades da CC, apresentando a mesma desenvolvimento físico e cognitivo de acordo com a sua faixa etária», conforme relatório social de 14 de janeiro de 2022.

34- Em novembro de 2021 a progenitora inscreveu a CC na instituição ..., em ..., ..., e a CC passou a frequentar tal instituição.

35- Em 13 de janeiro de 2022 (a menção ao ano de 2021-ter-se-á ficado a dever a mero lapso revelado no contexto da declaração, tendo presente que a criança integrou a instituição em novembro de 2021) a educadora da CC na instituição ... subscreveu relatório no qual fez constar, além do mais: «O período de adaptação da CC decorreu de forma positiva e dentro da normalidade, demonstrando apenas e algumas vezes um pequeno desconforto ao deixar o aconchego da mãe na entrada. Neste período inicial procurava estar sempre perto dos adultos de referência para obter a sua atenção e muitos afetos (…). Em termos emocionais a CC foi durante alguns dias uma criança um pouco reservada e tímida, mas ao mesmo tempo ndemostrava transparência emocional. (…) A CC em contexto escolar é uma criança muito feliz, cheia de energia, sempre muito bem-disposta e com muitos sorrisos e carinhos para dar. (…) Após esta pequena análise, podemos afirmar que a CC apesar de todas as diversidades e mudanças recentemente experienciadas está feliz e está muito bem-adaptada ao espaço escolar. As relações sociais que criou são bastante afetuosas, tornando-se enriquecedores para o seu bem-estar emocional e para o seu desenvolvimento cognitivo.», conforme relatório junto aos autos do processo de promoção e proteção.

36- Consta do relatório da audição técnica especializada, além do mais, o seguinte: «Os progenitores não colocaram em causa o relacionamento afetivo entre cada um deles e a filha. (…) AA é uma mãe afetuosa e que defende a essência da sua filha, garantindo-lhe o direito à experiência e à diferença. Salvaguarda o seu superior interesse acompanhando-a diretamente, nas diferentes atividades. Preserva a relação paterno/filial não sendo sua intenção demonstrar uma atitude alienadora. BB refere que existem vários fatores, que na sua ótica são perturbadores e que podem colocar em causa a segurança da CC, nomeadamente descrevendo que ainda na conjugalidade AA, evidenciava atitudes negligentes e de pouco envolvimento quanto aos cuidados de higiene pessoal da criança. Afirma ainda que a mãe da sua filha, para além de manifestar sinais de instabilidade emocional denotava postura de pouca apetência em termos de participação do quotidiano da criança, afirmando ainda, que a progenitora por vezes, não colocava devidamente os cintos de segurança na cadeira de transporte de CC. Por outro lado, a progenitora afirma que o pai é um individuo com comportamento dominador, que parece estar a instrumentalizar a criança contra a figura materna e avós maternos, denegrindo a imagem e atitudes destes. O progenitor considera que sendo ele a ficar com a residência da filha, partilhará com a progenitora toda a informação relativa à CC, quer em termos de saúde e de educação. Menciona que todas as decisões relativas à filha serão tomadas em conjunto com a progenitora e que tudo será negociado entre os dois progenitores. A mãe não aceita tal, em virtude do pai até ao momento presente não aceitar qualquer negociação ou tentar consensualizar com ela, relativamente à postura de cada um, face ao exercício das responsabilidades parentais. A comunicação funcional entre os progenitores revela-se difícil por serem pessoas distintas e com perspetivas de futuro, aparentemente, diferentes para a filha de ambos. O progenitor menciona que a progenitora inviabiliza o diálogo, ou qualquer tipo de comunicação sobre os assuntos da CC, dando exemplos de email enviados à mesma, aos quais não obteve qualquer tipo de resposta. A progenitora repudia tal afirmação, alegando manter o pai informado das questões pertinentes relativamente à vida de CC. Atendendo às questões colocadas pelo progenitor relativamente ao facto de não ser informado do processo educativo da filha e dificuldades na comunicação com a progenitora, foi ponderada a possibilidade de realização de entrevista conjunta, à qual o progenitor não se revelou recetivo, por considerar que não chegariam a qualquer consenso. Importa salientar que a CPCJ ... fez um trabalho com estes pais, no sentido de acordarem as responsabilidades parentais, mas devido à imposição do pai em determinadas alterações ao referido acordo, tornando-o exequível, a mãe solicitou a retirada do consentimento.».

37- Em 7 de novembro de 2022 a educadora da CC HH enviou email ao progenitor com o seguinte teor: «Papá Após observação contínua de alguns comportamentos da CC, penso que será benéfico um rastreio em Psicologia de modo a tentarmos perceber a sua causa e desta forma, podermos ajudar a ultrapassar algumas das suas dificuldades. O que observamos da CC de forma constante foi: - dificuldade em socializar com os colegas (não só os colegas que já fazem parte do seu grupo, mas os que fazem parte este ano), ou seja, não se aproxima dos colegas para poder brincar, prefere fazê-lo sozinha. Necessita do apoio do adulto para essa aproximação, mas a sua interação com o grupo é de um tempo muito reduzido. Prefere a companhia do adulto aos colegas. Nas brincadeiras livres, brinca sozinha ou escolhe, por exemplo a área da biblioteca, uma área em que prefere ler livros sozinha (explorando as imagens). - Está constantemente a cantar de forma murmurada (em todos os momentos do dia, mesmo quando estamos em atividade orientada, tem tendência para cantar com a boca parcialmente fechada, o que dá origem a uma espécie de murmúrio. O seu tom tem aumentado à medida que o tempo avança). - A nível de autonomia, por exemplo almoço, necessita por vezes do apoio do adulto para a lembrar que tem de pegar nos talheres para o fazer (o que não acontecia o ano passado). - Quando está sentada na manta, tem alguma tendência para se deitar ou encostar quando os colegas estão sentados. Para se sentar de forma correta necessita que o adulto lhe peça, o que pode acontecer várias vezes, num curto espaço de tempo. O que acredito serem comportamentos de desafio. Por estes mesmos motivos, e tendo em conta que alguns destes comportamentos não eram observados o ano passado, penso que tal como referi em cima, ser importante que seja feita uma avaliação em psicologia. Será por isso enviado, para casa, uma autorização para que possam assinar e Doc 01 devolver, para que esse rastreio aconteça. Qualquer dúvida estarei disponível para esclarecer. Atenciosamente HH».

38- A CC foi sujeita a rastreio em Psicologia por indicação da educadora. O relatório de rastreio/observação em psicologia tem o seguinte teor: «Motivo do Rastreio: Dificuldades ao nível da socialização e do comportamento. Relatório da Observação. O rastreio em Psicologia baseou-se na observação clínica do comportamento da criança na interação com a Psicóloga, no comportamento em contexto de sala, bem como na recolha de informação junto da Educadora através de uma entrevista semiestruturada e do preenchimento do Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ-Por, versão Professor). A CC, no momento individual, adotou uma postura colaborante e responsiva, participando com entusiasmo na realização das tarefas propostas. Em contexto de sala, a CC adota uma postura tímida, procurando substancialmente a interação com o adulto. Ao nível da linguagem e compreensão, a CC apresentou um discurso percetível e coerente, sendo capaz de expressar oralmente as suas ideias e eventos do seu cotidiano, demonstrando um vocabulário adequado para a sua idade. Revelou também ser capaz de compreender questões simples e de seguir instruções. Nome: CC D.N: ../../2018 Idade: 4A:6M Data de Rastreio: 21/11/2022. Colégio: ...: HH O presente relatório de rastreio tem como objetivo informar os dados obtidos da observação e recolha de informação junto da Educadora. Os dados apresentados são confidenciais pelo que são de acesso limitado aos profissionais envolvidos no processo educativo da CC. Doc 2 Ao nível cognitivo, do que foi possível observar, a CC focou e manteve a atenção numa tarefa, e mesmo com a interferência de distratores externos, foi capaz de reorientar a atenção. Demonstrou dificuldade ao nível do planeamento e na organização visuo-percetiva, observado na construção de um puzzle. Durante esta atividade apesar de a CC expressar alguma frustração e de resistir à ajuda do adulto, foi capaz de permanecer e concluir a tarefa. Quanto às competências socioemocionais, a CC revelou ser capaz de identificar e reconhecer os estados emocionais básicos como: alegria, tristeza, raiva e medo, associando cada uma destas emoções a situações do seu dia-a-dia. Por outro lado, as suas respostas emocionais face a situações desagradáveis, como o adulto repreender o seu comportamento desajustado, são incongruentes, adotando uma expressão emocional de riso. Esta discordância de resposta emocional pode ter uma função de proteção (mecanismo de defesa). Ao nível da socialização, a CC não revela interesse em interagir com os pares, e não apresenta um colega de preferência. Nos momentos de brincadeira livre isola-se e mesmo que esteja numa área partilhada com outros colegas, não demonstra interesse em iniciar uma interação ou de partilhar o momento/objeto. Frequentemente escolhe a área da biblioteca e as suas brincadeiras são repetitivas e pouco exploratórias. Por outro lado, é capaz de interagir adequadamente com o adulto, e demonstra interesse em fazê-lo. Das informações recolhidas da educadora, a CC apresenta um perfil tímido, porém recentemente tem demonstrado dificuldade em responder às solicitações do adulto, com alguma tendência a desafiar. Menciona também dificuldades nas competências de socialização, demonstrando maior preferência na interação com os adultos. Os resultados do questionário SDQPor (versão Professores) (Quadro 1) corroboram com as informações acima mencionadas, identificando dificuldades ao nível da socialização e do comportamento pró-social. O valor obtido no Suplemento de Impacto revela que estas dificuldades interferem significativamente na relação com os colegas e na sua aprendizagem. Questionário de Dificuldades e Capacidades Escalas Valores normativos Valores limítrofes Valores Anormais Pontuação Obtida Sintomas Emocionais 0-4 5 6-10 4 Problemas de comportamento 0-2 3 4-10 2 Hiperatividade 0-5 6 7-10 6 Problemas com Colegas 0-3 4 5-10 6 Comportamento Pró-Social 6-10 5 0-4 1 Total de Dificuldades 0-11 12-15 16-40 18 Suplemento de Impacto 0 1 ≥ 2 4 Quadro1. Questionário preenchido pela educadora Face ao acima descrito, a CC poderia beneficiar de acompanhamento com frequência semanal em Psicologia com o objetivo de promover o desenvolvimento das suas competências socioemocionais, nomeadamente ser capaz de estabelecer relações socioafetivas positivas com os pares e promover uma melhor integração nas dinâmicas desenvolvidas no contexto escolar. Contudo, será necessário recolher informações junto da família de forma a elaborar um melhor enquadramento do funcionamento comportamental e socioemocional da CC no contexto familiar. ..., 25 de Novembro de 2022».

39- Consta do relatório preliminar de avaliação psicológica forense referente à progenitora além do mais o seguinte: «(…) No plano relacional com a filha os dados sugerem que a examinada revela elevada empatia e proximidade afetiva com a criança, uma perspetiva muito positiva da mesma e um envolvimento também muito significativo na vida da CC. Relativamente a competências parentais, a examinada revela ter conhecimentos adequados no que diz respeito às condições ideais para educar uma criança (ex: segurança, higiene, saúde, formação), e revela facilidade no que diz respeito à relação afetiva com a criança, bem como às práticas educativas. Revela abertura à aceitação dos recursos da comunidade, que também é um fator de proteção nas competências parentais. Quando convidada a refletir sobre as práticas educativas, assume-se como competente e adequada. Quando exploradas as crenças e expectativas sobre o futuro e bem-estar da filha, assume uma a atitude proativa, de responsabilidade e motivação. Os dados preliminares da avaliação psicológica da examinado sugerem o seguinte: a) A examinada apresenta competências neuropsicológicas e cognitivas globalmente adequadas. b) A examinada parece experienciar função parental como muito importante, demonstrando proatividade e características psicológicas que favorecem o exercício da parentalidade de forma autónoma e funcional. c)Na relação com a criança, a examinada revela elevada proximidade e envolvimento afetivo, capacidade de empatizar com a criança e um nível de envolvimento também elevado na vida da filha.».---relatório preliminar de 29 de julho de 2022.

