EMBARGOS DE EXECUTADO
TÍTULO EXECUTIVO
LIVRANÇA
GARANTIA
CONTRATO DE MÚTUO
COMPENSAÇÃO
Sumário

Sendo o título executivo uma livrança dada de garantia pelo cumprimento do contrato de mútuo, não tinha o exequente que fazer prova (complementar) da entrega da quantia mutuada, uma vez que no contrato de mútuo a executada se confessou devedora da referida quantia, não tendo arguido a sua falsidade.
Não se verificam os requisitos da novação quando a nova obrigação, assumida em contrato de mútuo, se destina à liquidação da quantia mutuada em anterior contrato de mútuo, respeitando cada um deles a períodos temporais não coincidentes. Nesta situação não está em causa um facto jurídico que simultaneamente tenha desencadeado a extinção da obrigação antiga e que constitui a nova obrigação, mas factos jurídicos distintos.
É admissível invocar a compensação em embargos à execução, a título subsidiário, formulado para o caso de ser improcedente o pedido principal de extinção da execução com fundamento no preenchimento abusivo da livrança e se vier a considerar que a obrigação exequenda é exigível.
Não tendo sido alegados na petição de embargos os factos integradores do nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e os danos não podem tais factos, porque essenciais na apreciação da compensação que se funda em responsabilidade civil, ser considerados em sede de recurso, mesmo na hipótese de resultarem da instrução da causa.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

Por apenso à execução instaurada por Banco Comercial Português, S.A. contra PV, a executada deduziu oposição por embargos, arguindo o preenchimento abusivo da livrança; subsidiariamente a compensação de créditos; subsidiariamente a extinção parcial da execução e, ainda subsidiariamente, a redução da quantia exequenda. 
A embargada apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos.
Realizada audiência prévia foi proferido despacho saneador, delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
Realizada audiência final, foi proferida sentença que julgou os embargos procedentes e extinta a execução.
O exequente/embargado recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“1. O Tribunal tem o dever de especificar os factos provados e não provados e de especificar os fundamentos decisivos para a formação da sua convicção.
2. O Tribunal a quo julgou procedentes os embargos apresentados por ter considerado a dívida exequenda inexigível.
3. O Tribunal a quo consubstanciou a alegada inexigibilidade da quantia exequenda por ter considerado que não ficou provado a entrega de dinheiro (ou crédito na conta da embargante) quanto ao contrato datado de dia 29 de maio de 2018 celebrado entre a Embargante e o Embargado, titulado pela livrança apresentada na execução.
4. Sucede que no elenco dos factos não provados não consta que “não ficou provado a entrega de dinheiro (ou crédito na conta da embargante) quanto ao contrato datado de dia 29 de maio de 2018 celebrado entre a Embargante e o Embargado”.
5. A sentença não fundamenta de forma de forma clara e indubitável como foi formada a sua convicção que “não ficou provado a entrega de dinheiro (ou crédito na conta da embargante) quanto ao contrato datado de dia 29 de maio de 2018 celebrado entre a Embargante e o Embargado”.
6. Ao não constar que “não ficou provado a entrega de dinheiro (ou crédito na conta da embargante) quanto ao contrato datado de dia 29 de maio de 2018 celebrado entre a Embargante e o Embargado” nos elencos dos factos não provados e ser totalmente omissa a fundamentação quanto a este facto consubstancia uma nulidade, nos termos do n.º 4 do artigo 607.º e das alíneas b) c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, que se invoca para todos os efeitos legais.
7. Ao não constar que “não ficou provado a entrega de dinheiro (ou crédito na conta da embargante) quanto ao contrato datado de dia 29 de maio de 2018 celebrado entre a Embargante e o Embargado” nos elencos dos factos não provados e ser totalmente omissa a fundamentação impossibilita igualmente que o Recorrente possa cumprir com o seu ónus de impugnante da matéria de facto, nomeadamente quanto à concreta indicação dos pontos de facto considerados incorretamente julgados e os concretos meios de prova.
8. O exequente é legítimo titular e portador de uma livrança no valor de € 118.549,05 (cento e dezoito mil, quinhentos e quarenta e nove euros e cinco cêntimos), subscrita pela executada PV, emitida a 29/05/2018 e com vencimento em 24/10/2021.
9. A livrança descrita no número antecedente titula o montante que se encontra em dívida proveniente de um contrato de empréstimo, ao qual foi atribuído o n.º 3006855482, celebrado entre o exequente e a subscritora, no âmbito da atividade bancária a que o exequente se dedica, no valor de 145.875,25 €.
10. A embargante não impugnou a existência do contrato de empréstimo, ao qual foi atribuído o n.º 3006855482, celebrado entre o exequente e a subscritora, no âmbito da atividade bancária a que o exequente se dedica, no valor de 145.875,25 €.
11. No seu articulado, a Embargante confessa que por força do contrato de empréstimo, ao qual foi atribuído o n.º 3006855482 lhe foi concedido um crédito para a liquidação das suas responsabilidades anteriores.
12. No seu articulado, a Embargante confessa igualmente que por força da celebração do contrato n.º 3006855482 recebeu efetivamente o valor de 145.875,25 €, “cujos movimentos encontram além do mais reflexo nos movimentos a crédito e débito da conta de depósitos à ordem”.
13. No contrato n.º 3006855482 junto aos autos pela Embargante consta expressamente na sua cláusula 1.2 das condições gerais que o montante mutuado foi crédito na conta da Embargante com o n.º 45470138362.
14. No contrato n.º 3006855482 junto aos autos pela Embargante consta que esta reconhece e confessa ser devedora ao Embargado do montante total do crédito no valor de € 145.875,25, mutuado ao abrigo do presente contrato, e dos respetivos juros e demais encargos, conforme ponto 1.3 da cláusula 1 das condições gerais do referido contrato.
15. Conforme supra alegado, a Embargante não impugnou o contrato n.º 3006855482, a sua celebração, nem que o assinou, tendo o referido contrato sido junto pela Embargante com a apresentação dos embargos.
16. O reconhecimento da autoria de um documento particular tem por consequência que se tenham de ter por provadas as declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante – artigo 376.º do Código Civil.
17. A declaração confessória proferida pela Embargante no contrato n.º 3006855482 – e confirmado no seu articulado de embargos - que na sequência do empréstimo se considera devedora da quantia mutuada trás implícito o reconhecimento de recebimento da quantia mutuada.
18. A jurisprudência maioritária tem entendido que nas situações em que o executado se confessa devedor das quantias mutuadas não é exigível ao credor qualquer prova complementar da entrega dessas quantias mutuadas.
19. Atendendo à não impugnação da Embargante e do teor do referido contrato n.º 3006855482 e face à ausência de qualquer outro meio de prova, o Tribunal a quo não poderia ter considerado como não provado a entrega do dinheiro ou crédito na conta da Embargante relativamente ao contrato celebrado no dia 29 de maio de 2018 com o n.º 3006855482.
20. Analisando o teor dos depoimentos de parte da Testemunha BG ([00:32:10] verifica-se que foi efetuado um novo financiamento através de um contrato que se inicia a 29 de maio de 2018.
21. A Embargante confessa igualmente que não cumpriu pontualmente com as obrigações decorrentes da celebração do contrato com o n.º 3006855482, não tendo liquidado a prestação 26.ª que se venceu em 20 de agosto de 2020, nem as prestações seguintes.
22. Assim, é forçoso concluir que deveria ter sido dado como provados os seguintes factos:
a) No âmbito do contrato celebrado em 29 de maio de 2018, o Exequente entregou à Embargante a quantia de € 145.875,25.
b) No âmbito do contrato celebrado em 29 de maio de 2018, a Embargante confessou que era devedora à Embargante da quantia de € 145.875,25.
c) No âmbito do contrato celebrado em 29 de maio de 2018, a Embargante obrigou-se a retribuir ao Exequente a quantia de € 145.875,25 em 84 meses, remuneradas de acordo com a taxa de juro nominal de 5,750%.
d) No âmbito do contrato celebrado em 29 de maio de 2018, a Embargante não liquidou a prestação 26.ª que se venceu em 20 de agosto de 2020, nem as prestações seguintes.
23. A Embargante confessa que o contrato n.º 3006855482 serviu para a “liquidação de responsabilidades anteriores (…) não se tendo optado por uma reestruturação do crédito”, conforme artigo 79.º do articulado dos embargos.
24. A Embargante confessa que o “Exequente concedeu à Executada um novo empréstimo para liquidação da totalidade das responsabilidades em dívida, desta feita no valor de 145.875,25€”, que corresponde ao contrato n.º 3006855482 celebrado no dia 29 de maio de 2018, conforme artigo 91.º do articulado dos embargos.
25. Em face da alegação da Embargante, do teor do contrato com a ref. 3006855482, da constituição de novas garantias, e da emissão de nova livrança em branco é forçoso concluir que as partes pretenderam efetivamente substituir a antiga obrigação com a constituição de uma nova obrigação.
26. Do depoimento da testemunha NN [01:24:33] verifica-se que as partes pretenderam efetivamente substituir a antiga obrigação com a constituição de uma nova obrigação.
27. A intenção de novar não se poderá reduzir a uma mera falta de discriminação das obrigações substituídas, sendo necessário indagar a vontade das partes na celebração do contrato com a ref. 3006855482, interpretando a sua vontade negocial.
28. Um declaratário normal perante o teor do contrato com a ref. 3006855482, da constituição de novas garantias, e da emissão de nova livrança em branco consideraria que foi efetivamente pretendido novar.
29. Face ao exposto, seguindo as regras da experiência e da normalidade, deveria ter sido considerado igualmente como provado o seguinte facto: “O contrato com a ref. 3006855482 celebrado no dia 29 de maio de 2018 liquidou a obrigação constituída através do contrato com o n.º 2967350292 celebrado em 21 de fevereiro de 2018.”
Sem prescindir,
30. A jurisprudência tem sido unânime em decidir que da não prova de um facto não significa que se prova o contrário.
31. Assim, mesmo considerando que não foi provado que o Exequente entregou à Embargante a quantia de 145.875,25 € em dinheiro (ou crédito na conta da embargante) relativamente ao contrato com a ref. 3006855482, não poderia ser considerado como provado que o Exequente não entregou à Embargante a referida quantia.
32. O título executivo dos presentes autos é uma livrança subscrita pela Embargante.
33. A livrança é suficiente como título executivo, correspondendo a obrigação cambiária à causa de pedir da execução porque atesta a existência do direito de crédito que está a ser alvo de execução coerciva (art.º 703.º n.º 1, al. c) do CPC).
34. O credor que exige o cumprimento da obrigação cambiária incorporada na livrança não tem necessidade de alegar ou invocar a sua causa (a relação subjacente ou fundamental) nem os seus contornos e, portanto, poderá limitar-se a apresentar o título que incorpora a obrigação, correspondendo esta obrigação cambiária à causa de pedir da ação/execução onde se exige o seu cumprimento. 35. Deste modo, era a Embargante que tinha o ónus de alegação e de prova que o Exequente não procedeu à entrega da quantia de 145.875,25 € em dinheiro (ou crédito na conta da embargante) relativamente ao contrato com a ref. 3006855482.
36. Sucede que a Embargante não alegou nem provou a inexistência da obrigação subjacente.
37. Uma vez que a Embargante não alegou nem provou a inexistência da obrigação causal, o Tribunal não poderia julgar procedentes os embargos por considerar que a quantia exequenda era inexigível.
38. Assim, a aplicação correta do Direito ao caso concreto obriga a julgar totalmente improcedentes os embargos apresentados.
Termos em que se requer a V. Exas. que seja julgado procedente o presente recurso de apelação, julgando totalmente improcedentes os embargos, prosseguindo a execução até à liquidação integral da quantia exequenda”.
A embargante apresentou contra-alegação e requereu a ampliação do objeto do recurso, terminando com as seguintes conclusões:
“A. Quanto à nulidade invocada, a decisão recorrida não merece censura pois que apenas menciona, a respeito dos vários mútuos alegados, que “não se sabendo se a quantia de (…) € foi creditada na conta da embargante, e se em (…) foi paga a quantia de (…) € (e por quem)” – cfr. Sentença, pp. 7- 8.
B. Esta formulação decorre do facto de não ter sido alegado por qualquer das partes o facto pretendido pelo Recorrente Embargado (“não ficou provado a entrega de dinheiro (ou crédito na conta da embargante) no contrato celebrado no dia 29 de maio de 2018”).Portanto, o Tribunal a quo não deu como provado ou não provado que se tivesse verificado entrega de dinheiro (ou crédito na conta da embargante) no contrato celebrado no dia 29 de maio de 2018, e limitou-se a argumentar que tal facto não ficou provado, porque nem sequer foi alegado.