40- No relatório final de avaliação psicológica da progenitora consta, além do mais, que: «(…) Descreve-se como uma pessoa globalmente saudável, embora refira alguns problemas relacionados com o facto de passar muitas horas de pé. Tem médico de família. Teve consulta de psiquiatria em 2006/2007 (rutura conjugal). Fez medicação, mas não se recorda especificamente qual. Em 2016 foi medicada pela médica de família por “burnout”, fez Paroxetina e Xanax. Diz que teve gravidez de risco a partir das 21 semanas e esteve em repouso. Tinha sintomatologia ansiosa, foi acompanhada em psicologia no CMIN. Refere que a filha tinha muitas dificuldades em dormir e que teve muita privação de sono durante essa altura. Explica que em 2020 “estava a chegar a um ponto de exaustão e depressão” (sic). Tem consulta de psicologia quinzenalmente desde novembro de 2021. A 30 de outubro de 2021 saiu de casa com a filha. Foi para casa do irmão em .... Em janeiro foi viver com a filha para uma casa independente. Teve uma relação de 9 anos com o pai da filha. Diz que se separou em outubro de 2021. Refere que saiu de casa avisando os sogros, deixou um bilhete ao ex-companheiro, “avisei um amigo com quem ele estava a jantar” (sic). No dia seguinte apresentou queixa por violência doméstica: violência verbal, ameaças, injurias a si e aos pais e “falta de privacidade com a minha filha” (sic). Queixa-se que o ex-companheiro não a deixava estar sozinha com a filha. Diz que nos dois últimos meses tinha sempre imagens de coisas más na cabeça, explica que tem dificuldade em falar sobre as ameaças. Refere que o ex-companheiro dizia “tu és fraca, não sabes educar, não percebes nada de educação” (sic). Na perspetiva da mãe, a CC deveria estar com o pai uma vez por semana e ter fins de semana alternados. Realça diferenças nas perspetivas sobre a Educação, diz que o pai é muito rígido e que isso é negativo na criança. Refere que durante o 1º mês após a saída de casa a filha só teve contacto com o pai por vídeo chamada. À data da 2ª avaliação psicológica refere que teve uma intervenção da CPCJ em que foi proposto a CC ficar 3 dias com a mãe e 3 dias com o pai. A mãe refere que percebeu que esse esquema não estaria a funcionar bem, na sua perspetiva. Explica que a CC vinha com o pai “com discursos autoritários e que dizia coisas dos meus pais que só poderiam vir de manipulação por parte do pai” (sic). A mãe refere que retirou o consentimento à CPCJ para atuar e neste momento vive com a mãe, está com o pai às 3ªs e 5ªas e uma pernoita ao fim de semana, semanalmente. Na perspetiva da mãe, as duas visitas à semana destabilizam a CC nas suas atividades. Na perspetiva da mãe, a CC deveria estar com o pai uma vez por semana e uma pernoita de quinze em quinze dias. No sentido de responder ao pedido que nos foi endereçado, entendemos seguir um esquema avaliativo que contemplasse e integrasse informação relativa às características do funcionamento do psicológico da examinada, às características psicológicas no que diz respeito ao plano interpessoal e relacional elementos do núcleo familiar restrito), às capacidades e competências parentais nomeadamente, as competências ao nível da gestão do quotidiano, dos cuidados primários à criança, das estratégias educativas, da dimensão afectiva e relacional, bem como a promoção do bem-estar físico e psicológico da criança. Do exame Psicológico resulta, em termos globais, que a examinada se apresenta orientado no espaço e no tempo, auto e alopsiquicamente, sem que se verifiquem alterações ao nível da forma e do conteúdo do pensamento. Os dados sugerem que a examinada apresenta resultados considerados normativos - tendo em conta a idade, escolaridade e meio de inserção sócio-cultural - no que diz respeito às competências de atenção (capacidade de focar e direccionar os processos cognitivos durante um estado de vigília) e concentração (capacidade de focar e manter a atenção por um dado período de tempo); competências mnésicas (quer a curto prazo, quer a longo prazo); capacidades construtivas e visuo-espaciais (relacionadas com as funções de acuidade visual, coordenação motora e sensibilidade táctil envolvidas na execução de atividades quotidianas como conduzir, cozinhar, etc.). Relativamente à capacidade de abstração (capacidade de analisar informação de acordo com temas, conceptualizar significados, generalizar de acordo com categorias, formular hipóteses e raciocinar, utilizando o pensamento dedutivo e indutivo) apresenta resultados normativos, atendendo à escolaridade e meio de inserção. Os dados da avaliação indicam que a examinada reúne um conjunto de capacidades que lhe permitem responsabilizar-se pelos seus atos, isto é, em função dos resultados da avaliação é de admitir que a examinada não apresenta psicopatologia que a impeça de assumir a voluntariedade, intencionalidade e responsabilidade pelos seus comportamentos. Os dados recolhidos sugerem também que a examinada apresenta um comportamento globalmente adequado. Revela autonomia na gestão da sua vida, capacidade de organização e de decisão. A examinada apresentou postura relaxada, afável, atitude colaborante relativamente aos procedimentos da avaliação, discurso preciso, coerente e fluido, humor eutímico (normal e adequado ao contexto). Os dados da avaliação psicológica sugerem que a examinada apresenta capacidade de auto-regulação comportamental, capacidade para planear e tomar decisões que digam respeito à gestão do quotidiano. No plano relacional (com a filha) os dados sugerem que a examinada revela elevada empatia e proximidade afetiva com a criança, uma perspetiva muito positiva da mesma e um envolvimento também muito significativo na vida da CC. Relativamente a competências parentais, a examinada revela ter conhecimentos adequados no que diz respeito às condições ideais para educar uma criança (ex: segurança, higiene, saúde, formação), e revela facilidade no que diz respeito à relação afetiva com a criança, bem como às práticas educativas. Revela abertura à aceitação dos recursos da comunidade, que também é um fator de proteção nas competências parentais. Quando convidada a refletir sobre as práticas educativas, assume-se como competente e adequada. Quando exploradas as crenças e expectativas sobre o futuro e bem estar da filha, assume uma a atitude proativa, de responsabilidade e motivação. Sem prejuízo do anteriormente referido, a examinada revela dificuldade em aceitar o papel e presença do pai da CC na vida da criança e uma representação negativa deste. Esta é uma dinâmica psicológica frequente em situações de elevado conflito parental, que deverá ser trabalhada individualmente por cada um dos progenitores. Conclusões: Os dados da avaliação psicológica da examinada sugerem o seguinte: a)A examinada apresenta competências neuropsicológicas e cognitivas globalmente adequadas. b) A examinada parece experienciar função parental como muito importante, demonstrando proatividade e características psicológicas que favorecem o exercício da parentalidade de forma autónoma e funcional. c)Na relação com a criança, a examinada revela elevada proximidade e envolvimento afetivo, capacidade de empatizar com a criança e um nível de envolvimento também elevado na vida da filha. d) A examinada revela dificuldade em aceitar o papel e presença do pai da CC na vida da criança e uma representação negativa deste. Esta é uma dinâmica psicológica frequente em situações de elevado conflito parental, que deverá ser trabalhada individualmente por cada um dos progenitores.». relatório datado de 27 de janeiro de 2023, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