C. Quanto à decisão sobre a matéria de facto a que chegou o Tribunal a quo, não é verdade que a Recorrida Embargante tenha confessado lhe foi creditado na conta 45470138362 o montante de € 145.875,25.
D. Na sequência do contrato de crédito celebrado em 29 de maio de 2018, não houve efetiva entrega de fundos, o mesmo é dizer que o Exequente não entregou à Embargante a quantia de € 145.875,25, tal como em nenhum dos outros oito contratos que lhe antecederam – ainda que se reconheça que, na sequência do primeiro dos nove contratos celebrados, foram adquiridos, em nome da Recorrida Embargante, os instrumentos financeiros complexos descritos nos autos.
E. Se nos cingirmos às específicas questões verdadeiramente suscitadas pelo Recorrente ao Tribunal ad quem, no que à reapreciação da matéria de facto diz respeito, não podemos deixar de concluir que não assiste qualquer razão à Recorrente, sendo que as conclusões que a mesma pretende retirar para sustentar erro de julgamento não têm qualquer suporte ou fundamento.
F. Quanto à decisão sobre a matéria de direito, não pode deixar de se acompanhar a asserção do Tribunal a quo quando conclui pela inexigibilidade da quantia exequenda, com o argumento de que “não existindo entregas, não existe a obrigação de restituição prevista no artigo 1142º do Código Civil, relativa aos contratos que sucederam ao primitivo – incluindo o titulado pela livrança apresentada na execução” – isto, sem prejuízo de se poder discutir numa outra instância declarativa se o Recorrente Embargado tem um crédito decorrente do primeiro mútuo celebrado em 10/11/2015 e se a Recorrida deve ou não ser ressarcida pelos danos que lhe foram causados – ou, pelo menos, assim se interpreta a afirmação final da sentença sob recurso, quando refere: “ficando claro que é devedora do montante mutuado no contrato que aqui não está a ser executado”.
G. Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 636º do CPC, a Recorrida Embargante pretende que o Tribunal ad quem se pronuncie sobre algumas questões decididas na douta sentença com as quais não se conforma, para o caso de procedência das questões suscitadas pelo Recorrente Embargado.
H. O gestor de conta da Recorrida Embargante, funcionário do Recorrente Embargado, aconselhou a Recorrida Embargante, que não tinha quaisquer rendimentos e nunca tinha investido no mercado de capitais, a investir quase trezentos mil euros em títulos complexos, sem capital garantido e sem rendimento garantido – um investimento altamente especulativo, portanto –, e com fundos emprestados pelo próprio banco, com comissões e juros de elevada monta.
I. O investimento proposto pelo Recorrente Embargado, através do gestor de conta NN, era ruinoso e não podia deixar de ser francamente desvantajoso para a cliente, ora Recorrida.
J. Os documentos referidos nos factos provados 5 e 9 da douta Sentença foram apresentados à Recorrida Embargante já pré-preenchidos pelo gestor de conta NN, que a Recorrida Embargante assinou, apesar de conterem informação manifestamente falsa.
K. Ao contrário do que consta do questionário, não foi aferida a adequabilidade do investimento ao Perfil de Investidor, a Recorrida Embargante não demonstrou possuir conhecimento e experiência em relação ao Instrumento Financeiro sobre o qual foi realizado o investimento, a Recorrida Embargante não tinha experiência na negociação ou possuía conhecimentos necessários para avaliar os riscos associados ao investimento, e nem sequer o Recorrente Embargado informou a Recorrida Embargante que, face às informações prestadas e constantes do teste de adequação efetuado no âmbito da prestação de serviços e atividade de Intermediação Financeira, esta seria classificada como Investidor Não profissional e estava habilitada a investir nos seguintes instrumentos financeiros em causa.
L. Foi também recolhida a assinatura da Recorrida Embargante da ficha técnica dos produtos, ficha essa cujo conteúdo não foi explicado à cliente, que nem sequer ficou com cópia dos documentos (cfr. Docs. 1 e 2, juntos pela Embargada em 14/06/2023).
M. Não foi também explicado à Recorrida Embargante quais os custos inerentes aos financiamentos de curto prazo necessários para adquirir os certificados em questão, bem como para refinanciar a operação.
N. Não foi explicado à cliente que os certificados não tinham capital garantido e não tinham remuneração garantida, estando a Recorrida Embargante convencida de que o rendimento dos certificados dava para pagar o empréstimo e ainda ia sobrar algum valor para pagar as despesas do seu agregado familiar.
O. O Recorrente Embargado tinha o dever de: . Perceber a finalidade do financiamento pretendido pela cliente e adequá-la ao produto proposto; . Alertar a cliente para os riscos da operação; . Perceber se a cliente tinha experiência naqueles produtos, indagando, pedindo documentos que o comprovassem; . Explicar à cliente o funcionamento dos índices subjacentes aos títulos, a volatilidade elevada e o grau de risco elevado inerente ao investimento; . Averiguar se a cliente tinha rendimentos que lhe permitissem pagar o empréstimo com uma margem de segurança; . Obter uma garantia em valor superior ao financiamento.
P. A situação patrimonial da Recorrida Embargante desaconselhava fortemente a realização da operação de concessão de crédito no valor de 300.881,06€ para aplicar na compra de certificados de instrumentos financeiros complexos de elevada volatilidade e sem qualquer rendimento garantido.
Q. Pela análise da informação financeira constante dos Docs. 1, 3 e 6 a 12, juntos com a douta Contestação do Recorrente Embargado (excluído, portanto o contrato enunciado no facto 2, no valor de 90.000€), os quais estão dados como reproduzidos nos factos 6, 16, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 26 da douta sentença, resulta que os nove contratos de crédito celebrados entre 10.11.2015 e 29.05.2018:
1. Apresentavam TAEGs entre 5,260% e 10.988%; 46
2. Determinaram, no total, um custo para a Recorrida Embargante de 10.219,80€, a título de comissões de dossier;
3. Determinaram, no total, um custo para a Recorrida Embargante de 218,40€, a título de comissões de processamento
4. Determinaram, no total, um custo para a Recorrida Embargante de 2.800,31€, a título de imposto do selo.
5. Se às verbas referidas em 2. a 4. supra adicionarmos os juros devidos no âmbito de cada contrato, apuramos um valor global de 71.728,15€, a título de comissões, imposto de selo e juros.
R. O dano sofrido pela Recorrida Embargante é, precisamente, de 71.728,15€.
S. Esse dano corresponde aos juros, comissões e imposto do selo pagos pela Recorrida Embargante nos nove contratos de crédito celebrados entre 10.11.2015 e 29.05.2018, enunciados nos factos 6, 16, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 26 da douta sentença.
T. Deveria, por isso, o Tribunal a quo ter considerado provado o seguinte facto: Os contratos de crédito dados como reproduzidos nos factos provados 6, 16, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 26 tiveram um custo associado para a Embargante de 71.728,15€”.
U. Este dano da Recorrida Embargante teve como contrapartida um ganho do banco Recorrente Embargado: contando apenas com os nove contratos de crédito celebrados entre 10.11.2015 e 29.05.2018, enunciados nos factos 6, 16, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 26, o Recorrente Embargado teve um rendimento de 68.927,84€, em juros e comissões, valor que resulta da diferença entre o que a Recorrida Embargante pagou a título de comissões, imposto do selo e juros – 71.728,15€ – e os 2.800,31€ respeitantes ao imposto do selo pago nos nove contratos.
V. O rendimento decorrente da venda dos títulos em questão não dava sequer para pagar uma pequena parte dos custos do financiamento, e esse dado não podia ser ignorado pelo Recorrente Embargado no momento da contratação, e foi omitido grosseiramente à Recorrida Embargante.
W. Devidamente apreciadas as declarações da Recorrida Embargante e o Doc. 9 junto com os Embargos, deveria ter sido dado como provado, no facto 40 da douta sentença, que “A embargante recebeu, das vendas dos produtos financeiros, cerca de nove mil euros (7.500€ em 2016, e 1.500€ em 2017), e pagou, pelo menos, 5.000€, o que se traduziu num ganho líquido de 3.500€”. 
X. Se, mesmo após a venda executiva dos títulos, permanece em dívida ao banco a quantia de 59.260,91€ (cfr. informação a fls. … dos autos), esse valor não deve ser considerado devido ao Recorrente Embargado, porque a Recorrida Embargante sofreu danos em montante superior ao que seria devido ao Recorrente Embargado.
Y. A Recorrida Embargante desconhecia os termos da contratação, e assim se explica que na própria petição de embargos se tivessem considerado todas as hipóteses possíveis, e que a instrução da causa permitiu compreender. Por conseguinte, se a Recorrida Embargante não tinha a informação, não podia invocar as irregularidades agora conhecidas.
Z. A tese do Recorrente Embargado relativamente à novação da dívida não pode deixar de configurar um manifesto abuso, na medida em que os deveres de informação são pré-contratuais a qualquer um dos nove contratos de mútuo celebrados, havendo, além do mais, uma relação comercial única, ainda que corporizada em vários contratos.
AA. O Tribunal a quo, na douta sentença, não reconhece que a Recorrida Embargante possa invocar o abuso de direito do Recorrente Embargado, seja na contratação dos contratos de financiamento descritos pelo Recorrente na contestação aos embargos, seja no próprio preenchimento da livrança dada à execução – conforme invocou a Recorrida na alínea A do seu pedido – e aqui, sem que tenha sido indicada qualquer fundamentação para tal asserção, o que desde logo consubstanciaria uma flagrante nulidade, por violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, o que desde já, e à cautela, se invoca. Ora,
BB. A violação grosseira dos deveres contratuais do Recorrente Embargado determinou, desde logo, e em primeira linha, que o preenchimento abusivo da livrança dada à execução.
CC. A autorização para preenchimento é dada no pressuposto de a autorizante não ter sido enganada e de não ter havido violação dos deveres de assistência e informação, como ocorreu.
DD. A partir do momento em que o Recorrente Embargado incumpriu de forma tão ostensiva esses deveres de assistência e informação, desequilibrando decisivamente o(s) contrato(s) que tinha com a sua cliente subscritora da convenção de preenchimento, estaria o Recorrente Embargado inibido de preencher a livrança, pelo que, se o fez, fê-lo abusivamente.
EE. Contrariamente ao alegado pela Recorrida Embargante, o douto Tribunal a quo concluiu pela inexistência de “motivo para considerar que a embargante actua em “abuso de Direito” (cfr.8 da sentença da sentença sob recurso).
FF. Para o caso de o recurso interposto pelo Recorrente Embargado proceder, o que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se admite, requer-se respeitosamente ao Tribunal ad quem a condenação do Recorrente Embargado no primeiro pedido dos embargos, sendo julgada procedente, por provada, a exceção de preenchimento abusivo da livrança junta pelo Recorrente Embargado ao douto Requerimento Executivo, o que determinaria a nulidade do título executivo dado à execução, devendo, em consequência, julgar-se extinta a execução por esse motivo.
GG. Do probatório resulta à saciedade que houve responsabilidade pré-contratual do banco Recorrente Embargado, por violação dos deveres de informação e do dever de boa-fé, prévios à celebração do contrato.
HH. Mas houve também violação de tais deveres já no decurso da relação contratual, como também ficou demonstrado sem margem para dúvidas.
II. Avultam na nossa jurisprudência inúmeros acórdãos a darem razão aos clientes das instituições financeiras em situações semelhantes, ou seja, decisões dos tribunais superiores que condenam os bancos pela violação dos deveres de assistência e informação, prévios à formação do contrato.
JJ. Tem sido seguida pela nossa jurisprudência mais recente a corrente jurisprudencial mais exigente quanto ao conteúdo do dever de informação, expressa por exemplo no Acórdão do STJ de 10.04.2018, processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1 (publicado em www.dgsi.pt), onde se sumariou o seguinte: “I. A protecção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your client no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente – nº 3 do art.º 304.º do CVM – devendo observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. II. O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transacção é adequada ao cliente – suitability test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a profissionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo actuar como “diligentissimus pater familias”, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve. (…) IV. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo précontratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte. V. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual – art.º 483º, nº1, do Código Civil –, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art.º 799.º, n.º 1, do Código Civil, sendo claro o n.º 2 do art.º 304.º-A do CVM quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.”
KK. Os deveres de diligência, lealdade, respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados estão ainda plasmados nos art.º 73.º, 74.º e 75.º do RGICSF.