41- No relatório de avaliação psicológica ao progenitor consta, além do mais: «Em sede de avaliação o Sr. BB manifestou uma postura cooperante e ajustada ao contexto. No que respeita ao seu percurso de vida declara não ter irmãos e não alude a circunstâncias que entenda como negativamente valoráveis no que respeita ao seu percurso desenvolvimental ou às dinâmicas do agregado familiar de origem. Refere-se ao percurso académico-laboral “fiz a licenciatura em Biologia, pós-graduação em Enologia, cursos pós-graduados na faculdade de Medicina, tenho o doutoramento para concluir que ficou em suspenso há uns anos por diversas circunstâncias que surgiram. É na área das Neurociências e a música. Eu não entrei logo em Biologia, estudei Informática de Gestão (fiz um ano ou dois) mas foi um erro de casting..eu cresci no auge da informática e sempre estudei ferramentas informáticas mas uma coisa é gostar outra é trabalhar nessa área. (…) Com 17/18 anos pertenci à ..., tinha 22 ou 23 anos e trabalhei no Banco 1..., num gabinete de telemarketing, enquanto estudei Biologia trabalhei no .... (…) Neste momento não tenho um trabalho fixo, suspendi os estudos doutorais terá sido em 2015 mas continuei a fazer algumas coisas, nessa altura comecei a trabalhar como freelancer, como consultor na área da neuroimagem. Não queria aquele trabalho de bolseiro...fiz pós-graduação e tenho tido trabalhos na área dos vinhos. Tenho um projecto agora ligado com o .... Eu gosto destas coisas em que tenho estado envolvido mas confesso que estar há alguns anos a trabalhar em casa e haver tempo em que não há trabalho…pensei em ter um trabalho convencional e tenho feito candidaturas mas há uma grande diferença neste país, sinto que ainda não há uma grande abertura…o que encontrei eram lugares de grande responsabilidade com remunerações de quase estagiários. Foi uma decisão que tomei, enquanto conseguir organizar-me financeiramente…” (Sic). O Sr. BB menciona um relacionamento de coabitação prévio ao relacionamento com a D. AA, comentando “sou amigo de todas as minhas ex-namoradas” (Sic). Reporta-se ao relacionamento com a progenitora da menor “havia uma relação que estava em fim de linha – foi uma relação de nove anos e meio, em união de facto nove anos, conhecemo-nos em aulas de Yoga. A certa altura houve uma abordagem, talvez pela questão do relógio biológico...a AA estava com 38/39 anos...a CC não foi um acidente, foi a falar, a discutir. O nascimento de um filho...as pessoas não dormem, começam a surgir visões diferentes em relação à educação da criança...podem começar a surgir algumas fricções e assim foi, de facto. Eu descobri que a paternidade era uma vocação até...até cheguei a comentar com amigos que tivesse começado mais cedo e não quereria ficar por um filho. (…) A CC nasceu em ../../2018, ficámos vinte e quatro horas/dia juntos por dia, eu trabalhava em casa, a AA teve uma gravidez de risco, ficámos um inteiro juntos...começou logo aí a notar-se algumas rachadelas na estrutura...depois a AA foi trabalhar em Janeiro do ano seguinte, não queríamos que a CC fosse para uma creche antes de 1 ano, eu fiquei em casa a cuidar dela e foi das experiências mais compensadoras da minha vida...isto foi no de 2019 e no ano de 2020 aconteceu a pandemia. Foi um ano em que estivemos juntos em casa, com uma criança pequena...as tais rachadelas que já havia...não culpo a pandemia mas foi um catalisador e acelerou...vinte e quatro sobre vinte e quatro, a situação vai-se degradando...(…)”(sic). O Sr. BB aborda a circunstância “houve uma queixa de violência doméstica. Não houve violência doméstica, se houvesse era bilateral, claro que tivemos discussões mais exaltadas, mas nem sequer era o prato do dia...o que era prato do dia era uma tensão do casal, nos últimos tempos, já não nos suportávamos e era uma discordância já em coisas quotidianas e corriqueiras...já não era o ambiente de carinho e amor onde uma criança deva crescer mas não foi algo traumático...traumático terá sido a forma como a mãe retirou a filha do núcleo que ela sempre conheceu, retira-a da escola...em Outubro. Eu estava num jantar, eu fui com um amigo e vizinho que vive no condomínio. Nesse dia estava tudo bem, eu já tinha notado alguns sinais estranhos nos últimos meses, quando fomos para lá - eu é que comprei o imóvel com património próprio - a AA queria pagar uma espécie de renda, eu dizia que não fazia sentido mas ela disse que queria porque era muito importante para ela para sentir que a casa também era dela...eram 250 euros. Nós não tínhamos conta bancária conjunta, cada um tinha no seu Iphone uma folha de cálculo e para as despesas comuns tínhamos aquilo...depois acertávamos aquilo...uma altura eu devia 500 euros, ela pagava às vezes 500 euros porque eram os dois meses em conjunto. Eu disse que então estavam as contas saldadas, ela disse que não porque queria ter um comprovativo, perguntei porquê e ela disse “por causa dos meus direitos”. Numa altura mais próxima do evento fui buscar uns envelopes que tínhamos guardados e o da AA não estava lá nem o da CC, ela disse que tinha tirado porque tinha pouco dinheiro no banco e que o da CC era para comprar umas roupas. Na tarde antes do jantar pediu para comprar umas coisas para a CC, estivemos em videochamada...para mim foi um dia perfeitamente normal...convidaram os meus pais para ir lá a casa jantar...não sei quem é que começou com isso, se foi a mãe ou a AA...a AA pediu para eu pedir a esse meu amigo o número da mulher dele, a II. A AA nessa noite contou aos meus pais o que ia fazer, têm 70 e 72 anos, têm uma adoração pela CC....a AA disse “atenção isto não é um rapto, eu tenho o direito de levar a CC, daqui a dois ou três dias vão estar com a CC e o pai também, por vosso intermédio”, perguntou aos meus pais se podia contar com apoio deles...eles disseram que claro que sim, interpretaram que iam buscá-la todos os dias à escola...a minha mãe depois disse-me que ficou em estado de choque e sem reacção e depois porque achava que eu podia ir do Porto feito maluco a conduzir para casa e podia acontecer ali uma escandaleira...mas o cenário que lhe foi pintado é que daí a dois ou três dias estava tudo bem. A AA queria o número de telefone da mulher do meu amigo para quando estivéssemos a chegar ela falar com ele para ele me preparar...seria 00h, mal abri o portão da garagem vi que o carro da AA não estava, o meu amigo diz “BB tem calma, não aconteceu nenhum acidente, a AA saiu de casa”. A seguir estivemos um mês e meio sem contacto com a CC, eu e os meus pais. Houve duas ou três videochamadas...na primeira sessão em tribunal a Sra. Procuradora teve uma intervenção inicial antes da juíza com uma postura de agressividade para a AA, no sentido da contundência...a AA dizia que eu manipulava as videochamadas, eu no limite dizia à CC “lembras-te quando íamos ali? Fui lá, tenho uma caixa para te mostrar quando estivermos juntos. (…) Eu nunca bati em ninguém, nem sequer fui fazer uma coisa que me era legítima que era ir buscar a minha filha quando ela estava a ser impedida de estar comigo e com os meus pais. Quando a AA saiu com a CC a minha mãe foi informada, o meu pai não se apercebeu…apercebeu-se que algo se passava mas não sabia. (…) A minha mãe disse-me que não tinha dito na altura porque poderia haver uma discussão, que a minha filha assistisse...que sabia que eu não ia, naturalmente, terminar o jantar antes de ir. A mulher do meu amigo só recebeu a mensagem depois de se ter consumado o facto. Já tínhamos saído do restaurante. A AA só ligou à mulher do meu amigo depois de ter já saído. O meu amigo ficou muito preocupado e optou por dizer quando estávamos a chegar a casa” (Sic). Manifesta “os meus pais davam um apoio inestimável à CC, ela adorava estar com eles, tinha e tem uma ótima ligação com eles...e os meus pais tinham mais cuidado e consideração pela AA do que os próprios pais da AA em relação a ela. A AA disse em tribunal que a filha estava em risco comigo...levantou a questão de que havia uma queixa de violência doméstica e a CC foi referenciada pela CPCJ...a Procuradora disse que manipuladora teria sido ela...dia 14 foi a sessão do tribunal e no dia seguinte estive logo com a CC....a mãe disse que queriam que fossem supervisionadas mas disseram que não havia nenhum motivo para isso acontecer, só lhe perguntaram se teria algum problema em entregar-ma e ela disse logo que não, primeira contradição...o tempo foi aumentando, eu pedia e a mãe foi deixando...logo no momento logo a seguir de dizer que estava em perigo com o pai!” (sic). De acordo com o progenitor, à data da primeira entrevista, “a mãe pede a guarda total e eu também peço a guarda total...o que eu acho que é melhor para a CC nas atuais circunstâncias porque eu considero que a mãe está desequilibrada psiquicamente...umas semanas antes do que aconteceu tinha aberto um conflito no trabalho...andava há algum tempo a demonstrar instabilidade emocional ou psicológica ou as duas, como queira, eu não sei. Eu noto regressões na CC, a educação, comer de boca aberta, estar sempre com o dedo no nariz...na linguagem, que acho que já está a recuperar um bocadinho agora. A juíza também disse isso na última sessão, pediu os relatórios das escolas. Era eu que vestia a CC, a preparava, a levava para a escola...ia sempre para a escola contente, feliz, saía excitadíssima...o relatório da escola onde estava era impecável, da escola ... o relatório falava numa criança abebezada. A CC em todas as coisas foi sempre uma miúda…é extremamente inteligente, é muito observadora, só quando se sente muito segura é que ela faz. (…) Ela já percebeu que agora há a casa da mamã e a casa do papá. O discurso dela tem vindo a mudar, eu tenho a minha opinião de que a CC está a ser alvo de...estão-lhe a fazer a cabeça. Isso para mim é claro, eu não quero fazer um jogo com a cabeça da minha filha para ter uma vitória. Nunca instrumentalizaria a cabeça da CC como a mãe faz, não lhe pergunto “não gostas da tua escola nova, pois não?”, pergunto “gostas da escola nova?”. Ela um mês e meio depois já não sabia que tinha morado na ..., não sabia o que era a CC (um diminutivo carinhoso começado por ela). A mãe inicialmente perguntava aos meus pais se estavam sozinhos, se eles respondessem que sim ela ligava. (…) No dia 18 de Janeiro, quando foi a segunda sessão no tribunal, foi a semana da família na escola e a CC escolheu os meus pais. Estamos a falar numa idade em que estão ainda muito suscetíveis à vinculação...durante um mês e meio de tentativa de quebrar elos essa vinculação nunca desapareceu e isso deixa-me extraordinariamente feliz...” (sic). O progenitor caracteriza a menor “é uma criança que está em constante mudança mas se há alguns traços que vou vendo que já vão sendo transversais é que é muito determinada, uma criança tímida inicialmente no contacto com pessoas que não conhece...mesmo com pessoas que conhece noto que há uma evolução porque não interagia muito por sua iniciativa com outras crianças mas já demonstra curiosidade, aproxima-se...é muito determinada, sabe muito bem o que quer, aparentemente – porque isso está na avaliação do colégio novo – dizem que é muito serena mas penso que é aparente, que é recatada mas depois de se soltar é uma criança expansiva. É extremamente inteligente, toda a gente sente que é uma criança extremamente observadora, atenta, nas várias escolas por que passou...parece que só faz as coisas quando se sente segura. (…) Preocupa-me o pouco tempo que, depois de a mãe sair com ela, tinha comigo e com os meus pais e estava constantemente a exigir mais. As primeiras vezes em que ela vinha não queria ir embora, esperneava...isso já se esbateu um bocadinho mas ainda diz…ela ainda tem 3 anos e já me fez perguntas, quando começo a prepará-la para ir embora pergunta “mas porquê papá? Eu já passei muito tempo na ...?” Eu vi muitas regressões nela que ultimamente não tenho visto, não sei se algumas delas são habituação da minha parte ou se já não noto tanto isso. Nas primeiras vezes, inclusive nas primeiras duas videochamadas, até nos pareceu que ela podia estar sob o efeito de algum medicamento porque não percebíamos o que ela dizia. Ela agora está feliz, houve essas regressões que terão sido traumáticas e isso preocupa-me porque não sei se isso aconteceu e passou...ou que impacto é que terá. A educadora inicialmente disse-me que ela não a largava, não interagia com os adultos e outros meninos. Ela procurava muito mais o contacto com os adultos do que com as outras crianças no início, foi há muito tempo, e agora naquela escola voltou. Perdeu completamente a autonomia, não comia sozinha...apesar de agora parecer uma criança feliz não sei que impacto...mesmo que agora tudo se normalizasse aquele mês em que foi privada de estar comigo e com os meus pais – que era a família com quem ela passava mais tempo – preocupa-me. E o facto de ela ainda estar pouco tempo comigo e com os meus pais” (Sic). O Sr. BB alude às práticas educativas “agora há um equilíbrio que tenho de gerir e sei que é um problema, não quero ser um pai que ralha só mas por outro lado tenho de continuar a corrigir...sei que há aqui um equilíbrio muito frágil, não queria ser o pai. Eu através do discurso com ela consigo resolver esses problemas. Não sei se é uma conclusão abusiva porque é de facto muito pequenina, mas sinto que pela lógica tenho conseguido desmontar. Ou dou-lhe a volta de outra maneira…tenho estratégias e consigo sempre dar a volta à minha filha, sinto-me confiante!” (sic). No que respeita ao exercício do papel parental afirma “tenho uma grande capacidade autocrítica, mas não sei se tenho assim tanto de autoanálise. Acho que as minhas qualidades...estes 3 anos e meio da CC, talvez também porque tive essa disponibilidade, a CC foi o meu grande projecto de vida nestes 3 anos e meio. Tudo o resto foi sempre posto em segundo plano ou pelo menos adaptado à CC. Com dedicação, proximidade, capacidade de...era eu que fazia as sopas, que fiquei com ela...era eu que cuidava sempre da CC. Agora calculo que seja diferente, mas a mãe não lhe dava um xarope, colocava um supositório...o começar a andar, o chichi no pote foram comigo. Aconteceu às vezes perder um bocadinho a paciência, agora não sinto tanto isso, mas antes estava na fase de desafiar (punha-se em cima da cama com sapatos, fixava o olhar) e uma pessoa tem de endurecer o discurso e o tom de voz. Nunca bati na minha filha tirando a palmadinha educativa no rabo, na fralda, e nunca de forma a magoar. A mãe…eu tento não questionar a CC sobre esse tipo de coisas, o que me apercebo é que muitas vezes houve discurso ensinado à CC, “fazerem-lhe a cabeça”, notei isso muitas vezes em pontos-chave, no dia a seguir à CC ter feito a avaliação psicológica dela. No dia seguinte à CC ir à avaliação vou buscá-la e ela vem com um discurso “eu gosto muito da minha escola”, diz que gosta muito dos avós e do tio maternos...quando antes não falava simplesmente. Desde que ela está com a mãe tem acontecido. É um bocado paradoxal porque na Acta consta que os pais não têm capacidade de comunicar mas desde então...uma coisa era o discurso, num dia dizer que a filha corria perigo com o pai e queria visitas supervisionadas mas no dia a seguir ceder para haver mais tempo com o pai, sem resistência A realidade mudou de tal forma que eu não sei...só há pouco tempo soube que quem vai buscar a CC à escola é o avô ou o tio...a minha sensação é que no quotidiano ela não estará a exercer mal a parentalidade, acho que não está a descurar...se bem que há pontos que me tenho apercebido que...a cadeirinha mal colocada, o cinto mal colocado...coisas em que não terá o devido cuidado, sei que não é de propósito e que não lhe quer mal mas custa-me a encaixar, decorre da personalidade da AA. Há pouco rigor e pouco cuidado. Essa já era uma questão que tínhamos os dois. Ela gostava imenso da CC, nisso não há questão. Não considero que fosse tao dedicada como eu, em determinadas fases eu senti e apontei isso à mãe. Era uma relação carinhosa e tudo mais, isso não está em questão. Eu era a figura parental mais dedicada, mais envolvida. Por isso foi ainda mais grave o que aconteceu, era ainda mais agudo por causa da natureza da nossa relação. O papel que tradicionalmente atribuímos à mãe o papel era meu” (Sic). O progenitor explana “no imediato perspetivo estabilidade para a CC, espero que o passo que demos seja um primeiro passo...o começo dessa estabilidade é passar um tempo aproximado igual com o pai e a família paterna e a mãe e a família materna. Depois a resolução da questão da escola porque acho que é importante para a estabilidade da CC. A nível de educação vou aprendendo também, a minha perspetiva é dar-lhe a conhecer o que não lhe é dado a conhecer na escola ou em casa da mãe...abrir-lhe os horizontes. Neste momento estou a fazer isso com música. Quero ter o papel de lhe abrir a mente para que o mundo não é só aquilo que está normalizado e há coisas que ela pode escolher e ser. E quero ter o papel de lhe inculcar que é ter espírito crítico e cultura científica. Ser capaz de ter as ferramentas para filtrar e questionar” (sic). À última data de avaliação refere “é meu entendimento que a mãe, podendo, deveria estar mais próxima para facilitar...se estivéssemos mais próximos este acordo provisório seria se calhar já definitivo. Eu acredito que o melhor para a CC é que, enquanto não houver uma normalização da parte da mãe, o que eu penso que é melhor é uma guarda partilhada e residência alternada. Eu queria que ficasse claro que o meu papel em relação à parentalidade da CC é o que é habitualmente o que é atribuído ao papel materno...sempre fui eu que cuidei da CC, a mãe nunca lhe deu uma colher de xarope, nunca lhe meteu um supositório, todos os cuidados e as coisas difíceis foi o pai a 100%...não estou a dizer que a mãe não goste da filha mas eu tinha inequivocamente o papel que é atribuído às mães na nossa sociedade” (Sic). 1. 2. Personalidade O perfil passível de apurar através do preenchimento do instrumento administrado evidencia um funcionamento que denota boa capacidade mental de raciocínio, assente em pressupostos racionais e lógicos. O Sr. BB será um indivíduo espontâneo, ativo e entusiasta, socialmente seguro e empreendedor. Habitualmente tecerá considerações assentes na empatia e na sensibilidade, podendo, contudo, apoiar-se tanto nos aspetos subjetivos que chega a negligenciar os aspetos mais funcionais das circunstâncias. Em regra, adotará uma atitude de confiança face às intenções dos outros, sugerindo-se uma sensação de bem-estar e relações satisfatórias. Será aberto à mudança, experimental e analítico, tendendo a orientar-se para a mudança se observa que a realidade não o satisfaz ou é pouco adequada. Em regra, será gregário e apreciará colaborar com os outros embora ser muito orientado para o grupo possa não ser muito eficaz em situações em que não é possível ter ajuda ou quando os outros oferecem fraca orientação ou conselho. Sintomatologia psicopatológica A avaliação formal do Sr. BB não identifica sintomatologia psicopatológica com expressão clínica embora se assinale a experienciação de sintomas que se inscrevem nas dimensões de ansiedade e humor deprimido, que o próprio associa aos eventos em apreço no presente processo. Importa ressalvar a limitação de o instrumento utilizado ser de auto-relato, o que permite ao indivíduo que o preenche assinalar o que pretender - correspondendo tal ou não à sua circunstância efectiva. A observação e informação obtida em sede de entrevistas evidenciam-se congruentes com os indicadores obtidos. Em sede de entrevistas o Sr. BB indica ter beneficiado de suporte no âmbito da saúde mental há cerca de vinte anos, o qual circunscreve ao momento laboral que então vivia. CONCLUSÃO Considerando os elementos passíveis de apurar em contexto de avaliação, em resposta ao V. quesito cumpre responder o infra-exposto. No que respeita a sintomatologia psicopatológica com eventual expressão clínica e ao perfil de personalidade do Sr. BB, da presente avaliação não decorre a identificação de elementos valoráveis, com particular impacto ou obstaculizantes para o exercício da parentalidade, ressaltando-se unicamente uma dinâmica disruptiva entre os adultos com potencial repercussão no bem-estar emocional da menor, pelo que se reforça a pertinência do processo de mediação a decorrer. A narrativa do progenitor denota que se manifesta afectivamente disponível para a filha, capacidade de aludir à sua idiossincrasia e perspectivar as suas necessidades. O seu discurso remete ainda para a existência de vínculo afectivo. Identifica-se capacidade analítica e auto-crítica, percebendo-se no decurso da avaliação efectuada uma progressiva flexibilização de pensamento quanto ao exercício partilhado das responsabilidades parentais. O progenitor evidencia crenças e concepções teóricas globalmente ajustadas no âmbito das práticas educativas. Importa ressaltar não se ter avaliado a progenitora nem a menor, bem como não se ter disposto dos elementos processuais relativos ao referido processo-crime a decorrer em concomitância, pelo que os elementos plasmados no presente relatório se reporta à informação passível de apurar em contexto de avaliação.»