LL. Na maioria dos acórdãos disponíveis, houve situações em que os títulos em causa (por exemplo, obrigações convertíveis e certificados) perderam o seu valor, o que ocorreu porque tais títulos não tinham o seu capital garantido, e por isso os bancos foram condenados a ressarcir os clientes. No caso vertente, a situação é pior: neste caso, os títulos nem sequer perderam o seu valor (houve vendas com menos-valia, mas houve também vendas com mais-valia).
MM. Quanto à culpa, os referidos arts. 799º, n.º 1, do Código Civil, e 304.º-A, n.º 2, do CVM, estabelecem uma presunção de culpa do banco. Ainda que assim não fosse, no caso vertente houve culpa grave, para não falar em dolo, se atentarmos nas sucessivas renovações dos financiamentos, para encobrir o mal já feito.
NN. Ficou igualmente demonstrado o nexo de causalidade entre a omissão no cumprimento dos deveres de assistência, informação e boa-fé e os danos causados.
OO. Deveria, por isso, o Tribunal a quo ter dado como provado, pela análise das declarações da Recorrida Embargante que, “se a Embargante tivesse sido corretamente aconselhada e tivessem sido cumpridos os procedimentos normais para este tipo de operações, nomeadamente, através da prestação de informação completa e verdadeira ao cliente, a Embargante não teria contratado os créditos referidos nos factos provados 6, 16, 18, 19, 20, 21, 23, 24 e 26, nem adquirido os produtos financeiros identificados nos factos provados 3 e 4”.
PP. Os danos causados já foram identificados e constam da prova documental junta como Docs. 1, 3 e 6 a 12, da douta Contestação do Recorrente Embargado, cujos termos foram dados como reproduzidos nos factos 6, 16, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 26 da douta sentença. Caso não se considerasse suficientemente demonstrado o que resulta dos mencionados documentos 1, 3, 6 a 12, nada impediria, salvo melhor opinião, que se apurasse o valor do custo dos financiamentos em sede execução de sentença, o que desde já à cautela se requer.
QQ. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a Recorrida Embargante entende que, caso não fosse considerada procedente o primeiro pedido, deveria proceder a exceção de compensação invocada em segundo lugar nos embargos.
RR. Os créditos da Recorrida Embargante são os que decorrem da responsabilidade civil pré-contratual e contratual do banco Recorrente Embargado e, salvo o devido respeito, podem ser compensados com o crédito exequendo, caso o mesmo seja exigível nesta sede.
SS. Durante muitos anos entendeu-se que o crédito compensatório deveria ser exigível no momento da invocação da compensação, pelo que não poderia ser invocado em juízo, a esse título, o direito de crédito indemnizatório decorrente de responsabilidade civil enquanto não estiver judicialmente reconhecido.
TT. Essa tese tem vindo a ser sistematicamente contrariada pela jurisprudência mais recente. Socorremonos do Acórdão da Relação de Lisboa de 10/05/2018, prolatado no processo 20814/11.5YYLSB-A.L1- 2 (publicado em www.dgsi.pt), que, de uma forma exaustiva, estabelece a linha do tempo das decisões jurisprudenciais que versaram especificamente sobre este tema. Conclui-se assim no dito Acórdão: “Um crédito indemnizatório é já um crédito constituído se se provarem, em julgamento, os factos respectivos. O facto de um crédito ser controvertido/litigioso não o torna inexistente até ao momento de ser reconhecido. Um crédito indemnizatório é também um crédito, porque a responsabilidade civil é também uma fonte de obrigações. As coisas não mudam apenas porque se têm de apreciar – se é que têm – mais factos para se concluir pela existência de um crédito indemnizatório do que pela existência de um crédito não indemnizatório. (…) Assim sendo, nem a inexistência de reconhecimento judicial do pretendido contracrédito, nem a circunstância de o mesmo ser impugnado e, por isso, se mostrar controvertido, impedem, por regra, a invocação da compensação, devendo, então, ser produzida prova (com consideração da factualidade pertinente na fase própria do processo) da existência do crédito e da sua exigibilidade no processo onde a compensação é deduzida, termos em que a compensação operará ou não, levando à extinção, total ou parcial, do crédito peticionado, na medida em que venha, a final, a ser reconhecida a existência e exigibilidade desse invocado contracrédito. (…) Chegados a este ponto, podemos concluir que o crédito é exigível judicialmente quando o declarante da compensação se arroga titular de um direito de crédito susceptível de ser reconhecido em acção de cumprimento. (…) Em suma, não há qualquer obstáculo à dedução da compensação pelo executado e, por isso, os embargos não podiam ser liminarmente indeferidos quanto a este fundamento.
UU. Mais recentes e no mesmo sentido, vejam-se, o acórdão do STJ de 28.10.2021 (Proc. 16/14.0YYLSBB.L1.S1), o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.1.2020 (Proc. 51796/18.1YIPRTB.C1), o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7.2.2019 (Proc. 21843/15.5T8SNT-A), o acórdão do Tribunal de Relação do Porto de 18.1.2021 (Proc. 324/14.0TTVNG-D.P1), todos publicados in www.dgsi.pt.
VV. Caso assim não se entendesse, o que não se concede, sempre se deveria ter apreciado, em sede de 1ª instância, a atuação abusiva do Recorrente Embargado, que atuou em abuso de direito quando impeliu a Recorrida Embargante para a situação descrita nos autos, vindo agora reclamar o pagamento de algo que sabe não ser devido.
Nestes termos e com o douto suprimento deste venerando tribunal, deverão as conclusões formuladas pelo recorrente embargado ser julgadas totalmente improcedentes e, em consequência, ser mantida a decisão recorrida, em caso de procedência das questões suscitadas pelo recorrente embargado, o que apenas por mera hipótese se admite sem contudo conceder, deve o tribunal ad quem pronunciar-se sobre as questões decididas na douta sentença com as quais a recorrida embargante não se conforma, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 636º do CPC, alterando a decisão recorrida nos termos expostos nas presentes contra-alegações e declarando procedentes os embargos, por provados.”
A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
“1 - Em 2015 a embargante vivia com dificuldades económicas, sem rendimentos do trabalho, necessitando de ajuda familiar para as despesas do agregado familiar (dois filhos menores) – situação conhecida pelo gerente da sua conta.
2 - Em 24-IX-15 embargante, embargada e MR outorgaram o “MÚTUO COM HIPOTECA” junto a fls 148 a 156 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – 90.000,00€, a pagar em 322 prestações mensais.
3 - Em 10-XI-15 a embargante assinou a “Ordem de Compra de Instrumentos Financeiros” junta a fls 22v e 185v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativa a 4318 ‘CERTIFIC BCPI EUROSTOXX 50’ - bem como as “Informações Fundamentais ao Investidor” juntas a fls 186 a 188.
4 - Em 10-XI-15 a embargante assinou a “Ordem de Compra de Instrumentos Financeiros” junta a fls 181v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativa a 7082 ‘CERTIFIC BCPI S&P 500’ -, bem como as “Informações Fundamentais ao Investidor” juntas a fls 182 a 184.
5 - Em 10-XI-15 a embargante assinou o “Questionário de Conhecimento e Experiência sobre Instrumentos Financeiros e Equiparados” junto a fls 29 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
6 - Em 10-XI-15 a embargante assinou o “Crédito Pessoal - Contrato” (nº 2805191512) junto a fls 98v a 102v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativo a 300.881,06€, a pagar em 10-II-16.
7 - Em 10-XI-15 a embargante entregou à embargada a livrança nº 500905479151676585, assinada “em branco” (fls 103v).
8 - Em 10-XI-15 a embargante assinou o “CONTRATO DE PENHOR ESPECÍFICO SOBRE VALORES MOBILIÁRIOS COM CLÁUSULA ‘STOP LOSS’” junto a fls 34 a 37, e 104v a 107v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativo a 4.318 ‘CERTIFIC BCPI EUROSTOXX 50’ e 7.082 ‘CERTIFIC BCPI S&P 500’.
9 - A embargante assinou os documentos supra (de 10-XI-15) ‘de cruz’, por confiar no gestor de conta – não tendo ficado com cópias, e não lhe tendo sido explicados os respectivos teores.
10 - A embargante não percebeu, nem lhe foi explicado, que produtos estavam a ser adquiridos, respectiva forma de funcionamento, e quais os riscos associados – não lhe tendo sido explicado que poderia perder todo o capital aplicado e ficar com uma dívida avultada.
11 - Em 10-XI-15 a embargada creditou na conta da embargante – que apresentava o saldo de 304.522,58€ -, a quantia de 300.881,06€ (fls 145v).
12 - Em 12-XI-15 (fls 146) a embargada emitiu, sobre a conta supra, dois cheques bancários (168.895,47€ e 131.104,53€).
13 - Em 12-XI-15 foram debitados na conta supra os valores de 147.723,90€ e 147.937,18€ (fls 146) – referentes a “COMPRA BOLSA OP.375888172 DE BCPI S&P5001029” e “COMPRA BOLSA OP.375888155 DE BCPI EUROS1025P” (respectivamente).
14 - Em 12-XI-15 IF e NF e ora embargante (por si e enquanto representante legal de DV e RV) outorgaram as “COMPRAS E VENDAS” juntas a fls 196v a 199 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
15 - A compra e usufruto supra foram registados em 12-XI-15 (fls 200- 201).
16 - Em 18-II-16 a embargante assinou o “Crédito Pessoal - Contrato” (nº 2827957412) junto a fls 108v a 112v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativo a 301.242,98€, a pagar em 18-VIII-16.
17 - Em 19-VII-16 a embargada vendeu os ‘S&P 500’ por 152.441,00€ (fls 162v).
18 - Em 25-VIII-16 a embargante assinou o “Crédito Pessoal - Contrato” (nº 2870073842) junto a fls 113v a 117v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativo a 170.00,00€, a pagar em 25-XII-16.
19 - Em 27-XII-16 a embargante assinou o “Crédito Pessoal - Contrato” (nº 2897384192) junto a fls 120v a 124v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativo a 161.218,93€, a pagar em 27-VI-17.
20 - Em 30-VI-17 a embargante assinou o “Crédito Pessoal - Contrato” (nº 2935078392) junto a fls 125v a 129v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativo a 151.742,09€, a pagar em 30-IX-17.
21 - Em 3-X-17 a embargante assinou o “Crédito Pessoal - Contrato” (nº 2953854682) junto a fls 130v a 134v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativo a 151.681,35€, a pagar em 3-XII-17.
22 - Em 13-X-17 foi registada a favor da embargante a aquisição (por ‘Partilha e Doação’) da fracçao ‘BB’ do prédio descrito na C.R.P. de Loulé com o nº 4038.
23 - Em 6-XII-17 a embargante assinou o “Crédito Pessoal - Contrato” (nº 2967350292) junto a fls 135v a 139v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativo a 141.569,26€, a pagar em 6-II-18.
24 - Em 21-II-18 a embargante assinou o “Crédito Pessoal - Contrato” (nº 2982770382) junto a fls 140v a 145v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativo a 144.330,50€, a pagar em 21-V-18.
25 - Em 25-V-18 foi registada a “… – Actividades Imobiliárias Lda” (fls 160v-161) – sendo sócios a embargante e DV, e gerente (única) a embargante.
26 - Em 29-V-18 a embargante assinou o “Crédito Pessoal - Contrato” (nº 3006855482) junto a fls 38 a 43, e 91 a 96 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativo a 145.875,25€, a pagar em 84 prestações mensais –, bem como a livrança apresentada como título executivo.
27 - Em 29-II-19 a embargada emitiu a “Informação sobre Alienação Onerosa de Valores Mobiliários entre 2018/01/01 e 2018/12/31” junta a fls 163v-164.
28 - Em 7-VIII-19 a embargante assinou o “Aditamento ao Contrato de Penhor sobre valores mobiliários celebrados em 29 de Maio de 2018” junto a fls 96v-97 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
29 - Até 28-II-20 a embargada vendeu 2.599 ‘EURO STOXX 50’, por 88.900,00€ (fls 162v).
30 - Em 31-III-20 a embargada emitiu a “Informação sobre Alienação Onerosa de Valores Mobiliários entre 2019/01/01 e 2019/12/31” junta a fls 165v-166.
31 - Em 29-VII-20 a Advogada da embargante enviou à embargada carta junta a fls 59 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – tendo a exequente respondido com a ‘mensagem’ junta a fls 60 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
32 - Em 22-IX-20 a Advogada da embargante enviou à embargada a ‘mensagem’ junta a fls 61-62 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – e, em 16-XI20, a ‘mensagem’ junta a fls 63 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
33 - Em 26-III-21 a embargada emitiu a “Informação sobre Alienação Onerosa de Valores Mobiliários entre 2020/01/01 e 2020/12/31” junta a fls 167v-168.
34 - Em 5-V-21 o Advogado da embargante enviou à embargada a ‘mensagem’ junta a fls 65 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
35 - Em 17-VI-21 a embargante assinou e entregou à embargada os “Pedidos Diversos” juntos a fls 68 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – não tendo a embargada procedido às vendas.
36 - Em 4-X-21 a exequente enviou à embargante a carta junta com o r.e. (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativa a “Resolução do contrato” (referindo 14 prestações não pagas, e o capital em dívida de 108.532,27€).
37 - Em 24-X-21 a exequente preencheu a livrança com o valor de 118.549,05€.
38 - Em 31-III-22 foi registada a favor da embargante a aquisição do prédio descrito na C.R.P. de Lisboa com o nº 2020 (fls 202).
39 - A embargada não acionou a cláusula ‘STOP LOSS’.
40 - A embargante recebeu, das vendas dos produtos financeiros, cerca de nove mil euros (7.500€ em 2016, e 1.500€ em 2017).”

A decisão recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto:
“41 - Devido aos graves problemas financeiros, e por sugestão do gestor de conta, a embargante contratou uma abertura de crédito no montante de 300.000,00€.
42 - Pelo gestor de conta foi dito à embargante que a embargada aplicaria o valor financiado, o que lhe traria uma rentabilidade suficiente para fazer face ao serviço da dívida (isto é, para pagar o empréstimo), mas também, e sobretudo, um rendimento suficiente para ajudar ao seu desafogo financeiro.
43 - Estas foram as únicas explicações prestadas à embargante antes da contratação da conta corrente caucionada.
44 - A embargante sempre entendeu que estariam a conceder-lhe um vulgar empréstimo, que pagaria em prestações mensais, iguais e sucessivas.
45 - A embargada efectuou diversos débitos não autorizados na conta co-titulada pela embargante.
46 - Em 17-VI-21 os ‘produtos’ tinham o valor de 70.951,00€.
47 - As partes acordaram (em V-18) que, face à incapacidade da embargante na liquidação integral do valor mutuado, não seriam celebrados novos contratos de liquidez de curto prazo, pelo que estes seriam extintos e, em seu lugar, foi criada uma nova obrigação.
48 - O montante financiado (300.881,06€) foi utilizado pela embargante através da emissão dos cheques bancários.
49 - A embargante comunicou à embargada que teria um vencimento duma operação no ‘Novo Banco’ no valor de cerca de 600.000€.
50 - Após analisar a proposta de financiamento da embargante, a embargada aceitou-o, atendendo ao valor que se encontrava depositado na conta, e sob condição de constituição de penhor.
51 - A embargante obteve, do investimento feito nos produtos financeiros, mais valias no valor de cerca de 14.500,00€.
52 - Após 17-VI-21 (após ser informada sobre o teor do contrato de penhor) a embargante comunicou à embargada que não tinha interesse na venda dos produtos financeiros.”
*
Importa, ainda, considerar a seguinte factualidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso, decorrente do processo principal de execução:
A) A ação executiva foi instaurada em 05/01/2022, sendo o requerimento executivo do seguinte teor:
“Factos:
1.º O Banco exequente é legítimo titular e portador de uma livrança no valor de € 118.549,05 (cento e dezoito mil, quinhentos e quarenta e nove euros e cinco cêntimos), subscrita pela executada PV, emitida a 29/05/2018 e com vencimento em 24/10/2021, a qual aqui se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais - documento n.º 1.
2.º A referida livrança titula o montante que se encontra em dívida proveniente de um contrato de empréstimo, ao qual foi atribuído o n.º 3006855482, celebrado entre o exequente e a subscritora, no âmbito da atividade bancária a que o exequente se dedica.
3.º No dia 2 de setembro de 2021, o Exequente interpelou a ora executada, através de carta registada com aviso de receção, para a regularização dos montantes em dívida no âmbito do contrato n.º 3006855482, celebrado entre as partes e titulado pela livrança que ora se executa – cfr. carta de interpelação e respetivo talão de aviso de receção que se juntam e cujos conteúdos se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais – documento n.º 2.
4.º Apesar da referida interpelação, a executada não regularizou o incumprimento que se verificava, motivo pelo qual o exequente, através de carta registada com aviso de receção, datada de dia 4 de outubro de 2021, promoveu pela resolução do contrato de empréstimo n.º 3006855482. – cfr. carta e respetivo talão de aviso de receção que se juntam e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – documento n.º 3.
5.º Apresentada a pagamento na data do seu respetivo vencimento, a livrança que ora se executa não foi paga então, nem posteriormente até hoje, pela interveniente obrigada.
6.º Para além do capital em dívida acrescem os juros de mora, nos termos do artigo 559.º do Código Civil, desde a data do vencimento da livrança até ao seu integral pagamento.
7.º A estas quantias acrescem ainda os valores correspondentes ao imposto de selo à taxa prevista na Tabela Geral do Imposto de Selo.
8.º Assim sendo, os créditos do exequente ascendem, na presente data, ao montante global de € 119.332,71 (cento e dezanove mil, trezentos e trinta e dois euros e setenta e um cêntimos) assim discriminada:
a) € 118.549,05, quanto ao valor titulado pela livrança;
b) € 753,52, quanto a juros de mora;
c) € 30,14, quanto a imposto de selo.
9.º A estes montantes acrescem o dos juros vincendos e correspondente imposto de selo até efetivo e integral pagamento, a liquidar pelo agente de execução a final, nos termos do artigo 716.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
10.º A referida livrança constitui título executivo nos termos do artigo 703.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil.
11.º A executada outorgou em 29 de maio de 2018, a favor do Banco exequente, que o aceitou, um contrato de penhor sobre os valores mobiliários no montante de € 145.875,25 (cento e quarenta e cinco mil, oitocentos e setenta e cinco euros e vinte e cinco cêntimos) melhor descritos na relação anexa ao contrato de penhor que se junta como documento n.º 4.
12.º A executada, no âmbito do referido contrato – cfr. documento n.º 4 – constitui o penhor a favor do Banco Comercial Português, S.A. para garantia do cumprimento de todas as obrigações e responsabilidades assumidas e a assumir perante o Banco.
13.º Em face do título executivo, a obrigação é certa, exigível e líquida.”
I) Com o requerimento executivo o exequente juntou, nomeadamente:
- livrança com o nº 500905479160364418, subscrita pela embargante, emitida pelo embargado em 29/05/2018, com data de vencimento de 24/10/21, no valor de € 118.548,05.
- carta datada de 2 de setembro de 2021, dirigida à embargante, da qual consta relação das prestações vencidas e não liquidadas referentes ao “Crédito ao Consumo nº 3006855482”, e onde se lê:
“Assim, nos termos e para os efeitos do disposto na cláusula 12ª do contrato de crédito em referência, dispõe V. Exa(s) do prazo máximo de 20 dias a contar da data de receção da presente comunicação, para proceder à regularização de todas as responsabilidades emergentes do identificado contrato e que, nesta data, ascendem à quantia de 29.221,28 €.
Findo tal prazo, sem que se encontre integralmente regularizada a situação de incumprimento, o Banco considera definitivamente incumprido o contrato de financiamento em referência e, em consequência, procederá à sua imediata resolução.
Informamos ainda V. Exa(s) que a resolução do contrato fará com que o mesmo deixe de produzir qualquer efeito, tornando-se então, consequente e imediatamente exigível o pagamento da totalidade do capital mutuado, nomeadamente do capital vincendo no montante de 87.352,15 €, reservando-se o Banco o direito de adotar todos os procedimentos tidos por adequados, designadamente o recurso à via judicial, para cobrança dos seus créditos.”
- carta datada de 4 de outubro de 2021, dirigida à embargante, do seguinte teor:
“Estando vencidos e não pagos capital e juros do contrato de financiamento com o número 3006855482, celebrado entre V. Exa. e o Banco Comercial Português, S.A., vimos por este meio informar que, nos termos dos arts. 781º e 1150º do Código Civil, consideramos resolvido o referido contrato e vencida e imediatamente exigível toda a dívida, e que, nesta data, foi efetuado o preenchimento da livrança de caução em branco para o efeito subscrita por V. Exa..
Nesta conformidade e nos termos do acordo de preenchimento constante do aludido contrato, informamos que a mesma se encontra a pagamento na morada abaixo indicada com vencimento fixado para o próximo dia 24/10/2021, pelo montante de 118.549,05 € assim discriminado:
Capital 108.532,27 €
Juros remuneratórios vencidos (14 prestações) 6.524,18 €
Juros de mora 1.274,02 €
Imposto Selo sobre juros 311,94 €
Despesas/comissão/IS 1.313,89 €
Selagem do título 592,75 €
Caso o pagamento não ocorra na data de vencimento indicada, ver-nos-emos forçados a adotar os procedimentos tidos por adequados, designadamente o recurso à via judicial, tendo em vista a cobrança do valor em dívida.”
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do CPC).
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
1. Das nulidades da sentença
2. Da impugnação da decisão de facto
3. Da (in)exigibilidade da quantia exequenda
4. Do preenchimento abusivo da livrança
5. Da compensação e do abuso de direito
*
1. Das nulidades da sentença
O embargado/apelante invoca a nulidade, ao abrigo do n.º 4 do artigo 607.º e das alíneas b) c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por não constar no elenco dos factos provados e não provados que “não ficou provado a entrega de dinheiro (ou crédito na conta da embargante) quanto ao contrato datado de dia 29 de maio de 2018 celebrado entre a Embargante e o Embargado” e ocorrer total omissão de fundamentação quanto a este facto, que fundou a procedência dos embargos.
Por seu turno, a apelada, em sede de ampliação do recurso, arguiu a nulidade da sentença ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do art.º 615º do CPC, por ter considerado que a embargante não pode invocar o abuso de direito do embargado, seja na contratação dos contratos de financiamento descritos na contestação aos embargos, seja no próprio preenchimento da livrança dada à execução, sem que tenha sido indicada qualquer fundamentação para tal asserção.
As nulidades da decisão encontram-se taxativamente enumeradas no art.º 615º, nº 1 do C.P.C. que estabelece:
“É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
A nulidade por falta de especificação de fundamentos de facto ou de direito apenas ocorre perante falta absoluta e não meramente deficiente ou incompleta.
“A nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC pressupõe a falta em absoluto de indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, e não a mera deficiência de fundamentação.
O eventual desrespeito pelo procedimento previsto no n.º4 do art.º 607, do CPC, não se pode equacionar em sede de nulidades da sentença, por falta de fundamentação absoluta da matéria de facto ou de direito, nos termos previstos na citada alínea b) do n.º1 do art.º 615.º, mas no âmbito da impugnação e reapreciação da matéria de facto.” [1]
Alberto dos Reis, in CPCivil, Anotado, Vol. V, pág. 140, afirmava que “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
A sentença recorrida contém elenco dos factos provados e não provados, pelo que não ocorre falta total, absoluta da respetiva especificação.
E mostra-se suficientemente fundamentada de direito quanto às questões que apreciou, não sendo fundamento de nulidade eventual deficiente apreciação ou a verificação de fundamento da impugnação da decisão de facto.
A apelada labora em manifesto equívoco quando alega que a sentença se pronunciou desfavoravelmente em relação ao abuso de direito que imputou à conduta do exequente e sem fundamentação.
O trecho da sentença que aborda este aspeto é do seguinte teor:
“Conclui-se, assim, pela inexigibilidade da quantia exequenda – sendo certo que tem razão a embargada quando nota que a “compensação” não pode operar (por a embargante não reconhecer a dívida, e não ser credora da embargada), e não existindo motivo para considerar que a embargante actua em “abuso de Direito” (ficando claro que é devedora do montante mutuado no contrato que aqui não está a ser executado).”
Decorre deste segmento que o tribunal a quo fez referência à atuação em abuso de direito pela embargante – e não pelo embargado – o que corresponde aos artºs 119º e ss. da contestação.
Não se verificam as nulidades imputadas, nos termos da al. b) do nº 1 do art.º 615º do CPC.
O apelante, com o único fundamento supra exposto, imputa, ainda, a nulidade ao abrigo das al.s c) e d) do preceito citado, sem aduzir qualquer outro argumento.
Não vem alegado - nem descortinamos - em que medida a omissão de um facto no elenco dos provados ou não provados possa conduzir às nulidades previstas nas referidas alíneas.