42- No relatório preliminar de avaliação psicológica da CC consta, além do mais, que: «(…) Não são sinalizadas alterações comportamentais relacionadas com as visitas. A mãe refere que a criança tem boa relação com os pares. Informações do jardim de infância são positivas, segundo a mãe. De acordo com os dados clínicos, ao nível da psicomotricidade (área do desenvolvimento infantil que condiciona um núcleo importante de aquisições básicas, como o equilíbrio, a lateralidade, a marcha, os aspectos grafo-motores, entre outros), a CC apresenta resultados situados dentro dos parâmetros esperados para a sua idade e um padrão de crescimento estável. Ao nível do desenvolvimento cognitivo (eixo que envolve todo o conjunto de recursos que sustentam a aquisição de competências - sociais, de resolução de problemas, de adaptação a situações desconhecidas, linguísticas e narrativas, pensamento, jogo simbólico entre outras), as informações recolhidas sugerem que a examinada apresenta recursos situados dentro dos parâmetros esperados para a sua idade. A CC evidenciou adequadas competências percetivas, contudo apresenta dificuldades em manter níveis de atenção e concentração adequados na execução de tarefas que exigem envolvimento ativo. No plano emocional e comportamental os dados sugerem que a criança se encontra globalmente ajustada, sem que, a partir da avaliação psicológica se tenham identificado alterações significativas do ponto de vista psicológico.».

43- Consta, ainda, do relatório preliminar de avaliação psicológica da CC datado de 27 de janeiro de 2023: informações recolhidas na entrevista com a mãe: As informações relativas ao desenvolvimento, recolhidas com a mãe, remetem para uma trajetória globalmente ajustada. Sobre o processo de desenvolvimento da criança, os dados da anamnese recolhidos com a mãe sugerem que a CC teve um processo desenvolvimental globalmente normativo no que diz respeito aos principais marcadores do desenvolvimento: motricidade; autonomia; linguagem (expressiva e compreensiva); cognição e raciocínio prático. A mãe refere que durante algum tempo a CC manifestava alguns comportamentos de insegurança, mas que terão cessado ao fim de duas semanas. É seguida pelo médico de família e pela Pediatra (Dra. JJ). As informações recolhidas remetem para um enquadramento globalmente ajustado em termos de rotinas e de socialização. A mãe refere que a CC por vezes tem algum nervosismo, faz birras “para se afirmar” (sic). Informações do jardim de infância são positivas, segundo a mãe. Pratica as seguintes atividades: aulas de ioga na escola, inglês, dança criativa e artes plásticas. A mãe refere que a CC teve consulta com uma psicóloga do Centro Social ... pois “está muito confusa, e tem tiques” (sic). Explica que o pai tem hábitos muito diferentes dos seus e que este manipula a CC (e.g. dizer mal da mãe). III. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA: A CC teve um comportamento muito colaborante, afável e adequado. Teve muita facilidade em permanecer com a Perita, sem a presença da mãe, durante a avaliação. De acordo com os dados clínicos, ao nível da psicomotricidade (área do desenvolvimento infantil que condiciona um núcleo importante de aquisições básicas, como o equilíbrio, a lateralidade, a marcha, os aspetos grafo-motores, entre outros), a CC apresenta resultados situados dentro dos parâmetros esperados para a sua idade e um padrão de crescimento estável. Ao nível do desenvolvimento cognitivo (eixo que envolve todo o conjunto de recursos que sustentam a aquisição de competências - sociais, de resolução de problemas, de adaptação a situações desconhecidas, linguísticas e narrativas, pensamento, jogo simbólico entre outras), as informações recolhidas sugerem que a examinada apresenta recursos situados dentro dos parâmetros esperados para a sua idade. No plano emocional e comportamental os dados sugerem que a criança se encontra globalmente ajustada, sem que, a partir da avaliação psicológica se tenham identificado alterações significativas do ponto de vista psicológico. Revela competências narrativas ajustadas à idade, sendo capaz de dar informações simples sobre o seu dia a dia (ex: com quem vive; quais são as suas brincadeiras favoritas, entre outras). A criança refere-se ao pai e à mãe de forma positiva, tendo, contudo, mais facilidade em descrever rotinas e vivencias do seu quotidiano com a mãe. Atendendo à idade da criança (3 anos à data da avaliação), a avaliação psicológica forense centra-se sobretudo nas características desenvolvimentais e na presença/ausência de indicadores de psicopatologia que possam estar presentes, sendo difícil aceder a informação de situações específicas. Dos resultados da avaliação a criança encontra-se globalmente bem desenvolvida em termos psicológicos e não se observaram indicadores de psicopatologia ou de sintomatologia clinicamente significativa. Face todas as considerações expostas, recomenda-se a adoção de estratégias parentais consertadas, que se organizem em torno do equilíbrio e bem-estar da CC atendendo à sua idade e necessidades do seu nível de desenvolvimento.».

44- Do relatório final de avaliação psicológica da CC consta, além do mais, o seguinte: «(…) As informações relativas ao desenvolvimento, recolhidas com os pais, remetem para uma trajetória globalmente ajustada. Sobre o processo de desenvolvimento da criança, os dados da anamnese recolhidos com os pais sugerem que a CC teve um processo desenvolvimental globalmente normativo no que diz respeito aos principais marcadores do desenvolvimento: motricidade; autonomia; linguagem (expressiva e compreensiva); cognição e raciocínio prático. A mãe refere que durante algum tempo a CC manifestava alguns comportamentos de insegurança, mas que terão cessado ao fim de duas semanas. É seguida pelo médico de família e pela Pediatra (Dra. JJ). As informações recolhidas remetem para um enquadramento globalmente ajustado em termos de rotinas e de socialização. A mãe refere que a CC por vezes tem algum nervosismo, faz birras “para se afirmar” (sic). Informações do jardim de infância são positivas, segundo a mãe. Pratica as seguintes atividades: aulas de ioga na escola, inglês, dança criativa e artes plásticas. A mãe refere que a CC teve consulta com uma psicóloga do Centro Social ... pois “está muito confusa, e tem tiques” (sic). Explica que o pai tem hábitos muito diferentes dos seus e que este manipula a CC (e.g. dizer mal da mãe). O pai refere que a criança não quer estar com os colegas, recentemente. Foi avaliada pela psicóloga que colabora com a escola recentemente e terá sido concluído que a CC reage melhor com adultos/biblioteca. Que irá ter algum acompanhamento em sala. O pai refere que pretende residência alternada e que o melhor seria a criança ficar numa escola numa escola no Porto, cidade onde ambos os progenitores trabalham. III. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA: A CC teve um comportamento muito colaborante, afável e adequado. Teve muita facilidade em permanecer com a Perita, sem a presença da mãe, durante a avaliação. De acordo com os dados clínicos, ao nível da psicomotricidade (área do desenvolvimento infantil que condiciona um núcleo importante de aquisições básicas, como o equilíbrio, a lateralidade, a marcha, os aspetos grafo-motores, entre outros), a CC apresenta resultados situados dentro dos parâmetros esperados para a sua idade e um padrão de crescimento estável. Ao nível do desenvolvimento cognitivo (eixo que envolve todo o conjunto de recursos que sustentam a aquisição de competências - sociais, de resolução de problemas, de adaptação a situações desconhecidas, linguísticas e narrativas, pensamento, jogo simbólico entre outras), as informações recolhidas sugerem que a examinada apresenta recursos situados dentro dos parâmetros esperados para a sua idade. No plano emocional e comportamental os dados sugerem que a criança se encontra globalmente ajustada, sem que, a partir da avaliação psicológica se tenham identificado alterações significativas do ponto de vista psicológico. Revela competências narrativas ajustadas à idade, sendo capaz de dar informações simples sobre o seu dia a dia (ex: com quem vive; quais são as suas brincadeiras favoritas, entre outras). A criança refere-se ao pai e a mãe e de forma positiva, tendo, contudo, mais facilidade em descrever rotinas e vivencias do seu quotidiano com a mãe. Atendendo a idade da criança (3 anos a data da avaliação), a avaliação psicológica forense centra-se sobretudo nas características desenvolvimentais e na presença/ausência de indicadores de psicopatologia que possam estar presentes, sendo difícil aceder a informação o de situações específicas. Dos resultados da avaliação a criança encontra-se globalmente bem desenvolvida em termos psicológicos e na o se observaram indicadores de psicopatologia ou de sintomatologia psicológica. A CC tem uma interação o extremamente fácil com a perita, e uma criança com excelentes competências de comunicação, muito colaborante e com uma capacidade de auto-regulação o emocional e comportamental muito ajustada. Na interação o quer com o pai, quer com a mãe, a criança manifestou um comportamento ajustado, descontraído, espontâneo, sem qualquer desconforto ou resistência no contacto com os pais. Solicitou a atenção dos pais de forma muito equilibrada, os dois foram responsivos e securizante. Face todas as considerações expostas recomenda-se vivamente que os pais possam organizar-se de forma a estabelecerem uma comunicação o funcional e se centrem no equilíbrio e bem estar da CC de acordo com a sua idade e necessidades do seu nível de desenvolvimento», conforme relatório pericial junto aos autos em 19 de setembro de 2023, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

45- Em 15 de dezembro de 2023 a educadora da CC subscreveu relatório, a pedido da progenitora, no qual consta, além do mais: « Tenho vindo a observar que a CC é uma criança bem-disposta e participativa. Quando chega ao Colégio cumprimenta os adultos e os seus amigos. Na sala, senta- se na roda dos amigos e canta a música dos bons dias. Como é habitual às segunda feiras, preenchemos o mapa das tarefas e a CC pede para ser responsável por uma das tarefas. Por vezes, relembra ao adulto que a criança escolhida teve a mesma responsabilidade da semana passada. Nas atividades de grande grupo, demonstra entusiamo ao dar ideias e expressa contentamento quando recebe elogios por parte dos adultos e dos colegas. Essa interação positiva pode fortalecer o seu interesse em participar ativamente no seu dia a dia. Em relação ao desenvolvimento social, a CC interage positivamente com os seus colegas nas diferentes áreas da sala. As áreas preferidas da CC são a área do hospital e da cozinha. Em relação ao adulto, conhece os adultos do colégio e quando necessita de algo se dirige ao adulto. Contudo, quando chega a sala, a CC costuma abraçar tanto a mim quanto à auxiliar da sala, mostrando uma conexão afetiva. Quando o adulto lhe pede algo para realizar a CC realiza de bom grado. No que concerne à autonomia, a CC é autónoma na higiene e nas refeições. Preocupa-se em acompanhar os colegas nas refeições e de manter a mesa limpa. Quanto à área da linguagem oral, dialoga bastante com o adulto e consegue contar as novidades do seu dia a dia. E também participa nos diálogos entre os colegas. Colégio ... Em relação a matemática, a CC consegue pronunciar e identificar os números corretamente e pela sua ordem. Associa o número á quantidade. Revela segurança e concentração no uso da tesoura, conseguindo cortar imagens mais complexas, e demonstra maior evolução no uso da pinça, quando realiza as diferentes atividades propostas. A nível da expressão plástica, a CC prefere brincar do que desenhar. Podemos observar que a CC é uma criança que adaptou-se muito bem aos adultos da sala e aos novos amigos.».

Mais se provou que:

46- A CC tem horário no Colégio ... das 9h30m às 17h30m.

47- A criança é transportada de casa para o Colégio ... e do colégio para casa normalmente pelos avós maternos e, sempre que possível, pela progenitora. Nos dias de convívios com o progenitor é este que recolhe a criança no estabelecimento escolar.

48- As deslocações são feitas de carro e demoram cerca de 8 minutos.

49- A progenitora exerce a profissão de Técnica Superior com contrato de Trabalho em Funções Públicas por Tempo Indeterminado com o Município .... Trabalha atualmente na Rua ..., no Porto no Departamento ... (Perto do ...), com período normal de trabalho diário de 7 e 35 horas, com remuneração base de €1.333,35, com acréscimo de suplemento remuneratório nos termos do artigo 159.º da LTFP e subsídio de refeição.

50- A progenitora sai de casa pelas 8horas da manhã e regressa às 18h30m. A CC fica aos cuidados dos avós maternos. Pelo menos duas vezes por semana a progenitora tenta levar a CC à escola.

51- A progenitora tem carta de condução e carro, não tem estacionamento no local de trabalho, desloca-se para o local de trabalho de transportes públicos (comboio, metro e autocarro).

52- O avô materno da CC trabalha e a avô materna está reformada.

53- Em 30 de novembro de 2021 a progenitora celebrou contrato de arrendamento por via do qual tomou de arrendamento o imóvel no qual reside, sito na Rua ... em ..., com pagamento de renda mensal de €600,00.

54- A progenitora recebe mensalmente o montante de €200,00 de “Apoio Extraordinário a Renda”.

55- A progenitora recebe o montante de €49,68 de abono de família.

56- O progenitor paga o montante de €150,00 de pensão de alimentos à filha.

57- A mensalidade da frequência da CC no Colégio ... é no montante de €360,00.

58- A progenitora pagou à creche em 7/7/2022 o montante de €6,00 relativo a complemento de uniforme.

59- A progenitora pagou à creche em 1/7/2022 o montante de €110,00 referente a complemento de verão de 2022.

60- A requerente paga anualmente €250,00 a título de inscrição no ano letivo.

61- A CC frequenta academia de Música de ..., cuja frequência tem valor mensal de €20,00.

62- A CC tem despesas não concretamente apuradas com vestuário e medicamentos, consultas médicas e atividades lúdicas.

63- No ano de 2022 a progenitora declarou rendimentos no montante de €15 551,55.

64- No ano de 2021 a progenitora declarou rendimentos no montante de €14 997,72;

65- O progenitor tem formação em Biologia.

66- No período de 1 de janeiro a 31 de agosto de 2006 e de 1 de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2010 trabalhou e usufruiu de bolsas de investigação da Fundação para A Ciência e Tecnologia, IP; trabalhou como trabalhador independente na área de investigação; atualmente trabalha como angariador imobiliário e prestador de serviços da empresa C..., com remuneração calculada com base em percentagem das comissões imobiliárias cobradas ao cliente que contratarem a mediadora.

67- O progenitor vive em casa própria, sita na Avenida ..., lote ...02- ....

68- O progenitor não tem empréstimos bancários.

69- O progenitor conta, se necessário, com a ajuda dos pais, o pai é empresário e o progenitor é filho único.

70- No ano de 2019 o progenitor declarou de rendimentos o montante de €17.022,52.

71- No ano de 2020 o progenitor declarou de rendimentos o montante de €16.897,01 e declarou a alienação onerosa de imóvel no valor de €215.000,00, o qual tinha sido adquirido por €95.000,00.

72- Nos anos de 2021 e 2022 o progenitor não apresentou declarações de IRS.

73- Ambos os progenitores têm despesas com alimentação, água, luz e transportes, em montante não concretamente apurado.

74- A distância entre a morada da progenitora (Rua ..., em ...) e a morada do progenitor (Avenida ..., lote ...02- ...) é de 53 a 57 km, dependendo das vias.

75- A distância entre a morada da progenitora e local de trabalho da progenitora é 21 Km.

76- A distância entre a morada da progenitora e a Avenida ...-(Colégio A...) é de 22km e demora cerca entre 25 a 40 minutos a percorrer de carro. A distância entre a morada do progenitor e a Avenida ...-(Colégio A...) é de 34 a 38Km (dependendo da via) e demora cerca 34m a 45m a percorrer de carro.

77- A distância entre a morada da progenitora e a Rua ...(Colégio B...) é de também de 21 a 22km (dependo da via) e demora cerca entre 25 a 40 minutos a percorrer de carro. A distância entre a morada do progenitor e a Rua ..., ... (Colégio A...) é de 32 a 36Km (dependendo da via) e demora cerca 32m a 45m a percorrer de carro.

78- A distância entre a morada do progenitor e o local de trabalho da progenitora é de 37 a 39 km.

79- O progenitor reside em habitação que dispõe de 3 quartos, sendo um deles especificamente dimensionado e adaptado ao escalão etário da CC. A habitação reúne boas condições de habitabilidade e conforto, encontrando-se devidamente organizada e higienizada. Na casa do progenitor a CC tem um quarto de dormir e um quarto de brincar.

80- O progenitor reside perto dos avós paternos da CC.

81- Quando a CC está em convívios com o progenitor normalmente convive com os avós paternos.

82- A CC sente-se bem e gosta de estar em casa de ambos os progenitores.

83- A CC dorme e faz refeições em casa de ambos os progenitores, sem resistência.

84- A CC está habituada a partilhar as suas rotinas com ambos os progenitores e com os quatro avós.

85- A CC tem forte vínculo afetivo com ambos os progenitores.

86- A CC gosta dos avós paternos e maternos e tem proximidade com todos.

87- No ano letivo 2024/2025 a CC irá ingressar no 1.º ano de escolaridade em estabelecimento diferente do qual frequenta atualmente.

88- Atualmente o progenitor tem uma companheira, com a qual a CC tem relação de proximidade.

89- A CC convive com crianças na ..., filhos de amigos do pai.

90- Ao longo da pendência do processo os progenitores comunicaram divergências quanto ao estabelecimento de ensino frequentado pela CC, agendamento dos períodos de férias, escolha de psicólogo; entregas e recolhas da criança; frequência da CC em festas de aniversário de colegas da creche; convívio no dia do pai.

91- No dia 28/12/2022 o progenitor enviou mensagem à progenitora com o seguinte teor: «Sexta-feira é um dia em que está determinado a CC passar comigo e não irá à escola. Em face disso acho que não faz qualquer sentido sujeitá-la a ir para ... na quinta à noite para voltar à ... pouco depois. O melhor para ela é por isso dormir comigo nessa noite». A progenitora respondeu: «O regime provisório para o período de festividades é para ser cumprido. Se vens buscar a CC hoje, ela deve estar em ... as 21ho. Amanhã de manhã posso levá-la para o trabalho e vais buscá-la as 10h15m.» O progenitor respondeu: «Achas que essas deslocações todas, ainda por cima com esta chuva torrencial, vão no melhor interesse da CC?». A progenitora respondeu: «Se a chuva torrencial fosse tua preocupação não a vinhas buscar hoje, só amanhã.» O progenitor respondeu: «Era o que mais faltava, ter tido tanto tempo roubado com a minha filha e ainda abdicar. Se alguém o deveria fazer, caso tivesse o mínimo de bom senso, serias tu, não eu. A CC tinha mesmo que vir hoje, não só tem défice de tempo com o pai como tinha hoje a oportunidade de conhecer e estar com amigos. Agora, quereres obriga-la a ir dormir para vir amanhã de manhã de novo, é cruel, insensível, e muitas outras coisas que me vou abster de dizer. Assim vai acontecer, mas esta atitude (bem como outras) terá oportunidade de ser exposta e escrutinada em breve. 10h15m estou lá.».

92- A propósito do dia do pai de 2023 foram trocadas as seguintes mensagens entre os progenitores, a progenitora enviou mensagem: «A CC recebeu este convite para festa do amigo dela. Como no domingo dia 19 de março é dia do pai e vai passar contigo, proponho que na próxima sexta 17 durma cá para ir à festa do KK sábado de manhã. Depois podemos combinar vires buscá-la mais cedo à tarde. Que te parece? Chegou o resultado do exame de rastreio da CC.». O pai respondeu «Como já te disse, tudo o que signifique reduzir o tempo que a CC passa comigo, não te incomodes a propor porque a resposta será sempre não. Estará comigo e, como também já te disse antes, não levarei a CC a ..., seja lá onde isso for. A CC tem que ir e vai mudar para uma escola perto do pai para que tudo isso seja possível, até porque ela não tem “amigos” nesta escola, apenas colegas. Assim o dizem as educadoras». A progenitora respondeu: «Ok.»

Não provado:

“A factualidade denunciada pela aqui requerente progenitora no auto de denúncia referido em 2) dos factos provados e que tal factualidade que motivou a saída de casa por parte da progenitora.”


*

É em face destes factos que devem ser apreciadas a utilidade[10] e o bom fundamento das pretensões de alteração da matéria de facto.

Estipula o artigo 662.º número 1 do Código de Processo Civil que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Ora, os factos dados por provados pelo Tribunal a quo impõem, sem necessidade de reapreciação de qualquer meio de prova, a procedência de parte da pretensão do Recorrente Ministério Público.

De facto, do teor das alíneas 8, 20, 22, 32, 34, 46 a 50, 74 a 78 e 90 resulta manifesta a discordância dos progenitores quanto à escola a frequentar pela CC bem como as distâncias entre as residências destes, entre cada uma delas e o respetivo local de trabalho, no Porto, e entre a residência de ambos e dois colégios (onde o pai pretendia inscrever a menor) no Porto.

Está provado que a menor frequentou escola na ..., onde residia com os pais, até 29 de outubro de 2021, tendo, por decisão exclusiva da sua mãe, passado para estabelecimento de ensino sito em ... a partir de novembro do mesmo ano, cidade para onde a sua mãe se mudou em 30 de outubro de 2021.

Resulta ainda evidente que nem o pai da menor deu o seu acordo a esta alteração de estabelecimento de ensino nem a mãe acordou em alterar a escola da CC para o Porto, para nenhum dos dois colégios sugeridos pelo pai.

Destes factos resulta assente que à data da prolação da sentença era intenção da progenitora que a menor continuasse a frequentar estabelecimento de ensino situado em ... e que havia a mesma não concordava com a pretensão do pai de que a menor passasse a frequentar um colégio privado no Porto.