2. Da impugnação da decisão de facto
O embargado/apelante defende que devem ser aditados aos factos provados os seguintes:
a) No âmbito do contrato celebrado em 29 de maio de 2018, o Exequente entregou à Embargante a quantia de € 145.875,25.
b) No âmbito do contrato celebrado em 29 de maio de 2018, a Embargante confessou que era devedora à Embargante da quantia de € 145.875,25.
c) No âmbito do contrato celebrado em 29 de maio de 2018, a Embargante obrigou-se a retribuir ao Exequente a quantia de € 145.875,25 em 84 meses, remuneradas de acordo com a taxa de juro nominal de 5,750%.
d) No âmbito do contrato celebrado em 29 de maio de 2018, a Embargante não liquidou a prestação 26.ª que se venceu em 20 de agosto de 2020, nem as prestações seguintes.
Sustenta a prova destes factos na falta de impugnação pela embargante do contrato de mútuo celebrado em 29/05/2018, por si assinado, onde consta expressamente na cláusula 1.2 das condições gerais que o montante mutuado foi creditado na conta da Embargante com o n.º 45470138362;  no qual a embargante reconheceu e confessou ser devedora ao Banco do montante total do crédito no valor de € 145.875,25, mutuado ao abrigo do presente contrato, e dos respetivos juros e demais encargos, conforme ponto 1.3 da cláusula 1 das condições gerais do referido contrato.
Entende, ainda, que confessou, nos artigos 79.º e 91.º da oposição à execução, que foi concedido um crédito para a liquidação das suas responsabilidades anteriores; que o exequente concedeu à executada um novo empréstimo para liquidação da totalidade das responsabilidades em dívida, no valor de 145.875,25€; a embargante refere expressamente que por força da celebração do contrato n.º 3006855482 recebeu efetivamente o valor de 145.875,25 €, “cujos movimentos encontram além do mais reflexo nos movimentos a crédito e débito da conta de depósitos à ordem”.
Os artigos 77º a 91º da oposição à execução por embargos são do seguinte teor:
“77.º Querendo o Banco Exequente olvidar a uma situação de incumprimento definitivo e total, em 29 de maio de 2018, apresentou à Executada um contrato de crédito pessoal, sob a forma de mútuo, com o n.º 3006855482, a que se refere o artigo 2.º do Requerimento Executivo, e cuja cópia ora se junta como Doc. 8,
78.º Tudo, com o fim de “consolidação” de créditos, conforme resulta do teor do contrato celebrado, para liquidação da abertura de crédito referida nos artigos precedentes da presente Oposição, cujos movimentos encontram além do mais reflexo nos movimentos a crédito e débito da conta de depósitos à ordem.
79.º Se é certo afirmar-se que inexistem dúvidas quanto aos verdadeiros motivos da concessão deste outro crédito, a liquidação de responsabilidades anteriores, é igualmente certo afirmar-se que, mesmo não se tendo optado por uma reestruturação do crédito, a concessão de novo financiamento se mostra insuficiente como causa extintiva do fundamento da concessão do crédito,
80.º Isto para se dizer que não é dissociável desta operação de crédito a operação de crédito que a antecede.
81.º Este último contrato, tal como o primeiro contrato, entrou em situação de incumprimento, e é agora dado à execução através do preenchimento da livrança junta ao requerimento executivo como Doc. 1, em violação dos bons costumes. Efetivamente,
82.º O Banco Exequente foi o único responsável por colocar a Executada nesta situação de incumprimento e tem-se comportado como verdadeiro e real beneficiário deste crédito desde o início, ora concedendo crédito que sabia não respeitar os critérios prudenciais e de risco na concessão de crédito, ora prometendo e aplicando esses capitais em produtos de que é emitente, comercializador e agente de cálculo e dos quais resultaram perdas avultadas, geradoras deste incumprimento, querendo agora exigir a final que a Executada pague a perda criada pela incúria do próprio, acrescido de juros e comissões de recuperação de valores em dívida.
83.º Sucede ainda, que tal como na concessão do primeiro crédito, o Banco Exequente violou as mais elementares regras na concessão de crédito, nomeadamente as de solvabilidade da Executada, isto é, a avaliação da capacidade e propensão de o consumidor cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito,
84.º Deixando de ponderar/analisar ou interessar-se por elementos como os rendimentos e as despesas da Executada ou a sua situação profissional, a que se fez referência nos artigos precedentes. E não ficamos por aqui.
85.º Tendo presente tudo o que ficou exposto, afigura-se legítimo concluir que o Banco Exequente nunca deixou de ser o proprietário do capital exequendo. Na verdade,
86.º Conforme se alegou, o Banco Exequente emprestou o valor de 300.000,00€, através de uma abertura de crédito, por meio da aferição negligente ou dolosa dos pressupostos prudenciais e de risco na concessão de crédito.
87.º Em ato contínuo, pediu à Executada que assinasse a ordem de subscrição de produtos financeiros complexos, produtos dos quais é emitente, comercializador e agente de cálculo (responsável pelo cálculo do valor do instrumento financeiro, sempre que o respetivo valor não possa ser obtido através do funcionamento normal do mercado), mas também, pelo menos, o intermediário na aquisição e o agente que guarda os produtos financeiros, com a consequente cobrança de comissões,
88.º Sabendo, por isso, que agia em conflito de interesses. Mais,
89.º Prometeu à Executada que o rendimento dos produtos permitiria o reembolso da totalidade do capital e o pagamento dos juros e, ainda, obter rendimentos para fazer face aos seus encargos.
90.º No mesmo ato, constituiu um penhor financeiro sobre os produtos, impedindo a sua livre disponibilidade, isto é, a liquidação seria sempre imputada à liquidação do montante disponibilizado através da conta corrente.
91.º Como a variação se mostrou negativa, deixando de gerar valor que permitisse o pagamento do serviço da dívida, o Exequente concedeu à Executada um novo empréstimo para liquidação da totalidade das responsabilidades em dívida, desta feita no valor de 145.875,25€ (cfr. Doc. 8).”
Das condições gerais do contrato n.º 3006855482, celebrado em 29/05/2018, a que se refere o facto provado nº 26, que remete para o documento junto a fls 38 a 43, e 91 a 96, cujo teor dá por reproduzido, consta o seguinte:
“1.2. Este empréstimo funcionará através de uma conta empréstimo aberta em nome do(s) Mutuário(s), sendo o montante mutuado, por débito daquela creditado de uma só vez na conta dos(s) Mutuário(s) aberta no Banco…, indicada supra nas Condições Particulares, conta esta adiante designada por “Conta Vinculada".
1.3. O(s) Mutuário(s), desde já, se reconhece(m) e confessa(m) devedor(es) ao Banco do montante total do crédito, indicado nas Condições Particulares deste contrato, mutuado ao abrigo do presente contrato, e dos respetivos juros e demais encargos aqui convencionados.”
E das condições particulares consta:
“Finalidade: Consolidação
Montante Total do Empréstimo: 145.875,25 EUR
Prazo do Empréstimo: 84 meses
Dia de Vencimento das Prestações: 20
Periodicidade das Prestações de Capital e Juros: mensal (…)
Data de vencimento da primeira 20/07/2018
Taxa Juro Nominal inicial: 5.750%
Prestações de Capital e Juros no valor unitário de 2.129,63 EUR/cada
Período de fixação da Taxa de juro nominal: 84 meses
N º Prestações de Capital e Juros: 84
Descritivo Taxa Juro: Taxa Fixa
Regime de Prestações: Constantes e sucessivas (…)”
Mais se consignou no referido contrato que a mutuária é “Titular(es) da conta BCP de depósitos   ordem nº 45470138362 adiante também designada por Conta Vinculada.”
No referido contrato a embargante confessou-se devedora da quantia de € 145 875.25.
O contrato de mútuo celebrado em 28/05/2018 constitui documento particular, cuja autoria foi reconhecida pela embargante, pelo que nos termos do disposto no art.º 374º, nº 1 do CC faz prova plena quanto às declarações que lhe são atribuídas. Os factos abrangidos pelas declarações, na medida em que são contrários aos interesses do emitente, consideram-se provados.
A embargante não arguiu a falsidade do documento, pelo que nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º, nº 1, 376º do CC tais factos mostram-se plenamente provados.
No articulado de oposição à execução por embargos a embargante admite que a concessão de outro crédito, através do contrato de 29/05/2018, destinou-se à liquidação de responsabilidades anteriores e que o mesmo também entrou em incumprimento.
Relativamente à entrega da quantia mutuada, a embargante alegou na oposição:
“123º Ora, o referido capital nunca foi entregue à Executada, porquanto o Banco Exequente utilizou o mesmo para regularizar contabilisticamente o incumprimento do contrato de abertura de crédito a que se fez referência no presente articulado, com o n.º 2805191512,
124.º Não constituindo o lançamento a crédito do dito valor na conta bancária da Executada o cumprimento da obrigação de entrega por parte do Exequente, porquanto, em ato sucessivo, o mesmo foi imediatamente retirado para liquidação de anterior obrigação.
125.º Assim, não tendo sido cumprida a obrigação de entrega por parte do Exequente, afigura-se legítimo concluir que não se constituiu o contrato de mútuo, o qual na realidade foi ficcionado, pelo que a livrança que é acessória do mesmo foi preenchida abusivamente.”
Embora afirme que não ocorreu entrega, a embargante admite/confessa que a quantia mutuada foi creditada na sua conta, ainda que de seguida a mesma tenha sido utilizada para liquidação de anterior obrigação. Mas esta utilização foi a acordada entre as partes, como a própria confessa quando afirma que a nova concessão de crédito se destinou a liquidação de responsabilidades anteriores e é questão distinta da própria entrega.
O depoimento prestado pela testemunha BG e declarações da embargante, indicadas pelo apelante, quanto a estes factos nada adiantam.
Para a decisão do recurso da decisão de facto importa ter presente, além do mais, as regras do ónus da prova.
Na contra-alegação do recurso a apelada defende que incumbia ao exequente ter alegado no requerimento executivo a entrega da quantia monetária, invocando o disposto no art.º 703º, nº 1, al. c) do CPC.
A apelada labora em manifesto equívoco. A norma citada prevê dois tipos distintos de títulos executivos: os títulos de crédito e os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos (ou seja, aqueles que deixaram de poder qualificar-se enquanto títulos de crédito). Apenas quanto a estes, se exige que os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.
Como afirmam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, CPC Anotado, Almedina, vol. II, pág. 24-26 “Sem embargo de alguma disposição especial, nos termos do nº 1, al. c), apenas é conferida exequibilidade aos “títulos de credito”, a par dos “títulos de crédito que sejam meros quirógrafos …desde que os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”, nos termos do art.º 724º, nº 1, al. e). (…)
Como já se assinalou, a al. c) veio prever explicitamente que também podem servir de base à execução “quirógrafos” de títulos de crédito, ou seja, documentos autógrafos de reconhecimento de dívida, como aqueles que, tendo valido como títulos de crédito, deixaram de ter essa qualificação por via de vicissitudes decorrentes dos regimes constantes da LULL e da LUCh.”
Dado que o título executivo é a livrança (título de crédito) dada de garantia pelo cumprimento do contrato de mútuo, não tinha o exequente que fazer prova (complementar) da entrega da quantia mutuada, uma vez que no contrato de mútuo a executada se confessou devedora da referida quantia, não tendo arguido a sua falsidade. Não recaía, pois, sobre o exequente o ónus da prova da entrega da quantia monetária, mas sobre a embargante, se pretendesse impugnar a autenticidade/veracidade da sua declaração confessória, que a mesma nunca lhe foi entregue ou creditada em conta bancária da sua titularidade – o que não fez.
Neste sentido, v. entre outros, o acórdão do STJ de 14/09/2021, proc. nº 2449/18.3T8OER-A.L1.S1, in www.dsgi.pt, citado pelo apelante:
“Como a livrança está no domínio das relações imediatas, os sujeitos da relação cambiária, Recorrentes e Recorrido, são igualmente os sujeitos da relação fundamental ou subjacente, era lícito àqueles defenderem-se alegando a inexistência da obrigação fundamental, ou seja, “competia-lhes provar que não lhes foi concedido, a título pessoal, qualquer empréstimo pelo recorrente/embargado e que não celebraram qualquer contrato de "financiamento" com o banco exequente, ou com o seu antecessor Banco Espírito Santo, bem como a inexistência de qualquer incumprimento que permita o accionamento da livrança pelo ora recorrente/embargado, de acordo com o disposto no art.º 342º, nº 2 do CC”, como bem referiu o acórdão recorrido. Prova que não fizeram.
Não era o Exequente que tinha de provar a existência do empréstimo (a obrigação subjacente); eram os Executados que tinham o ónus de alegação e prova de que, embora tendo subscrito a livrança, não têm qualquer dívida para com o Exequente.
É certo que se deu como não provado que a “livrança dada à execução foi entregue pelos executados ao exequente para garantia do escrito denominado "Crédito ao Consumo BES" datado de 28.09.20002”, e que “No âmbito do mencionado contrato o exequente disponibilizou aos executados o montante de 2.582.437$00.”