Como tal, deve dar-se por provado que:

A progenitora tem a intenção de matricular a CC no 1º ano de escola pública de ... próxima da residência; e,

Nunca existiu e não existe acordo quanto a escolha de escola privada no Porto.


*

Quanto ao à distância entre as residências dos avós maternos e a da mãe em ..., o Ministério Público funda a pretendida prova de que distam um quilómetro, apenas nas declarações da Requerente AA, que nessa parte transcreve.

Não se vê, na verdade, qualquer relevância concreta da prova da distância entre as habitações da mãe e dos avós maternos.

Resulta dos demais factos provados que a progenitora se mudou para ... por ser a cidade onde reside a sua família de origem e que os avós maternos da menor têm dado apoio a ambas (filha e neta) nomeadamente quanto aos transportes de e para a escola, tendo tal facto eventual relevo para aferir da pretensão do Recorrente. Relevância que não se vê que a mera distância entre as residências de mãe e avós possa ter, pois o que importa para a tese defendida em recurso é a que a menor beneficia desse apoio da família alargada.

Acresce que não foi alegada nos autos, sequer, qual a morada dos avós maternos da menor que permitisse aferir, por mera consulta online, a distância entre a mesma e a residência da menor.

Assim, mesmo que tal facto fosse tido por útil à decisão, e não é, a mera afirmação da mãe da menor de que reside a 1km dos seus pais não poderia ser tida por bastante à prova de tal facto.

Pelo que improcede a pretensão de aditamento desse facto.


*

O Ministério Público pretende, ainda, que se julgue provado que a progenitora demora cerca de 1hora e 30 minutos a chegar ao seu local de trabalho e demora pelo menos uma hora no trajeto do local de trabalho para a residência.

Uma vez mais não se vislumbra a utilidade da prova desse facto, que o Tribunal a quo não selecionou, a nosso ver bem.

Veja-se que ficou provado (alínea 50) que a mãe da menor sai de casa às 8 horas da manhã e regressa às 18, 30 horas, o que contraria em grande medida a utilidade que o Recorrente pretendia retirar da prova dessa alegada demora das viagens, já que, como se salientou na sentença recorrida, esses horários não se afiguram desajustados à idade da CC que iniciou este ano a frequência do primeiro ano de escolaridade.

É que se a própria mãe admite que só sai de casa às 8 horas e regressa às 18, 30 horas e se demorar, como afirmou 1, 30 horas a chegar ao local de trabalho e 1 hora a regressar, o seu horário de trabalho será, então, entre as 9, 30 e as 17, 30 horas, o que se afigura compatível com o acompanhamento da menor de e para a escola e está confirmado pela prova (cfr. alínea 49) de que trabalha sete horas por dia (a que evidentemente acresce uma hora para almoço).

Finalmente importa relevar que a mãe da menor tem automóvel e licença de condução (o que se provou sob a alínea 51), apenas não o usando para as suas deslocações para o emprego por não ter estacionamento disponível no local de trabalho. Ou seja, o uso de transportes públicos pela mesma não é uma inevitabilidade. É uma opção que se provou apenas decorrer de não ter estacionamento no local de trabalho.

Querendo-o, a mesma poderá deslocar-se de carro, sobretudo quando tenha de transportar a sua filha, estacionando em local a tanto destinado próximo da escola ou do seu local de trabalho, o que, naturalmente, terá um custo financeiro associado, mas não deixa, ainda assim, de ser uma escolha que a mãe não provou, de todo, não ter como suportar. A prova de que a mãe não tem estacionamento no local de trabalho não equivale a afirmar-se que não tenha local de estacionamento, ainda que pago, nas suas proximidades, tanto mais que a mesma labora em zona central da cidade do Porto, junto ao ....

Finalmente, ainda que não pudesse ser a mãe a transportar a menor de e para a escola em automóvel, a mesma salientou nos autos, e ficou provado, que são por regra os avós maternos quem transporta a menor, de automóvel, para a escola que fica a cerca de oito minutos da casa da menor, estando a avó reformada (factos provados nas alíneas 47, 48 e 52). Ou seja, como a mãe salienta, a mesma conta, como muitas famílias aliás, com o apoio dos seus pais para a condução da menor de e para a escola.

O que tudo nos leva a concluir que a mera prova de que a mãe demora entre uma e uma hora e meia nas deslocações em transportes públicos para o seu local de trabalho não releve para a decisão a proferir, já que tem alternativas para transportar a menor para a escola, tendo um horário de trabalho que lhe permite fazê-lo e apoio dos avós maternos para o efeito. É irrelevante aferir quanto tempo demoram as deslocações da mãe por transporte público pois não está demonstrado que a menor tivesse de se deslocar pela mesma forma caso viesse a frequentar estabelecimento escolar no Porto.

Acresce que o Recorrente mais uma vez pretende que tal facto se julgue provado apenas por via das declarações da mãe da menor, que afirmou, de facto, que para se dirigir ao seu local de trabalho apanha o comboio, o metro e um autocarro. Todavia, não foi apresentado qualquer meio de prova suplementar destinado à atestação deste facto, nomeadamente por junção de horários de transportes públicos entre a residência da mãe e o seu local de trabalho. Tal prova seria facilmente produzida pela progenitora e não o foi, não podendo, pois, só com base nas suas declarações, afirmar-se que a mesma despende duas horas e meia por dia em viagens por transporte público.

Por tudo o exposto improcede a pretensão do Recorrente de se dar por provado tal facto.


*

O Recorrente pretende, ainda, que se dê por provado que “Existem perspetivas educativas distintas dos progenitores em projeção de futuro.”.

Tal afirmação é manifestamente conclusiva, sendo a matéria de facto provada abundante na confirmação de que os pais da CC defendem soluções díspares quanto a quase todos os aspetos relacionados com a vida da menor.

Não pode, pois, por conclusiva, aditar-se nova alínea aos factos provados nos termos propostos.


*

Finalmente o Recorrente Ministério Público pretende que se julguem provados três factos relativos aos rendimentos dos progenitores.

A utilidade desta pretensão radicará, se bem o compreendemos, na circunstância de, procedendo a alteração do regime de residência alternado que foi decidida e fixando-se a residência da menor com a mãe, ser necessário estipular o valor com que o pai contribuirá em cumprimento da sua obrigação pagar de alimentos à menor.

Pede, em sustentação da sua pretensão, a reapreciação dos documentos de IRS de 2019 e 2020 que foram juntas aos autos e as declarações do Recorrido em audiência de julgamento, que transcreve na parte em que o mesmo declara não ter rendimento desde a pandemia e estar a viver com auxílio dos pais.

Quanto ao teor dos documentos que o Ministério Público diz terem sido juntos, constatou-se estarem, de facto, juntos aos autos por requerimento de 11-03-2024 duas declarações de IRS apresentadas em declaração conjunta por ambos os progenitores, em regime de união de facto, relativas aos anos de 2019 e 2020. Das mesmas resulta que o sujeito passivo que apresentou rendimentos foi a mãe da menor e não o seu pai que admitiu, de facto, não auferir rendimentos desde a pandemia. Está, aliás, dado por provado que nos anos de 2021 e 2022, após a separação do casal, o Recorrido não apresentou declaração de IRS.

Em consequência alterar-se-ão as alíneas 70 e 71 dos factos provados sendo as mesmas substituídas pela seguinte redação, respetivamente: - 70. No ano de 2019 a progenitora declarou de rendimentos o montante de €17 022,52; e 71. No ano de 2020 a progenitora declarou de rendimentos o montante de €16 897,01.

O facto dado por provado na alínea 72 (Nos anos de 2021 e 2022 o progenitor não apresentou declarações de IRS), passará, por sua vez, a ter a seguinte redação:

Nos anos de 2021 e 2022 o progenitor não apresentou declarações de IRS por não ter rendimentos pelo menos desde 2000.


*

Também a Recorrente AA pretende a alteração da matéria de facto pedindo o aditamento do seguinte: Se viesse a concretizar-se a mudança de escola para o Jardim de Infância A..., de uma viagem de carro, de 8 minutos, passaria a Criança CC a fazer diariamente uma viagem de comboio + uma viagem de Metro + uma viagem de autocarro + deslocações a pé entre transportes, tudo no total de 65 minutos à ida para a escola e de 67 minutos à vinda.”;

Como já acima salientado aquando da apreciação do recurso do Ministério Público não resulta dos factos provados que caso a menor passasse a frequentar estabelecimento no Porto (o Jardim de infância A... ou o estabelecimento que ora frequenta como resulta dos documentos supervenientes juntos pelo Recorrido e pela Recorrente) teria de fazer diariamente uma viagem de comboio seguida de outra de metro e outra de autocarro bem como deslocações a pé entre transportes, tudo no total de 65 minutos à ida para a escola e de 67 minutos à vinda. Como bem ponderou o Tribunal Recorrido a mãe da menor tem carro e licença de condução pelo que a opção pelo uso de transportes públicos na sua deslocação, desacompanhada, para o local de trabalho, obedecerá a razões que se prendem com a dificuldade eventual custo do aparcamento da sua viatura, razões essas que porventura pode e deve reponderar e que terão diferente relevância se tiver de se fazer acompanhar pela sua filha de seis anos.

Ou seja, uma vez mais, o facto de a mãe se deslocar de transportes públicos para as suas deslocações laborais, não implica que também a menor tivesse de o fazer para se deslocar para a escola.

Acresce que a Recorrente estriba a sua pretensão de ver tal facto julgado provado na alegação de que o Tribunal efetuou, oficiosamente, pesquisa no sítio da internet Via Michelin quanto às distâncias entre as casas dos progenitores, local de trabalho da progenitora e estabelecimentos de ensino sugeridos pelo progenitores, o que revelou na motivação da matéria de facto dada por provada sob as alíneas 75 a 77 dos factos provados, mas, segundo a Recorrente, deixou por responder uma questão essencial que era a da demora do percurso feito por via de transportes públicos entre a sua casa e os estabelecimentos sugeridos pelo pai da menor.

Admitindo-se que possa ser de considerar útil ponderar a distância entre as casas de ambos os progenitores e entre a casa de ambos e a cidade onde labora a mãe e onde o pai pretende que a menor seja matriculada – o que ficou dado por provado nas alíneas 75 a 78 - uma vez mais há que afirmar a inutilidade de aferir qual a demora desse trajeto por via de transporte público, por não ser imperativo que a menor seja transportada dessa forma, dada a alternativa que a mãe tem de a transportar por automóvel, de que é proprietária. Como já acima melhor explicitado, não há qualquer facto alegado de que decorra que o transporte da menor tenha de ser feito por transporte público e decorre dos demais factos assentes o contrário.

Como tal, improcede, por inútil, a pretensão de se ver provado tal facto.


*

Em suma, será a seguinte a alteração ao elenco dos factos provados:

As alíneas 70 a 72 passarão a ter a seguinte redação:

70. No ano de 2019 a progenitora declarou de rendimentos o montante de €17 022,52;

71. No ano de 2020 a progenitora declarou de rendimentos o montante de €16 897,01.

72. Nos anos de 2021 e 2022 o progenitor não apresentou declarações de IRS, por não ter rendimentos desde pelo menos 2000.

Serão aditados aos factos provados os seguintes:

93. A progenitora tem a intenção de matricular a CC no 1º ano de escola pública de ... próxima da residência; e,

94. Nunca existiu e não existe acordo quanto a escolha de escola privada no Porto.

*
5 – Em face da fixação definitiva dos factos provados, cumpre conhecer da adequação do regime da residência alternada fixado na sentença recorrida ao interesse superior da menor.

Quanto ao direito a aplicar aos factos ora fixados há que salientar desde já que a redação dos preceitos convocados no que tange à proteção da paternidade e à sua equiparação à maternidade resultaram das sucessivas alterações legais que, como não podia deixar de ser, refletem a evolução social e cultural desta matéria[11] e que a jurisprudência deve também procurar acompanhar.

É o seguinte o regime legal que importa convocar atendendo-se na exposição infra, também, à evolução legislativa na matéria:
· Artigos 2º, 7º, número 1, 13º, número 2, 67º, número 1, 68º números 1 e 2 e 69º da Constituição da República Portuguesa de que resulta a consagração de princípios como o da garantia da efetivação dos direitos e liberdades fundamentais, de respeito pelas convenções internacionais, da igualdade e proibição da discriminação em razão do sexo, de proteção da família como elemento fundamental da sociedade com direito à efetivação das condições que permitam a realização pessoal dos seus membros, da proteção da paternidade e da maternidade na sua “insubstituível ação em relação aos filhos” e do direito das crianças de serem protegidas contra todas as “formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família”.
· Artigo 1906º do Código Civil onde se estatui:

“1. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.