Sucede que da não prova de um facto, que pode resultar de circunstâncias várias atinentes às vicissitudes da produção e valoração da prova, não significa que se prova o contrário, como reiteradamente se tem decidido. Ter sido julgado não provado que “no âmbito do mencionado contrato o exequente disponibilizou aos executados o montante de 2.582.437$00", não equivale a dar como provado que no âmbito do mencionado contrato o exequente não disponibilizou aos executados o montante de 2.582.437$00.
Em suma, estando em causa uma execução cambiária não tinha o Exequente de provar a relação subjacente, bastando-lhe apresentar o título de crédito assinado pelos Executados; sobre estes recaía, em sede de oposição à execução, alegar e provar a inexistência da obrigação fundamental, para se isentarem a responsabilidade resultante da subscrição da livrança, prova que não fizeram.”
Tendo a exequente colocado em causa a entrega da quantia monetária, fê-lo em termos irrelevantes, pois admitiu que a quantia mutuada foi creditada na sua conta, o que equivale à entrega. Competia-lhe alegar e demonstrar, com vista à impugnação da sua declaração confessória exarada no contrato, que esta era falsa, que a quantia mutuada não lhe foi entregue nem creditada na sua conta bancária. Não foi essa a versão que trouxe aos autos, pelo que estava o exequente dispensado de fazer prova complementar de tal facto.
A embargante, além de admitir ter pago prestações (o que apenas se justifica por lhe ter sido entregue o capital mutuado), não impugnou o valor da quantia em dívida em relação ao mencionado contrato, tendo assumido que o mesmo entrou em incumprimento.
O exequente, com o requerimento executivo anexou cópias de cartas remetidas à embargante,  datadas de 02/09/21 e 04/10/21, comunicando na primeira as prestações em dívida (a partir da 26ª), concedendo prazo para o pagamento, sob pena de considerar definitivamente incumprido o contrato e de proceder à imediata resolução, e imediatamente exigível o pagamento da totalidade do capital mutuado; tendo comunicado na segunda que considerava resolvido o referido contrato e vencida e imediatamente exigível toda a dívida, e que, nessa data, foi efetuado o preenchimento da livrança de caução em branco.
A embargante não impugnou qualquer das referidas cartas.
Assim há que concluir que se mostra confessada a entrega da quantia mutuada, mediante crédito na conta titulada pela embargante, mais resultando do contrato de crédito nº 3006855482, da admissão de factos na oposição, na falta de impugnação de factos do requerimento executivo, e dos referidos documentos juntos com o requerimento executivo, os seguintes factos provados, cujo aditamento se determina:
“a) No âmbito do contrato celebrado em 29/05/2018, a embargante confessou que era devedora à embargada da quantia de € 145.875,25, que esta creditou em conta da titularidade da embargante.
b) No âmbito desse contrato a embargante obrigou-se a retribuir ao exequente a quantia de € 145.875,25 em 84 meses, remuneradas de acordo com a taxa de juro nominal de 5,750%.
c) No âmbito do mesmo contrato a embargante não liquidou a prestação 26.ª que se venceu em 20 de agosto de 2020, nem as prestações seguintes.”
Por último pretende o apelante que seja aditado aos factos provados, o seguinte facto:
“O contrato com a ref. 3006855482 celebrado no dia 29 de maio de 2018 liquidou a obrigação constituída através do contrato com o n.º 2967350292 celebrado em 21 de fevereiro de 2018.”
Para o efeito sustenta que a embargante confessa que o contrato n.º 3006855482 serviu para a “liquidação de responsabilidades anteriores (…) não se tendo optado por uma reestruturação do crédito”, conforme artigo 79.º dos embargos; mais confessou no artigo 91.º dos embargos que o “Exequente concedeu à Executada um novo empréstimo para liquidação da totalidade das responsabilidades em dívida, desta feita no valor de 145.875,25€”, que corresponde ao contrato n.º 3006855482 celebrado no dia 29 de maio de 2018. Refere, ainda, que a testemunha NN afirmou expressamente que foi efetuado um novo contrato que serviu para liquidar a operação anterior.
Resulta do facto provado nº 24 que “em 21/02/18 a embargante assinou o “Crédito Pessoal - Contrato” (nº 2982770382) junto a fls 140v a 145v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativo a 144.330,50€, a pagar em 21/05/18”.
Na oposição à execução por embargos, designadamente nos artºs 78º e 91º, acima transcritos, a embargante admite que a concessão do empréstimo de 29/05/2018 se destinou a liquidar a totalidade das responsabilidades em dívida.
No seu depoimento, a testemunha NN, empregado bancário, a prestar funções no exequente, e que contatou diretamente com a embargante, afirmou que qualquer renovação de crédito implica assinatura de nova livrança e novo contrato, porque pressupõe a liquidação do anterior. À pergunta se todos os contratos anteriores eram liquidados, respondeu afirmativamente, explicando que “quando se faz uma renovação de um crédito ou de uma livrança no caso de uma empresa, o título executivo anterior é liquidado.”
Assim, adita-se aos provados o seguinte facto:
 “d) A quantia mutuada através do contrato com a ref. 3006855482 celebrado no dia 29 de maio de 2018 liquidou a obrigação constituída através do contrato com o n.º 2967350292 celebrado em 21 de fevereiro de 2018.”
Pelo exposto procede a impugnação da decisão de facto, determinando-se o aditamento de quatro factos aos provados.

3. Da (in)exigibilidade da quantia exequenda
O tribunal recorrido julgou improcedentes os embargos com fundamento na inexigibilidade da quantia exequenda, por não ter sido provada a entrega da quantia mutuada, não estando assim constituído o contrato de mútuo, por falta deste requisito.
Em consequência da alteração da decisão de facto, com o aditamento aos factos provados, o fundamento da improcedência dos embargos sufragado na sentença recorrida não pode subsistir, pois provaram-se os requisitos do contrato de mútuo celebrado entre as partes.
Com efeito, em 29/05/2018 exequente e executada celebraram negócio jurídico mediante o qual o exequente concedeu à executada a quantia de € 145.875,25, creditada na conta bancária da executada, a qual se obrigou a reembolsar esse valor em 84 prestações mensais, remuneradas de acordo com a taxa de juro nominal de 5,750%.
Nos termos do disposto nos artºs 1142º do Código Civil e 362 a 365 e 394 a 396 do Código Comercial e artigo único do Decreto n.º 32.765, de 29 de abril de 1943 este negócio jurídico é um contrato de mútuo bancário.
O apelante defende, ainda, que com a celebração do contrato celebrado em 29/05/2018, ocorreu novação do anterior, insurgindo-se contra o entendimento da 1ª instância que afastou tal forma de extinção da obrigação figura por não se mostrar “expressamente manifestada” a “vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga” (CC 859º).
Do contrato de mútuo celebrado em 29/05/2018, consta como finalidade “consolidação”, nele se faz referência à emissão de livrança e celebração de contrato de penhor. A livrança (dada à execução) foi assinada pela embargante e o contrato de penhor celebrado na mesma data.  
Mais, ficou demonstrado que o contrato com a ref. 3006855482 celebrado no dia 29 de maio de 2018 liquidou a obrigação constituída através do contrato com o n.º 2967350292 celebrado em 21 de fevereiro de 2018, relativo a 144.330,50€, a pagar em 21/05/2018.
Dispõe o art.º 857º do CC que “dá-se a novação objetiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga.”
E estatui o art.º 859º do CC que “a vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada.”
“A novação consiste na convenção pela qual as partes estinguem uma obrigação, mediante a criação de uma nova obrigação no lugar dela.” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 4ª edição, vol. II, pág. 220).
São requisitos da novação: a existência de “animus novandi”, traduzido na declaração de vontade expressa de substituir a obrigação antiga por uma nova; a existência e validade da obrigação primitiva; e a validade da nova obrigação.
“Como escreve Menezes Leitão, a novação objetiva “(…) consiste na extinção de uma obrigação em virtude da constituição de uma nova, que a substitui. A razão determinante da extinção da obrigação é neste caso a constituição de um novo vínculo que, embora se identifique economicamente com a obrigação extinta, tem uma fonte jurídica diferente.
(…) O que carateriza a novação é (…) a circunstância de que o facto jurídico que desencadeia a extinção da obrigação antiga ser simultaneamente o facto jurídico que constitui a nova obrigação.”
Da novação objetiva, que pode operar-se, tanto por substituição da prestação, como por substituição da causa ou fonte da obrigação, são exemplos, respetivamente, o caso de o devedor, com o acordo do credor, se obrigar a entregar-lhe, em vez da máquina combinada, certa quantia em dinheiro, e o caso de o mandatário obrigado a restituir ao mandante quantias que dele recebera para exercer o mandato, ficar com elas a título de mútuo. (…)
Desde logo, os factos não revelam que as partes tenham ficado pela sucessiva substituição da obrigação de restituição da quantia de 15.000.000$00 já existente na esfera jurídica dos mutuários – contração de uma nova obrigação com concomitante extinção da já existente -, mostrando, diversamente, que celebraram novos e diferentes contratos, cada um deles outorgado com vista à aquisição, por parte dos mutuários, de liquidez que lhes permitisse saldar o anterior empréstimo.
E a consulta das propostas dirigidas pelos mutuários à mutuante, ora recorrida - sempre visando a celebração dos novos empréstimos que nos aludidos factos se referem –, mostra que em todas elas foi mencionado que a operação proposta – sempre no montante de 15.000.000$00, exceto na última, na qual foi mencionada a quantia equivalente de € 74.819,68 – se destinava à liquidação do empréstimo anterior.
Não foi alegada, nem se conhece, a existência de declarações apostas em documentos, ou outras manifestações de vontade, de onde conste qualquer referência a “novação”, sendo que a exigência legal de manifestação de uma vontade expressa, no sentido de que se está a novar uma obrigação já existente – extinguindo-a e substituindo-a por outra -, é aceite de forma dominante pela jurisprudência e pela doutrina.
Aliás, dizendo cada um dos mútuos respeito a períodos de tempo diferentes e sucessivos, não pode dizer-se que cada uma das novas obrigações se identifica economicamente com a obrigação anterior, o que exclui, à partida, a verificação de novação.
E, por aplicação do regime instituído nos nºs 1 e 2 do art.º 236º, segundo o qual, na falta de conhecimento da vontade real, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, é para nós manifesto que a “liquidação” anunciada nos contratos não é mais do que o pagamento da dívida existente, ou seja, a restituição da quantia mutuada através do contrato anterior - art.º 1142º.” [2]
Revertendo ao caso dos autos.
Não resulta dos factos provados que as partes expressamente tenham consignado a intenção de novar. Destinar-se a quantia mutuada em 29/05/2018 a liquidar o mútuo anterior não significa novação, pois trata-se de dois contratos de mútuo distintos. A quantia mutuada no último destinou-se à liquidação do anterior. Não está em causa um facto jurídico que simultaneamente tenha desencadeado a extinção da obrigação antiga e que constitui a nova obrigação, mas factos jurídicos distintos.
Em suma, não se mostram reunidos os requisitos da novação.
4. Do preenchimento abusivo da livrança
Importa, agora, apreciar as questões suscitadas na ampliação do recurso.
Invoca a apelada o preenchimento abusivo da livrança, com fundamento na violação grosseira dos deveres contratuais do embargado. Mais alega que a autorização para preenchimento é dada no pressuposto de a autorizante não ter sido enganada e de não ter havido violação dos deveres de assistência e informação, como ocorreu. Considera que a partir do momento em que o embargado incumpriu de forma ostensiva esses deveres de assistência e informação, desequilibrando decisivamente o(s) contrato(s) que tinha com a sua cliente subscritora da convenção de preenchimento, estando o embargado inibido de preencher a livrança.
O título executivo é uma livrança, emitida em 29/05/18, vencida em 24/10/21, e com o valor de 118.549,05€, subscrita pela executada a favor do exequente. O exequente preencheu a livrança em 24/10/21.
A referida livrança foi entregue pela embargante, assinada “em branco”, para preenchimento posterior, nos termos convencionados na cláusula 10ª das condições gerais do contrato de mútuo.
A livrança destinou-se a garantir o cumprimento do contrato de mútuo celebrado em 29/05/2018.
Em 4 de outubro de 2021 o exequente comunicou à executada a resolução do contrato de mútuo celebrado em 29/05/2018, por incumprimento (falta de pagamento de prestações), o vencimento de todas as prestações e que preencheu a livrança pelo montante de € 118.549,05€. Em 05/01/2022 instaurou execução com base naquele título cambiário.
No tocante à livrança em branco dispõe o art.º 10º da LULL, ex vi do art.º 77º, que:
Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”.
Na definição de Abel Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças Anotada, pág. 80, “o contrato de preenchimento é o ato pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc."
Estabelece o art.º 17º da LULL, aplicável às livranças por força do disposto no art.º 77º do mesmo diploma, que “as pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.”
A livrança dada à execução a que os presentes autos de embargos foram apensados não entrou em circulação, uma vez que o exequente é o seu emitente e a executada a subscritora, pelo que pode opor à embargada as exceções decorrentes da relação subjacente.
“… a letra ou livrança incompleta ou em branco pode ser validamente completada em conformidade com o que tiver sido ajustado no âmbito da sua criação, mediante acordo expresso ou tácito, designado por pacto de preenchimento, mormente no quadro da relação fundamental que determinou tal criação.
Uma vez completado o preenchimento do título e colocado este em circulação, não é lícito aos signatários cartulares, no domínio das relações mediatas, opor ao portador exceções emergentes da violação ou abuso do pacto de preenchimento, salvo com fundamento em aquisição do mesmo com má-fé ou falta grave por parte do portador, como dispõe o acima transcrito artigo 10.º da LULL. Pode ainda assim o signatário demandado impugnar a assinatura que lhe é atribuída no título, invocar a invalidade formal do ato cambiário assumido, bem como as exceções de prescrição ou de pagamento da obrigação cartular.
Já no domínio das relações imediatas, é lícito ao signatário cambiário invocar as exceções perentórias inerentes à relação causal, nomeadamente a violação do pacto de preenchimento, recaindo sobre ele o respetivo ónus de prova, nos termos conjugados dos artigos 342.º, n.º 2, e 378.º do CC e artigos 10.º e 17.º da LULL a contrario sensu.
Nessa medida, em sede de execução cartular, incumbe ao executado cambiário alegar e provar, como fundamentos de oposição por embargos, tais meios de defesa, nos termos do artigo 731.º com referência ainda ao art.º 571.º do CPC.”  [3]
Nas condições gerais do contrato de mútuo, a que se refere o facto provado nº 26, consta o seguinte:
“Cláusula 10 (Caução e Convenção de Preenchimento)
10.1. Para titulação e garantia das obrigações emergentes deste contrato o(s) Mutuário(s) obriga(m)-se a entregar, nesta data, ao Banco, uma livrança subscrita em branco, ficando, desde já  o Banco expressamente autorizado, através de qualquer um dos seus funcionários, a proceder, livre e integralmente, ao preenchimento do referido título de crédito, designadamente quanto à data de emissão, montante cm dívida, à data de vencimento e ao local de pagamento pelo valor correspondente à totalidade dos créditos e encargos emergentes do presente contrato (incluindo o capital em dívida, juros remuneratórios e moratórios), acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte do(s) Mutuário(s) de qualquer das obrigações que lhes competem e que aqui são referidas. O Banco poderá descontar essa livrança e utilizar o seu produto para pagamento dos créditos emergentes deste contrato.”
A embargante não coloca em causa que tenha deixado de pagar as prestações do referido mútuo a partir da 26ª (cfr. facto aditado da al. c), nem alega qualquer exceção referente ao pacto de preenchimento.
O único fundamento invocado prende-se com a violação dos deveres de assistência e informação, em sede pré-contratual e contratual. Todavia, da factualidade provada (factos 9 e 10) apenas resulta que “a embargante assinou os documentos supra (de 10-XI-15) ‘de cruz’, por confiar no gestor de conta – não tendo ficado com cópias, e não lhe tendo sido explicados os respectivos teores; a embargante não percebeu, nem lhe foi explicado, que produtos estavam a ser adquiridos, respectiva forma de funcionamento, e quais os riscos associados – não lhe tendo sido explicado que poderia perder todo o capital aplicado e ficar com uma dívida avultada.”
Tais factos não respeitam ao contrato de mútuo celebrado em 29/05/2018, que constitui a relação subjacente à emissão da livrança dada à execução, mas sim ao contrato de abertura de crédito celebrado em 10/11/2015, tendo na mesma data a embargante entregue à embargada a livrança nº 500905479151676585, assinada “em branco” (cfr. facto provado nº 7) – distinta da que constitui o título executivo (que tem o número 500905479160364418).
Salienta-se que desde o contrato de abertura de crédito e contrato de penhor da mesma data, a embargante celebrou com a embargada outros oito contratos de mútuo, incluindo aquele que constitui a relação subjacente à livrança dada à execução. Apenas em sede de contra-alegação e ampliação do recurso a embargante veio alegar a existência de uma única relação comercial, corporizada em diversos contratos. Mas o que importa é que o contrato de abertura de crédito e o contrato de mútuo celebrado em 29/05/2018 são dois negócios jurídicos absolutamente distintos, tendo aliás, cada um deles dado origem à emissão de uma livrança e celebração de um contrato de penhor, garantias também elas distintas.
Em suma, não se verifica o fundamento invocado quanto ao preenchimento abusivo da livrança.
5. Da compensação e do abuso de direito
Tendo julgado procedentes os embargos com fundamento na inexigibilidade da obrigação exequenda, não tinha o tribunal recorrido que apreciar os pedidos subsidiários.
No entanto, o último parágrafo da sentença é do seguinte teor:
“Conclui-se, assim, pela inexigibilidade da quantia exequenda – sendo certo que tem razão a embargada quando nota que a “compensação” não pode operar (por a embargante não reconhecer a dívida, e não ser credora da embargada), e não existindo motivo para considerar que a embargante actua em “abuso de Direito” (ficando claro que é devedora do montante mutuado no contrato que aqui não está a ser executado).”
Recordemos, os pedidos formulados na petição de embargos:
“A. Deve ser julgada procedente, por provada, a exceção de preenchimento abusivo da livrança junta pelo Exequente ao douto Requerimento Executivo, o que determina a nulidade do título executivo dado à execução, devendo, em consequência, julgar-se extinta a presente execução;
B. Caso assim doutamente não se entenda, deve ser operada a compensação de créditos, entre o valor dos danos sofridos pela Executada e o valor da quantia exequenda, nos termos do disposto no artigo 847.º do Código Civil e nos artigos 729.º, alínea h) e 731.º do CPC, julgando-se, em conformidade, extinta a presente execução;
C. Caso seja julgado improcedente o pedido deduzido em B., deverá a quantia exequenda ser limitada a 45.132,16€, correspondente a 85% do montante inicial da abertura de crédito, em resultado do acionamento da ordem “Stop Loss” estipulada na cláusula primeira e na cláusula quarta, n.º 7 do contrato de penhor junto como Doc. 7, extinguindo-se, em conformidade, a execução relativamente ao valor remanescente;
D. Caso seja julgado improcedente o pedido deduzido em C., deverá ser decretada a redução do valor da quantia exequenda no montante de 70.951,00€, correspondente ao valor dos produtos financeiros complexos no dia 17 de junho de 2021, data em que foi dada a ordem de liquidação pela Executada, declarando-se a extinção da execução nesse montante.”
Na petição de embargos foi alegada a compensação de créditos, com os seguintes fundamentos: ao violar os deveres de informação e dos deveres de zelo e diligência exigidos na atividade bancária e na intermediação financeira, na aquisição pela embargante dos produtos financeiros em causa e contratação da abertura de crédito, o exequente agiu com culpa, que se presume, sendo responsável pelos danos causados. Mais alegou que os danos se traduzem, pelo menos, na perda do valor do capital financiado através do contrato de abertura de crédito com o n.º 2805191512 e investido na aquisição dos produtos financeiros, no valor de 295.034,70€, deduzido do valor atual dos referidos produtos, no montante de 59.821,00€, para além dos juros e comissões pagas ao Banco Exequente e imposto do selo, tudo em valor manifestamente superior ao da quantia exequenda, devendo ser operada a compensação de créditos, nos termos do estipulado no artigo 847.º do Código Civil e nos artigos 729.º, alínea h) e 731.º do CPC, decretando-se a extinção a execução.
Foram deduzidos quatro pedidos: o primeiro a título principal, e os restantes a título subsidiário e sucessivo.
A compensação constitui o primeiro pedido a título subsidiário, formulado para o caso de ser improcedente o pedido principal de extinção da execução com fundamento no preenchimento abusivo da livrança – o que veio a suceder, em sede do presente recurso (e depois de afastada a tese defendida na sentença da inexigibilidade da obrigação exequenda).
Relativamente à admissibilidade da compensação deduzida a título subsidiário formaram-se duas correntes contrárias na doutrina e jurisprudência.
Adiantamos que sufragamos o entendimento que admite a dedução de compensação nesses termos, aderindo aos fundamentos expostos por Miguel Teixeira de Sousa, no Blog do Instituto Português de Processo Civil, IPPC, acessível em https://blogippc.blogspot.com/2020/07/o-que-e-compensacao-subsidiaria.html, em comentário ao acórdão da Relação do Porto de 18/06/2020, no proc. nº 586/19.6T8VNG-A.P1:
“A realidade é, pois, precisamente aquela que a RP não aceita como admissível: a enorme maioria das compensações judiciárias deduzidas com base no art.º 266.º, n.º 2, al. c), CPC são compensações subsidiárias. Como é claro, se assim não pudesse ser, a aplicação do disposto no art.º 266.º, n.º 2, al. c), CPC não passaria de uma raridade. (…) Ora, a discussão tem interesse porque a compensação é frequentemente invocada em juízo, precisamente porque nada obsta à admissibilidade da compensação subsidiária.
b) É certo que a RP cita alguma jurisprudência do STJ que rejeita a admissibilidade da dedução subsidiária da compensação. Só que essa jurisprudência -- anterior ao CPC de 2013 -- padece, ela própria, de um enorme equívoco. Como se sabe, durante a vigência do CPC/1961 havia uma orientação -- talvez até maioritária -- que entendia que, até ao montante dos créditos compensáveis, a compensação devia ser deduzida por via de excepção. Pois bem, perante isto cabe perguntar o seguinte: onde é que alguma vez se entendeu que uma excepção peremptória não pode ser alegada a título subsidiário da defesa por impugnação?
A resposta só pode ser esta: isso jamais foi defendido! Sempre se aceitou, com a maior das naturalidades (e das justificações), que o réu pode começar por se defender por impugnação ("não celebrei o contrato com o autor") e, a título subsidiário, alegar uma excepção peremptória ("se se reconhecer que celebrei o contrato, então o mesmo é nulo"). Transposta esta indiscutível solução para a compensação, isto tinha necessariamente de conduzir, na altura, à admissibilidade de o réu negar o crédito invocado pelo autor (defesa por impugnação) e alegar, a título subsidiário, a excepção de compensação (defesa por excepção).
Sendo assim, a transposição para a actualidade dessa pouco feliz jurisprudência não deveria ter sido realizada sem uma ponderação da sua difícil sustentabilidade no próprio momento em que foi proferida.
3. Contra a admissibilidade da reconvenção subsidiária, a RP invoca o disposto no art.º 848.º, n.º 2, CC, que determina que a declaração de compensação é ineficaz, se for feita sob condição ou a termo.
Salvo o devido respeito, há aqui uma confusão. Uma coisa é não ser possível fazer uma declaração de compensação sujeita a uma condição, outra coisa completamente diferente é deduzir em juízo a compensação para o caso de o crédito do autor vir a ser reconhecido. No primeiro caso, a compensação só operaria se se verificasse a condição aposta pelo declarante, no segundo a compensação opera, sem qualquer condição aposta pelo réu reconvinte, logo que esteja verificada a existência do crédito do autor.
Acresce que a existência do crédito do autor não é uma condição da compensação, mas antes um requisito da compensação. Portanto, a dedução subsidiária da compensação em juízo nada tem a ver com a inadmissibilidade da sujeição da declaração de compensação a uma condição. (…)”.
O funcionamento da compensação, nos termos previstos pelo art.º 847º do CC, depende da verificação dos seguintes requisitos: a existência de dois créditos recíprocos; a exigibilidade do crédito do autor da compensação; que as obrigações sejam fungíveis e da mesma espécie e qualidade; a não exclusão da compensação pela lei; a declaração da vontade de compensar.
Operando a compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis (art.º 854.º do Código Civil).
A compensação é, pois, uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito liberando-se do seu débito.
Rui Pinto, A Ação Executiva, Almedina 2018, págs. 391-393 refere:
“A compensação que o executado já realizou antes da oposição à execução deve ser incluída na al. g) do artigo 729, seja na execução de sentença ou na execução de título diverso de sentença. (…)
… em abono do dever de verdade material, se já houve compensação extrajudicial o executado deve fundar os seus embargos num facto extintivo da sua (já pretérita) dívida, no quadro da previsão e das condições da al. g) do artigo 729. Mas no caso de sentença, a compensação extrajudicial deve ser superveniente e deve ser provada por documento, como exige esta alínea.