3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.

4 - O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.

5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.

6 - Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.

7 - Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.

8 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.

9 - O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.”.

A redação deste preceito resulta da alteração legal prevista na Lei 65/2020 de 4 de novembro.

O primeiro projeto de lei que deu origem à Lei 65/2020 que introduziu a atual redação do número 6 do artigo 1906º do Código Civil - projeto de Lei 52/XIV/1ª [12]-, tem o seguinte título “Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal corresponda ao superior interesse da criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de abuso infantil, negligência e violência doméstica.”.

Cumpre ainda convocar na análise da lei aplicável ao caso e à forma como deve ser interpretado, o disposto nos seguintes preceitos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (Lei 141/2005 de 8 de setembro):
· Artigo 40º, números 1 e 2: “1 - Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela. 2 - É estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança, podendo o tribunal, no interesse desta e sempre que se justifique, determinar que tais contactos sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal.”
· Artigo 42º, número 1: “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.”
· Os conceitos de “interesse da criança” e de “superior interesse da criança” encontram-se ainda no direito internacional em Diplomas aplicáveis em Portugal como sejam a Declaração dos Direitos da Criança, decorrente da Resolução da Assembleia Geral da ONU, de 20-11-1959 – cfr. artigo 7º -, a Convenção Sobre os Direitos da Criança de 26-01-1990 nos seus artigos 9º e 18º, número 1, e a Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança de 25-01-1996 – cfr. artigo 6º.

Como já ficou expresso, o critério orientador da decisão é o do superior interesse dos menores. E o legislador manda expressamente atender, em cada momento, às circunstâncias concretas do menor e seus progenitores podendo e devendo alterar-se as decisões quando circunstâncias supervenientes o exijam.

Está previsto pelo legislador que mesmo quando se institua um modelo de guarda conjunta com residência junto de um dos pais as decisões de particular importância relativas à vida da criança são tomadas por ambos progenitores – como sejam tratamentos médicos, mudanças de estabelecimento de ensino, mudança de residência ou deslocação para o estrangeiro, etc.

Não foi isso, contudo, que sucedeu no caso dos autos perpassando do seu histórico e da matéria de facto provado que foi a mãe a decidir, com a oposição do pai, questões como a escolha do estabelecimento de ensino a frequentar pela menor, tendo a mesma, para o efeito, mudado de escola a partir de novembro de 2021, durante, portando, o decurso do ano letivo.

Noutra situação em que estaria vedado à mãe tomar essas decisões unilateralmente por se tratarem de questões de particular relevância para a vida da filha, a Recorrida decidiu em oposição à vontade do Recorrente, quando lhe comunicou ter decidido fazer cessar o regime de residência alternada que haviam fixado por acordo durante a pendência dos autos.

A menor, depois da separação de facto dos seus pais, esteve sem o seu pai por um período de um mês e meio (facto provado número 31), também em consequência de decisão da mãe que, não se tendo provado o que imputou ao pai em queixa crime por violência doméstica (que deu origem a inquérito arquivado), não demonstrou ter tido qualquer motivo justificativo para tal afastamento da figura paterna.

O pai, por sua vez, manifestou desde a separação a pretensão de participar das decisões relativas à via a menor e defende nos autos a fixação de um regime de residência alternada.

O já referido número 6 do artigo 1906º do Código Civil prevê que esse regime possa ser aplicado ainda que sem o acordo dos progenitores. Já antes a jurisprudência em diversas situações vinha aplicando tal regime em casos de falta de acordo dos pais [13].

Da prática judiciária resultam diversas situações em que a fixação de um regime alternado se frustrou por força da litigiosidade entre os pais, mas, também, diversos casos em que uma vez fixado esse regime a sua prática se revelou potenciadora de entendimento dada a situação de igualdade em que ambos os progenitores passaram a estar e a necessária colaboração que esse regime impõe.

Na falta de vontade de colaborar não há, na verdade, qualquer regime que acautele os interesses dos menores pois – como o caso dos autos revela -, mesmo em situações em que as visitas ao progenitor não convivente são escassas, pode haver incumprimento.

O conflito parental é negativo para as crianças em qualquer regime e não é por via da não adoção do regime mais favorável ao interesse dos menores que se evita a conflitualidade, como o caso dos autos demonstra.

A menor, desde a separação até à prolação da sentença recorrida, esteve quase permanentemente a residir com a sua mãe com direito de visitas ao pai bastante limitado e, como resulta abundantemente dos factos provados, nem por isso deixou de se verificar grave discordância entre os pais, com acusações mútuas e com apresentação, pela mãe, de queixa crime contra o pai (também esta deu a origem a inquérito que foi arquivado), a quem imputou o crime de subtração de menor, por ter ficado com a menor mais seis dias além do que mãe entendia ser o período de férias fixado, quando o mesmo manifestava entendimento diverso e manteve, nesses dias, contactos com a progenitora permitindo também, pelo menos, uma chamada telefónica com a menor (facto provado número 19).

Ambos os pais da CC revelam competências parentais e a menor demonstra gosto em estar com os dois progenitores a quem se refere de forma positiva como resulta dos factos provados números 44 e 82 a 85 (A CC sente-se bem e gosta de estar em casa de ambos os progenitores; A CC dorme e faz refeições em casa de ambos os progenitores, sem resistência; A CC está habituada a partilhar as suas rotinas com ambos os progenitores e com os quatro avós; A CC tem forte vínculo afetivo com ambos os progenitores; A CC gosta dos avós paternos e maternos e tem proximidade com todos).

Resta uma dificuldade de ordem prática que foi a alegada pelos Recorrentes como fundamento para a pretendida revogação da decisão recorrida: o sacrifício em que se traduz, para menor, a sua deslocação diária para uma escola no Porto, solução que ambos parecem ver, e bem, como a única que permitiria executar um regime de residência alternada.

De facto, se a menor continuasse a frequentar a escola, na ..., em que fora matriculada por ambos os progenitores antes da separação, ou a situada em ... em que a mãe, por decisão unilateral, a inscreveu após tal separação, seria difícil para a menor a deslocação entre essas duas cidades, que distam entre si, dependendo do percurso, entre 53 a 57 quilómetros.

Já a quase equidistância de ambas as residências a uma escola a escolher pelos pais que se situe no Porto, cidade para onde a mãe se desloca diariamente para trabalhar em horários compatíveis com o horário escolar, não representa para a menor, como veremos, sacrifício que justifique o afastamento do regime de residência alternada.

Acresce afirmar que resulta dos factos provados, que o pai da menor tem condições de habitabilidade na sua casa que permitem receber a menor e reside, tal como a mãe, perto dos seus pais, avós da menor.

Numa situação como esta o que obsta à fixação da residência alternada?

São apontadas duas razões nos recursos: O Ministério Público alega que, mantendo-se a escola em ... a menor teria de se submeter a longos trajetos de automóvel quando estivesse em casa do pai.

E que a alterar-se o estabelecimento de ensino da menor para o Porto esta seria também injustificadamente sacrificada, tendo em conta que a mãe demora entre uma e uma hora em meia, respetivamente, nos trajetos do local de trabalho, no Porto, para casa e desta para aquele, em transportes públicos.

A Recorrente alega que, caso a menor passasse a frequentar estabelecimento de ensino no Porto se veria obrigada a fazer duas viagens diárias de mais de uma hora e meia cada uma usando três transportes públicos sucessivos nas semanas em que estivesse com a mãe e, nas semanas em que estivesse com o pai duas viagens diárias de carro entre o domicílio dele e a escola, com uma duração de entre 32 e 45 minutos cada. Remete para o facto provado número 77 que, contudo, refere a média esperada da demora de cada uma das deslocações, de carro, de cada do pai e da mãe até ao colégio B..., no Porto, estabelecimento que a menor não está a frequentar.

Estes argumentos não justificam, contudo, a revogação da sentença.

Na sua exposição de motivos do projeto de Lei 52/XIV/1ª [14] pode ler-se nomeadamente que “São vários os estudos científicos efetuados nos últimos anos que atestam que o modelo de residência alternada consubstancia a estrutura familiar que melhor preenche as necessidades (físicas, psicológicas, emocionais, sociais e materiais) das crianças, garantindo uma maior igualdade entre ambos os progenitores no envolvimento parental, promovendo uma melhor articulação entre o trabalho e família que será determinante no acréscimo de bem-estar emocional, familiar e social das crianças. (…) A residência alternada promove o envolvimento parental igualitário e a redução do conflito parental, representando a melhor forma de garantir o superior interesse da criança. Garante o exercício comum das responsabilidades parentais não apenas para os atos de particular importância, mas por via do estabelecimento de plena igualdade assente numa maior partilha do tempo e das responsabilidades parentais quotidianas nos cuidados de ambos os pais e mães aos filhos/as. O atual quadro legal dita uma notória desigualdade no exercício das responsabilidades parentais, sendo que, em regra é atribuída a maior parcela temporal do poder de decisão em atos da vida corrente do filho a um dos progenitores (o chamado “progenitor residente”) conjugado com o facto de o outro (progenitor não residente), nos parcos momentos passados com o filho, encontra-se impedido de ter influência relevante sobre as orientações educativas mais importantes definidas pelo progenitor com quem a criança reside habitualmente.(…) Cumpre sublinhar que o modelo visa primordialmente o superior interesse da criança, afigurando-se este como o mais capaz de suprir as necessidades físicas, psicológicas, afetivas, emocionais, sociais e materiais das crianças. (…) Em segundo lugar, neste modelo existe uma tremenda diminuição da possibilidade de alguma das partes se sentir marginalizada, o que se repercute direta e imediatamente na esfera de bem-estar das crianças, sendo que estas são melhor protegidas quando ambos os progenitores estão envolvidos de forma igualitária na vida delas. Encontra-se plenamente assente na literatura que a residência alternada diminui o nível de stress das crianças e melhora a adaptação à separação conjugal dos pais, em comparação com a residência única. Estudos mais recentes, com amostras significativas e longitudinais, têm demonstrado que o envolvimento parental igualitário traduz-se no melhor ajustamento ao divórcio conjugal e melhores indicadores físicos, psicológicos, emocionais e de bem-estar da criança. Se uma criança está habituada a ter mães e pais envolvidos na sua vida quotidiana, a separação ou divórcio provocará instabilidade se esse envolvimento parental (tempos, atividades parentais, cuidados e relacionamento) for drasticamente alterado. É nesse envolvimento que se estabelece uma relação quotidiana não só com os pais e mães, mas igualmente com a restante família alargada. No que concerne ao bem-estar subjetivo das crianças que compreende a qualidade familiar e a relação com os seus pares, os dados recolhidos indicam, outrossim, que as crianças em famílias nucleares apresentam resultados elevados, em residência alternada resultados médios e em residência única resultados baixos - as crianças em regime de residência alternada têm um maior nível de satisfação geral; mostram melhores resultados quanto aos fatores psicológicos (ex.: menos depressões); mostram melhor relacionamento com ambos os progenitores; estão mais satisfeitas com a sua situação escolar e são menos vítimas de bullying.”

Considerações de sentido convergente são encontradas nos projetos de lei de outros grupos parlamentares que se lhe seguiram e que acabaram por conduzir à aprovação do texto final em vigor. Em comum encontra-se a necessidade sentida de consagração legal do regime de residência alternada mesmo em caso de discórdia dos progenitores.

O texto final que mereceu aprovação é o acima transcrito que prevê que a residência alternada possa ser fixada ainda que sem o acordo de ambos os progenitores quando essa solução corresponda “ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes”.

Tal texto legal foi o resultado de viva e até acalorada discussão pública e colheu os contributos de diferentes sectores da sociedade tendo sido ponderadas pela Assembleia legislativa circunstâncias como estudos académicos sobre a conflitualidade parental em diferentes regimes, sobre o desenvolvimento dos menores em regimes de residência alternada em comparação com outros regimes e sobre o impacto dos fenómenos da violência doméstica e de género nas situações de residência alternada.

Impõe o artigo 9º do Código Civil que a lei seja interpretada de modo a reconstituir o pensamento legislativo a partir do texto, considerando a unidade do sistema jurídico (elemento sistemático), as circunstâncias em que foi elaborada e as condições do tempo em que é aplicada (elemento histórico) e presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimi-las adequadamente.

É, pois, sob esses imperativos hermenêuticos que deve ser interpretado o número 6 do artigo 1906º do Código Civil, em si mesmo e na sua relação com outras normas legais.

Ora, da análise das circunstâncias em que a lei foi elaborada (e que resultam nomeadamente da leitura dos diversos projetos de lei, pareceres que mereceram, votações e debates parlamentares), do seu contexto histórico e do seu texto resulta manifesto que a vontade legal foi a de consagrar expressamente a possibilidade de fixação de residência alternada em caso de separação dos progenitores ainda que sem mútuo acordo. Houve uma intenção clara, portanto, de permitir a fixação desse regime mesmo em situações de discórdia dos pais quanto ao mesmo, o que decorreu de se ter entendido que o mesmo apresenta vantagens consideráveis.

Conclusão que a experiência jurisprudencial e vários estudos na matéria foram revelando e é facilmente compreensível: o equilíbrio de tempos de convívio e de assunção de responsabilidades na educação quotidiana de uma criança é o regime que mais se assemelha ao da convivência de ambos os progenitores no mesmo agregado.

A dificuldade que o estabelecimento de duas residências apresenta ao nível das deslocações e das questões de logística foi ponderada pelo legislador e a solução legal reflete uma opção clara por atribuir maior peso ou valor à criação de vínculos afetivos com ambos os progenitores e ao que desse regime decorre para os menores: a exposição dos mesmos, durante o crescimento, à riqueza e complexidade que diferentes formas de viver e educar lhe podem aportar[15] e o direito a sentirem que ambos os pais os amam e deles cuidam em igual medida, cabendo a ambos os deveres das tarefas quotidianas, não havendo um que se apresenta como o que cumpre os deveres de educação e proteção e outro que se apresenta como hóspede de visitas de fim de semana.

Como bem afirma o Recorrido, a mãe da menor não pode pretender que a oposição à residência alternada se baseie apenas na dificuldade do transporte da menor pois, nesse caso, tendo o pai tempo e disponibilidade para tal poderia, então, ser de equacionar que a residência fosse fixada com este e à mãe fosse fixado o direito de visitas (sendo que a mesma que defendeu, como resulta provado na alínea 40, que a menor pernoitasse uma vez com o pai de quinze em quinze dias e o visitasse mais uma vez por semana, sem pernoita).

Estamos perante uma situação de facto claramente favorável ao estabelecimento de uma residência alternada. Nada está provado em desabono de nenhum dos pais e a menor revela uma relação afetuosa com ambos e com as respetivas famílias alargadas, referindo-se a ambos os progenitores de forma positiva.

A mera distância, (de menos de 30 km) entre as residências de cada progenitor e a cidade do Porto onde a mãe labora não se revela como impeditiva desse regime, sendo usual que crianças em idade escolar, como agora tem a CC, tenham de sair de casa às 8 da manhã (e muitas até antes) e a ela regressem depois das 18, 30 horas para ir e vir da escola, sem que tal represente sacrifício incomportável, sobretudo se cotejado com o seu direito de convivência com ambos os progenitores. Acresce que tendo ambos os pais carro e licença de condução, horários compatíveis com o horário escolar e o apoio dos avós paternos e maternos, a CC é, a este nível, uma criança especialmente privilegiada por poder fazer tais deslocações sem sacrifício de monta.

Se neste caso, com base no argumento da demora das deslocações da menor para uma escola que distará menos de 30 km da casa de cada progenitor, não puder ser fixado um regime de residência alternada, dificilmente o será fora das situações (ideais) em que há de acordo dos pais nesse sentido o que esvaziaria de utilidade, derrogando-a na prática, a solução prevista desde 2020 pelo artigo 1906º, número 6 do Código Civil.

E nem se argumente, como pretende a mãe, que o facto de a mesma se deslocar habitualmente por transporte público para ir trabalhar impõe que assim continue a fazer quando a menor esteja a residir consigo, transportando-a da mesma forma para a escola. A mãe da menor, como todos os pais, fará a sua opção de forma diversa consoante tenha ou não que nela incluir a sua filha. E o uso de transportes públicos pela mãe não é uma inevitabilidade, já que tem carro e carta, é uma opção que a mesma pode alterar se além de considerar a sua própria deslocação tiver de considerar a da sua filha.

Assim se decidiu no Acórdão do STJ, de 17/12/2019[16]: “O interesse superior da criança define-se como o interesse que se sobrepõe a qualquer outro interesse legítimo, seja o dos pais, seja o dos adultos terceiros. Mas o interesse superior da criança não é incompatível com a satisfação de interesses legítimos de qualquer dos progenitores desde que não sejam meros interesses egoísticos e a pensar exclusivamente no bem-estar do progenitor. (…).De resto, o superior interesse do filho não é alheio a uma adequada inserção dele no meio familiar de cada um dos progenitores mediante aprendizagem dos novos modos de relacionamento e de respeito mútuo pelos direitos e legítimos interesses de cada pessoa que passe a integrar esses agregados familiares, só assim se proporcionando uma sã convivência entre todos.”.

É nosso entendimento que o exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada potenciará uma diminuição do conflito entre os pais da CC pois reduzirá a assunção pela mãe de toda a responsabilidade das escolhas educativas e do suprimento das necessidades quotidianas da menor o que se revelará benéfico para esta.

Claro está que apenas assim será se a Recorrente e o Recorrido o quiserem, não havendo regime que possa resultar quando os próprios pais não erijam o interesse superior da criança como critério orientador das suas atitudes.

Pelo que deve ser mantida a sentença recorrida.

V – Decisão:

Julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente AA, nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil, estando o Recorrente Ministério Público isento nos termos do artigo 4º, número 1 a) do Regulamento das Custas Processuais.


Porto, 21-10-2024

Ana Olívia Loureiro

José Eusébio Almeida

Jorge Martins Ribeiro


___________________________
[1] Segundo Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, V volume, página 85, nos termos do artigo então 663.º do Código de Processo Civil (correspondente ao atual 611º), “o facto superveniente há-de ser alegado até ao encerramento da discussão; o tribunal só pode tomá-lo em conta se for invocado até esse momento. Mas por encerramento da discussão entende-se tanto o que se verifica na 1.ª instância, como o que se verifica na 2.ª. Suponhamos que o facto ocorre depois de encerrada a discussão na 1.ª instância; já não pode ser atendido na sentença. Mas, se houver recurso, pode o facto ser alegado perante a Relação, contanto que o seja até ao encerramento da discussão neste tribunal. Se ocorrer ou for invocado depois de encerrada a discussão na 2.ª instância, já não pode ser considerado, ainda que se interponha recurso para o Supremo, visto este tribunal não conhecer de matéria de facto”.
Já Teixeira de Sousa, também na vigência do anterior Código de Processo Civil, e apelando exatamente à admissibilidade de junção de documentos supervenientes, defendia que “(…) a admissibilidade da apresentação de documentos supervenientes relativos a factos igualmente supervenientes encontra apoio legal no artigo 524.º, n.º2 (e, portanto, no art.º 706.º, n.º1), desde que se possa entender que aquele preceito se refere aos factos posteriores a todos os articulados, mesmo aos supervenientes” afirmando que “nos recursos ordinários, pode ser alegado um facto superveniente e apresentada a respetiva prova documental, tanto quando aquele facto e esta prova conduzam à confirmação da decisão impugnada, como quando impliquem a sua revogação”.
[2] Vg. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30-05-2018, processo 6676/17.2T8PRT.P1, disponível em TRP667/17.2T8PRT.P1e da Relação de Guimarães de 02-02-2023, processo 1433/20.1T8VCT.G1 disponível em TRG1433/20.1T8VCT.G1.
[3] Segundo Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª edição atualizada, página 30, “(…) a demanda do Tribunal Superior está, em regra, circunscrita às questões que já foram submetidas ao tribunal de categoria inferior, com exceção da possibilidade de serem suscitadas ou apreciadas questões de conhecimento oficioso”.
[4] Como vem sendo decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça em questões em que está em causa o recurso da matéria de facto “(…) nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil”.
[5] Vide Teixeira de Sousa, nota 1.
[6] Quanto ao argumento que se estriba na admissibilidade de junção de documentos supervenientes prevista no artigo 651.º do Código de Processo Civil para permitir, também a alegação de factos supervenientes em recurso, não nos parece, salvo o devido respeito, de acolher, já que, como afirma Castro Mendes, “são coisas evidentemente distintas”.
Em suporte da inadmissibilidade da alegação e consideração de factos supervenientes em sede de recurso acrescentamos nós um argumento, histórico, decorrente da alteração legal do artigo 525.º do Código de Processo Civil de 1995 para o atual artigo 425.º. Estatuía o primeiro: “1 - Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. 2 - Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo”. Já o atual artigo 425.º prevê, apenas: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”. A eliminação do número 2 do preceito na sua anterior redação demonstra, a nosso ver, uma vontade do legislador de não admitir a prova documental de factos posteriores aos articulados, prova essa que, antes, se podia fazer em qualquer estado do processo.
[7] Processo 233/09.4TBVNC.G1.S1, disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/71730dbf9a0f062780257eed005712c6?OpenDocument
[8] O que é patente, por exemplo, nos artigos 5º, número 2, 6º, 7º, número 1, 28º, 38º, 99º, número 2, 195º, número 1, 360º, número 4 e 547º, todos do Código de Processo Civil.
[9] A título meramente exemplificativo referem-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de fevereiro de 2016 (https://jurisprudencia.pt/acordao/126629/) e de 13 de janeiro de 2022 (https://jurisprudencia.pt/acordao/205552/) bem como os do Tribunal da Relação do Porto de 23 de setembro de 2021 (https://jurisprudencia.pt/acordao/203485/) e de 07 de dezembro de 2018 (https://jurisprudencia.pt/acordao/185687/).
[10] Conforme consta do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-02-2021, tirado no processo 27069/18.3T8PRT.P1.S1 disponível em https://jurisprudencia.pt/acordao/199600/. No mesmo sentido se decidiu em mais recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de setembro de 2023, tirado no processo 2509/16.5T8PRT.P1.S1e disponível em https://jurisprudencia.pt/acordao/218090/, onde se pode ler:Por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto se entender que os concretos factos objecto da impugnação, atentas as circunstâncias do caso e as várias soluções plausíveis de direito, não têm relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual puramente gratuita ou diletante.”
[11] A título de exemplo, a redação original do artigo 68º da Constituição da República Portuguesa previa: “1. O Estado reconhece a maternidade como valor social eminente, protegendo a mãe nas exigências específicas da sua insubstituível ação quanto à educação dos filhos e garantindo a sua realização profissional e a sua participação na vida cívica do país. 2. As mulheres trabalhadoras têm direito a um período de dispensa do trabalho, antes e depois do parto, sem perda da retribuição e de quaisquer regalias”. A redação deste preceito foi alterada pela Lei 1/82 de 30 de setembro de modo a reconhecer aos pais e às mães, à maternidade e à paternidade, iguais garantias de proteção. Se o reconhecimento de direitos às mulheres não se fez sem intervenção e evolução legal, muitas vezes de forma imposta para pôr termo a situações de iniquidade de tratamentos diferenciados em função do género, também a conquista do direito do homem ao exercício da parentalidade em igualdade de circunstâncias com a mãe teve que ter assento legal.
[12] https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=44028
[13] Referem-se a título exemplificativo os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-08-2017 no processo 835/17.5T8SLX- AL1-2 e de 20-09-2018, no processo 10264/16.2T8LRS- B. L1-8. Ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jtrl.
[14] https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=44028.
[15]  O que assume particular relevo nas situações em que se tratam de pessoas de sexo diferente pois nestas se tendeu durante muito tempo a consagrar soluções legais e jurisprudenciais que replicavam a maior aceitação social da entrega das tarefas educativas à mãe, ou predominantemente à mãe, o que representava e ainda representa na nossa sociedade uma limitação muito relevante da afirmação da igualdade das mulheres especialmente sobrecarregadas com obrigações relativas aos filhos, não obstante a afirmação constitucional da igualdade de género e da igualdade de direitos entre pais e mães.
[16] Proferido no processo n.º 1431/17.2T8MTS.P1.S1, disponível no site STJ 1431/17. 2T8MTS.P1.S1