A contrario, a al. h) vale apenas para a emissão de uma declaração de compensação por meio da própria petição de oposição à execução (compensação judicial) tanto de sentença como de título diverso de sentença.
Há uma diferença importante, porém: a compensação judicial deduzida contra a execução de sentença (i) apenas pode ser objeto de prova documental, e (ii) deve ser superveniente, como decorre da parte final da al. g) do art.º 729. A sujeição a esses limites decorre das regras de preclusão de fundamentos de defesa e do valor de caso julgado da sentença.”
Quanto ao requisito da exigibilidade entendemos não significar a necessidade de prévio reconhecimento judicial, mas apenas que assista ao respetivo credor o direito de exigir em tribunal o cumprimento, seja através de ação executiva, por dispor de título executivo, seja de ação declarativa para reconhecimento da existência e exigibilidade da obrigação.
Neste sentido, v. entre outros, acórdão do STJ de 11/07/2019 [4]: “A questão da delimitação do que deve entender-se por “exigibilidade judicial “para efeitos de compensação de créditos, tal como se demonstra no acórdão recorrido e nas alegações do recorrente não tem tido solução unânime na nossa jurisprudência. Porém este STJ vem-se pronunciando maioritariamente, segundo cremos, no sentido apontado pela citada doutrina, e pelo entendimento sustentado no acórdão recorrido, ou seja, considerando que a exigibilidade judicial de que o preceito não prescinde quanto ao crédito ativo não significa necessidade de prévio reconhecimento judicial, mas apenas que o mesmo crédito esteja em condições de nos termos do art.º 817º, ser judicialmente reconhecido.
Assim, diz-se no recente acórdão deste STJ de 10.04.2018:
“o crédito (activo) a compensar não tem de estar reconhecido previamente para se poder invocar a compensação (…)
Assim, é exigível judicialmente o crédito susceptível de ser reconhecido em acção de cumprimento”.
E no acórdão do mesmo tribunal de 2.07.2015 que o primeiro cita:
“A exigibilidade do crédito para efeito de compensação não significa que o crédito (…) do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente: do que se trata é de saber se tal crédito, que se pretende ver compensado, existe na esfera jurídica do compensante, e preenche os demais requisitos legais; sendo exigível, não procedendo contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade – als. a) e b) do nº1 do art.º 847º do Código Civil.
O invocado crédito não deixa de ser exigível, muito embora no momento em que é oposto não esteja reconhecido, nem judicialmente, nem pelo credor, o que conduz, inexoravelmente, a uma decisão judicial que os reconheça. (…)
Também o Direito adjectivo constituído não realiza qualquer distinção e menos estatui que o executado deva estar munido de um título executivo. A necessidade de simetria de armas, que parece ser subliminarmente visada pela tese referida (a um título executivo responder-se-ia com outro) não foi nunca verbalizada, a qualquer nível ou com o menor afloramento, pelo legislador. Este apenas pretendeu, na al. h) do art.º 729.º do Código de Processo Civil, permitir que, até ao último momento - leia-se, até à cobrança coerciva efectiva - se possa invocar e fazer valer contra-crédito compensatório».”
O crédito ativo (da compensante) foi oposto ao exequente na petição de embargos à execução, pelo que, apesar de não se mostrar reconhecido, não deixa de ser exigível, carecendo de decisão judicial que o reconheça, in casu, a decisão dos embargos à execução.
O crédito invocado funda-se na responsabilidade civil do exequente, decorrente da violação dos deveres de informação, zelo e boa fé (art.ºs 7.º, 12.º-A, 12.º-B, 12.º-C, 304.º, 304- B, 312.º a 312.º-E, 314.º a 314.º-C, todos do Código dos Valores Mobiliários, em vigor à data dos factos, bem como dos art.ºs 74º e ss. do RGICSF), enquanto entidade bancária e intermediário financeiro. Incumbe ao lesado alegar e provar os requisitos da responsabilidade civil pré contratual e contratual, exceto a culpa.
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 8/2022, publicado no DR-212/2022, SÉRIE I de 03/11/2022-11-03 é do seguinte teor:
“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.
2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.
3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.
4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”
Na ampliação do recurso a embargante pugna pelo aditamento aos factos provados dos seguintes factos:
- “Os contratos de crédito dados como reproduzidos nos factos provados 6, 16, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 26 tiveram um custo associado para a Embargante de 71.728,15€” (conclusão T);
- “se a Embargante tivesse sido corretamente aconselhada e tivessem sido cumpridos os procedimentos normais para este tipo de operações, nomeadamente, através da prestação de informação completa e verdadeira ao cliente, a Embargante não teria contratado os créditos referidos nos factos provados 6, 16, 18, 19, 20, 21, 23, 24 e 26, nem adquirido os produtos financeiros identificados nos factos provados 3 e 4” (conclusão OO)
Defende, ainda, a alteração do facto provado nº 40, nos seguintes termos:
“40. A embargante recebeu, das vendas dos produtos financeiros, cerca de nove mil euros (7.500€ em 2016, e 1.500€ em 2017), e pagou, pelo menos, 5.000€, o que se traduziu num ganho líquido de 3.500€” (conclusão W).
Na petição de embargos, relativamente ao nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação do exequente e os danos alegadamente causados a embargante alegou o seguinte:
“Art.º 63º Tendo presente tudo o que ficou exposto, é inequívoco que, no caso em apreço nos autos, a Executada apenas assinou os escritos que lhe foram facultados pelo Gestor de Conta do Banco Exequente a promessas de aplicação do valor para obtenção de rentabilidades que lhe permitiriam fazer face ao serviço da dívida e, ainda, trazer algum rendimento para fazer face aos seus encargos familiares,
64.º Sendo igualmente inequívoco que não lhe foi explicado que poderia perder todo o capital aplicado e ficar com uma dívida avultada junto do Banco Exequente, como de resto veio a suceder.”
Atinente à responsabilidade civil do exequente, não considerando os danos, foram dados como provados os seguintes factos:
“9 - A embargante assinou os documentos supra (de 10-XI-15) ‘de cruz’, por confiar no gestor de conta – não tendo ficado com cópias, e não lhe tendo sido explicados os respectivos teores.
10 - A embargante não percebeu, nem lhe foi explicado, que produtos estavam a ser adquiridos, respectiva forma de funcionamento, e quais os riscos associados – não lhe tendo sido explicado que poderia perder todo o capital aplicado e ficar com uma dívida avultada.”
Estes factos respeitam à violação dos deveres de informação do exequente.
Na sentença recorrida foram considerados não provados sob os nºs 41 a 44 os seguintes factos (que não foram objeto de impugnação na ampliação do recurso):
“41 - Devido aos graves problemas financeiros, e por sugestão do gestor de conta, a embargante contratou uma abertura de crédito no montante de 300.000,00€.
42 - Pelo gestor de conta foi dito à embargante que a embargada aplicaria o valor financiado, o que lhe traria uma rentabilidade suficiente para fazer face ao serviço da dívida (isto é, para pagar o empréstimo), mas também, e sobretudo, um rendimento suficiente para ajudar ao seu desafogo financeiro.
43 - Estas foram as únicas explicações prestadas à embargante antes da contratação da conta corrente caucionada.
44 - A embargante sempre entendeu que estariam a conceder-lhe um vulgar empréstimo, que pagaria em prestações mensais, iguais e sucessivas.”
Verifica-se, assim, que o facto pretendido aditar, constante da alínea OO) das conclusões das contra-alegações/ampliação do recurso, constitui facto essencial, por respeitar ao nexo de causalidade, cujo ónus de alegação e prova incumbia à embargante. Ora, verifica-se que tal factualidade não foi alegada na petição de embargos e a apelada não impugnou os factos não provados nºs 41 a 44.
Com efeito, na petição a embargante não alegou que se lhe tivesse sido prestada a informação devida não teria tomado a decisão de investir nos produtos financeiros ou de contratar a abertura de crédito e mútuos subsequentes.
Tratando-se de facto essencial cabia à embargante a sua alegação (art.º 5º, nº 1 do CPC), estando vedado ao tribunal considerar tal facto, ao abrigo do art.º 5º, nº 2, als. a) e b) do CPC - ainda que eventualmente tenha resultado das declarações de parte da embargante - por não se tratar de facto instrumental, facto que seja complemento ou concretização dos alegados.
Por se revelar manifestamente inútil para a decisão da causa, uma vez que, independentemente do que resultou da instrução, não ser admissível aditar o facto constante da conclusão do recurso OO), improcede a impugnação da decisão de facto, nesta parte.
Não demonstrado um dos requisitos (cumulativos) da responsabilidade civil assacada ao exequente, forçoso é concluir que não se tem por verificado o contracrédito invocado pela apelante, o que conduz à improcedência da invocada compensação.
Atento o ora decidido, é manifestamente inútil apreciar a impugnação da decisão de facto relativamente aos outros dois factos pretendidos aditar aos provados, que dizem respeito à quantificação de determinados prejuízos, que alegadamente integram o dano causado pela violação dos deveres que recaem sobre o exequente (questão que se prende com a compensação). Sempre se dirá que na petição de embargos a embargante se limitou a alegar genericamente que os juros e comissões pagas ao exequente e imposto do selo integram os danos causados, sem qualquer quantificação dos mesmos.
Por fim, pugna pela atuação do exequente em abuso de direito por ter impelido a embargante para a situação descrita nos autos, vindo agora reclamar o pagamento de algo que sabe não ser devido. Defende, ainda, que “tal atuação não poderia deixar de ser considerada como violadora do dever geral de boa-fé, dever de conduta esse que deve estar presente em qualquer das fases prévia, de execução e posterior do contrato. Sendo que, no caso, a omissão de deveres de informação, assistência e boa-fé, ocorreu previamente à celebração do contrato, como também na fase de execução do mesmo e até já na fase final de preenchimento do título de crédito dado à execução.”
O abuso de direito, na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em quem se confiou viole, com a sua conduta, os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio.
Tem sido entendido que o exercício do direito só poderá qualificar-se de abusivo quando exceda manifesta e clamorosamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos inequivocamente ofensivos da justiça ou do sentimento socialmente dominante.
A embargante assaca ao exequente o abuso de direito relativamente ao contrato de abertura de crédito, livrança e demais negócios celebrados em 10/11/2015, pretendendo abranger também o último mútuo.
Foi apenas relativamente aos negócios celebrados em 10/11/2015 que se deu como provado (cfr. factos 9 e 10) que: “a embargante assinou os documentos supra (de 10-XI-15) ‘de cruz’, por confiar no gestor de conta – não tendo ficado com cópias, e não lhe tendo sido explicados os respectivos teores; a embargante não percebeu, nem lhe foi explicado, que produtos estavam a ser adquiridos, respectiva forma de funcionamento, e quais os riscos associados – não lhe tendo sido explicado que poderia perder todo o capital aplicado e ficar com uma dívida avultada.”
Nenhum facto se apurou relativamente ao contrato de mútuo celebrado em 29/05/2018, integrador de qualquer conduta abusiva do exequente. Apenas este contrato constitui a relação jurídica subjacente à livrança dada à execução, a única em relação à qual, por via de embargos, podem ser opostas exceções de direito material. Não se verifica, pois, o imputado abuso de direito.
Idêntico fundamento se aplica à redução da quantia exequenda (objeto dos pedidos subsidiários formulados nas al. C) e D), pois a quantia mutuada ao abrigo do contrato celebrado em 29/05/2018 provém de facto jurídico distinto e autónomo em relação ao contrato de abertura de crédito, contrato de penhor e livrança celebrados/assinados em 10/11/2015, não sendo lícito à embargante discutir nos presentes embargos de executado aqueles negócios jurídicos.
Soçobram, pois, os fundamentos da ampliação do recurso, com a manutenção da procedência do recurso interposto pelo exequente.
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, julgam-se improcedentes os embargos e determina-se o prosseguimento da execução.
Custas dos embargos e do recurso a cargo da apelada. 

Lisboa, 22 de outubro de 2024
Teresa Sandiães
Amélia Ameixoeira
Cristina Lourenço
_____________________________________________________
[1] Ac. RE de 22/03/2018, 297/15.1T8PTM-C.E1 in www.dgsi.pt
[2] Ac. STJ de 21/06/2018, proc. nº 2198/12.6TBPBL.C1.S1, in www.dgsi.pt
[3] Ac. STJ de 28/09/2017, proc. nº 779/14.2TBEVR-B.E1.S1, in www.dgsi.pt
[4] proc. nº 1664/16.9T8OER-A.L1.S1, in www.dgsi.pt